RESUMO

Qual é a situação atual da população negra brasileira? Existe desigualdade entre negros e brancos no Brasil? Será que o preconceito e a descriminação racial estão presentes em nosso cotidiano? Para compreender essas questões é importante saber o que são direitos, e quais direitos traçam na história um papel de combate às desigualdades raciais e sociais. Sobre um ponto de vista formal, os direitos da população negra estão assegurados quando os negros são tratados de forma igual aos membros da população não-negra. Como não há seres iguais, a alegada igualdade entre homens só é possível à luz de um critério comum. Mas estabelecer critérios comuns para grupos que historicamente se constituíram com oportunidades adversas é salientar a democracia racial, num âmbito de assolar a descriminação. Os direitos conquistados pela sociedade negra, precisam ser efetivados, para que a sociedade tenha consciência no trato com os diferentes, respeitando, ouvindo e entendendo que todos somos seres pensantes e que contribuímos para construção de tudo que a sociedade usufrui.

ABSTRACT

What are the current situation black people? There is inequality between blacks and whites in Brazil? Does prejudice and racial discrimination are present in our daily life? To understand these issues is important to know what are rights and duties which trace the history of a major combat racial inequality and social. On a formal point of view, the rights of black people are assured when blacks are treated equally to members of non-blacks. Since there are no equal beings, the alleged gender so you can light a common criterion. But establisher common criteria for groups that historically constituted with adverse opportunities are to emphasize the racial democracy, in a desolate part of the discrimination. The conqueror rights by black society must be affected, for society to be aware when dealing with individual, respecting, listening and understanding that we are all thinking beings and those who have contributed to the construction of everything that society enjoys.

1 INTRODUÇÂO

As privações relativas definidas em função do contexto social em que se vive a partir da consideração do padrão de vida e da maneira como as diferentes necessidades são supridas em uma dada realidade nos chama atenção dentro do Movimento Negro Unificado (MNU) que são privados aos meios da sociedade em que vivem sendo excluídos e descriminados, contradizendo o Artigo 5° da Constituição Federal Brasileira que garante a inviolabilidade do direito à vida, á liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Dessa forma, o objetivo desse trabalho é investigar como o MNU, tem se manifestado na busca da efetivação de seus direitos, assegurados pela Constituição Federal Brasileira, no âmbito de exercer sua cidadania, como cidadãos civis, políticos e sociais.

Através do Estatuto de Igualdade Racial, o MNU acredita que o governo tenta diminuir a vertente racial da questão social na comunidade negra, que para esses grupos é a grande questão que impulsiona as demais mazelas da questão social existente dentre eles. Mas de que forma esse Movimento Social tem se organizado? Quais agentes sociais representam obstáculos ou se manifestam positivamente a favor da efetivação desses direitos? Quais mecanismos de participação nos processos Legislativo, Partidário e Político, o MNU tem feito uso para buscar a equidade social?

Na busca da compreensão dessas indagações, objetivando coletar dados que alcancem uma maior legitimidade nas respostas após minucioso estudo bibliográfico se aplicará a Pesquisa Oral, entrevistas que visam confrontar a realidade na busca da efetivação dos direitos do negro. A participação desses agentes sociais no desenvolvimento desse trabalho, assim como o conhecimento antropológico de seus valores culturais, são partes fundamentais na execução dessa pesquisa. Ela visa entender a participação desses sujeitos sociais ao longo de sua história, na efetivação dos seus direitos.

Assim o trabalho busca por meio das metodologias já mencionadas e a pesquisa empírica de nosso trabalho de campo, entender as lutas do MNU. Através da efetivação dos seus direitos, os negros buscam diminuir as vertentes da questão social, fator que impulsiona o Serviço Social contemporâneo.

2 DESENVOLVIMENTO

Podemos considerar que as primeiras formas de resistência dos negros a escravidão ainda nos navios que os traziam de sua terra natal, a África, foram às primeiras expressões do Movimento Negro no Brasil. As lutas para manterem vivas suas tradições e pela resistência ao trabalho escravo traçam um importante momento histórico desse Movimento, que ao longo de sua formação assistiram várias batalhas para a inserção desses grupos dentro da sociedade.

No final do século XIX circulavam vários jornais voltados para a população negra com o objetivo de denunciar a descriminação racial. Dessa iniciativa surgiram alguns fundadores da chamada “Frente Negra Brasileira” em 1931, que chegou a se transformar em partido político em 1936. Os documentos desse período mostram que não era rara a circulação de referências e informações de fora do Brasil, principalmente da África e dos Estados Unidos, que na década de 60 viviam o processo de libertação das colônias africanas e da mobilização pelos direitos civis. A partir da atuação desse movimento social na história do Brasil é possível registrar a formação de entidades que buscam denunciar o racismo e organizar a comunidade negra, com os objetivos de buscar a efetivação dos direitos a igualdade e promover a equidade entre a sociedade.

O Ato Público de 07 de Julho de 1978 foi o marco para a unificação do que hoje se conhece por Movimento Negro Unificado. Nas escadarias do Teatro Municipal de São Paulo, motivados pelo assassinato do jovem negro Robson Silveira da Luz, no distrito policial de Guaianazes - SP, para onde tinha sido levado preso, acusado de roubar frutas numa feira, e na discriminação sofrida por quatro meninos negros impedidos de treinar vôlei no Time Infantil de Regatas do Clube Tietê, manifestantes lutaram contra o preconceito racial. Com propósitos revolucionários que alegam uma ideologia de grupos de interesses naturais de uma sociedade, organizado em associações, grupos de apoio, fundações. O MNU se firmou com os objetivos de buscar a efetivação dos direitos a igualdade, promover a equidade entre a sociedade, através de ações afirmativas e políticas de integração social.

Movimentos sociais são movimentos populares de representação de um grupo de interesses cuja ação social é orientada, o que descaracteriza como espontâneo, a fim de obter transformações políticas e econômicas em um novo cenário de transformações naturais, e sociais, levando em consideração a metodologia adotada, sua organização, seu contexto geográfico, seus representantes, ideologia, políticas, vitórias, derrotas, estrutura e experiência para se consolidar como representativo dentro de uma sociedade. (BRAGA, 1999)

Para compreender essa busca dos direitos da comunidade negra, é preciso entender o conceito de direito e suas ramificações como direito positivado e efetivado. De acordo com Bobbio, em sua obra Dicionário de Política, entende-se por direito “o conjunto de normas de conduta e organização, constituindo uma unidade e tendo por conteúdo a regulamentação das relações fundamentais para convivência e a sobrevivência do grupo social (...)” (BOBBIO, 1995). Dessa forma, a realização dos direitos implica em igualdade, o que significa dizer que o conceito está ligado à realização da justiça, da segurança e do bem comum. Entende-se assim, que direito são todas as normas escritas que regulam o comportamento, objetivando o controle social por meio de sanções legais. O conjunto de normas que compõe um determinado espaço geográfico delimitado e em um momento histórico, definido por leis escritas pelo Estado define o conceito de direito positivado e a busca pela perfeição em se cumprir esses direitos assegurados pela legislação que o vigora, por meio do comprimento das normas escritas entende-se por direitos efetivados.

Dos conceitos descritos acima, entende-se que as leis abolicionistas foram os primeiros direitos negros positivados. A lei Eusébio de Queiroz, positivada em 04 de setembro de 1850, proibia o tráfico negreiro, devido à pressão da Inglaterra por meio da “Bill Aberdeen”, que proibia o comércio de escravos entre África e América sujeitos a repressão independente de qualquer contato diplomático. (GILENO, 2003) A lei não gerou efeito no sistema econômico brasileiro, que não assegurava o cumprimento da mesma. No período posterior a lei, o tráfico ilegal de negros africanos cresceu abundantemente, aumentando o índice de africanos ilegais no Brasil. Em 1871, foi instaurada a lei do Ventre Livre no Brasil, que beneficiava com a liberdade filhos de escravos nascidos a partir de 27 de maio de 1871. (GILENO, 2003) Os negros nascidos após esse período podiam ser entregues ao Estado pela mãe ou ficar aos cuidados dos senhores de escravos até completarem 21 anos, quando adquiriam a liberdade definitiva. Contudo, a escolha pela mãe de romper os laços familiares não corresponderam às expectativas da efetivação da lei que visava diminuir a escravidão, mantendo seus filhos junto de si, mesmo que em uma situação de escravo, além do descaso dos senhores de escravos com as negras gestantes que geravam um futuro negro liberto, período fortemente marcado pela mortalidade infantil. Em nossa pesquisa de campo em entrevista com o comandante de honra da Guarda de Moçambique da Comunidade Quilombola dos Arturos fica claro a falta de execução da lei do Ventre Livre, pois o fundador da Comunidade o Sr. Arthur Camilo Silvério, “apesar de não ter sido escravo, conheceu o sistema escravocrata em seus últimos anos de existência e sofreu a violência que persistiu nas relações entre patrão e empregado mesmo após a abolição da escravatura, ainda que beneficiado pela lei do Ventre Livre, pois nasceu em 1880”. (ARTUROS, 20099) A Lei nº 3.270, também conhecida como Lei dos Sexagenários foi promulgada a 28 de setembro de 1885 e garantia liberdade aos escravos com mais de 65 anos de idade após mais 03 anos de trabalho escravo. (GILENO, 2003) Mas de fato em um período em que os direitos sociais não eram mencionados, a falta de documentos que comprovassem a idade dos negros tornou-se um forte álibe para os escravocratas, impedindo a efetivação da mesma. Por fim em 13 de maio de 1888 foi isntalada a lei Áurea, extiguindo a escravidão no Brasil. (GILENO, 2003) Mas a falta de uma legislação complementar que assegurasse ao negro os direito fundamentais, como acesso à terra e à moradia, que os permitissem exercer uma cidadania de fato, acabou contribuindo para exclusão social de amplas camadas populares, como negros, mulatos e mestiços.

Apesar de ter sido concedido estes direitos, a população negra ficou as margens de uma sociedade que detinha os meios de produção, mesmo após a proclamação da República em 15 de novembro de 1889.

Entendo que a Lei Marshall pressupunha que uma democracia para se consolidar deveria seguir caminhos como efetivação de direitos civís, políticos e posteriores a estes direitos os direitos sociais, a população negra na prática não abidicava de nenhum destes direitos, mesmo as leis sendo para brancos e negros, a maioria da população negra não tinha acesso as escolas e menos ainda a entender o significado de cidadania.

( KOURY, s/d)

O direito ao voto se extendeu na década de 30, quando as mulheres tiveram acesso ao mesmo.Mas ainda sim era restrito aos analfabetos. Levando em conta que o índice de analfabetismo no Brasil na década de 30 era de 16,4 milhões de pessoas segundo o Instituto Brasileiro de Geogafia e Estatísticas (IBGE) e a maioria da população brasileira era constituída por negros, que não tinham acesso às escolas, essa extensão dos direitos políticos não beneficiava de fato a comunidade negra no cenário político, uma vez considerados analfabetos.

Em 1988, o Brasil conheceu a expansão dos seus direitos, o que o Professor José Murilo de Carvalho (2008), chamou de Redomacratização, por meio da elaboração da Constituição Federal de 1988, merecendo por isso o nome de Constituição Cidadã, garantindo igualdade de direitos independente de cor, raça, crença ou classe social. No ano de 1989 entra em vigor a Lei 7716/89, conhecida como “Lei Antiracismo” que na constituição Brasileira de 1988 em seu texto original diz: “a prática do racismo constitui crime inanfiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei.”( Costitução da República Federativa do Brasil. 2006, Cap I, Art 5°, Termo XLII.) Segundo o sociólogo Florestan Fernandes “ a descriminação no Brasil se assenta na combinação de uma ordem hierárquica profundamente enrraizada no mesmo cotidiano e uma ordem legal, formal que pretensamente garantiria a igualdade a todos.”(FERNANDES, 1964.) Portanto quando se consolida um ato racista sua negação se baseia na afirmação de que não há racismo no Brasil, pois perante a lei somos um só povo sem destinção de raça. Com argumentos embasados na miscigenação brasileira, a efetivação da Lei Antiracismo encontra-se disseminada nos braços da constituição que garante a igualdade entre os cidadãos. Os discurssos de que somos todos mestiços e as dificuldades de comprovação dos atos racistas, contribuem para que a lei não seja devidamente aplicada, e acabam se tornando troca de acusações que para o sistema judiciário é ilegítmo por não haver provas contundentes que comprovem o ato.

Se não há distinção de raças como poderá haver racismo? A resposta esta no cotidiano e na impunidade com que a cultura, crenças e valores dos negros são tratados pelos diversos sujeitos sociais como a mídia, Estado, escolas e a Igreja. Em entrevista, o ativista do MNU, ex-candidato à Prefeitura de Belo Horizonte-MG, afirma que esses sujeitos sociais exploram as tradições e valores do negro em benefício próprio. O que o ele tenta mostrar é o oportunismo por de trás da cultura e valores dos negros. O MNU acredita que só existe o interesse desses sujeitos sociais em divulgar e lutar pelo direito do negro, quando há um retorno imediato como audiência, no caso da mídia, e processo eleitoral, no caso do Estado.”(...)Basta olhar em relação ao poder, 99% dos principais cargos são ocupados por pessoas não negras(...)”.( MNU, 2009) Ainda segundo o entrevistado a mídia divulga fatos controvérsios que estigam o preconceito social, enfatizando que os negros são os principais atores criminais e se limitam ao divulgar que os negros são as principais vítimas de crimes. (Anexo II)

Embora os dados nacionais ainda apresentem imprecisões, já são suficientes para comprovar que a grande maioria dos indivíduos que tem sua vida interrompida por assassinatos são os homens, adolescentes e jovens adultos negros entre eles pardos e pretos. (CIÊNCIA HOJE, 2004)

Saindo em defesa da comunidade negra o entrevistado ainda diz que esses fatos refletem o resultado de como os negros se tornaram vítimas do sistema capitalista neoliberal. Uma vez que não são criadas oportunidades iguais de inserção no mercado de trabalho, na educação pública, etc. os negros buscam vias ilegais para sobrevivererm no mundo concorrencial, e enquanto vítimas não recebem o amparo legal que garantam o seus direitos de cidadão.

Ainda em relação a sujeitos sociais a Igreja não aparece como um obstáculo na efetivação dos direitos do negro, mas sim como um sujeito etnocêntrico, que não aceita o relativismo e a diversidade cultural e de valores do negro, buscando sempre se afirmar como a salvação para aqueles inseridos nos cultos afrodescendentes. Nas palavras do representante do MNU, a Igreja afeta indiretamente os valores dos negros, associando-os as manifestações demoníacas, onde os negros são burros, preguiçosos e são sempre subservientes. Essa atitude culmina na perda de identidade do negro, que encherga nas religiões ocidentais uma estratégia para diminuir o preconceito racial.

Na busca pelo resgate e pela valorização do negro é que o MNU vem lutando para a efetivação da Lei 10.639 promulgada em 2003 pela República Federativa do Brasil, que “altera a Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira", e dá outras providências.” Essa vitória significa para o Movimento um resgate da cultura negra, que tende a informar à população a verdadeira origem do seu povo, quebrando a imagem de que o negro descende apenas de escravos. Significa também para a sociedade que o negro tem uma história de lutas, e de construção do país visando por meio da iniciativa dessa lei, diminuir o espaço e o preconceito racial. Nas entrevistas que permearam essa pesquisa, segue-se uma mesma linha de raciocínio em relação às escolas, “um órgão que funciona como instrumento de segregação, denigrindo a imagem, a história, os heróis do povo negro, não citam qualquer conquista que valorize o povo negro e ainda reforçam a idéia da escravidão, servidão, que Zumbi era um negro fujão.” Mas segundo o Movimento, não basta implementar a lei, é preciso efetivá-la no intuito de mostrar ao negro e a sociedade sua identidade.

Mas o processo de efetivação da Lei 10.639/03 se esbarra em obstáculos como a falta de investimentos concentrados (político, técnico e financeiro), eixo essencial para implementação das políticas e programas educacionais. Nesse sentido há uma dificuldade em abandonar currículos já construídos e universalmente consolidados. Falta de clareza do conteúdo a ser abordado, além da consequente falta de impulso para superação do despreparo para lidar com o cotidiano escolar recheado de piadas e “brincadeiras” racistas, e escasso material didático e pedagógico que auxiliam o profissional da educação no exercício de sua profissão.

Em resposta a esses desafios o Conselho Nacional de Educação elaborou um documento entitulado “Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnicos Raciais e para o ensino de História e Cultura Afro Brasileira e Africana como intrumento de orientação para implementação da Lei, para que esse relativismo cultural não seje abordado superficialmente apenas em datas como o 13 de maio e o 20 de novembro.

[...] à luta histórica dos movimentos sociais negros por uma educação anti-racista; a demostração de manifestações do racismo no cotidiano escolar; a conceitos necessários á compreensão de questão racial no Brasil; ao poder as linguagens escolares na e para a reprodução de preconceitos raciais, bem como á histórica orientação eurocêntrica da educação brasileira; a ausênsia da história do continente africano e dos africanos no Brasil e/ou da produção historiográfica sobre esse continente produzida por brilhantes entelectuais africanos; a aspectos fundamentais da Geografia africana; e a concepção de mundo africano. (HENRIQUES, 2005. p8 apud SANTOS, Renato dos, 2007, p.24)

Mas qual o verdadeiro papel das escolas na construção de uma sociedade igualitária? A história do Brasil contada nas escolas, esconde a verdadeira participação dos negros no processo de formação do país. A forma subversiva como a história do negro é relatada pela instituições de ensino, conta uma história de submissão e domesticação, omitindo às lutas dos negros contra à escravidão e intolerâncias desumanas. A educação deve ter um caráter ideológico, uma função social e um papel político, aliados a uma competência técnica, pedagógica de luta contra o racismo. Dessa forma cabe aos profissionais da educação concientizar para uma cidadania igualitária e sem preconceitos, rompendo com o conceito de democracia e tolerância étnico-racial, que afirmam a idéia de que não há racismo no Brasil e que somos todos iguais.

A escola tem que ser um espaço de afirmação das diferenças, ou seja, contribuir para que o negro seja aceito e se imponha como diferente enquanto raça, cultura e religião, mas igual enquanto cidadão, enquanto ser humano, com direitos iguais a qualquer cidadão. (Núcleo de estudos negros, 1997)

No âmbito das discussões das ações afirmativas, constituídas em políticas de combate a desigualdade social e a promoção ativa de oportunidades para todos, o MNU não vê como participativo as ações dos assistentes sociais. Ainda na perspectiva da assistência, em entrevista concedida, o representante do MNU relata que “essa ausência de participação dos profissionais de Serviço Social no movimento social é constituída desde a gênese da profissão”. (MNU, 2009)

O surgimento do serviço social, no cenário mundial, se dá da necessidade de organizar a classe operária, com métodos reformuladores de caráter e com nítida contribuição para reintegração ao mercado de trabalho, atendendo as necessidades de dominação e fortalecimento da hegemonia da classe burguesa. No Brasil a prática profissional se consolidou intervindo na vida dos trabalhadores, ainda que sua base fosse assistencial, seus efeitos eram extremamente políticos, com “enquadramento dos trabalhadores nas relações sociais vigentes, reforçando a mútua colaboração entre capital e trabalho”. (IAMAMOTO, 2004, p.20)

O Movimento de reconceituação ocorrido na década de 70 trouxe uma nova proposta metodológica para o serviço social, fundamentada em um novo “contexto social e político, em que as forças populares dos operários, camponeses e movimentos urbanos estavam em face de ascensão”. (FALEIROS, 1981, p.114) Fundamentada nas bibliografias, que tratam da conjutura histórica do serviço social, torna-se clara a falta de participação dos assistentes sociais nos diversos movimentos sociais, uma vez que à categoria buscava atender as necessidades burguesas. Mas após o Movimento de Reconceituação, se percebe uma participação dos assistentes sociais dentro desses movimentos, ora como ativistas, ora como mediadores entre Estado e sociedade civil, construindo relações entre as classes na sociedade, “de forma a romper com a endogenia no serviço social”. (IAMAMOTO, 2006, p.23)

Mas qual a contribuição do Serviço Social na construção de uma política nacional de igualdade racial? Segundo Matilde Ribeiro, assistente social, graduada pela PUC-SP e Ex-Ministra da Secretaria Especial de Política da Promoção da Igualdade Racial (Seppir), em entrevista ao Jornal do Cress-SP (Conselho Regional de Serviço Social - São Paulo) parte do seguinte conceito:

O Serviço Social, em sua essência, é um campo profissional e teórico que analisa a sociedade a partir das possibilidades democráticas, promovendo a construção de caminhos que ampliem a justiça e a igualdade. Não há democracia com racismo e os Assistentes Sociais podem construir instrumentos que garantam a afirmação democrática. Nossa profissão não é engessada: podemos trabalhar em áreas diversas, como cultura, habitação, saúde e outras e, em todas elas, é possível termos compromisso com a igualdade racial. Então, vamos à luta! (JORNAL AÇÃO, Nº54, 2007)

Partindo da perspectiva, do amplo leque de atuação dos assistentes sociais, percebemos a atuação da categoria em efetivar direitos como o Artigo 68° do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) no qual se diz que: “Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida à propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os respectivos títulos.” (Brasil, 1988). Após o Art. 68° surge o Decreto Federal 4.887 de 2003, que caracteriza como remanescentes de quilombo em seu Art. 2° “grupos étnico-raciais, segundo, o critério de auto atribuição, com trajetória própria, dotado de relações territoriais específicas, com presunção de ancestrabilidade negra relacionada com a resistência a opressão histórica sofrida”. (BRASIL, 2003) O Decreto regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas pelos remanescentes, pois até então o Art. 68° abria brechas para a contestação, pois ele não determinava um procedimento padrão.

A partir da criação do Decreto 4.887/03, o número oficial de comunidades identificadas no país passou de 743 para mais de 3000, o que gera grande preocupação ao setor fundiário, seguida de forte estratégia na tentativa de anulação dos direitos quilombolas, puxada pela bancada ruralista, empresas de agronegócios e grupos de comunicação. Além de todas as exigências burocráticas para se conseguir a titulação, os remanescentes ainda enfrentam a Ação Direta de Inconstitucionalidade 3239/04, de autoria dos Democratas, ex-PFL (Partido da Frente Liberal) em tramitação no Supremo Tribunal Federal (STF), que contestam a constitucionalidade do Decreto 4.887/03, fundamentada na negação do princípio de auto identificação, e a aprovação do Senado por vários projetos de lei, que se opõe aos direitos positivados que assegura os quilombolas o direito a suas terras. A não efetivação dos direitos territoriais quilombolas, tem gerado uma migração maciça de jovens rurais negros para os grandes centros urbanos, o que ajuda a elevar os índeces de violência urbana.

Ainda sobre ações afirmativas, os assistentes sociais desempenham importante papel, na efetivação das iniciativas dessas ações, voltadas para a população negra. Segundo Munanga, “as ações afirmativas são políticas que agem em combate ao racismo e a descriminação racial, mediante a promoção ativa da igualdade de oportunidades para todos, criando meios para que as pessoas pertencentes a grupos socialmente descriminados possam competir em mesmas condições na sociedade.” (MUNANGA, 2006) Tomamos como exemplos, o Projeto que reserva no mínimo 50% das vagas nas universidades públicas federais para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas. A proposta - PL 73/99, da deputada Nice Lobão, do Democratas - Maranhão (DEM-MA) - foi aprovada na forma do substitutivo aprovado em 2005 pela Comissão de Educação e Cultura, elaborado pelo deputado Carlos Abicalil, Partido dos Trabalhadores-Mato Grosso (PT-MT). O Projeto reserva vagas para estudantes de baixa renda, negros e indígenas, e já foi aprovado pelo Senado Federal.

Mas a efetivação das ações afirmativas, aprovadas pelo Senado, se esbarra em discussões sobre políticas de cotas raciais. O sistema de cotas raciais foi empregado para garantir algumas vagas, considerando os critérios étnico-raciais, para grupos desprovidos de oportunidades sociais que através dos estudos e de uma profissão, almejam conseguir uma equidade social. As ações afirmativas abrangem as lutas pelas desigualdades sociais, por meio da criação de oportunidades para aqueles historicamente excluídos socialmente e economicamente, e discursos baseados na manipulação política e no desconhecimento sobre a temática, com argumentos que defendem sua posição privilegiada na sociedade, distorcem os fatos, e afirmam sem provar que as ações afirmativas não tiveram resultados positivos em outros países, onde foram implementadas, o que não é verdadeiro.

O discurso do MNU, sobre ações afirmativas, sobre tudo na área da educação e campo de trabalho se dá à medida que as políticas públicas de caráter universal não desempenham condições de participação igualitária entre brancos e negros. Dessa forma as reinvidicações do MNU, não se limitam hoje a cotas raciais, mas as ações afirmativas de oportunidades iguais que se estendem as cotas para portadores de necessidades especiais, em empresas estatais, e para mulheres em partidos políticos e em cargos de representação pública.

De toda forma, embora ainda exista um longo caminho a se trilhar, aos poucos a sociedade brasileira, quer concorde ou não, vem sendo desafiada a implementar práticas de superação do racismo e das desigualdades sociais. O debate sobre efetivação de direitos que integram o negro numa sociedade mais igualitária, pertence hoje ao cotidiano de todos, ora a favor, ora se posicionando contrariamente. A realidade da formação histórica social brasileira bate à porta do terceiro milênio, com as lutas e resistências de grupos excluídos pelo sistema econômico vigente, na qual o negro faz parte. E todos somos herdeiros dessa luta e dessa força, se avaliarmos a real conjuntura mestiça do que conhecemos como pátria.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No processo histórico de construção da sociedade brasileira, vários direitos se fizeram voltar para a sociedade negra, mas de fato poucos trouxeram o exercício de cidadania, entendida segundo Marshall (1967) como um conjunto de direitos que surge a partir do processo histórico que teve início no Séc. XVIII com os direitos civis, sendo ampliado no Séc. XIX pelos direitos políticos, e no Séc. XX pelos direitos sociais, metaindividuais e o direito ao patrimônio genético. Assim, cidadania é estar em pleno gozo de liberdade de expressão, de ir e vir, de ter trabalho, de ter afirmação da igualdade jurídica. É participar do poder político, e do bem estar social comum de acordo com os padrões que prevalecem na sociedade.

A Constituição Federal Brasileira de 1988 define no seu artigo primeiro, o Estado brasileiro como um Estado “Democrático de Direito” (BRASIL, 1988), enfatizando os valores de igualdade e dignidade humana. Segundo Maria Cristina Seixas Vilani (2002), o Estado Democrático de Direito, ao longo do processo moderno de construção democrática, tomaram novas configurações, admitindo o pluralismo e os valores da diferença, próprias das sociedades contemporâneas altamente complexas e diversificadas. “(...) nessas sociedades surgem novos atores, novos movimentos sociais e novas demandas associadas ao reconhecimento da multiplicidade de identidades sociais e ao respeito por estilos de vida diferenciados (...)”. (VILANI, 2002)

Essa nova configuração de Estado Democrático, e o surgimento de suas demandas, explica a necessidade de ações afirmativas e das lutas do MNU na efetivação dos direitos assegurados pela Constituição cidadã. Uma vez admitida à multiplicidade, e à necessidade de admitir o pluralismo, reconhece-se a falta de oportunidades iguais a todos.

Mas não se percebe na organização do MNU, uma expressão de preferências ao voto, ou participação centrada no sistema legislativo. O que de fato se vê é uma mudança na sociedade e a evolução social, nos discursos que permeiam a equidade. Embora o MNU, faça uso do sistema partidário, e se relacione mesmo que indiretamente com partidos políticos a participação dessas entidades ainda é pouco efetiva nos direitos do negro. Segundo o MNU o Estado se posiciona de forma omissa nas questões que envolvem os direitos do negro e a efetivação desses direitos. O MNU afirma que vem cobrando dos órgãos responsáveis a efetivação dos direitos, mas o uso dos direitos políticos como ferramenta de efetivação dos direitos, ainda é pouco exercido.

Contudo, é necessário que o país comece reconhecer os valores e contribuições da comunidade negra, deixando de exigir de maneira camuflada pré-requisitos que afastem os negros da participação da sociedade. Nesse sentido, o assistente social desempenha importante papel, elaborando políticas públicas que promovam o combate à desigualdade e a descriminação racial, resgatando junto ao MNU a verdadeira identidade do negro, que resulta no resgate e manutenção das tradições afrodescendentes até a conscientização na participação no conjunto de sistemas que constituem o Estado brasileiro.



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ANEXOS.

Anexo I – Gráfico de Homicídios por 100 mil habitantes

considerando a raça e a idade.

Fonte: CIÊCNIA HOJE. Ano 35, N° 209. São Paulo: SBPC, 2004.