As modalidades de delegação do Serviço Público 

Introdução

A necessidade de melhor execução das atividades estatais está cada vez mais urgente. Para que haja melhor alcance do interesse público, o Estado deve se desdobrar para alcançar tal objetivo e com a delegação do serviço público vem conseguindo organizar as atividades.

No presente artigo, veremos brevemente algumas das mais importantes modalidades de prestação do serviço público por particulares e suas conceituações feitas pela doutrina.

1. Concessão

 

O art. 2º, inciso II, da Lei nº 8.987/95, dispõe que concessão de serviço público é a transferência da prestação de serviço público, feita pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, mediante concorrência, a pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro[1] ensina que o conceito legal é imperfeito e inútil, pois as características nele apontadas decorrem de outros dispositivos. No mais, explica que o dispositivo supra transcrito não se refere à concessão como contrato e não indica a forma de remuneração que lhe é característica, a saber, a tarifa paga pelo usuário ou outra fonte de receita ligada à própria exploração do serviço.

Para ela a definição correta do conceito é: “o contrato administrativo pelo qual a Administração Pública delega a outrem a execução de um serviço público, para que o execute em seu próprio nome, por sua conta em risco, mediante tarifa paga pelo usuário ou outra forma de remuneração decorrente da exploração do serviço”.

Odete Medauar[2] desmembra o dispositivo e extrai as principais características da concessão, quais sejam: há um poder público concedente (a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e outros entes estatais, em cuja competência se encontra o serviço); a concessionária por ser empresa privada não integra à Administração, mas alguns preceitos de direito público se aplicam a suas atividades, por exemplo, o mesmo regime de responsabilidade civil vigente para os entes administrativos, do art. 37, § 6º, da CF, e os princípios do serviço público; a concessionária, de regra, recebe remuneração do usuário do serviço, pagando este uma tarifa; o concedente fixa as normas de realização dos serviços, fiscaliza seu cumprimento, impõe sanções aos concessionários e reajuste de tarifas; a concessão formaliza-se por instrumento contratual, aplicando-se os preceitos do contrato administrativo a essa figura.

Já Antonio Cecílio Moreira Pires[3], explica que existem divergências doutrinárias acerca da natureza jurídica da concessão. O autor vê a concessão como uma relação de caráter bilateral. Com efeito, contrato de concessão garante a relação jurídica existente entre a Administração Pública e concessionário, a segurança de atendimento do interesse de ambas as partes.

O ilustre professor ainda ensina que a remuneração do concessionário de serviço público usualmente se dá por tarifas cobradas dos usuários que utilizam do serviço. A exceção é, por exemplo, a concessão de rádio e televisão, em que a remuneração não decorre diretamente dos usuários e sim das mensagens publicitárias cobradas dos anunciantes.

Ainda nos ensinamentos de Antonio Pires, se faz importante o esclarecimento de que a legislação não impõe qualquer impedimento para o Poder Público subsidiar parcialmente o concessionário.

O contrato de concessão de serviço público é um instrumento formal e, portanto, deve ser escrito e tem por finalidade estabelecer a delegação do poder concedente, definir o objeto da concessão, delimitar a área, forma e tempo da exploração do serviço público, bem como os direitos e deveres das partes e dos usuários.[4]

Hely Lopes Meirelles, citado por Antonio Cecílio Moreira Pires, ressalta a importância do contrato de concessão e chama a atenção para o desprezo do Poder Público quanto à sua elaboração:

“Documento da maior relevância, o contrato de concessão não tem merecido dos Poderes Públicos a necessária atenção na sua feitura, ficando quase sempre entregue sua redação aos próprios pretendentes à concessão, que assim, a amoldam às suas conveniências, sem atender ao interesse público e aos direitos dos usuários. As concessões vigentes são, em geral, e paradoxalmente, instrumentos em que o Poder Público e os usuários é que se submetem à vontade despótica das empresas, tais são as cláusulas a seu favor e a nenhuma reserva de direitos para o particular a que o serviço se destina. Já é tempo de os concedentes reagirem contra esta inversão de poderes, defendendo melhor o público e exigindo seus concessionários, na feitura dos contratos novos ou na fiscalização dos já existentes, a prestação eficiente e regular dos serviços que lhes são concedidos”.

Portanto, as principais cláusulas do contrato de concessão são as que indiquem e delimitem o objeto, modo e forma da prestação do serviço, as que disponham sobre fiscalização e possível quebra do contrato, entre outras.

 2. Permissão

 

Além da concessão, o Estado também pode se valer da permissão para prestar, de forma indireta, determinado serviço público, mediante licitação.

Porém, o legislador pouco prestigiou o instituto da permissão de serviços públicos, limitando-se apenas em mencioná-la, na Lei 8.987/95.

Celso Antonio Bandeira de Mello entende que:

“Permissão de serviço público, segundo conceito tradicionalmente acolhido na doutrina, é o ato unilateral e precário, intuito personae, através do qual o Poder Público transfere a qualquer o desempenho de uma serviço de sua alçada, proporcionando, à moda do que faz na concessão, a possibilidade de cobrança de tarifas dos usuários”.[5]

A doutrina especializada atesta que os atributos da permissão de serviço público são as características de unilateralidade, discricionariedade e precariedade.[6]

Sendo unilateral, permite que o Poder Público, no momento da transferência da execução do serviço público, formule todas as regras e condições para a prestação do serviço permitido. Daí decorre a discricionariedade do instituto, ou seja, o Poder Público pode decidir sobre a delegação da execução de determinado serviço público, a forma e condições de sua prestação, inclusive com possibilidade de realizar alterações, sem precisar de qualquer consentimento do permissionário. E a precariedade trata-se da possível revogação pela Administração Pública a qualquer momento.

O art. 40 da Lei nº. 8.987/95 trata a permissão como um contrato de adesão. Contudo, a permissão se assemelha com a concessão no que diz respeito às características atinente à titularidade do serviço e sua adequação, fiscalização, intervenção, remuneração, direitos do usuário, responsabilidade civil, anulação e reversão.

 3. Parcerias Público-Privadas

 

Existem diversas modalidades de parceria entre os setores público e privado, porém, a Lei nº. 11.079/2004 reservou duas modalidades específicas de parceria: patrocinada ou administrativa.

O dispositivo legal, na realidade, não contém qualquer conceito, porque utiliza expressões que também têm que ser definidas, o que consta dos §§ 1º e 2º do art. 2º.

Pelo § 1º, “concessão patrocinada é a concessão de serviços públicos ou de obras ´públicas de que trata a Lei nº 8.987, de 13-2-1995, quando envolver, adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários, contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado”.

E pelo § 2º, “concessão administrativa é o contrato de prestação de serviços de que a Administração Pública seja usuária direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação de bens”;

Maria Sylvia Zanella Di Pietro ensina:

“Para englobar as duas modalidades em um conceito único, pode-se dizer que a parceria público-privada é o contrato administrativo de concessão que tem por objeto (a) a execução de serviço público, precedida ou não de obra pública, remunerada mediante tarifa paga pelo usuário e contraprestação pecuniária do parceiro público, ou (b) a prestação de serviço de que a Administração Pública seja a usuária direta ou indireta, com ou sem execução de obra e fornecimento e instalação de bens, mediante contraprestação do parceiro público”.[7]

Assim sendo, analisaremos a seguir os dois tipos de modalidades e suas definições pela doutrina.

3.1 Concessão Patrocinada

 

Antonio Cecílio Moreira Pires examina e conceitua:

“Do exame da Lei 11.079/2004, combinada com a Lei 8.987/1995, podemos inferir que a concessão patrocinada é contrato administrativo pelo qual o Poder Público outorga a um terceiro a execução do serviço público, precedido ou não de obra pública, para que seja executado em seu próprio nome, por sua conta e risco, assegurada a devida remuneração, decorrente da tarifa cobrada e acrescida de contraprestação pecuniária paga pelo Poder Público, e sob normas e controle do Estado”.[8]

O autor analisa que a grande diferença entre essa modalidade de concessão e a concessão ordinária, regulada pela Lei nº. 8.987/1995, é a possibilidade do Poder Público efetuar contraprestação pecuniária ao concessionário, em até 70%, ou mais, se houver autorização legislativa, adicionando a essa quantia o valor das tarifas cobradas do público.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro[9] vê a principal diferença entre concessão patrocinada e a concessão de serviço público comum de outra forma. Diz que essa diferença pode desaparecer se, na concessão tradicional, houver previsão de subsídio pelo poder público, conforme previsto no artigo 17 da Lei nº 8.987/95. Também existe diferença no que diz respeito (a) aos riscos que, nas parcerias público-privadas, são repartidos com o parceiro público, (b) às garantias que o poder público presta ao parceiro privado e ao financiador do projeto, e (c) ao compartilhamento entre os parceiros de ganhos econômicos decorrentes da redução do risco de crédito dos financiamentos utilizados pelo parceiro privado.

A contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado, vemos que esta pode admitir todas as formas previstas no artigo 6º da Lei nº. 11.079, sendo elas formas de pagamento indireta, a saber: ordem bancária, cessão de créditos não tributários, outorga de direitos em face da Administração Pública, outorga de direitos sobre bens públicos dominicais, outros meios admitidos em lei.[10]

Conforme o art. 7º da lei, a contraprestação do poder público só terá início quando o serviço objeto do contrato se tornar total ou parcialmente disponível. Com efeito, o parceiro privado terá que arcar com as custas, se a prestação do serviço depender da prévia execução de obra pública e do fornecimento ou instalação de bens, pois a tarifa do usuário também não pode ser cobrada antes que o serviço comece a ser prestado. Contudo, desde que não constituam encargos do poder público, o parceiro privado poderá, mesmo antes de iniciar a prestação do serviço, receber as receitas previstas no art. 11 da Lei nº. 8.987, conforme dispõe o art. 6º da Lei nº 11.079.[11]

Por fim, caso se constate que as fontes de receitas definidas na Lei nº 8.987 são suficientes para a execução do contrato, o Poder Público não poderá optar pela concessão na modalidade patrocinada.

3.2 Concessão Administrativa

 

O art. 2º, § 2º, da Lei 11.079/2004 dispõe que a concessão administrativa é o contrato de prestação de serviços de que a Administração Pública seja a usuária direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação de bens. Por óbvio, o objeto principal dessa modalidade de concessão é a prestação de serviço (atividade material prestada à Administração e que não tem as características de serviço público). Di Pietro ensina que há uma aproximação conceitual entre esse contrato  e o contrato de serviços de que trata a Lei nº. 8.666/93, sob a forma de empreitada (arts. 6º, VIII, e 10).

Há semelhança entre concessão administrativa e empreitada, porém há diferenças por cada um se sujeitar a determinadas leis. Assemelham-se, pois, na concessão administrativa, como na empreitada, o concessionário vai assumir apenas a execução material, a qual detém a gestão do serviço, de uma atividade prestada à Administração Pública.

Antonio Cecílio Moreira Pires[12] ensina que essa modalidade de concessão se destaca pela possibilidade dada ao Poder Público de promover a concessão de quase todas as suas atividades, havendo exceções, que são tratadas no inciso III do art. 4º da lei, que proíbe a delegação das funções de regulação, jurisdicional, poder de polícia e de outras atividades exclusivas do Estado; bem como aquelas que dependem de remuneração do usuário, que só podem ser concedidas na modalidade patrocinada.

Portanto, na concessão administrativa, não há tarifa cobrada pelo usuário. Assim, o objeto do contrato só poderá ser serviço administrativo (atividade-meio) ou serviço social não exclusivo do Estado. Porém, não há previsão legal que impeça o concessionário de receber recursos de outras fontes de receitas complementares, acessórias, alternativas ou decorrentes de projetos associados, até porque o inciso V do artigo 6º, ao falar em “outros meios admitidos em lei”, deixa claro que a indicação das formas de contraprestação não é taxativa.[13]

 


[1] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública. São Paulo: Ed. Atlas. 8ª ed.,2011, p.75.

[2] MEDAUAR, op. cit., p. 340-341.

[3] TANAKA, op. cit., p. 377.

[4] TANAKA, p. 378.

[5] DE MELLO, op. cit., p. 739.

[6] TANAKA, op. cit., p. 388.

[7] DI PIETRO, 2009, op. cit., p. 105.

[8] TANAKA, op. cit., p. 390-391.

[9] DI PIETRO, 2011, op. cit., p. 147.

[10] DI PIETRO, p. 150.

[11] DI PIETRO, p. 151.

[12] TANAKA, op. cit., p. 391.

[13] DI PIETRO, op. cit., 2011, p. 154.

[14]SUNDFELD, Carlos Ari (coord), Parcerias Público-Privadas, ed. , São Paulo: 2005, Editora Malheiros, p. 394.