Com o passar dos tempos, o homem foi desenvolvendo novas habilidades, competências, conhecimentos e costumes. Esta pesquisa implica em uma busca sobre essas informações, pois segundo alguns autores, o conhecimento inicial das crianças é adquirido através de um processo de informações, relações e percepções, vinculadas ao ambiente familiar, nos primeiros anos de vida. Esse conhecimento se dá inicialmente no ambiente familiar e depois passa a ser externo, é neste momento que o individuo além de fazer parte da sociedade começa interagir nela. Na escola não é diferente, todos os costumes e informações que a criança traz do ambiente familiar influenciam no processo de aquisição de linguagem. Visto que, essa situação social cria mecanismos para a criança adquirir habilidades e competências na formação da linguagem. Certas competências que os alunos desenvolvem têm a ver com o fazer cotidiano, com o desenvolvimento a este fazer, as opiniões, os valores, as ideologias, o pensar, as ações, enfim, com aquilo que permeia o ambiente familiar e o que o professor desenvolve em sala de aula, essa relação é circular e necessária para o desenvolvimento intelectual e motor das crianças. Sabendo então que os primeiros contatos que a criança faz com o mundo é permeado pelo ambiente familiar, esta investigação estará voltada para conhecer quais as influências que ocorrem no aprendizado em alunos que vivem em ambiente letrado, objetivando compreender quais habilidades, competências, e dificuldades os alunos desenvolvem neste processo entre família e escola.

 

O meio social no letramento

Este capítulo contém os fundamentos teóricos referentes à lingüística e principalmente na sóciolinguistica, e a teoria da enunciação tendo como base os estudos desenvolvidos por Mikhail Bakhtin na área da linguagem, desvendando as ocorrências ideológicas e suas construções sociais. O sujeito letrado é aquele capaz de participar da sociedade, através da leitura e escrita. Sendo assim, linguistas e estudiosos em educação trouxeram à nossa realidade a questão do letramento, que segundo Magda Soares (2002: 38) é “resultado da ação de ensinar e aprender as práticas sociais de leitura e escrita”.  O ensino da leitura e da escrita deve ser entendido como prática de um sujeito agindo sobre o mundo para transformá-lo e, para, através da sua ação, afirmar a sua liberdade. Para Leda Tfouni o sujeito letrado é participante de um fenômeno de cunho social. Em uma abordagem sócio-histórica do letramento, suas teorias têm nos possibilitado construir uma relação crítica com a linguagem, e o meio em que ela é produzida, com a escola e com a sociedade de maneira geral. Assim nesse processo escolar e extra-escolar, percebemos que a interação verbal é um facilitador para nós seres humanos iniciarmos um processo de aquisição de leitura e escrita.

 

 interação verbal  e a aprendizagem

Este texto apresenta uma reflexão sobre as influências que o ambiente familiar letrado, por meio da interação verbal, causa na formação escolar das crianças, e que certas competências ou dificuldades que o aluno desenvolve na maioria das vezes, estão vinculadas ao ambiente social. Não se pretende uma revisão exaustiva desses contextos, e sim, uma exemplificação a partir da qual seja possível refletir sobre convergências e divergências identificáveis em termos análise das habilidades e dificuldades que os alunos desenvolvem neste processo.  A teoria de Bakhtin destaca a produção de linguagem na perspectiva da enunciação, ressaltando a natureza social uma situação de produção de discurso. Nesta percepção o indivíduo pressupõe o meio, no sentido de que o meio é indispensável para a própria construção do sujeito, como disse BAKHTIN: “A verdadeira substância da língua é constituída pelo fenômeno social da interação verbal, realizada por intermédio da enunciação.” (Bakhtin, 1988 P 123).  Neste âmbito quando compreendemos que interação verbal, é todo o processo de troca de linguagem entre os indivíduos, entendemos que essa troca, se inicia no ambiente familiar, que é o primeiro ambiente que a criança tem contato. No dizer de Bakhtin, através da enunciação, a interação verbal é realizada como fenômeno social. Ele concebe a interação verbal como todas as formas de diálogo social, familiar e escolar. Para tanto os atos de fala  podem ser resumidos sob o termo discurso, seja oral ou escrito desde que ocorra para valorizar o conhecimento impírico da criança. Ele valoriza o ato de fala, a enunciação, e afirma sua natureza social: “a fala está indissoluvelmente ligada às condições de comunicação, que, por sua vez, estão ligadas às estruturas sociais” (Bakhtin, 1997, p. 14).  A enunciação é, para Bakhtin, a unidade real da cadeia verbal que está em constante evolução, já que as relações sociais estão também permanentemente em evolução. A enunciação como um todo se realiza no discurso como atividade de linguagem ininterrupta, que atende aos objetivos sociais de comunicação. A enunciação só se realiza no curso da comunicação verbal, pois o todo é determinado pelos seus limites, que se configuram pelos pontos de contato de uma determinada enunciação com o meio extra-verbal e verbal (isto é, outras enunciações) (p. 125). Bakhtin compreende o processo de fala, leitura e escrita como um processo amplo na atividade de linguagem, tanto exterior, o ato da fala propriamente dito ou o diálogo; como no que ele chama de discurso interior, o pensamento. Na sua exteriorização, o processo de comunicação pode ser interrompido com a última palavra e o fim de uma enunciação, o inverso acontece com o discurso interior, cujo processo é ininterrupto. 

“A enunciação realizada é como uma ilha emergindo de um oceano sem limites, o discurso interior. As dimensões e as formas dessa ilha são determinadas pela situação da enunciação e por seu auditório. A situação e o auditório obrigam o discurso interior a realizar-se em uma expressão exterior definida, que se insere diretamente no contexto não verbalizado da vida corrente, e nele se amplia pela ação, pelo gesto ou pela resposta verbal dos outros participantes na situação de enunciação.”(ibidem).

Ao analisar o processo de ensino-aprendizagem, deve ser exatamente á compreensão do educando, buscando saber que concepções de língua escrita e falada a criança obteve antes do processo formal escolar; sua realidade social; se o ambiente familiar é letrado ou não, e perceber se essa condição influencia na aprendizagem do aluno e até que ponto, pode influenciar.

Assim, é importante entendermos que sujeito letrado é aquele que usa a língua como instrumento social para sua vida, e faz da escola o meio que lhe dê condições para avançar seu letramento por meio da escrita.

   O que se entende por sujeito letrado?

Os dicionários da língua portuguesa definem LETRADO  como: “que ou quem é versado em letras; erudito.” Mediante essas definições percebemos que esses adjetivos divergem com o sentido do letramento, o qual estamos tratando nesta pesquisa. Os termos que, normalmente, são abordados em trabalhos sobre o letramento não são os mesmos aos dos dicionários, mesmo porque o termo letramento é um termo contemporâneo para o meio dos estudiosos da língua. Para Leda Tfouni, letramento sempre está ligado ao meio social e cultural de um povo. O sujeito letrado é participante de um fenômeno de cunho social, e salienta as características sócio-históricas ao se adquirir um sistema de escrita por um grupo social. Ele é o resultado da ação de ensinar e/ou de aprender a ler e escrever, e denota estado ou condição em que um indivíduo ou sociedade obtém como resultado de ter-se adquirido de um sistema de grafia. A escola se ocupa da aquisição de escrita dos indivíduos. Enquanto o letramento “focaliza os aspectos sócio-históricos da aquisição de um sistema escrito por uma sociedade” (TFOUNI, 1995), e ainda, é o estado ou condição de quem não apenas sabe ler e escrever, mas cultiva e exerce as práticas sociais que usam a escrita. O letramento não está restrito ao meio escolar, o indivíduo letrado é aquele que participa da sua sociedade, e que sabe ler e escrever, e transporta essa aquisição de leitura e escrita em intervenção na sociedade. Um exemplo do que acabamos de mencionar (SOARES, 2003: 56-57):

Analfabetismo no primeiro mundo? (...) quando os jornais noticiam a preocupação com altos níveis de ‘analfabetismo’ em países como os Estados Unidos, a França, a Inglaterra; surpreendente porque: como podem ter altos níveis de analfabetismo países em que a escolaridade básica é realmente obrigatória e, portanto, praticamente toda a população conclui o ensino fundamental (que, nos países citados, tem duração maior que a do nosso ensino fundamental - 10 anos nos Estados Unidos e na França, 11 anos na Inglaterra). É que, quando a nossa mídia traduz para o português a preocupação desses países, traduz illiteracy (inglês) e illetrisme (francês) por analfabetismo. Na verdade, não existe analfabetismo nesses países, isto é, o número de pessoas que não sabem ler ou escrever aproxima-se de zero; a preocupação, pois, não é com os níveis de analfabetismo, mas com os níveis de letramento, com a dificuldade que adultos e jovens revelam para fazer uso adequado da leitura e da escrita: sabem ler e escrever, mas enfrentam dificuldades para escrever um ofício, preencher um formulário, registrar a candidatura a um emprego - os níveis de letramento é que são baixos.

Ainda na nota de Magda Soares (2003: 47) eles também exemplificam o caso de uma criança que mesmo antes de estar em contato com a escolarização, e que não saiba ainda ler e escrever, porém, tem contato com livros, revistas; ouve histórias lidas por pessoas alfabetizadas, presencia a prática de leitura, ou de escrita, e a partir daí também se interessa por ler, mesmo que seja só encenação, criando seus próprios textos “lidos”, ela também pode ser considerada letrada, pois convive em um ambiente letrado que estimula o intelecto. E ainda, há casos de indivíduos com variados níveis de escolarização e alfabetização que apresentam níveis baixíssimos de letramento, alguns “quase” nenhum. Estes, são capazes de ler e escrever, contudo, não possuem habilidades para práticas que envolvem a leitura e a escrita: não leem (entendem) revistas, jornais, informativos, manuais de instrução, livros diversos, receita do médico, bulas de remédios, ou seja, apresentam grandes dificuldades para interpretar textos lidos, como também podem não ser capazes de sequer escrever uma carta ou bilhete. Sabendo que o letramento é um fenômeno social, a relevância desta pesquisa é exatamente sobre o ambiente que nossos educandos convivem em suas atividades extra-escolares, em seus ambientes familiares, e até que ponto o ambiente letrado influencia para que essas crianças criem mecanismos e habilidades leitoras e escritoras.  Sendo assim é conveniente entendermos algumas considerações sobre o ambiente familiar. 
 O ambiente familiar

 

Como primeira definição, exporei a explicação da palavra ambiente, segundo dicionário Aurélio, que diz assim: “envolvente; que rodeia os corpos por todos os lados; s. m., a esfera social em que se vive.”  Na primeira infância os principais vínculos, bem como os cuidados e estímulos necessários ao crescimento e desenvolvimento, são fornecidos pelo ambiente familiar, ou seja o ambiente que rodeia os primeiros contatos da criança com o mundo. A interação da criança com o adulto ou com outras crianças é um dos principais elementos para uma adequada estimulação no ambiente familiar. Os processos proximais são mecanismos constituintes dessa interação, contribuindo para que a criança desenvolva sua percepção, dirija e controle seu comportamento. Além disso, permite adquirir conhecimentos e habilidades, estabelecendo relações e construindo seu próprio ambiente físico e social. Para Zamberlan 1996:

“A família desempenha ainda o papel de mediadora entre a criança e a sociedade, possibilitando a sua socialização, elemento essencial para o desenvolvimento cognitivo infantil. Sendo um sistema aberto que se desenvolve na troca de relações com outros sistemas, tem sofrido transformações, as quais refletem mudanças mais gerais da sociedade.”

      Dessa maneira surgem novos arranjos, diferentes da família tradicionalmente conhecida, formada pelo casal e filhos. Qualquer que seja a sua estrutura, a família mantém-se como o meio relacional básico para as relações da criança com o mundo. Vários autores afirmam que a escolaridade materna tem impacto sobre o desenvolvimento cognitivo de crianças por meio de fatores como organização do ambiente, expectativas e práticas parentais, experiências com materiais para estimulação cognitiva e variação da estimulação diária.

BAKHTIN, Mikhail (Volochinov). Marxismo e filosofia da linguagem. 8. ed. São Paulo: Hucitec, 1997.

FREIRE, Paulo; DONALDO, Macedo. Alfabetização: leitura da palavra leitura do mundo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.

HOLANDA, A. B., 1988, Dicionário Aurélio Escolar da Língua Portuguesa, 1 ed., Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, RJ.

KLEIMAN, Ângela B. Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita. Campinas: Mercado de Letras, 1995.

SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. 2 ed. 6 reimpr. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.

TFOUNI, Leda Verdiani. Letramento e alfabetização. 6 ed. São Paulo: Cortez, 2004.

Tfouni LV, setembro/2006. Adultos não-alfabetizados em uma sociedade letrada, No revista, Cortez, São Paulo.

TOBIAS, José Antônio. Como fazer sua pesquisa. 6 ed. atualizada, São Paulo: Ave-Maria, 2005.

Zamberlan MAT, Biasoli-Alves ZMM. Interações familiares: teoria, pesquisa e subsídios à intervenção. Londrina: Editora da Universidade Estadual de Londrina (UEL); 1996.