As intermináveis lutas de Davi e Golias: Problematizações acerca do Pensamento Único e da História Imediata.

Fabiane Tamara Rossi (Graduada em História ? UNIOESTE e Artes Visuais ? UNIPAN. Especialista em Arte-Educação).

Fernanda Lorandi Lorenzetti (Graduada em História ? UNIOESTE e Mestre em História ? UFGD).

Luiza Mandotti (Graduada em História ? UNIOESTE).

As reflexões em torno da história do tempo presente surgem a partir de novas visões sobre a construção do saber histórico. Este abrir de olhos dos historiadores aconteceu com o fortalecimento da Escola dos Annales, mais precisamente de sua terceira geração, na década de 1970. Em razão disto, pensamos necessário um breve relato sobre esta escola e em como o imediato foi tomando forma a partir dela.

O movimento de renovação historiográfica dos Annales surgiu com a publicação da revista Anais de História Econômica e Social, em 1929, fundada pelos franceses Lucien Febvre e Marc Bloch. Esta apareceu como oposição à historiografia positivista tradicional, trazendo novas concepções e preconizando o uso de novas fontes e métodos ao fazer da História.

Com relação a esse impulso por desvencilhar-se do positivismo histórico, tanto Lucien Febvre quanto March Bloch acabam por condenar o imediatismo dos fatos, dando mais importância ao longo recuo histórico, como um modo de pensar as grandes estruturas econômicas e socias. Portanto, essa primeira geração dos Annales, na ânsia de desgarrar-se por completo do historicismo, considera o estudo sobre o imediato algo obtuso e ultrapassado.

Com o advento da Segunda Guerra Mundial, o movimento dos Annales sofreu uma ruptura, ocasionada pela morte de Bloch e pelo afastamento de Febvre dos estudos históricos. Em razão disso, quem assumiu a dianteira do movimento foi o herdeiro intelectual dos dois: Fernand Braudel. Dá-se início assim a segunda fase dos Annales. E como pupilo, Braudel acreditava na desimportância dos fatos, em sua superficialidade, comparando-os a vagalumes, ao considerar que com sua pouca luz, não conseguiriam penetrar na escuridão da complexidade da História. Suas concepções privilegiavam a longa duração, imprimindo em seu trabalho um caráter geo-histórico, ou seja, das mudanças lentas e quase imperceptíveis.

Em 1968, o movimento dos Annales passou por novas tranformações e recebeu outra denominação, História Nova. Há um grande diferencial entre a terceira geração e suas antecessoras, pois houve mudanças estruturais no movimento. Não existe, nesse período, a presença de um líder intelectual como foram Febvre e Braudel nas gerações anteriores. Talvez por isso ela tenha apresentado uma variação tão grande nos assuntos estudados. Não há, da mesma forma, a existência de uma país-simbolo, tal qual fôra a França anteriormente. Há, portanto, uma maior divulgação das idéias dos Annales em outros países, motivando a reflexão e a produção em meios acadêmicos não-franceses, como por exemplo, nos Estados Unidos, Inglaterra e Itália.

A terceira fase da Escola dos Annales diferencia-se das outras também por apresentar o crescimento de trabalhos que têm como foco de análise as mentalidades, a etnologia, e a psicologia histórica, bem como, pela primeira vez, o imediato, através da volta ao acontecimento. Ou seja, esta geração tente a buscar uma renovação historiográfica, em contraponto ao que consideravam conservador em seus antecessores das primeiras gerações.

Nossa intenção, portanto, é perceber a relação entre os preceitos da terceira geração dos Annales, ou História Nova em relação à História Imediata, em oposição, sobretudo, ao Pensamento Único, uma das bases ideológicas do pensamento neoliberal.

Originalmente publicado em 1978, o artigo "A História imediata", de Jean Lacouture[1], foi um marco na discussão desta nova abordagem historiográfica, opondo-se à concepção das primeiras gerações da Escola dos Annales. Ele associa a atividade do historiador ao do jornalista e caracteriza a importância da utilização de novas tecnologias e da interdisciplinaridade ao estudo do presente. Diz que, apesar do termo "imediata", pensá-la como algo instantâneo é praticamente negá-la: a História Imediata assim como qualquer forma de fazer histórico crítico, é verificação, delimitação, exclusão, recorte, necessitando assim de um número considerável de mediações.

O objetivo principal da história imediata, nesse sentido, é a reflexão histórica da atualidade, a fim de reinserir o acontecimento em destaque, em sua temporalidade própria, evidenciando assim a sua historicidade. Segundo Gabriela Rodrigues[2], o historiador tem a função de fornecer uma explicação crítica da realidade de forma mais explícita, e isso através do estudo do imediato, do presente. O estudo dos acontecimentos mais imediatos está diretamente vinculado a projetos sociais e à propostas políticas dos prórpios historiadores, numa forma de combate ao pensamento Único, caracterizado pelas Ciências Sociais como uma espécie de ditadura do saber direcionado pela grande mídia, que pretende homogeneizar concepções e evitar assim posicionamentos críticos acerca do capitalismo neoliberal.

A história imediata possibilita, aos que participam de um momento histórico, relatá-lo, encurtando, desta maneira, a distância entre o acontecimento e sua primeira interpretação. Mesmo isso, sendo, de certa forma, para alguns uma dificuldade, os imediatistas creêm na importãncia de o historiador escrever sobre o momento em que vive e de ter trabalho duplo: ser ao mesmo tempo um coletor de dados e um produtor de efeitos, de interpretação sobre o acontecimento.

A história imediata nos permite pensar em novos problemas a serem analisados. Apesar disso, a prática histórica ainda privilegia o estudo de um passado mais recuado, deixando, assim, aos jornalistas e cientistas sociais a responsabilidade de interpretar o presente.

Esta lacuna deixada pelos historiadores vem sendo cada vez mais ocupada pela grande mídia, considerada protetora dos interesses das classes dominantes. A partir da transmissão de notícias, as grandes corporações midiáticas, moldam os fatos, transformando-os em acontecimentos compreensíveis por sí sós, retirando-os de sua temporalidae própria, descontextualizando-os, fragmentando-os, banalizando-os. Tem-se a hiperabundância de informações junto à impossibilidade de sua compreensão: a quantidade de notícias, aliada a baixa qualidade com que é transmitida, gera, através da superinformação a subinformação. Os acontecimentos ou fatos, fragmentados e retirados de seu contexto histórico, assumem um caráter de inevitabilidade, são naturalizados ao invés de problematizados.

Com esse poder assumido pela mídia na construção da história recente da humanidade, escolhendo as notícias que serão mostradas ao grande público e qual ênfase dar a cada uma delas, o historiador acaba perdendo o controle sobre a construção do conhecimento histórico. Cria-se, então uma "História-Mercadoria", com grande potencialidade desinformadora, manipulada e fundamentada no sensacionalismo, visando a audiência, sem a preocupação com o contexto da notícia.

A construção desse "conhecimento histórico", realizado pela Grande Mídia torna-se um importante instrumento na perpetuação do Pensamento Único, cujo discurso prega que devemos nos conformar com o presente e aceitarmos o futuro: vê-se, então, a necessidade da história imediata como forma de resistência à verdade estabelecida pela grande Mídia. Porém, em contrapocisão a esta visão dominante, cabe ao historiador, com seu trabalho de Davi contra Golias, impôr uma história racional, tornar compreensível a amaranhado de informações que é defenestrado pela mídia. O historiador tem de desnaturalizar o que está naturalizado, reinserir os eventos noticiados em seu processo histórico.

Por isso, os historiadores devem tomar para sí as análises do presente e do imediato, para assim combater a deturpação dos fatos realizados pelos meios de comunicação de massa. A História Imediata pocisiona-se através de um questionamento político a esse monopólio exercido pela mídia no sentido de tentar responder às demandas sociais, e cabe a ela tornar compreensível as informações e (des)informações jogadas pela mídia sobre a massa consumidora de notícias. Tem a responsabilidade de fazer o que a mídia não consegue: dar inteligibilidade histórica às informações geralmente fragmentadas, impondo a sua análise crítica, mantendo as relações pertinentes, contextualizando os fatos e interpretando-os com rigor científico.

Segundo Luiz Dário Teixeira Ribeiro: "A grande mídia está subordinada a um pequeno número de poderosos grupos, (que concentram poder econômico e potencial de intervenção política) que a utilizam como instrumento para criar a ilusão ou a imagem de um pensamento incontestável por seu rigor e sua veracidade."[3] E é contra a ditadura desse Golias do Pensamento Único que o Davi historiador deve se opôr.

BIBLIOGRAFIA:

ARIAS NETO, José Miguel. História Oral e História do Tempo Presente. Londrina, datiloscrito, 1995.

AZEMA, J. P. "Tempo Presente" In: BURGUIÉRE, André (org.) Dicionário das ciências históricas. Rio de Janeiro : Imago, 1993.

BOURDÉ, Guy; MARTIN, Hervé. As Escolas Históricas. Lisboa : Europa-América, s/d.

BURKE, Peter. Os Annales: revolução francesa na historiográfia. São Paulo : UNESP, 1997.

CALIL, Gilberto; SILVA, Carla Luciana; SCHREINER, Davi. Programa Educacional Êxodos: movimentos sociais, História Imediata e Imprensa. Mini-curso realizado no VI Simpósio Interdisciplinar de História "Êxodos e migrações", Marechal Cândido Rondon, 5 à 8 de setembro de 2001.

DOSSE, François. A História em migalhas: dos Annales à História Nova. Campinas : editora da Universidade Estadual de Campinas, 1992.

FERNANDES, E. Pinheiro [et. Alli]. Contrapontos: Ensaios de História Imediata. Porto Alegre : Folha da História/Livraria Palmarica Editora, 1999.

LACOUTURE, Jean. "A História Imediata" In: LE GOFF, Jacques (org.) A História Nova. São Paulo : Martins Fontes, 1998.



[1] LACOUTURE, Jean. "A história imediata". In: LE GOFF, Jacques. (org.). A História Nova. São Paulo : Martins Fontes, 1998. Lacouture é reporter especial do jornal "Le monde Diplomatique", da França e da revista "Le nouvel observateur". Também foi o criador da coleção "L'historie immédiate" pela editora Le Seuil. É professor no Institut de Hautes Études Politiques de Paris e na Universidade de Vincennes.

[2] RODRIGUES, Gabriela. "História: uma ciência do presente". In: FERNANDES, E. Pinheiro [et al.] Contrapontos: Ensaios de história imediata. Porto Alegre : Folha da História/Livraria Palmarica editora, 1999.

[3] RIBEIRO, L. D. Teixeira. "Tempos atuais e História imediata" In: FERNANDES, idem. pp. 184-185