INFLUÊNCIAS DE PIAGET, VYGOTSKY, FOUCAULT, HABERMAS E ESCOLA DE FRANKFURT PARA A FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO.

Atilio Borges Neto

RESUMO

O objetivo do artigo a seguir é discutir sobre os rumos da literatura pedagógica do ponto de vista do autor Ghiraldelli, que explicita algumas influências que essa literatura sofreu de correntes filosóficas, sobretudo, de filósofos como Piaget, Vygotsky, Foucault, Habermas etc.  

PALAVRAS-CHAVE: Literatura pedagógica, influências, filósofos.

ABSTRACT

The aim of the following study is to discuss the direction of pedagogical literature from the point of view from author Ghiraldelli, which explains some influences that suffered from philosophical literature, especially of philosophers such as Piaget, Vygotsky, Foucault, Habermas, etc.

KEYWORDS: Literature pedagogical, influences, philosophers.

Segundo Ghiraldelli (2006), de 1985 até 2002, a diversidade temática na produção de livros sobre educação foram em alguns casos inovadoras e em outros casos destinaram-se para interessantes caminhos. Porém, essa literatura pedagógica não estava em concordância com a escola, principalmente com a escola pública, isso se deu de certa forma porque muitos professores que faziam cursos de pós-graduação não voltavam a lecionar no Ensino Fundamental e Médio nem procuravam melhorar algo nesses níveis de ensino por meio de alguma reflexão teórica.

            Sobre as áreas dessa literatura, Ghiraldelli (2006) explica que as maiores inovações e os crescimentos se deram nas áreas de Sociologia do Currículo, Filosofia da Educação, Teorias Psicopedagógicas e Historiografia da Educação. Essas áreas tenderam a ampliar suas produções em conformidade com o surgimento de novas leis. Assim, no período de 1985 até 2002, boa parte dos livros voltados à política educacional e à Legislação trataram de falar sobre a LDBN. A respeito de cada uma dessas áreas, o autor cita alguns autores e algumas obras, começando pela Sociologia e a Teoria do Currículo.

            No interior da Sociologia da Educação, os autores mais difundidos, entre outros, foram Florestan Fernandes, Antônio Cândido, Marialice Foracchi e Luiz Pereira. Este último escreveu um texto importante que foi apresentado em um congresso no ano de 1962 e foi intitulado "Nota Crítica Sobre o Pensamento Pedagógico Brasileiro". Nesse texto, Pereira apud Ghiraldelli dizia que estava havendo uma "sociologização do pensamento pedagógico brasileiro". Tal sociologização possuia seus aspectos positivos e negativos. Em termos de negatividade, ocorria uma "autonegação do educador como participante ativo, consciente, do progresso de mudança". Para Pereira apud Ghiraldelli (2006), a educação "nada mais é do que epifenômeno de forças muito mais profundas que controlam a sociedade". Em termos de positividade, ocorria uma satisfação do educador em assinalar as possibilidades de ajustamento das instituições escolares com as necessidades da sociedade, formulando:

[...] planos de reforma escolar de amplitude variável e propondo medidas que promovam, por processo de racionalização da organização escolar, maior rendimento das instituições escolares [...] (PEREIRA apud GHIRALDELLI, 2006. p. 176)

            Segundo Ghiraldelli, durante a época  em que o texto de Pereira foi revelado, o debate geral da literatura pedagógica girou em torno das ideias contidas em tal texto. Depois de Trinta anos que o texto de Pereira foi exposto, o governo federal fez uma publicação oficial ,com o apoio do MEC e do INDEP, sobre o balanço da sociologia da educação. Nessa publicação, o tema geral tratado foi a "nova sociologia da educação" em que  foram  abordados  os seguintes assuntos: "Teoria da reprodução" e " movimentos sociais em educação". Esses assuntos se tornaram parte dos estudos de professores que trabalhavam com a Teoria do Currículo ou Sociologia do Currículo. Essa teoria do currículo produziu literaturas que foram conhecidas como sendo a "nova sociologia da educação" que teve seus princípios na Inglaterra, tendo por referência o autor Michael Young e depois os autores Michael Aplle e Henry Giroux. No Brasil, o autor Antônio Flávio Barbosa Moreira resumiu algumas das concepções de Michael Young, as quais ficaram em pauta nas discussões  da Sociologia do Currículo da década de 1990. Em um trecho da obra de Moreira, chamada Sociologia do Currículo: origens, desenvolvimento e contribuições, podemos constatar algumas das ideias de Young:

[...] Algumas conclusões são apresentadas: para o professor, maior Status é associado ao ensino de conhecimentos: a) formalmente avaliados; b) ensinados às crianças mais capazes; c) ensinados em turmas homogêneas e que apresentem bom rendimento. 2º, os conhecimentos socialmente mais valorizados parecem carcterizar-se por: a) apresentarem caráter literário; b) serem fundamentalmente abstratos; c) não se relacionarem com a vida cotidiana e a experiência comum; d) serem ensinados, aprendidos e avaliados de modo predominantemente individualista. 3º, o currículo acadêmico corresponde a uma seleção de conhecimentos socialmente valorizados que responde aos interesses e crenças dos grupos dominantes em dado momento. E a partir dessa seleção que se definem sucesso e fracasso na escola. [...] (MOREIRA apud GHIRALDELLI, 2006. p. 179)

            Para Moreira apud Ghiraldelli (2006), uma diferente seleção acarretaria uma nova definição  dessas ideias. Embora essas ideias fossem pauta de discussões da Teoria do Currículo, no decorrer da década de 1990, alguns autores envolvidos com tais ideias se afastaram delas para ler o Filósofo Francês Michael Foucault e se envolveram com o neoestruturalismo e com a Filosofia da Educação.

             Nessa mesma década, a psicologia tornou a ser foco nas literaturas sobre educação, havendo estudos sobre a relação entre psicanálise e educação numa perspectiva Freudiana e estudos relacionados também a autores como Piaget, Skinner e sobre tudo Vygotsky. Este último foi muito bem aceito por autores voltados à Filosofia da Educação e às Teorias educacionais. Disso, surgiram estudos baseados em Vygotsky com atenção à escolarização como local de desenvolvimento da linguagem e do desenvolvimento mental da criança. Assim que as obras de Vygotsky ganharam um amplo público no Brasil, o debate para a Filosofia da Educação ficou focado no duelo entre Piaget e Vygotsky. Segundo Ghiraldelli (2006), esse duelo já existia na Europa e nos Estados Unidos. Segundo Manacorda apud Ghiraldelli (2006), Piaget havia falado em grandes estruturas psíquicas, pois efetuou a divisão do desenvolvimento cognitivo e moral da criança: período sensório motor (de 0 a 2 anos: época antes de obter linguagem...), período do pensamento pré-operatório (dos 2 aos 7 anos:época em que aparecem as ações do pensamento...), período das operações concretas (dos 7 aos 11anos: época em que surge a a capacidade de classificação...) e o das operações proposicionais ou formais que vai dos 11 aos 12,13,14 e 15 anos e é a época em que o ser humano já é capaz de raciocinar sobre hipóteses, etc.

            Para Manacorda apud Ghiraldelli (2006), esse saber da  psicologia influenciou os educadores na crença de que havia um tempo certo para se ensinar certas coisas e não outras. Assim tais educadores aderiam a teses que falavam em plano de adequação entre escolarização e desenvolvimento psicológico. Contudo, a concepção de Vygotsky era divergente, no sentido de que a criança apenas se desenvolvia numa experiência de modo social com a linguagem. Nessa acepção, a escola não precisava esperar pela maturação de fases de desenvolvimento, mas devia estimular essas fases. Logo, nos debates entre professores, existiam aqueles que desejavam uma escola com adaptação à criança e aqueles que defendiam que a criança deveria se adaptar ao ritmo escolar.

            Ainda na mesma época, a Psicologia Educacional, a Filosofia da Educação e as Teorias Educacionais contaram com as obras do professor, Leandro de Lajonquière, para recolocar na discussão educacional os estudos sobre as crianças e o tema da infância como um foco central para a educação geral, usando para isso o apoio da psicanálise. Dessa tendência, ocorreram eventos como o Seminário de Curitiba e desses eventos surgiram coletâneas com artigos sobre infância e educação, algumas dessas literaturas foram as obras:

            Infância, Escola e Modernidade, de 1996, do autor Paulo Ghiraldelli com a participação de educadores como a socióloga Heloísa Fernandes, do filósofo Renato Janine Ribeiro e do antropólogo Edgar de Assis Carvalho.

            Educação e Realidade, publicado pela Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul em 1999.

            Nessas obras, houve uma dedicação de estudiosos das áreas da filosofia, psicanálise e da educação em que Piagetianos e Vigotskianos trabalharam conjuntamente com pensadores da educação. Este fato teve, para a Filosofia da Educação, um efeito positivo, no sentido de que existiram avanços no trabalho conjunto, mas existiu, na sequência, um sentido negativo porque houve uma carência de pensadores com capacidade de trabalhar de forma articulada. Disso surge um ponto positivo que foi o fato de que a Filosofia da Educação tornou a operar seguindo apenas suas ideias de filosofia propriamente dita.

            Ghiraldelli (2006) manifesta que em 1999, o autor Antônio Joaquim Severino fez um texto expondo as iniciativas coletivas e individuais de professores que escreveram algo com referência à Filosofia da Educação. Dentre as iniciativas, que continuaram e as que não continuaram, destacaram-se quatro grupos temáticos:    

1º – Os estudiosos de Foucault.

2º – Os estudiosos da obra de Habermans.

3º – Os estudiosos da retórica em educação.

4º – Estudos em Escola de Frankfurt e pragmatismo.

            Segundo o autor, esses quatro grupos temáticos renovaram a Filosofia da Educação no Brasil, deixando dois pontos positivos em evidência, a saber: 1) a Filosofia da educação se fez com pluralismo; 2) para alguns autores, ficou definido que não se poderia mais deixar de fazer uma distinção entre o que era estabelecer teorias pedagógico-didáticas e o que era fazer filosofia da educação.

            Nesse contexto, houve uma busca pelo afastamento entre a Filosofia da Educação e as Teorias Educacionais, de modo que essas Teorias educacionais e pedagógicas não mais seriam consideradas como Filosofia da Educação nem mesmo como uma derivação dessa Filosofia. Então, tais Teorias deveriam ser estudadas para serem comparadas umas com as outras, para que  nelas fosses encontrados os pontos divergentes e os convergentes, enquanto que a Filosofia da Educação manteria uma característica mais abstrata com um discurso criativo de redescrição[1].       Já o discurso das Teorias Pedagógicas seria fundamentalmente normativo, no sentido de dizer aos professores tudo o que tinham de fazer em suas salas de aula. 

            Até esse momento, foi possível identificar pontos importantes no desenvolvimnto da literatura pedagógica brasileira dentro das áreas de Sociologia e Teoria do Currículo, Filosofia da Educação, Psicopedagogia e Teorias Educacionais. Falta, contudo, assinalar as abordagens feitas no campo da Historiografia da Educação. Esse campo gerou bastante discussão sobre   como foi escrita a própria história da educação no final do século xx. A respeito disso, Ghiraldelli (2006) expõe o modo como alguns autores se posicionaram não só antes da década de 1990, mas também durante ela. Dentre outros autores, Ghiraldelli, além de si próprio, destaca Dermeval Saviani, Luiz Antônio Cunha, Eliane Marta Teixeira Lopes e Ana Maria de Oliveira Galvão.

            O autor Saviani foi quem, em meados de 1970, se preocupou com o magistério das disciplinas Filosofia da Educação e História da Educação, expondo que a História da Educação era ministrada com foco na História e por isso a educação era posta em segundo plano. Para esse autor,  se fosse colocado mais ênfase na palavra educação, não mais ocorreria o ensino da tradicional sequência de ideias ou fatos em mera cronologia e esse ensino não dependeria exclusivamente dos processos de memorização.

            Seguindo uma perspectiva marxista, em meados de 1980, o autor Cunha foi quem acreditou estar na posição de olhador da história da universidade com uma visão geral direcionada ao interior da sociedade capitalista que seria a visão do proletariado sobre a história, a qual corresponderia de forma racional aos interesses do proletariado.

            Para Ghiraldelli, Marta foi quem, na época, insistiu que os estudiosos da história da educação não deveriam deixar de lado perguntas como: "a que serve a história?" e "qual história da educação? Além do mais, ela especificou duas Histórias da educação: Uma que falava das ações do Estado, das elites e reformas pedagógicas e outra que falava dos setores marginalizados.

            Já na década de 1990, a Historiografia da Educação teve caminhos mais definidos. De um lado, estavam os marxistas que sob orientação de Saviani escreveram livros como:  História da Educação – perspectivas para um intercâmbio internacional e História e história da educação.

            De outro lado, estvam autores como Ghiraldelli, Eliane Marta e Ana Maria. Estes autores se preocuparam em escrever sobre o problema do contexto[2] em história da educação.  Assim, surgiram obras como: "Educação e razão histórica" e "O que você precisa saber em história da educação".  Com relação ao "contexto", as autoras Eliane Marta e Ana Maria escreveram um livro, expondo que o "contexto" de uma dada época servia para explicar quase tudo o que se referia à Educação. Ainda nesse livro, as autoras explicam que  muitos historiadores tendiam a contar de forma linear  a história que pesquisavam, apagando ambiguidades, retrocessos, descontinuidades e contradições que caracterizam a história. Outro ponto discutido pelas autoras foi a questão do pensamento marxista em que eram bem aceitos os textos  que demonstravam claramente os indícios do marxismo. não só esses textos eram bem vistos como também os seus autores e disso resultava que os dados das pesquisas pouco eram discutidos. Segundo Ghiraldelli (2006), foi em cima dessas ideias que se fechou  a discussão historiográfica da educação da década de 1990.                        

            Com base no capítulo dez do texto de Ghiraldelli (2006), concluimos que de fato a literatura pedagógica brasileira do final do século XX demonstrou um crescimento que a direcionou para rumos distintos, criando "separação" entre as áreas de pesquisas sobre a educação. Em respeito a essa "separação", podemos notar que ela se fez diante de tendências estrangeiras (pensamento marxista) e de fatores nacionais como, por exemplo, o fim da ditadura militar.

            Além dessas observações, foi possível refletir sobre a forma como, em diferentes épocas, a produção literária pedagógica se modificou, surtindo efeitos positivos e negativos diretamente em trabalhos de pesquisadores da educação, de professores do ensino superior e de professores do ensino público. Isso foi um ponto muito importante que nos fez enxenrgar  que há, atualmente, autores preocupados com a aplicação de recentes teorias na escola, mantendo vínculos com a escola e considerando todos os envolvidos no processo de ensino-aprendizagem, fato este que não era focalizado pelos estudiosos da educação em um passado não muito distante (meados de 1985). Nesse sentido, Ghiraldelli (2006) apontou claramente que muitos dos professores que conseguiram uma nova habilitação em cursos de pós-graduação não se preocuparam em usar seus conhecimentos para produzir melhorias no Ensino público, eles até falavam sobre os níveis menores de ensino (Ensino Fundamental e Médio) sem de fato estarem inseridos nesses níveis. O que nos leva a crer que eles produziam, então, uma literatura muito abstrata que se distanciava da realidade.

            No entanto, com o crescimento da literatura pedagógica, temos hoje em dia autores que escrevem sobre a educação desde a educação infantil até o ensino superior, apontando os reais problemas da escola e propondo meios de resolução a tais problemas, isso tudo por meio de pesquisas ligadas diretamente com a escola no sentido abrangente dela ( gestores, alunos, professores, funcionários e a comunidade ao redor). Por exemplo, tais autores pregam a construção do conhecimento por meio de situações em que professores e alunos acabam se empenhando na busca de objetivos comuns de forma interativa e em que os alunos podem se expressar e usar seus conhecimentos prévios para adquirir novos conhecimentos e aprimorar outros. Entre outros autores que conhecemos, duas autoras brasileiras que escrevem nessa linha de raciocínio, ao nosso ver, são Délia Lerner e Telma Weis. 

            Lerner e Telma são autoras que levantam questões pertinentes ao dia a dia da escola  e apontam os desafios pelos quais a escola de hoje está passando. Diante disso, dão relevantes sugestões de resolução aos problemas, considerando o fato de que os educadores de hoje devem conhecer seus aprendizes para a eles ajustarem o processo pedagógico.

            Sobre essas autoras, um fato importante que podemos enxergar é que ambas demonstram uma concepção educacional baseada nas discussões do cruzamento da Psicologia da educação com a Filosofia da Educação. O foco dessas discussões eram, conforme Manacorda apud Ghiraldelli (2006), os estudos focados em Piaget e Vygotsky. E desse duelo, ocorreu que ficaram do lado de Piaget os autores que queriam uma escola adaptada à criança e do lado oposto os que queriam que a criança se adaptasse ao ritmo da escola. Com um olhar para esse fato, conseguimos entender que as autoras Lerner e Délia demonstram em suas obras uma concepção Piagetiana, ou seja, propõem uma escola adaptada à criança, no sentido de que os educadores devem ajustar o processo pedagógico ao seus educandos.

            A importância dessa associação é que ela nos dá margem para compreender que a literatura pedagógica brasileira de hoje tem vestígios claros de obras produzidas e estudadas desde o século passado e que, além disso, trata-se de uma literatura pedagógica efetuada, em alguns casos, de oposições entre ideias e autores. Considerando esse fato, questionamos se realmente devemos ou não devemos seguir apenas uma concepção teórica educacional. E diante de tal questionamento, concluimos que, enquanto formos professores, devemos ter um pouco de versatilidade nos momentos de aderir a uma ou outra concepção teórica sobre educação. Assim, temos de ler diferentes obras e nos preocupar em aceitar uma determinada ideia sem fanatismo, sempre lançando um olhar crítico para as literaturas pedagógicas que lançam tais ideias. E disso resulta que estaremos mais preparados para acatar ideias que estejam de acordo com a nossa realidade escolar.  

REFERÊNCIA

GHIRALDELLI, Paulo Jr. História da Educação Brasileira. São Paulo: Cortez, 2006,



[1]   Discurso semelhante  ao do modelo dos estudos em neopragmatismo. (GHIRALDELLI, 2006. p. 185)

[2]   O termo "contexto" está sendo usado em respeito aos aspectos políticos e econônimcos de uma determinada época. (GHIRALDELLI, 2006, p. 188)