AS NOVAS CONCEPÇÕES DE FAMÍLIA

Para Lévi Strauss (1974: 17) a família é um grupo social que tem origem no casamento, é uma união legal com direitos e obrigações econômicas, religiosas, sexuais e de outro tipo. Mas também está associada a sentimentos como o amor, o afeto, o respeito ou o temor.

Afirma Lévi-Strauss (1974: 47) que a família é necessária para a reprodução social de um grupo humano, pois garante a sobrevivência e a continuidade biológica e social do próprio grupo.

A família em questão pode ser considerada como uma unidade que envolve as economias individuais e que pratica uma economia moral ou cultural coletiva com base nas relações de parentesco. É o que Jack Goody (1986: 249) denomina economia oculta do parentesco.

Mas a unidade familiar não está isenta de tensões, rivalidades internas e externas, negociações e conflitos. O mesmo matrimônio pode ser considerado como uma ameaça do patrimônio entre os quais vai existir uma tensão estrutural (O´Neill, 1984). Portanto, as tensões e articulações entre os condicionamentos sociais e os projetos pessoais que possam existir são ingredientes da existência humana em sociedade.

A família, diz Robert Rowland (1997) é conseqüência das relações de parentesco, é um grupo doméstico co-residente e com limites variáveis segundo os contextos culturais. Alguns tipos de família são Família nuclear: grupo de parentes formado pelos pais e os filhos, que residem juntos, e os filhos tendem a herdar dos pais. Família extensa, Família de orientação: aquela onde um nasce e aprende a ser criança. Família de procriação: aquela que formamos no momento do nosso casamento, quando um se casa e tem filhos.

Um outro conceito associado ao de família é o de "grupo doméstico", isto é um grupo de parentes que coabitam e co-residem no mesmo espaço. Portanto há uma diferença com o conceito de família.

O casamento consagra uma instituição social de todas as culturas, a família, mas com diferentes implicações sociais. O casamento é um ritual de passagem da juventude para a vida adulta. O casamento regulamenta a relação sexual e a procriação, mas também as ligações sociais entre famílias e grupos humanos. A cerimônia do casamento varia de cultura a cultura em términos formais, mas no geral é um ritual de passagem do estatuto da juventude para o estatuto de adulto.

De acordo com Edmund Leach (1971), o casamento pode servir para: Definir o pai legal dos filhos de uma mulher, Definir a mãe legal para os filhos de um homem, Dar ao marido monopólio sobre a atividade sexual da mulher, Dar à mulher monopólio sobre a atividade sexual do marido. Dar ao esposo o direito sobre serviços domésticos e trabalhos da mulher. Dar à mulher o direito parcial ou monopólio sobre o trabalho do homem. Dar ao marido direito de propriedade sobre as pertenças da mulher. Dar à mulher direito de propriedade sobre as pertenças do marido. Estabelecer um fundo comum de propriedade em benefício dos filhos nascidos do casamento. Estabelecer um parentesco de afinidade entre o marido e os irmãos da mulher.

Monogamia: Casamento entre um só homem e uma única mulher. Homossexual: Casamento entre pessoas do mesmo sexo. Ser "paneleiro" em português popular é uma metáfora que parte do que se pensa uma inversão de gênero, um homem que mexe nas panelas, trabalho definido geralmente como feminino.Poliandria: (Polinésia, Tibete, Nepal, Índia): Uma mulher casa com vários homens.

Um caso paradigmático é o da poliandria fraternal ou "adélfica" do Himalaia (uma mulher casa com 2 homens que são irmãos entre eles); estes tibetanos trabalham como guias de caravanas, o que implica dilatadas estadias fora de casa, entretanto a mulher e os filhos ficam com o irmão do marido.

Outro exemplo é o caso dos "todas" do sul da Índia (tribo das montanhas Nilgira, mil pessoas, ¼ são cristãos, a sua economia depende dos búfalos, mas são vegetarianos, dos búfalos só utilizam o leite, vendem também leite a uma cooperativa leiteira e os tecidos bordados).

Entre os "todas", o infanticídio feminino é freqüente para equilibrar o número de mulheres com o dos homens. Para evitar a divisão da propriedade os filhos casam com a mesma mulher, e assim "tudo fica em casa", o patrimônio fica indiviso. Era freqüente que no primeiro ano o irmão maior tiver relações sexuais com a esposa até ficar engravide, logo chegará o turno do 2º irmão (resolução da tensão estrutural entre matrimônio e patrimônio).

Um exemplo mais é da Somália, no "Corno da África", onde uma mulher casa com um homem de outro povoado, onde a mulher vai viver. Mas se a mulher acorda-se de que são as festas do seu povoado, ela vai lá sem despedir-se do seu marido; e depois ali, se encontra um dos seus pretendentes na festa pode marchar com ele e casar com ele. É esta uma flexibilidade notável para desintegrar e atar as relações de casamento.

Poligamia: Um homem casa com várias mulheres. Fenômeno mais comum. Em muitas culturas eleva o estatuto da mulher e desce o número de solteiras e viúvas, também implica melhoras econômicas importantes. Nestes casamentos há um controlo cultural da natalidade, pois há um tabu que proíbe as relações sexuais durante a "gravidez" e a lactária (prolongada até os 3 anos). Podemos pensar na poligamia como algo sincrônico, mas também diacrônico.

Exogámia: Casamento com uma pessoa de fora do próprio grupo ou espaço territorial. Alarga assim a rede social intergrupal. Endogamia: Casamento dentro do próprio grupo ou espaço territorial (i.e.: as castas da Índia; o direito masculino sobre as mulheres da sua terra). Homogamia: Casamento entre iguais, entre membros de uma poucas famílias. Representa uma lógica de perpetuação entre iguais. Hipogamia: Casamento com um parceiro de classe inferior à própria. Hipergamia: Casamento com um parceiro de classe superior.

Incesto: Consiste em manter relações sexuais com um parente próximo. Em todas as culturas há um "tabu" do incesto, com modos e expressões diferentes. Segundo alguns antropólogos como Lévi-Strauss (1985) o tabu do incesto garante a exogamia, as alianças fora do grupo e entre grupos, alem de favorecer a mistura genética. O casamento garante os intercâmbios entre grupos. O tabu do incesto seria, portanto, um imperativo sócio-antropológico, regulador do intercâmbio e gerador de ordem social.

Por tanto o casamento é um assunto de grupo, pois os casais interiorizam as obrigações para com os parentes. (i.e.: tensão estrutural básica entre o patrimônio e o matrimônio). Em muitos casos o matrimônio não é por "amor", nem é uma escolha entre os casais, porem entre os parentes ou o chefe do clã, não sem consulta aos casais, a decisão é dos parentes.

É o romantismo quem desenvolve a idéia do amor como motivo principal do casamento. Ainda que o amor entre os casais e entre os pais e os filhos é quase universal e não se inventou só em Europa (Goody, 2000).Há uma série de práticas culturais que bem definem o estabelecimento de vínculos entre grupos:

A "compensação pela noiva": Trata-se de um regalo do esposo e a sua família á esposa e a sua família. Compensa a perca da mulher como companhia e mão de obra. Dote da esposa: Prendas da família da esposa ao novo casal, dotando a esposa de dinheiro, bens, etc. A dote é um costume herdado da Grécia segundo Jack Goody (2000). "Sororato": Ao falecer a esposa, o homem casa com uma irmã da esposa. É assim como a linhagem a substitui por uma das suas irmãs."Levirato": Ao falecer o esposo, a esposa fica "viúva" e deve casar com um irmão do esposo. Isto é porque a mulher mais que casar com um homem casa com um linhagem. Casamento entre primos cruzados: É o casamento entre filhos de um irmão e uma irmã. Casamento entre primos paralelos: É o casamento entre filhos de dois irmãos ou duas irmãs (do mesmo sexo). Geralmente é considerado incestuoso.

A antropologia sociocultural tem considerado durante muito tempo o estudo da família e do parentesco como o seu patrimônio indiscutível (Salazar, 1995: 46). O parentesco é uma relação humana universal com base biológica e com variações nos significados socioculturais particulares. Este pode ser visto como uma referência para o posicionamento social, isto é, em todas as sociedades humanas, os indivíduos adquirem os primeiros elementos do seu estatuto e da sua identidade social através do parentesco (Ghasarian, 1999).

Para a antropologia social britânica tanto a tribo, como o clã, a linhagem ou a família são grupos de filiação corporativos que organizam a vida política à margem do Estado, um conjunto de direitos e de obrigações morais aos quais não é possível subtrairmo-nos (Fortes, 1969: 242).

Para a antropologia estrutural francesa a lógica de um sistema de parentesco descansa na aliança e na reciprocidade. A função do parentesco é a de regular as formas de intercâmbio entre os grupos humanos, dai que o casamento seja uma instituição de aliança fundamental entre grupos humanos (ex.: o casamento como intercâmbio de mulheres). Assim com base na teoria da aliança o parentesco satisfará mais necessidades econômicas que sociais.

É este um tema clássico em antropologia, o parentesco é de grande importância na vida quotidiana. Questões como o divórcio, que nos parece tão moderna, é muito antiga noutras culturas (concedido a petição dos dois), ou também o aborto, que noutras culturas é admitido como algo normal. Também o tema das relações sexuais fora do matrimônio, que apenas são proibidas num 5% das culturas, e noutras são permitidas mas com certas condições.

O parentesco é o sentido sociocultural dos laços de sangue, tem uma base biológica, mas precisa de uma interpretação e reconhecimento social (ex.: o caso dos pais adotivos). O parentesco é um tipo de relação social pautada. As funções que satisfaz o parentesco são: econômicas (subsistência e controlo do sistema de reprodução), psicológicas (seguridade emocional), sociais e econômicas (regulamentar as formas de intercâmbio, organizar os casamentos e ), etc.

Os antropólogos estudam as definições, limites e relações dos grupos de parentesco (= divisões sociais com vínculos relevantes, como por exemplo os descendentes do mesmo avó). Em muitas culturas, quando o antepassado comum fica no passado, fica no esquecimento e os seus descendentes não são considerados parentes entre si. Em outras muitas culturas os grupos de parentesco estão ligados com um TOTEM, que é um objeto emblemático com o qual se estabelece uma relação especial.

Quais as palavras usadas para os tipos de parentes em cada língua particular? Quem são os teus parentes? (O parentesco é construído culturalmente, isto é, alguns parentes biológicos são considerados parentes e outros não). Como usam as pessoas o parentesco para criar laços sociais e integrar-se em certos grupos?

Os termos de parentesco são as palavras para definir parentes numa língua particular, e isto é uma construção social (Ex.: em muitas sociedades a mesma palavra designa o pai e o irmão da mãe).

Os parentes biológicos ou "cognados" são definidos pelasrelações genealógicas (i.e.: irmão da mãe) de filiação. Os parentes afines ou "agnados" são aqueles que se obtêm por vínculos como o casamento, portanto podem incluir elementos para além dos esposos (pais dos esposos, irmãos, grupos de parentesco...)

BIBLIOGRAFIA

CASEY, J. (1989): História da Família. Lisboa: Teorema.

KOTTAK, C. PH. (1997): Antropología Cultural. Espejo para la humanidad. Madrid: McGraw Hill.

LEVI-STRAUSS, C. Las estructuras elementales del parentesco. Barcelona: Planeta-Agostini.

LEVI-STRAUSS, C. El futuro de los estudios de parentesco. Barcelona: Anagrama.

LEVI-STRAUSS, C. Polémica sobre el origen y la universalidad de la familia. Barcelona: Anagrama.

SEGALEN, M. Sociologia da família. Lisboa: Terramar.