AS ORIGENS DO MUNICÍPIO DE VIRGÍNIA NO CONTEXTO SUL-MINEIRO OITOCENTISTA

Gustavo Uchôas GUIMARÃES[1]

 

RESUMO

O município de Virgínia foi fundado no século XIX ao ser erguida a Capela de “Nossa Senhora da Conceição”. O sul de Minas crescia em contexto agrícola, monárquico, escravocrata e rural. O surgimento de Virgínia necessita de aprofundamento no estudo da História local para que a população perceba-se como integrante do processo histórico. Este estudo ampara-se na teoria de Christaller e busca aparatos em estudos sobre a compreensão e o ensino da História local. O resultado mostra a evolução de Virgínia na dependência de municípios em maior desenvolvimento do sul de Minas.

 

PALAVRAS-CHAVE: História local; Sul de Minas; Percepção histórica; Ensino.

ABSTRACT

The city of Virginia was founded in the nineteenth century to be built the Chapel of "Our Lady of the Conception." The southern Minas growing agricultural, monarchical, slavery and rural context. The emergence of Virginia requires deeper study of Local History for the population to be perceived as an integral part of the historical process. This study bolsters the theory of Christaller and search devices in studies on understanding and teaching of local history. The result shows the evolution of Virginia dependent on further development of the municipalities in southern Minas.

 

KEYWORDS: Local History. South of Minas. Historical perception. Education.

 

APRESENTAÇÃO

Minas Gerais desponta como fator importante de desenvolvimento da colônia portuguesa em solo americano a partir da descoberta de ouro na virada do século XVII para o XVIII. O Brasil passa, assim, a ter seu grande polo econômico no interior, ao contrário dos dois séculos anteriores, com a colonização portuguesa no litoral. O rápido crescimento das terras recém-exploradas leva o governo português a estabelecer regras e leis para a organização da região das minas.

Entre as medidas estava o controle do povoamento, sendo a Ordem Régia de 22 de outubro de 1698 uma das primeiras determinações, segundo a qual o governo português concederia sesmarias (terras doadas para povoamento e cultivo) com a condição de que os sesmeiros a povoassem e cultivassem dentro de dois anos a partir da concessão (CARRARA, 1999, p. 18). Uma das primeiras concessões na atual região sul de Minas Gerais foi feita ao português João de Toledo e Pisa Castelhanos, em 1710; ele recebeu o direito de explorar e povoar as terras “ao pé da Mantiqueira, para além da banda de lá da paragem chamada Caatheica, pelo caminho para as minas”, no caso, a região em torno do ribeirão Caetê, em Virgínia (idem, 1999, p. 40)[2]. O referido sesmeiro foi, segundo Horta (1986, p. 129), um dos iniciadores do atual município de Campanha, “berço do sul de Minas”.

Na virada do século XVIII para o XIX, a região de Virgínia participa ativamente da produção de fumo, sendo o maior produtor o capitão Custódio Ribeiro Pereira Guimarães (PROJETO COMPARTILHAR, s/d), português que, vindo para o Brasil, viveu no lugar conhecido como Chapada (Pouso Alto) e cujos descendentes influenciaram a política e a religiosidade da região ao longo do século XIX.

A história do município de Virgínia relatada acima passa muitas vezes despercebida do conhecimento da maioria dos virginenses, pois o que é ensinado sobre a História local gira superficialmente em torno da fundação do distrito, já na década de 1850. Ainda assim, tal fato, com seus personagens e contextos, não é tratado de maneira profunda, como se pode perceber em textos divulgados pela prefeitura de Virgínia e pela principal escola pública do município, que citam os nomes do fundador (padre Custódio de Oliveira Mont Raso), dos doadores das terras que originaram o distrito (Diogo José Labat Uchôas e Francisco Ribeiro Pires), além da data e de algumas curiosidades (inclusive, algumas fontes trazem datas divergentes e errôneas quanto a construção da primeira capela e fundação do distrito, mas isto será tratado mais adiante). Recentemente, a história do município vem sendo lembrada nas Exposições Agropecuárias realizadas anualmente na cidade e através da recém-criada Casa de Cultura.

É de grande importância compreender os processos históricos virginenses por várias razões, dentre elas: a necessidade do resgate da história dos pequenos municípios brasileiros, em especial os sul-mineiros (contexto virginense); a possibilidade de ampliação da consciência histórica nos “filhos da terra” (a começar dos alunos nas escolas do município), para que se percebam como sujeitos do processo histórico local e regional; a necessidade de valorização da história local, suas memórias, formações e reflexões na vida cotidiana dos sujeitos históricos; a possibilidade da utilização da história local para fins econômicos da parte do poder público municipal e dos trabalhadores, principalmente através do turismo.

Para se entender o processo formativo de Virgínia, é possível utilizar as ideias defendidas por Walter Christaller (RODARTE, 1999), conhecidas como “Teoria do Lugar Central”. Quanto a importância da história local para os habitantes de uma região e a eficácia de seu ensino nas escolas, recorreu-se aos estudos desenvolvidos por Barros (2013) e Tozoni-Reis (2010). A pesquisa também se deu, de forma documental, nos Arquivos da Cúria Diocesana da Campanha e da Prefeitura Municipal de Virgínia.

No primeiro capítulo, “Contexto sul-mineiro no século XIX e as ideias de Christaller”, detalha-se algumas características do sul de Minas Gerais no período oitocentista, com uma análise da Teoria do Lugar Central como forma de compreensão do processo histórico sul-mineiro. No segundo capítulo, “Fundação de Virgínia no contexto sul-mineiro”, destaca-se a criação do distrito virginense, sua ligação com a história sul-mineira e as características da povoação a partir da década de 1850. No terceiro capítulo, “Importância da história local e seu ensino”, aponta-se como a história de Virgínia pode ser compreendida e valorizada por sua população, principalmente a partir do seu ensino nas escolas do município e nas ações de promoção da história local e interação com os habitantes. E nas considerações finais, aborda-se a conscientização a respeito do sentir-se sujeito da história local, além de abrir possibilidades para novos e mais aprofundados estudos sobre o município virginense e para o aproveitamento das atuais pesquisas como subsídio aos estudiosos de história local.

1 – CONTEXTO SUL-MINEIRO NO SÉCULO XIX E AS IDEIAS DE CHRISTALLER

O sul de Minas Gerais compreende uma área historicamente habitada por diversas tribos indígenas (MATOS, 1981, p. 66), posteriormente povoada por exploradores portugueses e paulistas que buscavam ouro e caçavam índios (PARANHOS, 2005). A primeira cidade da região foi a Vila de Santo Antônio de Vale de Piedade da Campanha do Rio Verde[3], atual município da Campanha, fundada por causa da exploração do ouro às margens do rio Verde.

Ao longo dos séculos XVIII e XIX, a extração do ouro e, posteriormente, o cultivo do café fizeram aumentar o número de vilas e povoados em Minas Gerais, aliados ao comércio desenvolvido em torno destas atividades (RODRIGUES, 1992, p. 31-34 e 40-41). No entanto, Campanha continua sendo uma referência para a região sul-mineira, tendo padrões de desenvolvimento e tamanho populacional expressivos para o século XIX (ANDRADE & CARDOSO, 2000). Outras localidades também se destacam ao longo do mesmo século, como Pouso Alto, Baependi e Aiuruoca, principalmente pelo plantio de fumo (SAINT-HILAIRE, 1974, p. 64).

Cruz (2008, p. 27-28) destaca que a política portuguesa de concessão de sesmarias incentivou o aumento populacional, a produção agrícola e a expansão das fazendas no sul de Minas, em especial no século XIX e impulsionada pela demanda de alimentos nas regiões mineradoras. Essas fazendas passam a se destacar não só pela produção agrícola, mas também pela criação de gado e fabricação de derivados do leite (SAINT-HILAIRE, 1974, p. 48). Ainda hoje, a produção de queijos é conhecida em municípios como Alagoa, próximo ao rio Grande.

O crescimento do sul de Minas no século XIX teve os tropeiros como um dos personagens principais, integrando as regiões mais desenvolvidas do Rio de Janeiro e de São Paulo às regiões agropecuárias sul-mineiras (CUNHA, 2008), com a circulação de gêneros como café, milho, cachaça e doces, além dos escravos comercializados entre os fazendeiros.

Pode-se analisar o contexto de crescimento sul-mineiro, bem como o processo formativo do município de Virgínia, sob a ótica da Teoria do Lugar Central, elaborada pelo geógrafo alemão Walter Christaller. Pred (1979, p. 17) assim define a teoria de Christaller:

“De acordo com a teoria de lugar central de Christaller, a variedade de bens e serviços de consumo oferecidos pelos estabelecimentos de uma cidade [...] depende do número de ‘limiares’[4] que a população da cidade e seus arredores podem preencher. [...] Assim, quanto maior a população de uma cidade e seus arredores, maior a variedade de bens e serviços que pode oferecer.”

Rodarte (1999, p. 48), ao estudar a expansão urbana mineira no século XIX com base nas ideias de Walter Christaller e Allan Pred, diz que

“A maior ou menor centralidade de um núcleo [...] é determinada pela oferta dos bens e serviços desse núcleo. Os centros de menor centralidade (sic) tendem a ter apenas estruturas de ofertas de bens e serviços ubíquos [ou seja, que podem ser encontrados em qualquer lugar].”

Tendo por base essas colocações, percebe-se no processo histórico sul-mineiro o surgimento de povoações, vilas e cidades que se desenvolveram e posteriormente deram origem a novas povoações que delas dependiam em aspectos como oferta de bens e serviços, fazendo das vilas e cidades mais antigas os “lugares centrais” de referência. O Almanach Sul-Mineiro, em suas edições de 1874 e 1884, detalha o desenvolvimento de todas as vilas e cidades do sul de Minas, apontando principalmente os aspectos populacionais, geográficos e econômicos. Através do Almanach, é possível perceber como centrais as cidades mais populosas da região (de acordo com um censo de 1862): Pouso Alegre, Passos, Itajubá, Caldas, Campanha, entre outras (VEIGA, 1874, p. 29). As demais povoações e vilas ofereciam bens e serviços básicos, dedicando-se em especial a atividades agrícolas (RODARTE, 1999, p. 56), como no caso de Virgínia, que aparece no Almanach Sul-mineiro de 1874 tendo um número considerável de fazendeiros, comerciantes de produtos da terra, negociantes de fazendas e donos de engenhos (VEIGA, 1874, p. 131-132).

2 – FUNDAÇÃO DE VIRGÍNIA NO CONTEXTO SUL-MINEIRO

Como já foi dito há pouco, a ocupação portuguesa em Virgínia se deu a partir da primeira metade do século XVIII, mas foi em meados do século XIX que se forma o distrito em torno da capela de Nossa Senhora da Conceição, erguida no final da década de 1850 a partir da iniciativa do padre Custódio de Oliveira Monte Raso, que recebeu cinco alqueires de terra como doação de Diogo José Labat Uchôas e Francisco Ribeiro Pires (PREFEITURA DE VIRGÍNIA, s/d). As fontes documentais divergem quanto a data da doação das terras: algumas trazem o ano de 1856 (PREFEITURA DE VIRGÍNIA, s/d), enquanto outras trazem o ano de 1865 (SILVA, 1927). A primeira data está correta se for levado em conta que o primeiro registro de batismo em Virgínia é de 1861, já mencionando a capela de Nossa Senhora da Conceição como lugar do batizado e o padre Custódio como celebrante (CÚRIA DIOCESANA DA CAMPANHA, 1861).

A tradição oral trouxe aos tempos atuais o relato de que, quando da construção da capela, havia em Virgínia apenas quatro vias de circulação e atividades econômicas[5]: Rua da Ponte, Rua do Comércio, Rua das Flores e Rua Nova (estas duas últimas ainda são assim denominadas até hoje). Estas ruas concentravam as principais atividades comerciais da povoação, sendo lugar de encontro dos proprietários e demais moradores das fazendas ao redor; inclusive, até hoje, na antiga Rua do Comércio, há uma loja que está na 4ª geração de proprietários, funcionando desde 1865.

À época da fundação de Virgínia e nas décadas seguintes, o distrito manteve uma dinâmica típica dos antigos arraiais oitocentistas: poucas casas na povoação, presença de povoações mais distantes do núcleo urbano e distantes entre si, atividades econômicas voltadas para a agricultura e criação de animais, produção industrial discreta (ESTADO DE MINAS GERAIS, 1909, p. 867-868). A evolução populacional de Virgínia é lenta: em 1837 (quando ainda se chamava “Maranhão”), constava no lugar 669 moradores (MATOS, 1979, p. 123); em 1884, contava 5 mil habitantes (ESTADO DE MINAS GERAIS, 1909); em 1927, eram 12 mil pessoas (SILVA, 1927); em 1950, o Censo registrou 7806 moradores (IBGE, 1959, p. 438); e o Censo de 2010 apontou 8623 habitantes (IBGE, 2010).

Quanto às atividades econômicas e às profissões, em Virgínia predominava as que são ligadas à agricultura e à terra, atividades que ainda hoje estão entre as principais no município virginense. Nestes aspectos, tem-se um detalhamento maior nas edições do Almanach Sul-mineiro, como se pode ver na tabela a seguir:

Atividades econômicas e profissões em Virgínia listadas no Almanach Sul-mineiro

Almanach de 1874

Almanach de 1884

Juízes de paz, escrivão, fiscal, alinhador, oficial de justiça, subdelegado de polícia, professores, padre, sacristão, fabriqueiro, donos de engenho, fazendeiros, negociantes de fazendas, negociantes de molhados e gêneros da terra, alfaiate, carpinteiros, oleiro, fogueteiro, pedreiro, farmacêutico, sapateiro e seleiros.

Juízes de paz, escrivão, oficial de justiça, fiscal, alinhador, subdelegado de polícia, professores, agente do correio, padre, sacristão, açougueiro, alfaiates, capitalista, negociantes de fazendas, fazendeiros, donos de engenho, cafeicultores, ferradores, ferreiros, fogueteiro, marceneiro, médico, negociantes de molhados, oleiro, farmacêutico, tropeiros, fabricante de velas de cera, fabricantes de vinhos.

FONTE: VEIGA, 1874, p. 131-132; idem, 1884, p. 490-491

Pode-se notar que de 1874 a 1884 houve maior variedade nas atividades econômicas e profissionais em Virgínia, podendo isto atribuir-se ao desenvolvimento trazido pelas estradas de ferro que se expandiam pelo Brasil na segunda metade do século XIX[6]. Outro detalhe importante é a entrada do café em Virgínia no mesmo período, seguindo o processo expansionista que tornou a região sul de Minas uma das maiores produtoras brasileiras de café.

As informações do Almanach Sul-mineiro corroboram também a forte presença da Igreja na vida social e política virginense. O padre Manoel Carlos de Seixas Rabello, que atuou em Virgínia entre 1869 e 1921, aparece nas edições do Almanach como “delegado de instrução pública”, fazendeiro de café e fabricante de vinhos, além de constar na lista de eleitores da povoação.

As eleições em Virgínia seguiam o padrão estabelecido pela Constituição Federal de 1824, que determinava quem tinha direito ao voto[7]. Em Virgínia, atas de reuniões dos eleitores dão conta de que seu número era reduzido, englobando principalmente os líderes das famílias mais numerosas e antigas do distrito e quem realmente tinha poder político, econômico e religioso, dentre eles: Padre Manoel Carlos de Seixas Rabello; Capitão Custódio Ribeiro de Carvalho Guimarães, fazendeiro e dono de engenho, e seu filho Custódio Ribeiro de Carvalho Júnior[8]; João Martiniano de Negreiros, fazendeiro e comerciante; Diogo José Labat Uchôas, fazendeiro de café e dono de engenho, e seus filhos José, Francisco Diogo, Antônio e José Brazil; entre outros. As informações das atas de eleitores, comparadas com a informação de que Virgínia tinha 5 mil habitantes em 1884, mostram que aqueles que podiam ser eleitores representavam menos de 1% da população virginense, mantendo o funcionamento da estrutura de dominação do Estado e de seus representantes.

Outra característica do distrito virginense na segunda metade do século XIX era a manutenção da mão-de-obra escrava, que persistiu até o último momento (a abolição total, em 1888), seguindo a tendência do sul de Minas, onde, segundo Noronha (2012), a escravidão manteve certo vigor apesar da proibição do tráfico internacional de escravos. Os registros da paróquia Nossa Senhora da Conceição atestam esta persistência da escravidão no então distrito de Virgínia (CÚRIA DIOCESANA DA CAMPANHA, 1871-1898), assim como os registros de Pouso Alto, um dos municípios as quais Virgínia pertenceu após sua fundação (idem, 1872-1888)[9]. Mesmo após a promulgação da Lei Áurea (13 de maio de 1888), havia registros paroquiais na região que designavam negros com a palavra “escravo”[10].

3 – IMPORTÂNCIA DA HISTÓRIA LOCAL E SEU ENSINO

Virgínia tem uma história envolvida com o contexto histórico da região sul de Minas Gerais, participando da mentalidade, das práticas sociais, políticas, econômicas e culturais, além de fornecer subsídios para a maior compreensão do período oitocentista sul-mineiro. No entanto, que importância tem tudo isto ao virginense e, extensivamente, a sociedade sul-mineira?

A importância de se conhecer e estudar a história de Virgínia e seus contextos pode ser percebida à luz dos estudos em História local, cuja abordagem nas escolas é, segundo Barros (2013), uma estratégia pedagógica que favorece a aprendizagem a partir da realidade local e que se interessa em compreender a vida da sociedade em geral. Fora do espaço escolar, a abordagem, o estudo e o conhecimento da história local é também importante para que as pessoas “possam perceber como suas vidas fazem parte da História como um todo” (BARROS, 2013, p. 11). Conhecendo a história de seu lugar de origem ou de moradia, o indivíduo percebe-se como sujeito histórico, valoriza as relações sociais das quais faz parte e se insere nos processos de transformação local em seus vários aspectos.

No caso específico de Virgínia, os trabalhos de ampliação do conhecimento histórico local e de valorização dos processos históricos do município devem envolver toda a comunidade escolar, não só nos conteúdos a serem trabalhados em sala de aula, mas também no incentivo a participação das famílias na discussão e construção do conhecimento a respeito da história da cidade.

As pesquisas documentais e de campo são ferramentas indispensáveis neste processo, observando o que Tozoni-Reis (2010) diz quanto ao aspecto qualitativo da pesquisa, ou seja, indo além da aparência da fonte histórica e buscando compreendê-la profundamente, tendo a compreensão como mais importante do que a mera descrição. E quando se fala da indispensabilidade das pesquisas documentais e de campo, pensa-se corretamente na possibilidade de alunos entrevistando pessoas mais idosas da comunidade, interagindo com documentos paroquiais ou ainda promovendo debates na escola com a participação de quem, de alguma forma, pesquisa a História local (mesmo que não seja de maneira acadêmica ou ligada a algum método historiográfico).

Um outro fator que enriqueceria a pesquisa da parte dos alunos é a diversidade de origens dos mesmos, pois Virgínia conta com dezenas de povoados rurais que, na segunda metade do século XIX e início do XX, se desenvolveram também em torno de fazendas distantes da então vila virginense. Assim, além do processo histórico da cidade de Virgínia, também é possível aprofundar o conhecimento sobre seus bairros rurais, como Serra Verde, Marques, Muquém, entre outros.

Desenvolvendo estes trabalhos no ambiente escolar, toda a comunidade será “afetada” pelo interesse diante da própria história e das possibilidades de participação na continuidade dos processos históricos locais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pensar-se sujeito histórico no Brasil é algo que vem sendo resgatado na abordagem histórica contemporânea. Segundo Paim & Picolli (2007), o golpe militar de 1964 aborta as tentativas de revolucionar a educação no Brasil, deixando de lado qualquer abordagem da História local e fomentando a transmissão de valores morais e cívicos, além de tratar a História de maneira homogênea e excludente. Somente com a redemocratização, nos anos 1980, é que se traz a tona a urgência em resgatar a História e dar voz aos excluídos, tirando da abordagem histórica e do papel da escola o caráter de “aparelho ideológico do Estado” (PAIM & PICOLLI, 2007, p. 111).

A História local, quando trabalhada na escola, ajuda a formar a consciência do “eu histórico” e a despertar uma responsabilidade com a sociedade e os processos, pois a própria forma de se tratar a História local reflete as transformações da ciência histórica, que segundo Fagundes (2006, p. 85) “se caracteriza pela diversidade de abordagens”, sendo “uma época de autocrítica com relação a muitas escolhas feitas durante o decorrer do século XX”. Que escolhas seriam essas? No contexto do que está a ser abordado, pode-se dizer que muitas escolhas feitas no século XX foram pelo descarte do “indivíduo comum”, que era tido apenas como espectador da História e do ensino desta; mas, com o crescimento da abordagem da História local nas escolas, o educando percebe-se “como sendo parte integrante da história, não simples espectador do ensino desta, mas objeto e sujeito” (BARROS, 2013, p. 317).

Trazendo esta reflexão para a pesquisa sobre as origens do município de Virgínia, percebe-se a necessidade de aprofundar o conhecimento histórico municipal fugindo do ponto de vista que privilegia a história dos fazendeiros e das autoridades. Através da documentação disponível em arquivos das instituições políticas e religiosas, além da tradição oral e de outras tantas fontes, é possível construir também uma história local baseada nos pontos de vista dos “anônimos”, aqueles que têm seus nomes registrados em documentos paroquiais, livros de controle da prefeitura ou simplesmente na memória dos conterrâneos.

A partir desta pesquisa e de outras que são desenvolvidas, mesmo que não estejam ligadas a instituições acadêmicas, pode-se oferecer aos alunos e a população virginense um panorama da própria história, fazendo-os refletir sobre os rumos de seu município e as possibilidades de utilização da memória histórica, seja na preservação em museus ou casas de cultura (esta última já é realidade em Virgínia), ou ainda no uso econômico através do turismo e da preservação do patrimônio histórico local, construindo em toda a população uma maior responsabilidade com a própria história e uma consciência de que a História é palpável e suscetível aos rumos dados por seus sujeitos.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

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[1] Graduação em Normal Superior e História, Pós-graduação em Metodologia do Ensino de História e Geografia pela Universidade Barão de Mauá, Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil. E-mail do autor: [email protected]. Orientadora: Profª. Me.Cleide Augusto.

[2] Segundo Carrara (1999, p. 40, 50, 52-54), outras sesmarias foram concedidas nas regiões em torno do atual município de Virgínia, tais como:

1711 – terras cedidas nos “Pousos Altos” a Simão de Meireles e Manuel Machado Dutra (atual município de Pouso Alto) e as que foram vendidas a Manuel da Cunha Lobo pelos herdeiros de João Lopes de Miranda nos arredores do ribeirão Boa Vista (atual município de São Lourenço);

1717 – terras cedidas a João Antônio Rodrigues em Pouso Alto e a José Rodrigues Braga na “paragem Capivari, rio Verde” (atual município de Itanhandu);

1718 – terras cedidas a Domingos Rodrigues Correia no “Passaquatro” (atual município de Passa Quatro);

1730 – terras cedidas a João Cardoso e Domingos Rodrigues Correia na “paragem Tranqueiras” (hoje o bairro Tronqueiras, em Passa Quatro);

1733 – terras compradas por Domingos Martins do Prado no “Capivari do Rio Verde no Caminho Velho, testada para o Itanhandu” (atuais município itanhanduense e Distrito de Santana do Capivari, pertencente a Pouso Alto).

[3] Este nome aparece no primeiro registro paroquial de batismo, datado de 1748 e arquivado na Cúria Diocesana da Campanha.

[4] “Um limiar é o volume mínimo de vendas ou demanda necessário para sustentar economicamente certo tipo de estabelecimento” (PRED, 1979, p. 17).

[5] Relato da ex-professora Emília Maria Ribeiro Ivo.

[6] Em 1884, foi inaugurada a Estação de Pouso Alto (hoje no município de São Sebastião do Rio Verde), estimulando o desenvolvimento da região (PREFEITURA DE POUSO ALTO, s/d).

[7] A Constituição de 1824 declara, nos artigos 92 a 95, que o voto deveria ser feito em assembleias paroquiais, excluindo das mesmas os menores de 25 anos que fossem solteiros, os oficiais militares entre 21 e 25 anos, os bacharéis, os clérigos de ordens sacras, os filhos que ainda morassem com os pais, os criados (com exceção dos “guardalivros”), os administradores de fazendas e fábricas, os religiosos de comunidades “fechadas” e os que não tivessem renda anual igual ou superior a 100 mil réis; essas exceções aumentavam quando a eleição era para Deputado, Senador ou membro dos Conselhos de Província, excluindo do processo eleitoral os que não tivessem renda anual igual ou superior a 200 mil réis, além dos negros libertos e dos criminosos. E por fim, a lei estabelecia que qualquer eleitor poderia ser eleito deputado, com exceção dos que tivessem renda anual inferior a 400 mil réis, dos estrangeiros naturalizados e dos que não fossem católicos.

[8] Ambos eram descendentes de Custódio Ribeiro Pereira Guimarães (mencionado no início deste artigo).

[9] “Aos seis dias do mês de Maio de mil oitocentos e oitenta e oito, na Igreja Matriz desta Freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Pouso Alto, batizei solenemente e pus os santos óleos a inocente Clara, de cor parda, nascida a vinte e dois de Abril do corrente ano, filha legítima de Octaviano e Marfisa, ambos escravos de Dona Ritta Carlota da Silva: foram padrinhos João Carapina da Costa e sua mulher Maria, escrava de Dona Maria do Carmo Silva, todos desta freguesia; do que para constar mandei fazer este assento que assino. Padre Castorino Brito.” (CÚRIA DIOCESANA DA CAMPANHA, 1872-1888. Folha nº 54. Adaptado às normas ortográficas atuais).

[10] “Aos treze dias do mês de Dezembro de mil oitocentos e oitenta e oito, na Igreja Matriz desta freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Pouso Alto, o vigário Francisco Maria La Valle batizou solenemente ao inocente José, de cor preta, nascido a oito de novembro, filho legítimo de Jorge e Augusta, ambos escravos do Barão de Monte Verde: foram padrinhos Francisco Pereira da Silva e Maria Leopoldina de Jesus. E para constar mandei fazer este assento que assino.” (CÚRIA DIOCESANA DA CAMPANHA, 1872-1888. Folha nº 55. Adaptado às normas ortográficas atuais)