Caren Maiele Alves da Silva[1]

                                               Fabiana Fernandes de Oliveira[2]

RESUMO

O presente artigo tem como objetivo analisar o uso do verbo botar presente na fala dos angicalenses, verificando se as ocorrências linguísticas mais frequentes entre esses falantes são as mesmas ou se há alguma diferença semântica entre elas.  A opção pela escolha desse verbo deu-se pela abrangência de significados que o mesmo pode ter dependendo do falante que o utiliza, como também do contexto em que está inserido. O quadro teórico foi composto pela associação de postulados do Funcionalismo Linguístico, quais sejam o princípio de marcação e a gramaticalização. Para a realização desta pesquisa, foram analisadas dez ocorrências coletadas por meio de observações informais. Após mapear tais ocorrências do verbo botar, observamos as possíveis funções desse item. Para tanto, consideramos a análise tradicional e funcional do verbo botar e identificamos que o termo em estudo encontra-se em processo de mudança, uma vez que assume na fala semântica diferente de sua função primária. 

Palavras-chave: Botar. Marcação. Gramaticalização.

 

 

 

  1. INTRODUÇÃO

Este artigo tem como objetivo analisar o uso do verbo botar presente na fala dos angicalenses. Como tema escolheu-se “As ocorrências do verbo botar na comunidade de Angical” e a opção pela escolha desse verbo deu-se pela abrangência de significados que o mesmo pode ter dependendo não só do falante que o utiliza, como também do contexto que o individuo faz o uso do verbo, por isso a problemática deste trabalho é: Quais as conotações mais utilizadas pelos falantes angicalenses com o verbo botar? A partir da análise feita com as ocorrências coletadas chegaremos a um resultado concreto dessa situação problema apresentada neste trabalho.

A língua falada é um relevante tema para se estudar, pois é através dela que conseguimos verificar quanto um país, estado, ao ate mesmo uma comunidade é cheia de pessoas com falares diferentes, a essa ocorrência chamamos variação, um componente ligado à língua que faz dela um rico instrumento da lingüística. Essa pesquisa permitirá investigarmos a utilização desse verbo não só em pessoas mais novas como também as mais velhas e quais as ocorrências mais freqüentes serão encontradas.

A escola em sua maioria “veta” a fala do indivíduo, pois a preocupação da mesma é com a gramática normativa. Se a maneira do falante não estiver de acordo com essas normas, sua comunicação será considerada “errada” do ponto de vista gramatical. A própria sociedade da qual fazemos parte é a maior responsável por esse “vetamento”; impõe regras às quais devemos obedecer não que isso seja necessário, mas há um extremismo com relação a essas regras; e com isso o contexto cultural, a própria identidade social do falante se torna dependente dos estereótipos sociais. É evidente que a maneira como se fala é diferente na hora da escrita, faz parte do discurso da situação comunicativa; por isso a importância das regras na formulação dos textos.

Para a realização dessa pesquisa, foi realizada uma observação indireta com dez informantes que residem na cidade de Angical- BA, na faixa etária de 20 aos 50 anos acima, de ambos os sexos, para verificarmos as ocorrências com o verbo botar. O trabalho será dividido em quatro partes, primeiro exposto um levantamento teórico sobre as correntes, estruturalista, gerativista e funcionalista (valorizando os temas forma e função). Na segunda parte, serão feitas as análises funcional, tradicional e sintática das ocorrências coletadas com o verbo botar, para verificar as funções que esse verbo pode ter. Na terceira parte serão divulgados os resultados voltados para a problemática apresentada no inicio dessa discussão. E pra finalizar serão feitas as considerações finais a respeito da pesquisa realizada com este verbo.

 

  1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A corrente estruturalista surge em 1916 com Ferdinand Saussure afirmando que a língua é puramente “forma” e não substância. Eles trazem em sua bagagem a idéia de gramática tradicional e estudavam a língua separadamente da fala, ou seja, para esses estudiosos a língua não precisa de contexto para ser estudada.

Segundo Carvalho, 2003 p. 63

                                      A Língua é Forma e não Substância — Forma, para Saussure, é usada no sentido filosófico, isto é, como essência, e não no sentido estético, como aparência. A teia de relações entre os elementos lingüísticos é que constitui a forma. Os elementos da rede constituem a substância. 

 

Nota-se que para Saussure a língua não precisava de contexto para ser estudada, ela vinha de fora para dentro, ou seja, você adquiria a língua ao longo de sua vida. Ele comparava a mesma em seus estudos como um jogo de xadrez: para as regras do jogo estão a forma (língua), ou seja, é ela que impõe, que diz o que esta certo ou errado, enquanto a fala (substância) representa as peças daquele jogo. Uma está ligada a outra, porém quem joga as cartas, dá o primeiro passo, segundo esse estruturalista é a langue (língua).

O mesmo autor ainda diz que “Saussure não deixou de tratar também da substância (fala), reconhecendo que a sua função é fazer a ligação com a forma, que é, em última análise, para ele, a verdade total” (pg. 63).Nota-se mais uma vez que para Saussure, embora a fala está ligada à língua, ele deu mais ênfase aos seus estudos naquela época para a langue, forma (língua).

O Gerativismo nasce em meados de 1950 com Noam Chomsky, eles afirmam que a língua vinha de dentro pra fora, ou seja, você já nasce com uma pré-disposição para a língua, é uma questão genética, eles também aceitam a gramática normativa e não admitem o “erro”. Orlandi, 1986 pg. 38; 39 afirma que

                                               Para Chomsky, a tarefa do linguista é descrever a competência do falante. Ele define competência como a capacidade que todo falante (ouvinte) tem de produzir (compreender) todas as frases da língua. Também faz parte dessa capacidade todo um saber que o falante tem a respeito das frases: ele sabe comparar estruturas sintáticas semelhantes, sabe separar frases que fazem parte da língua das que não fazem etc. Nessa perspectiva, não interessa a performance, ou seja, o desempenho de falantes específicos em seus usos concretos, mas essa capacidade que todo falante (ouvinte) ideal tem.

 

Notamos então que os gerativistas também não deram valor à função (fala) apenas para a forma. Eles nomeiam o falante com “ideal,” aquele capaz de criar, só que essa criatividade é altamente limitada, ou seja, você só pode criar dentro dos limites impostos pelos gerativistas. Eles trabalham com os conceitos de competência (tudo aquilo que nós temos internalizado) e desempenho (o uso que se faz dessa internalização)

O Funcionalismo se opõe ao estruturalismo e ao gerativismo por vários motivos, mas o que nos importa são os objetos de estudo “forma e função”, elementos que serão postos em análises no decorrer deste artigo. Segundo Martellota apud Cunha 2008, p.157

                                                o funcionalismo é uma corrente lingüística que, em oposição ao estruturalismo e ao gerativismo, se preocupa em estudar a relação entre a estrutura gramatical das línguas e os diferentes contextos comunicativos em que elas são usadas”

 

Nota-se que diferente das correntes anteriores citadas acima, que os funcionalistas se preocupam em descrever qualquer descrição da fala, eles valorizam, as falas informais usada pelo indivíduo no seu dia-a-dia e pega situações reais de comunicação para fazer suas análises.

A mesma autora supracitada ainda ressalta que “os enunciados e os textos são relacionados às funções que eles desempenham na comunicação interpessoal” (p. 158). Isso quer dizer que o funcionalismo procura sempre trabalhar com falas reais seja elas retiradas da fala ou da escrita, desde que não são inventadas ou separadas de sua função no momento da comunicação.

Gramática funcional

                                       Essa teoria de organização gramatical das línguas considera a competência comunicativa, isto é, capacidade que os indivíduos tem não apenas de codificar e decodificar expressões, mas também, de interpretar essas expressões de maneira apropriada.Os universais lingüísticos sob a luz dessa abordagem, se constituem de uma derivação da universalidade dos usos da linguagem nas sociedades humanas. (MAK, Halliday, 1985: Introduction. Adaptação de M.H.M Neves, (1994))

 

Um interessante paralelo é traçado entre a gramática formal e a gramática funcional: a primeira é de orientação primeiramente da sequência de elementos lingüísticos relacionados entre si; e a segunda é de orientação primeiramente de modelo a ser seguido; a primeira da ênfase nos traços universais da língua, sintaxe como base, organização em torno da frase; a segunda da ênfase nas variações entre línguas, semântica como base, organização em torno do texto ou do discurso.

O funcionalismo descreve qualquer função da fala informal, altamente espontânea.

                                             Procurando mostrar “o que é a lingüística funcional” (Martinet, 1994) começa buscando definir função; ele atribui vários empregos para a palavra: o valor de “papel” ou de “utilidade de um objeto ou comportamento”; o valor de “papel de uma palavra em uma oração” acrescentada ao sentido que a palavra tem num determinado contexto; um valor matemático de “grandeza dependente de uma ou diversas variáveis”. Para Martinet (1994), o termo funcional só tem sentido para os lingüistas “em referencia ao papel que a língua desempenha para os homens, na comunicação de sua experiência uns aos ouros”, p. 13. Dillinger (1991) diz que no estudo da linguagem não se usa função em seu sentido matemático; na lingüística usa-se função no sentido de “relação” e em relação às línguas.

 

Como podemos perceber, o termo função se apresenta em uma variedade de empregos, que não se consegue caracterizá-lo realmente. Relação entre uma forma e outra, entre uma forma e seu significado, seu contexto, enfim, tal denominação abrange vários sentidos.

        “Os funcionalistas se preocupam com as relações (ou funções) entre a língua como um todo e as diversas modalidades de interação social, e não tanto com as características interna da língua.” (NEVES, 1997 pg. 41)

Notamos assim, que os funcionalistas frisam a importância do contexto social no qual o falante esta inserido, compreendendo suas várias modalidades no momento da fala, descreve em que condições a fala foi proferida pelo usuário real.

  1. ANÁLISE TRADICIONAL (MORFOLÓGICA) DAS OCORRÊNCIAS COM VERBO BOTAR

Segundo o dicionário Aurélio (1999) “botar” vem do fr. ant boter (atual bouter), ‘empurra’; ‘golpear’; ‘pôr’; pelo gascão botar. VTD que pode apresentar os significados: 1. deitar, atirar, lançar fora, expelir.2. vestir, calçar, pôr; 3. preparar, arranjar,5. pôr., colocar etc. Seguem  abaixo as dez ocorrências observadas  com o verbo “botar” para serem feitas a análise tradicional (morfológica) das mesmas.

Primeira ocorrência: Ei (interj.) Fabiana (subst.), você (pron.) ficou (verbo) sabendo (verbo) que (conj.) Rafaela (subst.) botou (verbo) ne (prep.) Chico (subst.) lá (adv.) na (prep.) festa (subst.) ontem? (adv.).

Segunda ocorrência: Comadre!(subst.) Será (verbo) que (conj.) é (verbo) bom (adj.) botar (verbo) limão (subst.) nisso (pron.) aqui (adv.)?

Terceira ocorrência: Vai (verbo) botar (verbo) cerâmica (subst.) na (prep.) cozinha (subst.) todinha (adj.) seu (pron.) João (subst.)?

Quarta ocorrência: Hoje (adv.) a (prep.) tarde (adv.) veio (verbo) um (num) homem (subst.) aqui (adv.) em (prep.) casa (subst.) fazer (verbo) o (artigo) orçamento (subst.) para (prep.) botar (verbo) o (artigo) vidro (subst.) nas (prep.) portas (subst.).

 

Quinta ocorrência: Escuta aqui ( adv.) Neura (subst.), amanhã (adv.) Édio (subst.) vem (verbo) aqui (adv.) botar (verbo) o (artigo) arrebite (subst.) na (prep.)  porta (subst.), deixa (verbo) de (prep.) agonia (subst.).

Sexta ocorrência: Divina (subst.) botou (verbo) a (artigo) sacola (subst.) de (prep.) biscoito (subst.) em (prep.) cima (adv.) da (prep.) mesa (subst.).

Sétima ocorrência: Eu (prono) botei (verbo) o (artigo) balde (subst.) perto (adv.) da (prep.) porta (subst.).

Oitava ocorrência: Eu (pron.) consigo (verbo) botar (verbo) você (prono) em (prep.) cima (adv.) da (prep.) mesa (subst.).

Nona ocorrência: Eu (pron.) botei (verbo) o (artigo) remédio (subst.) lá (adv.) na (prep.) pedra (subst.) de (prep.) granito (subst.).

Décima ocorrência: Um (artigo) dia (subst.) eu (prono) tenho (verbo) vontade (subst.) de (prep.) botar (verbo) silicone (subst.).

 

  1. ANÁLISE SINTÁTICA DAS OCORRÊNCIAS COM O VERBO BOTAR

 

Sintaticamente o verbo “botar” é transitivo direto, pois pede um complemento: objeto direto (quem bota, bota alguma coisa). Seguem abaixo a análise sintática das dez ocorrências observadas com o verbo “botar”.

Primeira ocorrência: Ei Fabiana (voc.) você (suj.) ficou sabendo (VTD) que Rafaela botou (VTD) ne  Chico (ODP) lá na festa ontem[3]? (adj. adv.)

Segunda ocorrência: Comadre! (voc.) Será que é bom botar (VTD) limão nisso aqui [4]?

Terceira ocorrência: Vai botar (VTD) cerâmica (OD) na cozinha ( adj. adv.) todinha seu  João (voc.)?

Quarta ocorrência: Hoje a tarde (adj.adv.) veio (VI) um homem (suj.) aqui em casa (adj.adv.) fazer (VTD) o orçamento (OD) para botar (VTD) o vidro (OD) nas portas (adj.adv).[5]

 

Quinta ocorrência: Escuta aqui ( adj.adv.) Neura! (voc.), amanhã (adj.adv.) Édio (sujeito) vem (VI) aqui (adj.adv) botar (VTD) o arrebite (OD) na porta (adj.adv.), deixa (VTI) de agonia (OI).

Sexta ocorrência: Divina (sujeito) botou (VTD) a sacola (OD) de biscoito (adj. adn. )  em  cima   da  mesa (adj.adv. ).

Sétima ocorrência: Eu (suj.) botei (VTD) o balde (OD) perto da porta (adj.  Adv).

Oitava ocorrência: Eu (suj.) consigo botar [6] (VTD) você (OD) em cima da mesa (adj. adv.).

Nona ocorrência: Eu (Suj.) botei (VTD) o remédio (OD) lá na pedra de granito (adj.adv.).

Décima ocorrência: Um dia (adj. adv.) eu (suj.) tenho (VTD) vontade (OD) de botar silicone (CN).

 

  1. ANÁLISE FUNCIONAL DAS OCORRÊNCIAS COM O VERBO “BOTAR”

 

Neste parágrafo será feita a análise funcional das ocorrências com o verbo “botar”, mostrando também qual processo (gramaticalização ou marcação) cada ocorrência possui e os aportes teóricos voltados para esse tema.

Sabemos que o verbo botar pode possuir outros significados dependendo do contexto que o falante introduz este verbo. Ao analisamos a primeira ocorrência observada em nossa pesquisa “Ei Fabiana você ficou sabendo que Rafaela botou ne Chico lá na festa ontem?”(sexo masculino, 24 anos) Notamos na ocorrência que o verbo botar não está no sentido de “por ou colocar” como afirma a gramática tradicional. O falante quis dizer que Rafaela brigou com Chico na festa por algum motivo. Percebemos, portanto, que o verbo botar pode exercer outras funções, cabe ao leitor analisar a oração ou o diálogo para descobrir que sentido o referido verbo pode apresentar no enunciado. A ocorrência analisada aconteceu entre um casal de namorados que conversavam sobre os acontecimentos da festa que ocorreu na noite anterior.

Notamos também que nessa ocorrência houve um processo de gramaticalização onde o verbo botar sai da sua categoria (cuja função do mesmo é “pôr ou colocar”) e passa a receber outra semântica, um sentido novo (brigar). Segundo FRAGOSO, (2003 pg. 03)

                                              O processo de gramaticalização pode ser encontrado em todas as línguas e pode envolver qualquer tipo de função gramatical. Através desse processo, itens lexicais e construções sintáticas passam a assumir funções referentes a organização interna do discurso ou a estratégias comunicativas.

Para a comunidade angicalense não é estranho dizer que fulano “botou em alguém”, ao invés de “brigou com alguém”, pois sua cultura já está habituada com essa forma de falar, já em outras comunidades linguísticas cuja cultura é diferente, essa substituição de um verbo por outro causaria sim certo “estranhamento”. “Botar” nesse sentido também é uma “forma marcada”, pois o verbo “brigar” é muito comum hoje em dia na fala dos indivíduos, já o botar é algo novo, mais expressivo, que dá ênfase ao enunciado.

Vejamos agora a segunda ocorrência:

“Comadre será que é bom botar limão nisso aqui?”. (sexo feminino, 37 anos). Observamos esse diálogo numa tarde em que essa mulher que estava com uma impinge no corpo procura a outra pessoa se é bom botar (passar) o limão na área afetada. Notamos nesta oração que o verbo “botar’ desempenha também outra função ao seu significado original. Ele é substituído pelo verbo “passar” ou até mesmo “pôr” o limão na área afetada. Percebemos também que nessa ocorrência a substituição do verbo passar por botar é um processo de gramaticalização semântica, onde o verbo não sofreu alteração na forma, mas apenas no seu sentido.

Nas ocorrências seguintes constatamos que o verbo “botar” geralmente é substituído apenas pelos verbos pôr e colocar respectivamente.

Terceira ocorrência: “Vai botar cerâmica na casa todinha seu João? (Sexo feminino, 42 anos). Nessa ocorrência notamos um diálogo entre dois falantes, um do sexo feminino (mencionado acima) perguntando a outro do sexo masculino (que está construindo ma casa) se o mesmo iria “pôr ou colocar” a cerâmica na parede da cozinha dele toda. Percebemos então que nesta oração que o verbo “botar” só pode desempenhar a função de “pôr ou colocar”. Para os funcionalistas a expressão todinha nesta ocorrência, é uma forma marcada. Martelotta (2008) apud Cunha (2008, pg. 171), diz que a importância do conceito de marcação no que diz respeito ao uso da língua é a seguinte:

                                                Uma forma linguística mais corriqueira, que apresenta alta freqüência de uso, tende a ser conceptualizada de modo mais automatizado pelo usuário da língua e isso significa que essa forma tem pouca expressividade. Assim, quando querem ser expressivos, os falantes usam formas marcadas.

 

Notamos então, que o falante usou o termo “todinha” ao invés de “toda” nessa ocorrência para dar mais ênfase em sua fala, ou seja, para que a fala tornasse mais expressiva. As pessoas costumam substituir formas comuns em nosso dia a dia que acaba se desgastando ao seu uso freqüente, por novas funções dessa mesma forma para dar mais expressividade em seus enunciados. No caso da comunidade angicalense o enunciado “vai botar cerâmica” (presente na terceira ocorrência) é “mais marcado” do que “vai pôr cerâmica” pelo simples fato do verbo “pôr” ser corriqueiro e  pouco utilizado pelos falantes da comunidade, para eles o “botar” está no auge, tem mais sentido, faz parte da sua cultura lingüística, por isso que é usado com mais freqüência para substituir geralmente  os “verbos pôr ou colocar”.  Com a quarta e a quinta ocorrência acontece a mesma coisa, “botar” é uma forma mais marcada do que dizer colocar/pôr o vidro nas portas, (mencionado na quarta ocorrência) ou pôr/ colocar o arrebite na porta (mencionado na quinta ocorrência).

Quarta ocorrência: “Hoje a tarde veio um homem aqui em casa fazer o orçamento para botar o vidro nas portas”. (Sexo masculino, 77 anos). A ocorrência aconteceu no mesmo dia em que a terceira. Um senhor estava falando pros seus visinhos sobre a obra de sua casa, que a tarde veio um homem até a sua casa para fazer o orçamento e pôr/ colocar o vidro na porta de sua casa. O verbo “botar” mais uma vez está no sentido de pôr / colocar.

Quinta ocorrência: “Escuta aqui Neura, amanhã Édio vem aqui botar o arrebite na porta, deixa de agonia”. (Sexo masculino, 47 anos) Nesta ocorrência, notamos que o indivíduo do sexo masculino, 47 anos, está falando para a sua esposa (que está agoniada para arrumar a peça da  porta que está danificada) ter paciência que no dia seguinte virá um homem  por ou colocar a peça na porta. O verbo “botar” nessa ocorrência desempenha a função de pôr ou colocar.

Sexta ocorrência: “Divina botou a sacola de biscoito em cima da mesa.” (sexo feminino, acima de 45 anos). Esta ocorrência foi observada num diálogo entre mãe e filha em que a mãe relata que a sua filha (que vende biscoitos) havia acabado de por ou colocar os biscoitos em cima da mesa da casa dela. Portanto, nesse diálogo, verificamos que o verbo “botar” desempenha apenas as funções de pôr ou colocar.

Sétima ocorrência: “Eu botei o balde lá perto da porta”. (sexo feminino, 30 anos). Observamos nesta ocorrência que acontece o diálogo entre duas pessoas em que uma fala pra outra que colocou ou pôs o balde que continha leite pra ela pegar perto da porta da casa dela. Nessa ocorrência percebemos também que o verbo “botar” também desempenha a função de pôr ou colocar.

Oitava ocorrência: “Um dia eu tenho vontade de botar silicone” (sexo feminino, 18 anos). Notamos nesta ocorrência que a jovem, insatisfeita por ter seios pequenos, diz à amiga que tem vontade um dia de por silicone. O verbo “botar” nessa ocorrência só pode ter a função de por ou colocar nesse contexto.

Nona ocorrência: “Eu consigo botar você em cima da mesa”. (sexo masculino, 20 anos). Dois irmãos um mais velho e outra mais nova estão conversando, e num certo momento a mais nova diz pro irmão com um ar de gozação que ele é um fraco e que não consegue botar ela em cima da mesa e ele responde que sim, que consegue botar (por) ela em cima da mesa e põe ela, que fica toda feliz. Neste caso, percebemos que o verbo botar desempenha apenas a função de “pôr”.

Décima ocorrência: “Eu botei o remédio lá na pedra de granito”. (Sexo masculino, 28 anos). Essa ocorrência aconteceu numa lam house onde observamos o diálogo de uma mãe (dona da lam) procurando ao seu filho onde ele teria posto o remédio dela, o rapaz responde que havia posto/ colocado o remédio na pedra de granito. Mais uma vez o verbo “botar” tem a função de “por ou colocar”.

Percebemos também nas ocorrências (da sexta até a décima) o princípio de “marcação”, segundo a corrente funcionalista, esse princípio tem a ver com a expressividade, com a cultura, o contexto onde o falante está inserido; para o contexto a qual o usuário se encontra não causa estranhamento ouvir no seu dia a dia “botar” em vez de “colocar / pôr”.

  1. DIVULGAÇÃO DOS RESULTADOS

Diante da problemática: Quais as conotações mais utilizadas pelos falantes angicalenses com o verbo botar? Notamos nas ocorrências analisadas que as funções mais utilizadas pelos falantes angicalenses são “pôr e colocar”. Em apenas duas ocorrências (primeira e segunda) verificamos que o verbo “botar” pode apresentar outras conotações (brigar e passar).

  1. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante das observações realizadas com os dez falantes da comunidade de Angical conseguimos verificar o quanto uma forma (no caso “o verbo botar”) pode ter outras funções dependendo do contexto em que ela é utilizada. Esse resultado mostra o quanto é importante estudarmos a corrente funcionalista, pois a mesma trabalha com as falas informais, ou seja, falas do cotidiano, não verificando os erros gramaticais impostos pela GN, mas sim mostrando que a gramática está sempre se construindo pois a língua muda e nós falantes temos que acompanhar essa evolução.

“Botar” como vimos, não significa apenas pôr ou colocar, esse verbo pode ter outros sentidos e é exatamente isso que o funcionalismo procura mostrar: através de falas informais conseguimos verificar que para uma forma existem outras funções.

  1. REFERÊNCIAS
  • CARVALHO, Castelar de. Para compreender Saussure: fundamentos e visão crítica. – Petrópolis, RJ: Vozes, 2003.
  • MARTELOTTA, Mário Eduardo; in Cunha, Ângela. F. de. Manual de lingüística. – São Paulo: Contexto, 2008.
  • NEVES, Maria Helena de Moura. A gramática funcional. – São Paulo: Martins Fontes, 1997.
  • DILLINGER, M. Forma e função na lingüística. D.E.L.T.A., v. 7, n. 1, 1991, pp. 395-407.
  • ORLANDI, Eni Pulcinelli. O que é linguistica. – São Paulo: Brasiliense, 2003.
  • FERREIRA, A. B. H. Novo Aurélio séc. XXI: o dicionário da língua portuguesa. – 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
  • FRAGOSO, Luane C. P. L. A Gramática funcional e o processo de gramaticalização. Revista eletrônica do Instituto de Humanidades, 2003, Número IV. Julho - Setembro. Disponível em http://www.letramagna.com/citacao.htm
  • TRAUGOTT, E. Meaning – change in the Development of Grammatical Markers. Language Science 2, 1980, pp.44-61. 


[1] Acadêmica do 8º semestre do Curso Letras da Universidade do Estado da Bahia. [email protected]

[2] Acadêmica do 8º semestre do Curso de Letras da Universidade do Estado da [email protected]

[3] A oração em destaque classifica-se em: O. S. S. Objetiva Direta.

[4] A oração em destaque classifica-se em: O. S. S. Reduzida de infinitivo

[5] A oração em destaque classifica-se em: O. S.A Final.

[6] O termo destacado corresponde a uma locução adverbial.