AS ORIGENS DO PENSAMENTO NA TEORIA DAS PAIXÕES
Pollyanna Paiva Santos da Rocha*


Resumo
O que significa pensar? De onde vem o pensamento?Qual seriam as origens de nossas ideias e ações? Como funciona a mente? Por que preferimos tal a qual coisa? O prazer é determinante nesta preferência? Buscando resposta a estas indagações poderíamos recorrer a inúmeros filósofos em diferentes tempos históricos em diversas abordagens, porém o que este trabalho propõe é responder a estas questões através de um estudo sobre as diferentes articulações que paixões como amor, de¬sejo e prazer sofreram na modernidade e que atribuem as origens do pensamento às sensações. Isto será feito visitando a Filosofia e Psicanálise, em autores como T. Hobbes e E. Condillac, e S.Freud.
Palavras-chaves: pensamento, sensação, desejo, prazer

Summary
Which means thinking? Where does the thought? What are the origins of our thoughts and actions? How does the mind? Why prefer such that thing? The pleasure is decisive in this preference? Seeking answers to these questions could resort to numerous philosophers in different historic times in various approaches, but what this work proposes is to answer these questions through a study on the different articulations that passions as love, desire and pleasure ¬ suffered in modernity and that attach to the origins of thought the sensations. This will be done by visiting the philosophy and psychoanalysis, in authors as t. Hobbes and e. Condillac, and s. Freud.
Keywords: thought, sensation, desire, pleasure


AS ORIGENS DO PENSAMENTO NA TEORIA DAS PAIXÕES
Pollyanna Paiva Santos da Rocha

Introdução
Muitos filósofos buscaram responder a questão: o que significa pensar? Às vezes concordando, às vezes não, com as ideias uns dos outros, como é de costume acontecer na construção de qualquer conhecimento. Dentre alguns filósofos que respondem a indagação sobre o que é o pensamento, está Heráclito quando diz que a lei que governa o mundo e, portanto a mente do homem é o lógos, que pode ser traduzido (entre outras traduções) por pensamento. Todos os homens pensam! Descartes, também compartilha de algo próximo dessa ideia quando diz que, se o homem pensa logo ele existe! Mas para Heráclito existe uma profunda diferença na maneira de pensar dos indivíduos, para ele alguns ainda permanecem "adormecidos" seriam aqueles que se limitam às percepções imediatas, ao senso comum. Em contrapartida existem os "despertos", aqueles que utilizam o lógos de maneira consciente. De qualquer maneira, partindo do princípio de que todo ser humano pensa, poderia fazer outra indagação: Mas de onde vem o pensamento? Qual seriam as origens de nossas ideias e ações? Como funciona a mente humana? Este estudo pretende buscar responder a estas questões vistas pela ótica das diferentes articulações que paixões como amor, de¬sejo e prazer sofreram na modernidade e que atribuem as origens do pensamento às sensações. Isto será feito visitando a Filosofia em autores como T. Hobbes e E. Condillac, e a Psicanálise de Sigmund Freud.

A gênese do pensamento
Thomas Hobbes, um filósofo empirista inglês do século XVII, desenvolveu estudos para compreender a sociedade civil (estado) e para tanto usou um método que chamamos de decomposição, ou seja, o objeto tematizado é decomposto em partes até atingir os elementos que o constituem. Assim a sociedade é composta de homens e estes são compostos de que? - perguntou-se Hobbes. Em sua obra "O Leviatã", ele entende o Estado como um "homem artificial" que contém todas as partes de um indivíduo natural. Mas tornou-se necessário procurar entender como é estruturada a natureza humana que mais tarde ele associa a estrutura social. Para tanto Hobbes concebeu a noção de uma natureza humana provida de faculdades e potências naturais, distinguindo-as entre as do corpo e as da mente.
As do CORPO foram resumidas a três categorias: Potência nutriz, motriz e geratriz. Quanto às da MENTE, ele reconheceu apenas dois tipos: A cognitiva (também chamada imaginativa ou conceptiva) e a motriz.
Cabe aqui destacar que a sensação é tida como a "unidade mínima da máquina humana". Investigando a causa da sensação que procede da ação que objetos exteriores provocam nos órgãos dos sentidos dos seres humanos, razão pela qual tais órgãos seriam os disparadores das sensações e, em seus desdobramentos, de nossas futuras concepções. Sensação é, para Hobbes, a origem de todos os nossos pensamentos, pois através de estímulos externos que guardamos através da imaginação, tida como uma sensação diminuída, é que produzimos conceitos futuramente expressos pelo pensamento. Ora referindo-se a imaginação ou a memória, Hobbes acredita que através delas que somos capazes de exprimir através do pensamento os conceitos atribuídos aquela sensação original. Segundo ele muita memória, ou a memória de muitas coisas chama-se experiência, marcando a convicção empírica de seu pensamento.
Etienne Condillac um materialista francês do século XVIII vai compartilhar das mesmas ideias de Hobbes, na medida em que ambos visualizam uma concepção empirista/sensualista na constituição das ideias. Para tanto, fazem critica ao inatismo das ideias e ao dualismo substancial, já que sustentam a origem sensorial do conhecimento e negam a separação entre corpo e alma, marcando assim o caráter materialista destas filosofias, principalmente em Condillac.
Ao longo da historia da filosofia a questão da sensação foi se completando no pensamento de Hobbes, Locke e Condillac, inclusive, é baseado nas ideias de Locke que Condillac avança em seus escritos. Assim a importância atribuída ao par prazer/desprazer, é essencial nesta discussão, já que o fato de este ser considerado concomitante às demais idéias imprime nelas marcas diferenciadas que possibilitam, pela memória e pela imaginação, evitar experiências e objetos causadores de desprazer, proporcionando de maneira derivada e adicional à conservação do organismo.

O prazer na hierarquia das paixões
Poderíamos arriscar dizer que Hobbes ainda está atrelado a uma espécie de dualismo, pois separa as faculdades e potências humanas entre as do corpo e as da mente, embora a potência motriz apareça tanto como faculdade do corpo quanto da mente sendo o elemento de ligação entre as partes, isso não se configurou como destaque no pensamento de Hobbes, sua importância está em atribuir à sensação como "unidade mínima da máquina humana" e, portanto geradora do pensamento.
Se para Hobbes o indivíduo cria conceitos através do rememorar de uma sensação, poderíamos imaginar que os homens seriam desprovidos de vontade já que dependem de fatores externos seus movimentos voluntários. Mas não é o caso, pois Hobbes vai articular as noções de sensação e de imaginação à de esforço. O desejo vai assumir a posição de superioridade na hierarquia das paixões no sentido de ser o provocador de um conceito/sensação. Mas como isso acontece para Hobbes?
O elemento chave para explicar esse pensamento é a qualificação da sensação, à medida que o indivíduo distingue uma sensação positiva de uma negativa, ele vai desejar ou rejeitar o objeto. Essa capacidade de qualificação está atribuída ao prazer, pois é pela busca de objetos benéficos ao movimento vital, ou seja, necessários a conservação da vida que se caracteriza uma sensação positiva, no caso o prazer. O desejo de prazer é tido como fator de sobrevivência humana, assim como a rejeição a toda sensação negativa, configura o desprazer e é atribuída ao objeto nocivo a vida.
Estudando a mecânica das paixões em Hobbes poderíamos perguntar: como se pode desejar ou rejeitar algo que se desconhece? Ou ainda o indivíduo sempre vai amar ou odiar um determinado objeto? Hobbes esclarece estas questões no capitulo VI da obra O Leviatã quando diz:
Porque das coisas que inteiramente desconhecemos, ou em cuja existência não acreditamos, não podemos ter outro desejo que não o de provar e tentar. Mas temos aversão, não apenas por coisas que sabemos terem-nos causado dano, mas também por aquelas que não sabemos se podem ou não causar-nos dano. Das coisas que não desejamos nem odiamos se diz que as desprezamos. Não sendo o desprezo outra coisa senão uma imobilidade ou contumácia do coração, ao resistir à ação de certas coisas. A qual deriva do fato de o coração estar já estimulado de maneira diferente por objetos mais potentes, ou da falta de experiência daquelas coisas.

Na trilogia das paixões de Hobbes situamos o desejo antecedendo o prazer que leva ao amor. A proximidade entre desejo e amor é feita pela ponte do prazer, já que Hobbes atribui desejo a ausência do objeto amado e amor a presença do objeto outrora desejado. A felicidade humana está no sucesso em conseguir o objeto do desejo, segundo Hobbes.
Aqui surgi outra dúvida: O que regula a vontade humana são somente a qualificação das sensações e a necessidade intrínseca nela de autoconservação da vida? Hobbes apresenta o conceito de deliberação para explicar essa questão e atribui a ele à felicidade em vida, como se conclui em suas palavras: "De modo que quem possuir, graças à experiência ou à razão, a maior e mais segura capacidade de prever as conseqüências é quem melhor é capaz de deliberar; e é quem mais é capaz, quando quer, de dar aos outros os melhores conselhos."
Condillac vai dar um passo adiante nesta noção de vida passional, que radicalizou a perspectiva da gênese sensorial do pensamento e do conhecimento, ele vai tentar descrever nada menos do que a própria geração das faculdades do espírito, a partir de uma teoria do conhecimento construída na perspectiva de uma investigação de natureza psicológica.
Condillac mostra que não há nenhum conteúdo ou faculdade do espírito que não seja constituído a partir de uma sensação, isto é, que não tenha sua origem nela. Distinguindo neste ponto das ideias de Locke que concebe a capacidade como inata, porém o conhecimento adquirido, através das sensações. Condillac associou assim, sequencialmente, a sensação às ideias e às faculdades; as últimas, como transformações da primeira. Por esse meio, da sensação deduziu o entendimento. A concepção materialista neste caso é o que da sustentação as ideias de Condillac.
O prazer assume a posição de destaque na hierarquia das paixões de acordo com o pensamento de Condillac, no caso, o desprazer talvez tivesse maior peso segundo ele, já que é através de uma sensação dolorosa que a natureza humana é capaz de distinguir e buscar sensações prazerosas, e assim conservar a vida. Embora Hobbes e Condillac coloquem as sensações como fator de origem dos conceitos, o par prazer/desprazer assume importância no pensamento de Condillac, diferente neste ponto do pensamento de Hobbes em que o prazer é tido como ponte entre o desejo e o amor por um determinado objeto, colocando assim o desejo com maior importância nesta hierarquia das paixões.
Na medida em que o prazer determina aquilo que o indivíduo deseja e, por conseguinte forma seus conceitos e para Condillac até mesmo as faculdades da mente são construídas através das sensações e do prazer ou desprazer que a elas são conferidas, reconhecemos neste pensamento o hedonismo, no sentido mais amplo desta filosofia em que a finalidade da vida está nos prazeres individuais e imediatos. O pensamento hedonista surgiu na antiguidade clássica entre os filósofos gregos e foi difundida pelos seguidores de Epicuro que considerava que a felicidade consiste em viver em contínuo prazer, porque para muitas pessoas o prazer é concebido como algo que excita os sentidos. Veja como o pensamento de Condillac está presente nesta filosofia ou vice-versa, pois ambas filosofias atrelam entre si questões como prazer, a sensação e o desejo no sentido de "dar sentido" a vida e manter o indivíduo num estado eterno de busca da felicidade. Epicuro considerou que existem várias formas de prazer, aqueles que são naturais e necessários, como comer e se abrigar; outros seriam prazeres naturais porém desnecessários, como o sexo e as artes e ainda considera prazeres desnecessários e artificiais como a fama e o poder.
Atualmente a sociedade é sustentada por um pensamento pragmático e hedonista levado aos extremos, pois somos conduzidos o tempo inteiro para a busca do prazer individual, sensual e material, na satisfação das necessidades que a vontade e o desejo nos impõe através da mídia e da filosofia do consumo. Só é importante aquilo que tem caráter prático, útil e satisfaz os desejos imediatos, aquilo que não atende a estes quesitos é colocado à margem, não é importante, é descartado. Portanto a questão do prazer, tanto no pensamento hedonista quanto nas teorias de Condillac, permeiam a realidade e atuam ora como mantenedores da vida, ora como seus destruidores, pois o bom ou o mau do prazer reside em como se procura e até onde chega e todos os extremos são inconvenientes, o excesso de prazer invariavelmente se converte em vício.

A fuga do desprazer
Assim como Hobbes e Condillac, Freud também relaciona a questão das sensações como originárias do pensamento e das ações do ser humano, porém se Hobbes posiciona o desejo no topo da hierarquia das paixões e Condillac coloca o prazer nesta posição, Freud tem uma visão particular da noção de prazer, pois ele relaciona todo e qualquer estímulo como algo desprazeroso. Os estímulos são tidos por Freud como aquilo que desestabiliza o sistema nervoso, pois este deseja o "repouso", então toda sensação está associada ao desequilíbrio do sistema que deve "escoar toda carga" que recebe do exterior, mantendo o mínimo de energia para somente atender aos estímulos internos e assim dar manutenção ao organismo.
Neste sentido, Freud, mesmo tendo como base teórica as ideias de Condillac, desloca na hierarquia das paixões, o prazer a uma posição inferior, ele reduz a paixão, o desejo, o prazer aquilo que traz desconforto ao organismo e que, portanto deve ser evitado, ou seja, o contrário do status que estas sensações desfrutam nas ideias de Hobbes e Condillac, que postulam a busca pelo prazer e não a fuga dele.
Temos aqui a filiação de Freud ao estatuto das ciências naturais, pois este aprofundou a questão da sensação como gênese do pensamento, já abordada no campo da filosofia, dando ênfase aos processos e mecanismos de construção do pensamento através dos estímulos externos e da experiência. Freud tenta explicar como as sensações são recebidas e transformadas no sistema nervoso. Ele começa dando um enfoque quantitativo a questão de como se dá o pensamento e as ações humanas, pois Freud vai considerar que todo ser humano é dotado de um sistema nervoso que se organiza em torno de uma função primária que é a de manter a variação de estímulos recebidos igual ou próximo de zero, já que "o neurônio aspira liberta-se de Q". Para tanto Freud estabelece o princípio da inércia que em conjunto com o movimento reflexo exercem essa função de equilibrar o sistema. Numa abordagem mais didática dos estudos de Freud poderíamos dizer que ele estabelece duas funções do aparelho neurológico e psíquico, das quais a primeira seria zerar os estímulos recebidos e a função secundária seria manter certa carga excitatória e recarregar o sistema atendendo aos estímulos endógenos, assim Freud vai distinguir três grupos de neurônios, o Phi ligado a percepção e o Psi ligado a memória, ambos de natureza quantitativa, pois é pela repetição e intensidade das sensações que estes atuam; e uma terceira classe de neurônio estaria ligada a qualidade que Freud denominou de Ômega. Freud estabelece este conjunto de neurônios e os caminhos pelos quais as sensações passam no organismo próximo das ideias de Condillac, que descreve um circuito em que é através da repetição de uma sensação, da atenção que dispomos a ela, da comparação desta sensação com outra, é que finalmente retemos um conceito atribuído a sensação inicial do circuito.
Cabe destacar aqui a questão do prazer e desprazer, pois Freud também se deparou com a questão qualitativa das sensações e ideias. Qual seria a motivação de nossas ações? O que faria preferirmos tal ou qual coisa ou idéia? Freud responde a estas questões relacionando a classe Ômega de neurônios ao desprazer, pois este seria o fator que põe Phi e Psi em movimento, estimulando o sistema ao cumprimento de sua função primária, que é "zerar" os estímulos para a sobrevivência do organismo. Portanto para um sistema que deseja o repouso, qualquer estímulo é considerado desprazer e deve ser "escoado". Logo, percebemos que Ômega transforma quantidade em qualidade através da intensidade e periodicidade dos estímulos, que neste caso são conscientes.
Freud torna-se original quando aborda uma questão filosófica e lhe dá características de ciência e reorganiza a hierarquia das paixões, na medida em que atribui importância ao desprazer, tido aqui como todo e qualquer estímulo, como o fator que movimenta a máquina humana, diferente de Hobbes e Condillac que atribuem ao desejo e ao prazer esta função.

Conclusão

Partindo do princípio de que todo o ser humano pensa e que o fim maior da vida é a felicidade, temos então a gênese do pensamento fundamentada nas sensações como ponto de convergência entre Hobbes, Condillac e Freud. Porém Hobbes e Condillac atribuem a felicidade à necessidade de sensações prazerosas, em Hobbes o desejo já movimenta o ser humano, em Condillac o par prazer/desprazer torna o homem capaz de escolher aquilo que lhe traz felicidade. Ambos os filósofos darão base aos estudos de Freud sobre o funcionamento da mente e este vai enxergar nesta noção de vida passional aquilo que desequilibra o sistema nervoso, que para estar bem precisa de repouso. Freud então traz uma concepção de felicidade quase que inexistente, pois viver para ele é um fardo, já que nunca estamos livres de estímulos, vivemos em constante desconforto, só quando nos livrarmos dos estímulos seremos felizes, ou seja, jamais seremos felizes em vida, porque segundo Freud a meta do aparelho psíquico é a morte, quando ocorrerá o fim de todos os estímulos. Nesta perspectiva, encontraremos as figuras mitológicas de Eros e Thanatos presentes nestas filosofias constituindo o paradoxo da vida humana e para o qual podemos procurar salvação no "espelho", que configura a matriz de cura da psicanálise fundamentada no antigo lema do templo de Delfos "Conhece-te a ti mesmo".


Referências bibliográficas

BOCCA, F. V. Paixões e psicanálise: dimensões modernas da natureza humana. Vitória: UFES, Núcleo de Educação Aberta e a Distância, 2010.

CONDILLAC, E. B. 1993: Tratado das sensações. Campinas, Ed. Unicamp.

FREUD, S. 1995/1885: Projeto de uma psicologia. Trad. Osmyr F. G. Jr.. R. J: Imago.

HOBBES, T. 1979: Leviathan. S. P., Abril Cultural.

NICOLA, U. Antologia ilustrada de filosofia: das origens à idade moderna. Trad. Maria Margherita de Luca. São Paulo: Globo, 2005.479 p.