No tocante à neutralização da violência praticada no âmbito das torcidas, uma das latentes dificuldades encontradas pelas entidades de prática e administração desportiva, bem como pelos entes de direito público, reside na tarefa de identificar o torcedor infrator e individualizar sua conduta. Tal situação, destaca-se, ocorre muito mais em virtude da não-adoção de mecanismos de controle, do que propriamente do grande número de espectadores que se dirigem às praças de desporto.

Com o objetivo de aprimorar a segurança nos estádios e congêneres, sobretudo para quebrar o paradigma do suposto anonimato das multidões nelas inseridas, a Lei nº 10.671/03, Estatuto do Torcedor, já havia estabelecido em seu art. 18 que "os estádios com capacidade superior a vinte mil pessoas deverão manter central técnica de informações, com infra-estrutura suficiente para viabilizar o monitoramento por imagem do público presente".

No mesmo sentido, o art. 25 do Estatuto determina que as praças de desporto de grande porte devem dispor de circuito de gravação de imagens das catracas, referindo-se à possibilidade de se identificar visualmente cada um dos torcedores, assim facilitando a responsabilização criminal de eventual delinquente.

Neste aspecto, tem se mostrado imperiosa a definitiva instrumentalização de medidas aptas a cadastrar e identificar cada um daqueles que se encontra no interior de uma praça de desporto, haja vista que anos se passaram da vigência do Estatuto do Torcedor e os mesmos problemas ocorrem diuturnamente.

Malgrado o caráter impositivo da norma, tal medida não foi adotada amplamente no Brasil.

Via de regra, movimentações no sentido de regulamentar estes dispositivos legais somente ocorreram após o alarde midiático produzido por este ou aquele foco de violência dentro dos estádios.

Mesmo com a norma expressa, o controle e a identificação de torcedores é exceção na maioria dos estádios de futebol do Brasil, o que causa consternação, colocando à toda evidência que as instituições privadas somente cumprem o mandamento legal após a ocorrência de um evento danoso, ao passo que, também após incidentes, os entes públicos se movimentam e repentinamente se recordam de que podem - e devem - exercer o seu poder de polícia administrativo. Vale lembrar que, conforme disposição do art. 37, § 2º, do Estatuto do Torcedor, os entes federativos estão legalmente permitidos, se não convidados, a instituir, no âmbito de suas competências, multas em razão do descumprimento do disposto na aludida lei especial.

Neste ínterim, a apuração dos torcedores-infratores se tem reservado, muitas das vezes, às imagens captadas pela imprensa.

Na cidade de Natal, no Rio Grande do Norte, foi promulgada em setembro de 2009 a Lei nº 292/09, que dispõe acerca da identificação dos compradores de ingressos para partidas de futebol naquela capital. Na cidade de São Paulo, projeto semelhante foi proposto, atualmente em trâmite na Câmara Legislativa paulistana sob nº 762/09. Medida semelhante já havia sido tomada, com sucesso, pelo Internacional de Porto Alegre.

A título exemplificativo, cumpre mencionar a propositura do projeto de lei municipal nº 005.00268.2009, publicada em 7 de janeiro de 2010, o qual tramitou perante a Câmara Municipal de Curitiba, Paraná. A lei municipal se propõe a disciplinar de forma minudente, com o permisso do art. 30, incisos I e II da Constituição Federal, a utilização do sistema de gravação de imagens dentro dos estádios de grande porte, abrangendo a questão da identificação do torcedor e a pena pecuniária às entidades de prática desportiva que não obedecerem aos termos da lei.

A propósito, verifique-se o teor da proposta encaminhada àquele colegiado legislativo municipal, recentemente aprovada e publicada:

"Art. 1º Os estádios de futebol localizados no Município de Curitiba, com capacidade para mais de quinze mil pessoas, deverão contar com meio de monitoramento por imagem das catracas e são obrigados a instalar equipamento de gravação fotográfica do rosto e de documentos, a fim de identificar seus torcedores.

§ 1º O equipamento mencionado no "caput" deste artigo é dotado de mecanismo que grava a imagem do documento de identidade, registrando o nome, a foto, o dia e a hora de acesso dos torcedores.

§ 2º Não será permitida a entrada de pessoas sem a devida apresentação de documento oficial de identidade, contendo foto.

§ 3º As informações gravadas deverão ser preservadas pelo prazo de 30 (trinta) dias , a fim de instruírem eventual inquérito policial, administrativo ou ação judicial.

(...)

Art. 2º Todos os funcionários, próprios ou terceirizados, que desempenhem alguma atividade nos estádios, deverão portar identificação que permita a visualização do seu nome, função e foto.

Art. 3º Os estabelecimentos que descumprirem o disposto nesta lei ficam sujeitos às seguintes penalidades, sem prejuízo, conforme o caso, das sanções de natureza civil, penal e das definidas em normas específicas:

I - Advertência, por escrito, da autoridade competente, esclarecendo que, em caso de reincidência, o infrator estará sujeito à multa;

II - Multa de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), na segunda infração;

III - Multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais) , na terceira infração;

IV - Cassação do alvará de licença do estabelecimento."

Em que pese as boas intenções dos legislativos municipais, tais iniciativas não surtirão o efeito universal desejado, posto que adotadas isoladamente. Não se pode deixar de destacar que o art. 87, inciso II, da Constituição Federal, concede aos Ministros de Estado a prerrogativa de editar instruções normativas visando a execução de leis federais, de forma que pensamos ser absolutamente viável a edição de ato normativo pelo Ministério da Justiça e/ou dos Esportes, uniformizando o procedimento de controle de entrada de torcedores nos estádios.

Merece destaque o fato de que a correta e eficaz identificação do torcedor autor de arremesso de objetos em uma praça de desportos, colabora para que este seja processado junto ao Juizado Especial Criminal por infração ao art. 39 do Estatuto, o que pode livrar a entidade mandante de arcar com pesada pena pecuniária perante a Justiça Desportiva. Isto pelo fato de que a norma do art. 213 do Código Brasileiro de Justiça Desportiva prevê tal excludente de forma expressa, fazendo-o em seu § 3º, cujo teor aduz que "a comprovação da identificação e detenção do infrator com apresentação à autoridade policial competente e registro de boletim de ocorrência, na hipótese de lançamento de objeto, exime a entidade de responsabilidade".

Iniciativa semelhante à das verificadas nos legislativos municipais está em discussão no Congresso Nacional, sob a forma de lei ordinária, cujo texto promete trazer significativas modificações à redação do Estatuto do Torcedor. O projeto de lei nº 451/95, de autoria do Deputado Federal Arlindo Chinaglia, atualmente em trâmite perante o Senado, congrega diversos projetos de lei afetos à matéria da segurança nos eventos desportivos.

Uma vez aprovado o projeto de lei em análise, a necessidade de central de monitoramento por imagem dos torcedores, bem como a filmagem das catracas, tal como previsto nas redações atuais dos arts. 18 e 25 da Lei nº 10.671/03, poderá ter sua abrangência estendida para os estádios com capacidade superior a 10.000 (dez mil) espectadores. Não adotadas as medidas, haverá pena de multa, prevista na própria lei federal. Neste ponto, o legislador poderá acabar por impor obrigação inviável para muitas agremiações de menor expressão econômica, como também deixar de se pautar pela melhor técnica de redação legislativa, ao mencionar tão-somente os estádios, tornando discutível a necessidade de tais mecanismos em ginásios e afins.

Ademais, a mens legis comporta em si a adoção de medidas alternativas ao monitoramento individual por imagem, aptas a suprir a necessidade de controle de acesso, em especial para se adaptar à realidade econômica de entidades de prática desportiva inexpressivas sob o ponto de vista econômico-financeiro.