RESUMO

As variedades lingüísticas sociais vêm da antiguidade, das escolas da Europa Ocidental na Idade Média até o século XVI, em que a língua da escola era latim e os concorrentes eram chamados "vulgares".
Para a transitória da língua dos jesuítas no Brasil, os mesmos adotaram nos seus aldeamentos brasileiros o ensino do que chamaram "língua, geral da costa do Brasil", o tupinambá.
Esses jesuítas adotaram de certa forma, a chamada "pedagogia da diferença lingüística", com o objetivo de melhor catequese e apesar de uma língua local, violentaram e mataram múltiplos universos culturais.
Dois séculos depois esse recurso foi êxito pela lei de Marquês de Pombal em 1775, quando no Brasil se tornou obrigatório o ensino apenas do Português.
Em 1759 quando Marquês de Pombal implantou a lei que tornou o ensino do português obrigatório no Brasil, as pessoas que não sabiam o português começaram a se comunicar através de palavras "aportuguesadas".
Daí em diante começaram a surgir as gírias, que após um pequeno período de tempo se espalharam por todas as classes sociais. Desde então as gírias se alastraram e, hoje em dia é comum haver grupos com seus próprios dialetos.
Atualmente têm-se ainda uma grande influência lingüística com relação à internet.
Linguagem e sociedade estão ligadas entre si de modo inquestionável. A língua é um fato social; um sistema convencional adquiridos pelos indivíduos no convívio social.
É dentro da, e pela língua, que indivíduo e sociedade se determinam mutuamente.
Ao estudar qualquer comunidade lingüística, a constatação mais imediata é a existência da diversidade ou da variação. Toda comunidade se caracteriza pelo emprego de diferentes modos de falar. Qualquer língua, falada por qualquer comunidade, exibe sempre variações. É adequada a comunidade que a utiliza, é um sistema completo que permite a um povo exprimir o mundo físico e simbólico em que vive.
Falar ou escrever não é apenas uma questão de gramática, de morfologia ou de sintaxe, não é apenas uma questão de executar, certo ou errado, determinados padrões lingüísticos. É ativar sentidos e representações já sedimentados que sejam relevantes num determinado de realidade e para um fim específico; é, antes de tudo, agir, atuar socialmente; é nas mais diferentes oportunidades, tipificadas pelos grupos sociais, atos normalizados, estabilizados em gêneros, com feição própria e definida. É uma forma a mais de externar intenções, de praticar ações, de intervir socialmente, de "fazer" afinal.











A LÍNGUA PORTUGUESA SEGUNDO POLATO

Segundo Polato (2007), "o mundo todo observa uma série de transformações lingüísticas, que marca uma nova era na evolução da linguagem humana." Quanto às transformações, três importantes tendências são responsáveis por essas alterações: a emergência do inglês como primeira língua global de fato; a crise enfrentada por muitas línguas ameaçadas de extinção e o efeito da internet sobre a linguagem que oferece uma terceira forma de comunicação, diferente da fala e da escrita e motiva o surgimento de variedades lingüísticas novas. Cagliari (2007): Toda escrita como objetivo permitir à leitura e não transcrever a fala.
Numa era de comunicação global todos precisam compreender a língua falada e escrita. Com base no "Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa", os países- irmãos: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé, Príncipe e Timor-Leste, terão em fim uma única forma de escrever.
As mudanças só vão acontecer porque três dos oito membros da CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa) ratificaram as regras gramaticais do documento proposto em 1990. Tão logo as regras sejam incorporadas ao idioma, inicia-se o período de transição, para que Ministérios da Educação, Associações e Academias de Letras, Editores e Produtores de materiais didáticos, recebam as novas regras ortográficas e possam, gradativamente reimprimir livros, dicionários etc..
O Português é a terceira língua ocidental mais falada, após o inglês e o espanhol. A ocorrência de ter duas ortografias atrapalha a divulgação do idioma e a sua prática em eventos internacionais. Sua unificação, no entanto, facilitará a definição de critérios para exames e certificados para estrangeiros.
A escrita padronizada para todos os usuários do Português foi um estandarte de Antônio Houaiss (1999), um dos grandes homens de letras do Brasil contemporâneo. O filólogo considerava importante que todos os países lusófonos tivessem uma mesma ortografia. Houaiss defendia a uma essência de embasamentos comuns na variedade do português falado no Brasil e em Portugal. Apesar da unificação das regras ortográficas, possuímos um jeito de falar próprio de cada indivíduo. As mudanças ortográficas sempre se deram em movimentos de dentro para fora: a fala mudava a escrita. Agora, corre-se o risco da escrita mudar a fala mesmo que se garantam as particularidades de cada dialeto, conteúdo e forma não estão separados, e isso fica cada vez mais claro atualmente.
A língua é viva, acompanha um povo ao longo dos tempos, expressando uma maneira de organizar o mundo em nomes e estruturas lingüísticas, mudando e reinventando-se com as pessoas. As transformações na língua escrita e falada acontecem nas ruas e nos prédios das grandes instituições, na linguagem dos sermões, das palestras, dos discursos de políticos e advogados (com seus vocabulários tão particulares).
As mudanças também ocorrem na escrita seja aquela feita com a ponta do lápis, da máquina de escrever ou no computador. Existem as alterações que vêm naturalmente e ainda as que são determinadas por lei como é o caso do Acordo de Unificação Ortográfica, elaborado em 1990 e recentemente ratificado pelo Brasil, que pretende aproximar as maneiras de escrever de todos os países que têm o português como idioma oficial.
Sob o ponto de vista mais central da realidade humana, seria possível definir o homem como um ser que fala e não como um ser que escreve. Entretanto, isto não significa que a oralidade seja superior à escrita, nem traduz a convicção, hoje tão generalizada quanto equivocada, de que a escrita é derivada e a fala é primária. A escrita não pode ser tida como uma representação da fala, pois não consegue reproduzir muitos dos fenômenos da oralidade, tais como a prosódia, a gestualidade, os movimentos do corpo e dos olhos, entre outros. Em contrapartida, a escrita apresenta elementos significativos próprios, ausentes na fala, tais como o tamanho e o tipo de letras, cores e formatos, elementos pictóricos, que operam como gestos, mímica e prosódia graficamente representados.
Oralidade e escrita são práticas e usos da língua com características próprias, mas não suficientemente opostas para caracterizar dois sistemas lingüísticos nem uma dicotomia. Ambas permitem a construção de textos coesos e coerente, ambas permitem a elaboração de raciocínios abstratos e exposições formais e informais, variações estilísticas, sociais, dialetais e assim por diante.
Se é bem verdade que todos os povos, indistintamente têm ou tiveram uma tradição oral, mas relativamente poucos tiveram ou têm uma tradição escrita, isto não torna a oralidade mais importante ou prestigiosa que a escrita. Trata-se apenas de perceber que a oralidade tem uma primazia cronológica indiscutível sobre a escrita. Os usos da escrita, no entanto, quando arraigados numa dada sociedade, impõem-se com uma violência inusitada e adquirem um valor social até superior à oralidade.
A fala (enquanto manifestação da prática oral) é adquirida naturalmente em contextos informais do dia-a-dia e nas relações sociais e dialógicas. A escrita é usada em contextos sociais básicos da vida em paralelo direto com a oralidade. Estes contextos são, entre outros: o trabalho, a escola, o dia-a-dia, a família, a vida burocrática e a atividade intelectual. Em cada um desses contextos, as ênfases e os objetivos do uso da escrita são variados e diversos. Fala e escrita são atividades comunicativas e práticas sociais situadas e em ambos os casos tem-se um uso real da língua.
Faz-se necessário distinguir entre letramento, alfabetização e escolarização.
O letramento é um processo de aprendizagem social e histórica da leitura e da escrita em contextos informais e para usos utilitários, por isso é um conjunto de práticas, ou seja, letramentos. Distribui-se em graus de domínio que vão de um patamar mínimo a um máximo. A alfabetização pode dar-se, como de fato se deu historicamente, à margem da instituição escolar, mas é sempre um aprendizado mediante ensino, e compreende o domínio ativo e sistemático das habilidades de ler e escrever. A escolarização, por sua vez, é uma prática formal e institucional de ensino que visa a uma formação integral do indivíduo, sendo que a alfabetização é apenas uma das atribuições/atividades da escola. A escola tem projetos educacionais amplos, ao passo que a alfabetização é uma habilidade restrita.
Na sociedade atual tanto a oralidade quanto a escrita são imprescindíveis. Trata-se, pois, de não confundir seus papéis e seus contextos de uso, e de não discriminar seus usuários.
Para Goody (1977, 1987), a escrita representa um avanço na capacidade cognitiva dos indivíduos e, como tal, uma evolução nos processos noéticos (relativos ao pensamento em geral), que medeiam entre a fala e a escrita.
Assim, Marcuschi (2001) conclui que:

Fala e escrita não são propriamente dois dialetos, mas sim duas modalidades de uso da língua, de maneira que o aluno, ao dominar a escrita, se torna bimodal. Fluente em dois modos de uso e não simplesmente em dois dialetos.


Variedades Lingüísticas

Existem dois tipos de normas da língua: a norma padrão que é o conceito tradicional, idealizado pelos gramáticos, aos quais a tratam como modelo e é parcialmente reciclada ao longo do tempo e as normas normais ou sociais que são objetivas e comuns, atualmente nos usos falados de variantes das línguas.
As normas normais ou sociais definem grupos sociais que constituem a rede social de uma determinada sociedade e dividem-se em: normas sem prestígios e normas de prestígios sociais, equivalentes ao que se denomina norma culta, quando o grupo que a utiliza é a classe dominante (aqueles que têm níveis altos de escolaridade).
A norma lingüística instituída pela escola como padrão a ser aprendido e, portanto seguido, é uma língua estranha, quase estrangeira sob a ótica de uma criança de cinco ou seis anos de idade. A escola valoriza a língua escrita e não reconhece qualquer língua que se afaste do padrão instituído. As crianças das classes privilegiadas adaptam-se mais facilmente às expectativas da escola. Essa língua culta que a escola valoriza está distante do contexto social das crianças das classes populares. A criança quando chega à escola para ser alfabetizada, já domina uma norma lingüística. Ignorar esse conhecimento prévio é considerar a criança como um ser vazio que precisa aprender a "língua" portuguesa é, no mínimo um equívoco. Segundo SILVA (2004, p.75), o falante nativo já é o senhor de sua fala quando entra na escola, defendendo que a oralidade seja o ponto de partida do ensino/aprendizagem para tornar o individuo seguro de que sabe a sua língua. O professor, que é fundamental no processo de aquisição da língua escrita, deve ser devidamente preparado tanto na formação lingüística, quanto na formação pedagógica, para entender a problemática que envolve a diversidade lingüística falada e a relativa homogeneidade que se apresenta na escrita. A valorização da diversidade de ser trabalhada, pois o objetivo é tornar o estudante pluridialetal, ou seja, ter o domínio de seu dialeto familiar, do dialeto de seu grupo social, sendo consciente da variação de outros grupos e senhor também das normas do dialeto socialmente privilegiado. Consciente dessa diversidade "natural" deverá ser o estudante capaz de discernir quando utilizará uma ou outra variedade, a depender das suas necessidades, das exigências sociais e das situações comunicativas que se encontre. O fato das crianças com idade de três anos, aproximadamente, serem capazes de utilizar suas línguas de maneira eficaz e produtiva, levanta a questão de como elas aprendem essa língua. Para PIAGET a criança constrói o conhecimento com base na experiência com o mundo físico. Seus estudos propõem que o desenvolvimento cognitivo passa por estágios: sensório motor (zero a dezoito meses), pré-operatório (dois a sete anos), operações concretas (sete a doze anos) e operações formais. A corrente interacionista defendida por VYGOTSKY enfoca que o desenvolvimento da fala segue as mesmas leis do desenvolvimento de outras operações mentais. Nessa perspectiva interacionista, o adulto tem papel relevante, pois a intenção comunicativa, ou seja, é o facilitador do processo de aquisição.
Uma língua é muito mais que a sua ortografia. É um sistema de representação verbal que permite a comunicação entre os indivíduos. Como conjunto de mecanismos e recursos expressivos que traduzem a cultura de um povo, uma língua, quando falada em diferentes países, assume características próprias, decorrentes da trajetória histórica de cada um.
O português falado em Portugal, no Brasil, em Moçambique, em Angola, na Índia ou na China é uma só língua. Variações ficam por conta da extensão do léxico, da grafia, do uso mais ou menos corrente de certas expressões ou estruturas sintáticas, da pronúncia, bem como da incorporação da influência de outras línguas.
Unificar a grafia do português nos países lusófonos é antes um gesto político, no qual parece estar o mérito da ação. Afinal, estimula-se assim a mobilização em torno de um fator de identidade nacional e a conscientização da vitalidade do idioma e dos traços comuns entre as culturas que se expressam por meio dele. Isso tende a fazer surgir um maior intercâmbio entre as obras literárias produzidas nesses países.
Outros aspectos da questão são o desgaste de reaprender algo que já está automatizado e o custo econômico de substituir os livros, sobretudo os didáticos, que envelhecem.
Mas, passada a fase de transição, o saldo deve ser positivo.
O acordo é para unificação da ortografia da Língua Portuguesa, e não da Língua Portuguesa. A língua é uma coisa viva, mutante, que varia de acordo com a província, com os enunciados e com as necessidades dos falantes daquela língua. Não dá para uniformizar a pronúncia, o estilo, a poesia da língua. O que dá para unificar é a grafia, a representação gráfica e é exatamente isso que o acordo propõe. Pode parecer um detalhe pequeno, mas ele faz toda a diferença.
A ortografia não reflete exatamente o que é uma língua. A ortografia é uma convenção, regida por lei, que retrata graficamente as palavras de uma língua. Agora a língua mesmo é bem mais que isso. A gente fala, a gente se expressa, a gente ama, a gente se desespera e a gente mostra o que é em Português. A língua é isso, é essa tradução da identidade do povo. A ortografia é só a representação gráfica disso tudo. E ela não é capaz de refletir com exatidão. A gente fala "di dia", e a grafia correta é "de dia". A gente fala "lobu", e a grafia é "lobo". Então nem sempre a grafia é a representação mais fiel da língua, fora os sotaques, as entonações, as variações regionais, tudo isso. Uma reforma radical da língua apontaria na direção dessas mudanças. Adaptar a língua escrita à língua falada.
Há países com milênios de cultura letrada e eles não se arriscam a perder esse patrimônio. A escrita traz as tradições, a história e a identidade de cada lugar. Reformar tudo isso é se desfazer de uma parte dessa trajetória e isso nem sempre é interessante.
O que os países de Língua Portuguesa acordaram foi unificar as formas de escrever aquelas palavras que são escritas diferentemente em cada localidade. Então "batismo", que é "baptismo" em Portugal, perderia o "P" e seria escrito batismo. Isso porque, embora o "P" esteja lá, ele não é pronunciado. No caso de "facto", o "C" é pronunciado, então a solução é outra. Nesses casos, foram mantidas as duas formas de grafar: "fato" e "facto". As duas passam a ser corretas e oficiais.
As diferenças foram respeitadas. Só se mudou aquilo que diferia muito nas grafias de cada língua e só aquilo que não ia mudar demais a relação dos falantes com o português.
Hoje, nos lugares onde se fala português, se chega um material didático brasileiro, isso tem que ser adaptado, para que seja um documento oficial e dentro dos padrões legais. O Brasil não, mas os países africanos de Língua Portuguesa têm um português muito próximo ao de Portugal, muito mesmo, então não é errado dizer que Portugal, ali, é a autoridade no que diz respeito à língua. E o acordo de unificação não é o fato mais importante do mundo, mas também não é uma bobagem à toa. A unificação causou uma gritaria danada em Portugal principalmente porque o acordo é acusado de abrasileirar demais a língua e isso seria uma espécie de colonização feita pela antiga colônia. Ou seja, Portugal perderia seu posto de metrópole. Eles afirmam lá que apenas 0,5% das palavras do Brasil seriam alteradas, enquanto 1,5% das de Portugal passariam por alterações. E isso é demais para os portugueses.
A língua portuguesa não está correndo riscos e não vai correr enquanto as pessoas conversarem em Português, fofocarem em Português, se declararem amorosamente em Português, usarem o Português para expressar os momentos mais profundos de sua existência e também nos momentos mais íntimos e rezarem e xingarem em Português. A língua é viva, independentemente da forma como seja grafada. O que é preciso olhar é que, no Brasil, a gente tem sim um problema de compreensão na leitura e de redação dessa língua. Mas não por conta dos acentos ou do trema. É por um problema de ensino mesmo. É o Português ensinado e aprendido nas escolas o problema. E a razão para isso é que a Educação nunca é prioridade nos governos. Tanto é que a Comissão nem se preocupa com a assimilação da nova grafia pelos professores e com o seu ensino. Com o tempo isso vai sendo assimilado sem grande sofrimento, basta ter contato com a língua escrita. O acordo de unificação não vai nem melhorar nem piorar o ensino do Português nas escolas, porque, nesse caso, o problema está no ensino e na aprendizagem, e não na Língua Portuguesa.

A oralidade e a escrita segundo Fávero

Manifestações da língua oral e escrita são manifestações da língua. Para se entender a língua na sua totalidade, precisa-se estudar o oral também e não só o escrito. Existe um continuum entre a língua falada e a escrita, que vai de um nível menos formal até o mais formal. Não se pode dizer que a língua escrita é formal e a falada informal. A gramática compreende uma relação entre fala e escrita decorrente de um modelo preconceituoso em que, muitas vezes, a forma falada é vista como errada. Conhecer a oralidade é o caminho para valorizá-la. A língua falada deve ser desvinculada da noção de erro ao se analisar os papéis que os participantes de um ato comunicativo assumem: o ouvinte, o falante, o grupo (étnico, social, etc.). Assim, na análise de um texto escrito ou falado, deve-se estudar as condições de produção que são distintas nas duas modalidades.
Uma das características mais importantes da fala é que ela é, a um só tempo, processo e produto. Ou seja, decorre de uma interação face a face, não há consulta a outros textos (como a intertextualidade, num texto escrito, por exemplo). Em suma, é um processo essencialmente dinâmico. O texto escrito, por sua vez, permite a interação à distância, a criação individual (do autor) e a possibilidade de revisão que não há no texto falado. O texto escrito tende a esconder seu processo de criação, mostrando apenas o resultado.
Pode-se dizer ainda que a fala tenha mais traços de fragmentação e a escrita de integração. No entanto, não se pode afirmar que haja diferenças rígidas entre o texto escrito e o falado. Essas diferenças vão decorrer das condições de produção, ou seja, da situação, se há mais ou menos formalidade, etc.
A oralidade e a escrita devem ser observadas sob a perspectiva de um continuum e não de duas coisas distintas. Um trabalho que respeite as diferenças do tradicionalismo e proporcione ao aluno uma melhor distinção das tipologias textuais e complexidades das produções escritas são extremamente necessárias. Um espaço onde é permitido, sobretudo, errar; um espaço onde a imaginação e a criatividade poderão brotar sem resistências; um lugar para intervir, construir e compartilhar levando-se sempre em consideração que o ponto de partida para esses estudos de hoje foi o que se denominava ? erro ? ontem.
Lingüistas do século XXI continuam priorizando a língua falada em detrimento da escrita, com argumentos objetivos: a língua oral precede a escrita; a criança desenvolve a fala e só depois aprende a escrever; sujeitos, de modo geral, mesmo os mais cultos, falam mais do que lêem e escrevem, talvez resquício de todo um processo histórico.
Mesmo assim, a língua escrita é um objeto social por excelência. Ela possui seus dicionários, suas gramáticas, suas enciclopédias ? uma espécie de biblioteca que orienta o ensino na escola e a vida em todas as instituições. Socialmente, aliás, estabelece-se uma imensa distância entre a voz e a letra, o que serve para hierarquizar os sujeitos. Apesar disso, há uma tendência a considerar a escrita como transposição gráfica (visual) da linguagem oral.

AS CONCEPÇÕES DE GRAMÁTICA QUE ATENDAM A UMA LÍNGUA QUE É VIVA

As pesquisas sobre o ensino de gramática levam em conta que, para haver uma boa comunicação, a pessoa deve adequar a forma como se expressa à situação comunicativa em que se encontra. A questão não é exatamente aprender as regras gramaticais, mas dominar também a língua culta de uso real, aquela de fato usada pelas pessoas mais escolarizadas.
É essencial que os alunos aprendam a importância de falar e escrever de acordo com a variante lingüística prestigiada socialmente, que é esperada em determinadas situações sociais. Se o aprendiz a domina, poderá compreender mais o que é dito ou escrito pelas pessoas mais letradas. Ele vai entender o que foi escrito num tom mais formal, desfrutar de obras literárias e compreender melhor publicações científicas.
O domínio da variante prestigiada permite que os jovens não sejam discriminados em certos contextos e lhes dá uma ferramenta a mais para lutar por seus princípios e interesses como cidadãos. Dominando os saberes de como a língua funciona, eles estarão aptos a distinguir, por exemplo, que palavras ou expressões serão adequadas ou não usar de acordo com a formalidade da situação ou com seus interlocutores. É o que a lingüística conceituou de competência codemunicativa e que muitas escolas ainda não incorporaram. Ainda tendem a achar que se escreve e fala de um jeito só, como se não importassem o gênero textual e a situação comunicativa.
Boa parte dos equívocos que se cometem em classe poderia ser evitada ao fazer a distinção entre o que são e o que não são regras gramaticais.
São as regularidades, as normas que ajudam a entender como usar e combinar as unidades da língua para produzir determinado efeito comunicativo (a descrição de como empregar pronomes ou de como expressar exatamente o que se quer pelo uso da palavra adequada, no lugar certo, na posição certa ou como usar flexões verbais para indicar determinadas intenções, entre outras).
Os especialistas encampam a idéia de que, para ensinar as regras gramaticais em situações reais de uso, é preciso o convívio reiterado com diferentes gêneros e níveis de formalidade, mas com uma abordagem bem específica. Precisa-se desmontar esses textos para ver como seus sentidos foram construídos, articulados e expressos em uma unidade semântica mais ampla. Com uma boa formação e um estudo constantes, é possível montar propostas eficientes baseadas em bons modelos de variados gêneros.
Além de oferecer modelos para análise (em que se buscam as regularidades da língua), cabe ao educador também criar oportunidades para que o grupo escreva muito.
Outra estratégia importante é a reescrita, para que as produções fiquem adequadas tanto do ponto de vista normativo (emprego da concordância e ortografia) como em relação à textualidade (estrutura e formato, escolha do vocabulário). Para aproveitar bem cada uma dessas situações, é essencial estar preparado, já que muitas dúvidas vão surgir. Ainda falta conhecimento gramatical aos responsáveis pelas aulas de Língua Portuguesa. O conteúdo está lá, no livro didático, e o professor precisa se apropriar dele.
Ensinar a gramática de acordo com as novas orientações é um grande nó para quem leciona Língua Portuguesa. As aulas de gramática normativa, baseadas só em fatos da língua-padrão, não têm sentido para os alunos. Quando o estudante é estimulado a refletir sobre a língua, ele vai longe. Precisa-se saber responder às questões. Com esse processo, os estudantes refletem sobre as possibilidades de uso de determinadas palavras e realizam diferentes atividades para sistematizar o conhecimento.
Estudar gramática dentro das práticas de linguagem ajuda a descobrir como a língua funciona em situações reais de uso, aprimora a compreensão em situações de leitura e amplia as possibilidades de uso da língua em situações de escrita.

UMA VISÃO DA GRAMÁTICA CONFORME IRANDÉ ANTUNES

É cada vez mais notório que o ensino da gramática não vai bem. Embora não se possa generalizá-la, muito acreditam em que a escola não estimula a formação de leitores, não deixa os alunos capazes de ler e entender manuais, relatórios, códigos, instruções, poemas, crônicas, resumos, gráficos, tabelas, artigos, editoriais e muitos outros materiais escritos. Também não deixa os alunos capazes de produzir por escrito esses materiais. Ou seja, tem "uma pedra no meio do caminho" da aula de português. E a trajetória não se faz.
O momento nacional é de luta, de renovação e incita à mudança, a favor de uma participação cada vez maior de toda a população e de um exercício cada vez mais pleno da cidadania. O professor não pode ausentar-se desse momento nem, tampouco, estar nele de modo superficial. O ensino da língua portuguesa também não pode afastar-se desses propósitos cívicos de tornar as pessoas cada vez mais críticas, mais participativas e atuantes, política e socialmente. Não se pode, nem se deve, pois, adiar a compreensão de que a participação efetiva da pessoa na sociedade acontece, também e muito especialmente, pela "voz", pela "comunicação", pela "atuação e interação verbal", pela linguagem, enfim.
Saber tais regularidades faz muita diferença, quando a pessoa encontra-se em situações reais de uso da língua, dentro e fora da escola. Não saber tais regularidades concorre, significativamente, para deixar os indivíduos limitados no acesso ao conhecimento e nas atividades de sua produção e de sua distribuição. Não saber tais regularidades concorre também para deixar os mais pobres ainda mais excluídos, os quais, "coincidentemente", são os menos escolarizados e os menos preparados para enfrentar as exigências de um mercado de trabalho cada vez mais especializado.
Se o que predomina nas aulas de português continua sendo o estudo inócuo das nomenclaturas e classificações gramaticais, ir à escola e estudar português pode não ter muita importância, principalmente para quem precisa de imediato, adquirir competências em leitura e em escrita de textos. Ou mesmo para quem precisa ter certa fluência e desenvoltura no exercício mais formal da comunicação oral. Certamente, há alguém ou alguns que tiram proveito da manutenção desses padrões de ensino da língua; padrões que, na verdade, só "despistam" a atenção e embotam a criticidade das pessoas para perceberem o que, de fato, se pode fazer e se pode sofrer pelo domínio da palavra.
Enquanto o professor de português fica apenas analisando se o sujeito é "determinado" ou "indeterminado", por exemplo, os alunos ficam privados de tomar consciência de que ou eles se determinam a assumir o destino de suas vidas ou acabam todos, na verdade, "sujeitos inexistentes".
Falar ou escrever não é apenas uma questão de gramática, de morfologia ou de sintaxe, não é apenas uma questão de executar, certo ou errado, determinados padrões lingüísticos. Não é tampouco formar frases, nem sequer juntá-las, por mais bem formadas que elas estejam.
Falar ou escrever é ativar sentidos e representações já sedimentados que sejam relevantes num determinado modelo de realidade e para um fim específico; é, antes de tudo, agir, atuar socialmente; é, nas mais diferentes oportunidades, realizar atos convencionalmente definidos, tipificados pelos grupos sociais, atos normalizados, estabilizados em gêneros, com feição própria e definida. É uma forma a mais de, tipicamente, externar intenções, de praticar ações, de intervir socialmente, de "fazer", afinal.
Desse modo, a gramática, se é necessária, se é imprescindível, se é constituinte da linguagem, não chega, no entanto, a ser suficiente, a bastar, a preencher todos os requisitos para a atuação verbal adequada.
Que se chegue a uma escola em que o estudo da língua não se reduz a um conteúdo insípido e inócuo, destituído de sentido social e de relevância comunicativa. Que o estudo da língua possa significar o acesso à expressão, à compreensão e à explicação de como as pessoas se comportam quando pretendem comunicar-se de forma mais eficaz e obter êxito nas interações e nas intervenções que empreendem. Para que o acesso à palavra possa resultar numa forma de acesso das pessoas ao mundo e recobre, assim, um sentido humanizador, o eu, nesse vasto mundo, não é rima, mas pode ser uma solução.