O curioso, ao analisar o desabrochar das principais legislações protetivas do Homem, da natureza, ou de qualquer outro bem relevante, percebe a recorrência um fenômeno característico.

Fábio Konder Comparato afirma esta característica humanitária: a cada grande surto de violência, guerras, dor e sofrimento os Homens são entorpecidos pela realidade que os cerca, emergindo com isso um estado de remorso congênito, quando então são proclamados, mais uma vez, os direitos humanos há pouco ignorados.[1]

A verdade é que renasce da angústia o interesse pela busca de uma a vida digna e da harmonização e equilíbrio social. Uma nova cultura é estabelecida. Não são poucos os exemplos históricos em que se observou esta conscientização generalizada em seguida a um acontecimento dessa natureza.

A partir da segunda metade do século XIX e até a deflagração da Segunda Guerra Mundial lutou-se contra a escravidão e a favor da regulamentação do trabalho assalariado em decorrência das condições ruins de trabalho então estabelecidas.

Flávia Piovesan menciona que subsequentemente à Segunda Guerra Mundial surgiu um forte movimento de internacionalização dos direitos humanos como resposta às atrocidades vividas durante o regime nazista.[2] Este foi um dos períodos em que mais se editou regramentos protetivos dos direitos humanos, a Declaração Universal dos Direitos do Homem é um bom exemplo.

No Brasil, a ditadura militar acarretou na promulgação de uma nova Constituição defendendo "[...] o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos", bem como "fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias"[3].

Mas junto com estas as novas regulamentações, uma problemática emergiu: a efetivação de todos os direitos recém declarados.

Norberto Bobbio sustenta que o grande problema enfrentado atualmente com relação aos direitos humanos não é mais fundamentá-los, mas sim protegê-los.[4]

Neste sentido, Mário Luiz Ramidoff, ao tratar dos Direitos das Crianças e Adolescentes, afirma que "O desafio do direito, hoje, certamente é o de operar mudanças sócio-culturais indispensáveis para implementação nem tanto coercitiva, quanto voluntária acerca dos valores humanitários democraticamente consagrados na lei."[5].

No Estado Democrático de Direito a norma só é legítima se fundada na vontade popular. Nos períodos imediatamente posteriores a fatos históricos que induziram de alguma forma ojeriza nas pessoas a instituição de regramentos protetivos é mais espontânea, isto por causa do choque experimentado. Observa-se que nestes casos o comprometimento com a nova legislação é maior.

No que tange o Direito protetivo próprio às crianças e adolescentes, é possível afirmar que este foi um triunfo da Constituição da República de 1988.

Um julgado recente e representativo da proteção outorgada a esta categoria, por exemplo, estabeleceu a limitação da liberdade, do direito de ir e vir, de um cidadão que se tornou inconveniente em um ambiente escolar. No caso não houve dano ou qualquer tipo de incidente, mas do dever da sociedade de oferecer proteção pesou mais do que o direito individual de frequentar no local[6].

Apesar destas novações, segundo Mário Luiz Ramidoff, "[...] diversos órgãos públicos de execução que atuam no Sistema de Justiça ainda não se deram conta da existência da teoria jurídica especial que se formou ao redor da doutrina da proteção integral.". Isto porque se percebe nas decisões judiciais a fundamentação em dispositivos que apesar de pertinentes "[...] não se orientam pela doutrina da proteção integral."[7].

Ou seja, apesar de existir previsão constitucional da proteção das crianças e adolescentes, ainda não foi superada por completo a necessidade de metodizar esta nova teoria jurídica em consonância com a nova orientação, qual seja a da proteção integral.

Os direitos das Crianças e Adolescentes foram elevados hierarquicamente no ordenamento jurídico na medida em que se percebeu que esta categoria social diferencia-se das demais por se tratar de pessoas ainda em fase de desenvolvimento. Estatuiu-se, portanto, que a efetivação das prerrogativas desse público deve ser assegurada com absoluta prioridade. Nada mais justo do que defender, por todos os meios possíveis e com instrumentos específicos, a pessoa em desenvolvimento.



[1] COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 51.

[2] PIOVESAN, Flávia. Introdução ao sistema interamericano de proteção dos direitos humanos: A convenção americana de direitos humanos. In: GOMES, Luiz Flávio; PIOVESAN, Flávia (Coord.). O sistema interamericano de proteção dos direitos humanos e o direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 17-18

[3] Preâmbulo da Constituição da República. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 23 set. 2009.

[4] BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. p. 45.

[5] RAMIDOFF, Mário Luiz. Direito da Criança e Adolescente: TeoriaJurídica da Proteção Integral. 1.ed. Curitiba: Vincentina, 2008. p. 141.

[6] Transcreve-se a ementa: "A proteção da criança e do adolescente é dever de toda sociedade, notadamente, quando encontram-se em situação de risco. Medida judicial que determina que pessoa estranha ao corpo discente e docente do estabelecimento de ensino, não frequente e não aborde alunos nas dependências da escola, não viola direito constitucional do indivíduo de ir e vir, ou da dignidade da pessoa humana, preconozado no artigo 5º, XV do texto maior, quando aparenta distúrbios de ordem psicológica, cuja presença é inconveniente a paz e a ordem no local. (TJMT; APL 127124/2008; Capital; Primeira Câmara Cível; Rel. Des. Jurandir Florêncio de Castilho; Julg. 27/04/2009; DJMT 06/05/2009; Pág. 85)"

[7] RAMIDOFF, Mário Luiz. Direito da Criança e Adolescente: TeoriaJurídica da Proteção Integral. 1.ed. Curitiba: Vincentina, 2008. p. 221.