"Corpo de criança de quatro anos é encontrado queimado em favela do Rio"; "Empregada Doméstica afoga o filho, de dois meses, em banheira da casa dos patrões", e por aí vai...

Esses dois assassinatos ocorreram desde o dia da morte da menina Isabella até o momento em que digito essas palavras. Citei apenas duas mortes das muitas que aconteceram. Mas não dá tempo de prestar atenção nessas crianças porque o país "vela" - incansável - o caso Nardoni.

É evidente que também me choquei. É óbvio que fiquei com raiva, que me emocionei, que também velei o caso. Mas também é sabido que a mídia armou um grande circo em torno do acontecimento. Mas além da Isabella, morreu o João, o Daniel, a Priscila, a Maria, o Felipe, o Rogério, a Ana... Tantos nomes que morrem anônimos, sem a chance da comoção nacional. É a classe média que vira novela enquanto os pobres não viram nem notícia velha.

Uma criança morre assassinada no Brasil a cada dez horas. A cada cinco minutos uma criança morre de fome, o que dá em torno de 280 por dia. Aqui, crianças morrem - diariamente - em grandes centros urbanos ou bem longe deles, pelos motivos mais aboniváveis. Casos que não passam no Jornal Nacional. 

Balas perdidas, abortos, abandonos em lixeiras, espancamentos e afogamentos. Bebês morrem em maternidades de quinta categoria, crianças são privadas de água e comida, e muitas morrem sem nem sequer terem aberto os olhos.

Repito - sem parar - que também quero que o(s) assassino(s) da Isabella morra(m) dentro de uma cela bem feia e suja e comam lá dentro o pão que o diabo amassou e pisou com os pés bem fedorentos, mas eu também quero que prendam os culpados das crianças estranguladas, estupradas e famintas, que foram embora e deveriam nos causar a mesma dor. A Paralisia Infantil, a Dengue, meu Deus! Tantos culpados sem punição.

Alexandre Nardoni não é o único suspeito. O José da Silva, a Maria Aparecida, o João dos Santos também são suspeitos de crimes que a maioria nem sequer ouviu falar.

Desculpem-me a franqueza, mas não é de hoje que as pessoas preferem ganhar dinheiro com os mortos a deixá-los descansar. E muitas crianças vão embora sem terem tido tempo de aprender isso. O fato é que continuam jogando a Isabella pela janela todos os dias, enquanto outras Isabellas, nem tão brancas, morrem em condições igualmente terríveis.

O que eu fico pensando é exatamente o que pensa aquela classe pobre, miserável, em frente as suas televisões desajeitadas, com seus sanduiches de vento, assistindo a mais nova macábra novela da Globo, que só está no ar porque ainda não saiu o laudo definitivo para desvendar - finalmente - quem matou Isabella. Afinal de contas, depois todo mundo esquece, o Brasil tem memória curta!

Vou embora com a certeza de que, neste minuto, alguma criança está sendo maltratada, torturada ou assassinada no país. E vou embora com a certeza de que, assim como o caso Nardoni, todos os outros merecem atenção. E mais que isso, que essas crianças sem rosto, sem nome e sem manchetes no jornal, possam descansar em paz e que, seja lá onde estiverem, que estejam bem.