AS INOVAÇÕES NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO NA PROTEÇÃO DE DIREITOS DIFUSOS E COLETIVOS: A AÇÃO CIVIL PÚBLICA CONSUMERISTA

Ana Carolina Pessoa[1]

Evandro Ferreira de Araújo Costa Netto[2]

Larissa Saraiva Garrido Carneiro [3]

 

Sumário: Introdução; 1Direitos difusos e coletivos – uma nova acepção no Ordenamento Jurídico Brasileiro; 2 Tutela Coletiva no Código de Defesa do Consumidor; 3Tutela Coletiva e Lei de Ação Civil Pública; 4 As principais inovações do sistema brasileiro de proteção do consumidor; Conclusão; Referências.

 

 

 

 

RESUMO

O presente artigo científico busca identificar e determinar a importância dos novos mecanismos da tutela coletiva no âmbito do Direito do Consumidor, através da ação civil pública consumerista, que traz peculiaridades.

Percebe-se um avanço Ordenamento Jurídico Brasileiro em relação à tutela de direitos difusos e coletivos, assim garantindo-se o acesso à justiça.

PALAVRAS-CHAVE

Ação Civil Pública – Direito do Consumidor – Direitos difusos e coletivos

INTRODUÇÃO

Inicialmente, será dado enfoque para os direitos difusos e coletivos, e de forma complementar, abordar-se-á os direitos individuais homogêneos. Sabe-se que os primeiros são frutos de uma necessidade de proteger os consumidores (que no passado eram tratados em sua esfera individual) frente os grandes grupos de fornecedores.

MIRAGEM (2013, p. 631) assevera que esta nova classificação de direitos foram inspirados em exemplos estrangeiros, a qual se vincula a fins processuais, ainda que muitas vezes é possível perceber alguma materialidade na constituição destes direitos.

O artigo 81 do Código de Defesa do Consumidor enumera as três espécies de direitos tuteláveis de forma coletiva: os direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. O Código de Defesa do Consumidor conta com seis títulos, que tratam (a) dos direitos do consumidor, (b) das infrações penais, (c) da defesa do consumidor em juízo, (d) do sistema nacional de defesa do consumidor, (e) da convenção coletiva de consumo e (f) das disposições finais. (TEIXEIRA, 2000, p. 8)

A Lei de Ação Civil Pública inaugura a regulação da tutela coletiva, e isso foi seguido pelo Código de Defesa do Consumidor, ao definir o objeto da proteção processual, a legitimação e os efeitos da coisa julgada. (MIRAGEM, 2013, p. 636)

A oportunidade de tutela coletiva de direitos garante a proteção de interesses de uma grande parte da sociedade. A Lei 7.347/85, por sua vez, trouxe um grande avanço para a garantia do acesso à Justiça. A Lei de Ação Civil Pública, portanto, tem grande relevância na evolução do Direito, e também na proteção de direitos coletivos.

A tutela do consumidor traz ao abordar a tutela coletiva do consumidor, utilizar-se-á os conceitos inerentes ao Direito do Consumidor, como a responsabilidade civil objetiva e a desconsideração da pessoa jurídica, bem como institutos do Direito Processual aplicados ao Direito do Consumidor, como a inversão do ônus da prova.

Outras inovações também devem ser consideradas, sendo estas: a formulação de um conceito amplo de consumidor, a proteção contra quaisquer vícios de quantidade e qualidade, a melhoria do regime jurídico dos prazos prescricionais e decadenciais, dentre outros. (TEIXEIRA, 2000, p.9).

1 Direitos difusos e coletivos - uma nova acepção no Ordenamento Jurídico Brasileiro

O contexto de surgimento do Direito do Consumidor se caracteriza pela massificação dos contratos e das relações de consumo, ensejando conflitos não apenas individuais, mas também conflitos em massa. De acordo com MIRAGEM (2013, p.629), a dinâmica e a eficácia na resolução desses conflitos deve possuir um caráter amplo, “redefinindo aspectos como a legitimação ativa e os efeitos da decisão em vista desta nova característica”.

(...) A tutela dos interesses difusos em geral e do consumidor em particular deriva das modificações das relações de consumo e evidenciam que: o surgimento dos grandes conglomerados urbanos, das metrópoles, a explosão demográfica, a revolução industrial, o demesurado desenvolvimento das relações econômicas,, com a produção e consumo de massa, o nascimento dos cartéis, holdings, multinacionais e das atividades monopolísticas, a hipertrofia da intervenção do Estado na esfera social e econômica, o aparecimento dos meios de comunicação de massa, (...) o fenômeno da propaganda maciça, entre outras coisas, por terem escapado do controle do homem, muitas vezes voltaram-se contra ele próprio, repercutindo de forma negativa sobre a qualidade de vida e atingindo inevitavelmente sobre os direitos difusos. (ALMEIDA, 2008, p.3)

Além desses fatores, é evidente a desigualdade entre consumidor, individualmente considerado, e um fornecedor de bens e serviços, sendo conveniente que se “agrupem os consumidores ou então entreguem a um órgão com maior capacidade de postulação a defesa de seus legítimos interesses”. (FILOMENO, 1998, p.1)

Os direitos coletivos e difusos, embora similares, possuem diferenças. Ambos transcendem ao direito individual, são metaindividuais. Dizem respeito aos indivíduos, mas também à coletividade à qual pertencem. “O direito coletivo é o que tem como suporte certa relação-base, relação de determinada categoria”. (FIGUEIREDO, 1997, p.1)

O direito coletivo refere-se aos interesses ou direitos de uma determinada classe. Como exemplo, existem as associações de classe, as quais tutelam os direitos dos associados, ou ainda os sindicatos. Os direitos coletivos são pertencentes à determinada classe social, em seu conjunto. (FIGUEIREDO, 1997, p.1)

A tutela coletiva de direitos, a princípio, comporta o reconhecimento de interesses coletivos a serem reconhecidos e protegidos. Neste sentido, três são os sentidos mais assentes do que se deva considerar como direito coletivo. Primeiro, a noção de interesse coletivo como um interesse pessoal de um determinado grupo. Em seguida, seu reconhecimento como soma de interesses individuais. E por fim, a noção de interesse coletivo como síntese de interesses individuais, hipótese em que interesses individuais são atraídos por semelhança e harmonizados pelo fim comum dando origem a uma espécie de fenômeno coletivo. (MIRAGEM, 2013, p. 630)

Entende-se, por outro lado, que os direitos difusos são “mais esmaecidos, mais diluídos, cujos titulares não se podem identificar desde logo. São chamados de “metaindividuais” ou “supraindividuais”. Direito difuso é o de cada um e de todos. De todos e de cada um”. Caracterizam-se, principalmente, pela indeterminação, indivisibilidade, e pela conflituosidade. (FIGUEIREDO, 1997, p.1)

(...) são exemplos de interesses difusos passíveis de tutela coletiva os dos consumidores expostos à publicidade enganosa ou abusiva, ou ainda a práticas comerciais abusivas, mesmo que não tenham adquirido ou utilizado qualquer produto ou serviço. (...) Da mesma forma ocorrerá com relação ao direito à saúde e a segurança do consumidor, que dentre as projeções que alcança, está a proteção do direito do consumidor contra produtos nocivos ou perigosos à saúde (...). (MIRAGEM, 2013, p. 633)

FIGUEIREDO (1997, p.1) atribui ao processo civil a função da “grande amarra”, o grande responsável pela proteção do direito difuso e/ou coletivo, antes da Constituição de 1988. Este deu a abertura que se deve ter para a “compreensão dos institutos novos do direito processual (...), sobretudo dos que se ligam às garantias fundamentais, sejam elas individuais ou coletivas.

Além dos direitos difusos e coletivos, o Código de Defesa do Consumidor também refere aos interesses individuais homogêneos, outra espécie de interesse ou direito a ser protegido mediante tutela coletiva. Se diferem por serem “passíveis de proteção coletiva em vista de sua origem comum, mas percebidos pelos seus titulares de modo individual. (MIRAGEM, 2013, p. 630)

O exame da tutela coletiva do consumidor assim, comportará, em primeiro lugar, a classificação dos interesses e direitos em disputa. Em segundo lugar, a legitimação ativa para promoção das ações coletivas e os efeitos da sentença de procedência do pedido. Por terceiro, o exame as regras atinentes à liquidação e execução do julgado. (MIRAGEM, 2013, p. 631)

2 Tutela Coletiva no Código de Defesa do Consumidor

O CPC vigente em 1973 não contém dispositivos que tratam da tutela coletiva, dando preferência aos conflitos intersubjetivos. Apenas continha o art. 6º, que disciplinava sobre a legitimação extraordinária, segundo a qual ninguém poderia pleitear em nome próprio direito alheio, salvo autorização legislativa. (ALMEIDA, 2008, p. 248)

Porém, o legislador de 1973 ainda não contemplava a doutrina dos interesses difusos e coletivos, que só passou a existir entre 1977 e 1979. Não existia defesa do consumidor, tampouco as atuais ações coletivas. (ALMEIDA, 2008, p.248)

O mesmo autor traça um breve histórico sobre a tutela coletiva, e seu ápice com o Código de Defesa do Consumidor:

Em termos legislativos, a tutela coletiva surgiu no Brasil em três momentos distintos: a) com a Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985, instituidora da ação civil pública, que regulamentou a via judicial para responsabilização por danos causados ao consumidor, ao meio ambiente, ao patrimônio público e social, à ordem econômica, à economia popular, à ordem urbanística e a outros interesses difusos ou coletivos. Deve ser registrado que já existia desde 1965 a ação popular, que também se integra na órbita coletiva; b) em 1988, a Constituição Federal constitucionalizou a ação civil pública ao incluir a sua promoção como função institucional do Ministério Público (art. 129, III); e c) já o CDC, de 1990, vigente a partir de 1991, criou nova ação, a civil coletiva, vocacionada para a defesa dos direitos individuais homogêneos de origem comum (art. 91), além de atualizar procedimentos. (ALMEIDA, 2008, p. 248)

O Código de Defesa do Consumidor possui atualmente seis títulos, os quais são: dos direitos do consumidor; das infrações penais; da defesa do consumidor em juízo; do sistema nacional de defesa do consumidor; da convenção coletiva de consumo; e das disposições finais.

O artigo 81 inaugura a parte do Código de Defesa do Consumidor que se refere à defesa do consumidor em juízo, e inicia trazendo informações referentes à tutela coletiva de direitos:

Art.81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.

Nesse título, o Código de Defesa do consumidor buscou englobar as atividades desenvolvidas pelo consumidor em juízo, sendo autor, réu ou eventual beneficiário de ações coletivas ajuizadas por pessoas especialmente legitimadas. (TEIXEIRA, 2000, p.21)

Em suas lições, MIRAGEM (2013, p.632) ensina que o CDC se adequou às necessidades da tutela ao prever de modo conjunto a proteção de interesses e direitos, dada à dificuldade de definição de um bem jurídico passível de proteção como direito subjetivo, de acordo com o significado que lhe era tradicionalmente atribuído pela doutrina.

Por fim, é necessário esclarecer que

(...) um dos principais traços do CDC em matéria processual sua decisiva interlocução com a Lei da Ação Civil Pública, seja no sentido de utilizar-se, na defesa coletiva do consumidor, dos instrumentos previstos naquela, mas principalmente introduzindo novas disposições naquela lei, a partir das contribuições que a experiência no curso dos cinco anos entre a edição da primeira em relação à instante promulgação do Código. Em grande medida o CDC e a Lei de Ação Civil Pública constituem, em matéria de tutela coletiva dos direitos, um só universo, cujas normas de ambos os diplomas legislativos dialogam entre si. (MARQUES at al apud MIRAGEM, 2013, p. 637)

É de grande valia traçar uma breve comparação entre as normas processuais que podem ser encontradas no âmbito das ações individuais e coletivas. Sobre as individuais, o Código de Defesa do Consumidor regulamenta:

a) possibilidade de fixação da competência pelo domicílio do consumidor autor nas ações de responsabilidade civil do fornecedor de produtos e serviços (art. 101,I); b) a inadmissibilidade da denunciação da lide nas ações de regresso intentadas pelo fabricante, construtor, fornecedor, produtor, importador ou o comerciante que tenha pago o prejuízo ao consumidor prejudicado (art. 88); c) a possibilidade de chamamento ao processo especificamente previsto para o segurador da responsabilidade (art. 101, II) e diverso do instituto já definido no Código de Processo Civil; d) a reafirmação do direito constitucional subjetivo de ação ao estabelecer que, "para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este Código são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela" (art. 83); e) a tutela específica das obrigações de fazer e não-fazer (art. 84), mais de quatro anos antes de ser introduzida no Código de Processo Civil, permitindo que o juiz determine "providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento"; f) a ampliação da extensão subjetiva da coisa julgada nas ações coletivas, tornando-a erga omnes ou ultra partes, conforme se trate de interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos (art. 103). (TEIXEIRA, 2000, p. 22-23)

Por outro lado, em relação às ações coletivas, o Direito do Consumidor estabeleceu dois “pilares”: a positivação das categorias de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, e ampliando a legitimação ativa para a defesa dos consumidores em juízo. (TEIXEIRA, 2000, p.23)

3 Tutela Coletiva e Lei de Ação Civil Pública

A ação civil pública é conceituada por ALMEIDA (2008, p. 255) como a via processual adequada para impedir ou reprimir danos ao consumidor e a outros bens tutelados, disciplinada na Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, e supletivamente pelo Código de Defesa do Consumidor, já comentado neste estudo. Tem a finalidade de proteger tanto os interesses difusos quanto os coletivos e individuais homogêneos de interesse social.

Prevista originariamente, no projeto de 1984, para preservar o meio ambiente e bens ou valores artísticos, estéticos, históricos, turísticos e paisagísticos, a "ação civil pública", ao ser instituída, se viu também destinada à defesa do consumidor, tendo, inadvertidamente, mantido o qualificativo "pública", que, diga-se de passagem, não lhe assenta em rigor científico. (TEIXEIRA, 2000, p.22)

O sistema de tutela processual coletiva genérica no Ordenamento Jurídico Brasileiro obteve um grande avanço através da Lei de Ação Civil Pública, em relação ao reconhecimento de interesses difusos e coletivos passíveis de proteção, e também o estabelecimento pela primeira vez de uma ampla legitimação para a interposição das ações, indicando-as ao Ministério Público, a União, Estados, Distrito Federal e Municípios, autarquias, empresas públicas, dentre outros, a possibilidade de promover a demanda a título coletivo, em representação dos interessados. (MIRAGEM, 2013, p. 636)

Com efeito, referida Lei n. 7.347/85 desde logo legitimou as entidades de proteção ao consumidor, a União Federal, os Estados, Distrito Federal e Municípios, Ministérios Públicos estaduais e federal à propositura de ações de cunho coletivo, visando basicamente à condenação em dinheiro ou ao cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer (art. 3º). (FILOMENO, 1998, p.1)

Em termos de processo civil, o direito de ação é atribuído, em regra, ao titular do direito ou interesse a ser tutelado através da proteção jurisdicional. Excepcionalmente, confere-se este direito a outros órgão ou entidades, por substituição processual - artigo 82 do CDC estabelece os legitimados. MIRAGEM (2013, p.637) define uma espécie de legitimação concorrente disjuntiva, pela qual “qualquer um dos legitimados arrolados no preceito legal pode agir de modo autônomo, sem a concordância dos demais, assim como preserva ao particular o direito de promover – tratando-se de direitos individuais homogêneos – sua ação individual, se assim entender, que não se vê sobrestada pelo advento da ação coletiva”.

Felizmente a atual Constituição bem resolveu o problema da legitimação em seus artigos 5º, inciso XXI, e 8º inciso III (legitimação por substituição processual para as associações e para os sindicatos), como já dissemos. De qualquer sorte, ainda remanesceria a questão de se saber se a competência do sindicato, quanto à legitimidade para defesa do direito coletivo, estender-se-ia somente a seus associados ou, também, a qualquer componente da classe. Pensamos que seja realmente para toda categoria, pois que essa a função essencial dos sindicatos, tal seja, esse o resultado do associativismo voluntário. (FIGUEIREDO, 1997, p.3)

Em relação ao foro competente, é decidido que

(...) é o do local onde ocorrer o dano (arts. 2º e 4º). Havendo interesse da União, suas autarquias e empresas públicas e empresas públicas, na condição de autoras, rés, assistentes ou opoentes, a competência será da Justiça Federal ou o da Capital do Estado (CF, art. 109, I, c/o o §2º).  (...) o Ministério Público Federal , órgão oficial da União, promove as ações de sua competência na Justiça Federal (...) (ALMEIDA, 2008, p. 257-258)

Porém, há controvérsias no sentido de que

(...) o STJ editou a Súmula 183, segundo a qual “compete ao Juiz Estadual, nas comarcas que não sejam sede de Vara da Justiça Federal, processar e julgar ação civil pública, ainda que a União figure no processo”. São citados os seguintes Acórdãos: Conflitos de Competência 2.230-RO, 12.361-RS e 16.075-SP. (...) incide em grave inconstitucionalidade ao dizer que nas demais comarcas a competência é da Justiça Estadual (...). (ALMEIDA, 2008, p. 259)

O rol atual de legitimados para intentar as ações coletivas é um instrumento de concretização dos direitos coletivos e difusos, que dependiam de políticas públicas e mudanças comportamentais das empresas privadas. (TEIXEIRA, 2000, p.26)

A ação civil pública possui uma peculiaridade, segundo ALMEIDA (2008, p.264): o produto da condenação em dinheiro, se existente, não é revertido ao autor da ação, mas sim recolhido a um Fundo, postulando direitos e interesses difusos e coletivos indivisíveis. Da mesma forma, é necessário que a prestação jurisdicional deva beneficiar os titulares desses direitos, de algum modo. Por isso, se há a condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado será revertida em favor do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, que se trata na Lei nº 9.008/97.

O benefício não é, portanto, direto, e sim reflexo. A condenação em obrigação de fazer ou não fazer, contudo, pode trazer benefícios diretos aos substituídos, quando se tratar de direito ou interesse coletivo ou individual homogêneo de caráter social, como mensalidades escolares. (ALMEIDA, 2008, p. 264-265)

Outro ponto importante da Lei de Ação Civil Pública é a possibilidade da concessão de medida liminar: o art. 12 do referido diploma faculta ao juiz essa concessão, muitas vezes imprescindível para a garantia do bem de vida. Por sua vez, as custas e honorários advocatícios não são devidos, com exceção das hipóteses de litigância de má-fé. (FIGUEIREDO, 1997, p.4)

FIGUEIREDO (1997, p.4) continua o estudo comentando o art. 14 da mesma lei, atribuindo a este grande importância na evolução da tutela do direito difuso, do direito urbanístico e do direito ambiental, com o seguinte enunciado: “o juiz poderá conferir efeito suspensivo aos recursos, para evitar dano irreparável à parte”.

Vejam sua importância, pois a Lei da Ação Civil Pública diz que, na hipótese de lacuna, enfim, no que não for expressa a Lei, rege-se a ação civil pública pelo Código de Processo Civil. A praxe é de que os recursos tenham duplo efeito, devolutivo e suspensivo, salvo as exceções contidas no próprio Código. Verifique-se que, na 'Ação Civil Pública', o artigo 14 precisa ser utilizado como na sua previsão. É dizer: dar-se-á efeito suspensivo à apelação 'enquanto o bem de vida, e não seu sucedâneo, a indenização', ainda possua ser preservado. No caso, pretende-se a volta ao statu quo ante. Em qualquer ação civil pública teremos, em regra, a mesma situação e dificilmente, poder-se-á entender ter havido dano irreparável à parte, que está provocando dano ambiental, por hipótese ou a saúde pública etc. Esta, a parte, via de regra, somente terá ônus econômico. Então, raras vezes poder-se-ia atribuir efeito suspensivo à apelação protraindo-se a execução. Na verdade, com isso, esvaziar-se-ia o sentido da Ação Civil Pública. Entendemos que o artigo 14, que possibilita ao juiz aferir a existência de dano irreparável à parte, e lhe faculta, de conseguinte, sopesar qual interesse em jogo é prevalente, constitui evolução do Direito Público sobre o Direito Privado, e, muito significativa. (FIGUEIREDO, 1997, p. 4-5)

MIRAGEM (2013, p. 656) especifica outro ponto peculiar da ação civil pública, que é a necessidade de um compromisso de ajustamento. Tem como finalidade “o ajuste de comportamentos a serem adotados pelo autor do ilícito, visando sua ação ou abstenção de uma determinada prática, a adoção de providências visando diminuir ou recuperar todos os danos causados, assim como indenizá-los quando for o caso”. Esse compromisso de ajustamento foi implementado originalmente pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, porém foi absorvido pelo CDC.

Por fim, a responsabilidade civil na ação civil pública é objetiva, como assevera FIGUEIREDO (1997, p. 6-7):

Passamos ao tópico da responsabilidade na ação civil pública. É objetiva. Todavia, a recomposição do patrimônio nunca se dá de maneira perfeita ou completa. A recuperação do patrimônio, na verdade, não é total. É dizer, a indenização, poderíamos afirmar ser mais ou menos assemelhada à indenização por dano moral. Deveras, a indenização tem muito mais a chancela de sanção do que propriamente de recomposição, por impossibilidade fática, no mais das vezes. Todavia, não vamos dizer que a indenização seja inútil, até porque se houver agressão ao ordenamento jurídico, recomposição tem de haver, seja qual for. Por isso também fomos fervorosos adeptos da indenização por dano moral, em boa hora acolhida pela Constituição de 1988 (artigo 5º, V). (FIGUEIREDO, 1997, p. 6-7)

4 As principais inovações do sistema brasileiro de proteção do consumidor

A partir da análise feita, percebem-se importantes inovações no âmbito da tutela consumerista. TEIXEIRA (2000, p.9) faz menção, primeiramente, à coexistência de normas de direito material e de direito processual, e ainda às expressivas alterações na relação entre o direito público e direito privado, sendo expressa a intervenção estatal sobre a autonomia da vontade e liberdade de mercado – conceitos basilares do direito privado, que tem como origem o pacta sunt servanda.

O autor enumera as principais inovações do sistema brasileiro de proteção do consumidor classificadas pela doutrina:

(...) formulação de um conceito amplo de fornecedor, incluindo, a um só tempo, todos os agentes econômicos que atuam, direta ou indiretamente, no mercado de consumo, abrangendo inclusive as operações de crédito e securitárias; um elenco de direitos básicos dos consumidores e instrumentos de implementação; proteção contra todos os desvios de quantidade e qualidade (vícios de qualidade por insegurança e vícios de qualidade por inadequação); melhoria do regime jurídico dos prazos prescricionais e decadenciais; ampliação das hipóteses de desconsideração da personalidade jurídica das sociedades; regramento do marketing (oferta e publicidade); controle das práticas e cláusulas abusivas, bancos de dados e cobrança de dívidas de consumo; introdução de um sistema sancionatório administrativo e penal; facilitação do acesso à Justiça para o consumidor; incentivo à composição privada entre consumidores e fornecedores, notadamente com a previsão de convenções coletivas de consumo. (TEIXEIRA, 2000, p. 9-10)

Algumas inovações merecem destaque, como a proteção contratual em relação direito privado, a desconsideração da personalidade jurídica, as ações coletivas e a defesa do consumidor em juízo, a inversão do ônus da prova e a legitimação ativa nas ações coletivas.

CONCLUSÃO

Feitas todas as considerações acerca da Lei de Ação Civil Pública e sua interação constante com o Código de Defesa do Consumidor, é possível salientar que com as melhorias que estes obtiveram ao longo do tempo, cada vez mais se torna possível a proteção ideal da parte mais frágil da relação de consumo, assegurando o direito constitucional de acesso à justiça, e contemplando normas de direito material e normas de direito processual.

Apesar da implementação de todos os sistemas apresentados, e diante dos resultados fundamentais para o acesso à justiça, ainda há o que se melhorar. Parte da doutrina, a qual José Geraldo Brito Filomeno é filiado, sugere a elaboração de um plano de atuação em todas as promotorias de justiça, com a finalidade de melhoria para os eventuais problemas que atingem o público consumidor.

Parte-se então do pressuposto de que é necessário se conhecer as necessidades consumeiristas em relação à tutela estatal, com a participação dos órgãos públicos para a melhor satisfação dessas necessidades.

Referências:

ALMEIDA, João Bastista de. A proteção jurídica do consumidor. 6.ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm> Acesso em 25 de abril de 2013.

FILOMENO, José Geraldo Brito. Ação Civil Pública Consumerista. Revista CEJ, v. 2 n. 4. jan./abr. 1998. Disponível em: <http://www2.cjf.jus.br/ojs2/index.php/revcej/article/view/130/218>.  Acesso em 23 de agosto de 2013.

MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do Consumidor. 4.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. A Proteção ao Consumidor no Sistema Jurídico Brasileiro. Revista de Processo, São Paulo, n. 108, ano 27, p. 185-211, out./dez. 2000. Disponível em: <http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/32698-40208-1-PB.pdf>. Acesso em 23 de agosto de 2013.

FIGUEIREDO, Lucia Valle. Ação Civil Pública. Ação Popular. A defesa dos interesses difusos e coletivos. Posição do Ministério Público. Revista de Direito Administração nº208, abril-junho de 1997, p. 35. Disponível em: < http://www.mpba.mp.br/atuacao/ceama/material/doutrinas/esgotamento/a_defesa_dos_direitos_difusos_coletivos.pdf>. Acesso em 01 de outubro de 2013.



[1] Aluna do 6º período no curso de Direito Noturno da UNDB.

[2] Aluno do 3º período no curso de Direito Noturno da UNDB.

[3] Aluna do 6º período no curso de Direito Noturno da UNDB.