O Convento de Nossa Senhora da Penha, em Vila Velha. Tem como data oficial de sua fundação 1558, o ano de chegada de Frei Pedro Palácios, seu fundador, na então Vila do Espírito Santo. Fonte: http://picasaweb.google.com/feelonline/Escalada#

1.O CONVENTO DE NOSSA SENHORA DA PENHA

O morro conhecido como "da Penha" se situa em Vila Velha, a primeira vila do Espírito Santo, fundada em 23 de maio de 1535 por Vasco Fernandes Coutinho, primeiro donatário da capitania. O morro fica na baia de Vitória, cidade da qual também pode ser visto.

Ali, em 1558, se hospedou um frei secular de nome Pedro Palácios. Espanhol, vindo do Convento da Arrábida, em Portugal, o frei teria habitado o pé do morro e praticado a evangelização de nativos e colonizadores portugueses:


Desejando batizar alguns desamparados e como não sabia letras nem a língua, porque este seu zelo não fosse, nom sine cientia, batizando alguns adultos sem o aparelho necessário, admoestado dos padres, lhes pediu em escrito algum aparelho na língua da terra para poder batizar alguns que achasse sem remédio e os padre não pudessem acudir; e assim remediava muitos inocentes e alguns adultos[1].



"Sobre um bloco de granito, o painel de Nossa Senhora, que Frei Palácios trouxe de Portugal e diante do qual rezava com opovo o terço. Duas crianças oferecem flores. Homens do povo, ouvem a pregação do religioso. Na gruta, em companhia de um cão e um gato, Frei Palácios morou por vários anos". Fonte: http://www.franciscanos.org.br/penha/galeria/index.php


Trouxe consigo da Europa um quadro de Nossa Senhora, do qual os pesquisadores têm opiniões diversas. Os mais antigos afirmam que a santa é Nossa Senhora das Alegrias, enquanto a partir do século XX tende-se a chamá-la de Nossa Senhora da Penha.

Sendo uma ou outra, logo que a ermida da Penha assumiu seu espaço no alto do morro ela inaugurou sua sacralidade. Uma pequena capela foi construída em 1562 e dedicada a São Francisco de Assis, onde Pedro Palácios habitou e colocou o quadro da santa. Seis anos depois, começou a ser edificada a ermida que, com o passar dos anos, se tornaria o convento.



"Capelinha no Campinho, que Frei Pedro dedicou a São Francisco de Assis, colocando nela sobre o altar, o painel de Nossa Senhora das Alegrias, que trouxera de Portugal, e uma imagem do padroeiro: era ali onde dormia e recuperava suas forças depois de evangelizar na cidade". Fonte: http://www.franciscanos.org.br/penha/galeria/index.php

Por ser visível a todos os barcos e navios que entrassem na baia de Vitória por estar a 154 metros acima do mar, ela se tornou padroeira e protetora dos navegadores, assim como ocorreu em Santa Cruz, até hoje um local de pescadores no norte do Espírito Santo, e a igreja de Nossa Senhora da Penha que lá se encontra.

O quadro da santa viria a receber uma companheira no simbolismo capixaba. A imagem de Nossa Senhora da Penha foi encomendada ainda por Frei Pedro Palácios para enriquecer ainda mais sua ermida. Além disso, o valor de uma imagem, tridimensional, é altíssimo, já que permite maior proximidade com a santidade.

Assim, a devoção tomou grande destaque, inclusive fora do Espírito Santo. Diversos religiosos que visitavam o local do convento. Além de Anchieta, que conviveu e admirou o fundador da Penha, Frei Vicente de Salvador ficou admirado com a imponência da ermida no morro. O frei brasileiro chegou a chamá-la de "uma das maravilhas do mundo"[2].

O local possuía um aspecto imponente, por se situar tão alto entre duas vilas que ainda não saíam das proximidades do litoral. Além disso, ainda de acordo com ilustres visitantes, a ermida se assemelhava a uma fortaleza, que protegia os capixabas do mal.


O aspecto de fortaleza também se encontra presente já desde a obra de Frei Vicente do Salvador. Ele se remete às palavras do donatário Francisco de Aguiar Coutinho, que teria dito ao rei que ele possuía "uma fortaleza na barra de sua capitania que lha defendia (...), e que esta era a ermida de Nossa Senhora da Penha que ali está"[3].


Fortalecendo o imaginário religioso do convento, uma lenda do século XVII nos conta que o local, ao ser invadido por holandeses que atacavam o litoral capixaba, foi transformado em um castelo, cercado de muralhas, e protegido por diversos soldados.

O milagre é destaque na história em questão. Descrito por Jaboatão e presente no livro O Convento de Nossa Senhora da Penha do Espírito Santo, do Frei Basílio Rower[4], conta que a ermida havia sido abandonada pelos freis e a imagem retirada e levada para o Convento de São Francisco, em Vitória.

Para Maria Cristina Pereira[5], o fato dos soldados surgirem e da transformação do convento em fortaleza demonstra duas coisas: a primeira é que a presença de São Maurício na religiosidade capixaba, devido a forte presença jesuíta na capitania, favoreceu para a formação da lenda, já que a invasão teria ocorrido no dia 22 de agosto, festa do santo, que é acompanhado pelos guerreiros mártires tebanos[6]; a segunda é a santidade de Nossa Senhora da Penha, que não vinha da imagem da santa, transferida para Vitória, e sim do próprio morro onde sua ermida estava localizada.

Destaca-se então que o morro era de extrema importância para a formação da devoção religiosa do povo capixaba a santa. Normalmente a pedra é ligada a Pedro, aposto de Jesus – e também o nome do fundador do convento, Pedro palácios –, que a ele disse que ele seria o responsável por fundar, na pedra, a sua igreja.

No caso estudado, foi a Virgem que assumiu a idéia de rocha:

E como está ellevado à região do ar, quando os ventos se embravecem, treme todo, porèm nunca cahe, nem cahira: porque a rocha viva, que he Maria Santissima, & a grande Senhora daquella Caza a sustenta com assombro, & admiração de todos os que alli chegaõ. (...) O titulo da penha, que devemos entender lho inspirou a mesma Senhora; mostrando-lhe ao seu devoto servo aquella taõ notavel, em que ella quiz ser venerada. Que como he de pedra firme, quiz sobre aquella penha, se lhe levantasse, & fundasse aquelle seu Santuario.[7]


Essa devoção, iniciada pela devoção de uma santa européia, assumiu um caráter tão local que se tornou independente de sua antiga origem, tornando-se assim um importante elemento da formação do povo capixaba, que até hoje venera a santa e seu santuário.



Painel de Nossa Senhora das Alegrias. Pintura a óleo sobre tela, trazida por Frei Pedro Palácios em 1558. Moldura entalhada por José Fernandes Pereira, português, entre os anos de 1874a 1879. Fonte: http://www.franciscanos.org.br/penha/galeria/index.php

  1. O QUADRO DE PEDRO PALÁCIOS

Analisamos no capítulo anterior a influência que o local onde foi construído o Convento de Nossa Senhora da Penha foi diretamente responsável pela grande devoção à santa no Espírito Santo.

Vimos também que o santuário abrigava, já no século XVI, duas imagens da santa: um quadro, trazido por Pedro Palácios em sua viagem a capitania e 1558, e uma imagem, tridimensional, encomendada pelo frei posteriormente para valorizar ainda mais a devoção e santidade do morro da Penha.

Sobre o quadro da santa, não se sabe quem o pintou:


Famoso painel de Nossa Senhora das Alegrias, trazido por Frei pedro Palácios da Europa, em 1558. É de autor desconhecido. O [Instituto do] Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, que restaurou o quadro, em 1945, o atribui à Escola castelhana do século XV[8].


A imagem, que possuía 76 centímetros de altura e era guardada na Capela de São Francisco de Assis nos primeiros anos de Pedro Palácios no morro, desapareceu três vezes do seu lugar, indo aparecer pouco acima, no topo do morro, onde se encontrariam duas palmeiras. Após o terceiro desaparecimento, o frei teria entendido que o local escolhido pela santa era aquele.

Há também a versão que conta que ele teve um sonho, onde um anjo lhe teria indicado as duas palmeiras. Assim ao vagar nas proximidades da gruta onde primeiro habitou, o fundador do convento teria subido o morro e lá encontrado as duas palmeiras. Mesmo assim, construiu primeiro a capela antes da ermida.

O quadro de Nossa Senhora das Alegrias – que como já dito, confunde-se também com Nossa Senhora da Penha, provavelmente devido a santa a quem o morro e a ermida foram dedicadas – traz pitado a Virgem, apenas a partir da cintura para cima, com um manto azul. Por baixo do manto, uma roupa vermelha e, sobre a cabeça, um pano branco. Tanto o manto azul quanto a roupa vermelha apresentam bainhas douradas, que se destacam na pintura. Em seu pescoço, algo dourado, semelhante a um cordão ou à gola de sua blusa, sendo diferente da bainha. Em seu colo, coberto com um manto branco e abraçado ao seu pescoço, está o menino Jesus.

O menino não está vestido, como acontece normalmente em outras imagens, mas está sendo coberto, suavemente, com um pano branco pela mão da Virgem. Ambos possuem feições suaves em suas faces, que trazem um leve sorriso. Ambos também estão com os rostos virados para o observador. Cada um apresenta uma coroa sobre a cabeça, curvas e bastante trabalhadas. Nas bases delas, observa-se que pedras de cores diferentes estão ali engastadas.

Sua moldura é de madeira, entalhada pelo português José Fernandes Pereira entre 1874 e 1879. A moldura traz enfeites florais nas laterais e também em cima, onde se destaca um vaso de flores, ladeado por folhas curvas.

Ao analisar-se a diferença entre as imagens de Nossa Senhora das Alegrias e da Penha, mantêm-se a questão da identidade do quadro, já que as duas não possuem características muito específicas. A primeira normalmente é encontrada com o menino Jesus e um cetro na mão. Apesar do quadro do convento não possuir cetro, destaca-se que nem todas as imagens da santa o possuem.

Já a segunda, de Nossa Senhora da Penha,

possui a seus pés um monte, um viajante, uma cobra e um lagarto. Tais elementos fazem referência a uma intervenção milagrosa da Virgem, que teria salvado um peregrino prestes a ser picado por uma cobra, graças a um lagarto que por sua vez atacara a serpente.


Mais uma vez, o quadro que se encontra no convento não corresponde às características, por não trazer a imagem os pés da santa.

Outro ponto importante para a discussão da identidade das imagens é o fato da festa de Nossa Senhora da Penha ser realizada no mesmo dia da de Nossa Senhora dos Prazeres (ou das Alegrias): a primeira segunda-feira após a Dominica in Albis[9]. Além disso, a imagem traz semelhanças à de Nossa Senhora de Belém.



Imagem de Nossa Senhora da Penha durante procissão realizada no dia 31 de março de 2008. As coroas que haviam sido roubadas, da Virgem e do menino Jesus, foram substituídas por novas para a festa. Fonte: http://g1.globo.com/Noticias/Brasil/0,,MUL381725-5598,00.html.

  1. A IMAGEM DA SANTA

Com a substituição, comum durante o período colonial, de pinturas por imagens, o quadro da Virgem da Penha recebeu como companheira a imagem da santa. Frei Pedro Palácios mandou encomendar na Europa uma imagem fiel ao quadro que se encontrava na ermida.

Esse fato mantém viva a discussão sobre a identidade do quadro, pois a imagem é de Nossa Senhora da Penha. Logo, o quadro também deveria ser. Mas o assunto continua discutível, pois, como já foi discutido aqui, as imagens possuem poucas características marcantes.

Entretanto, ela não teria vindo completa da Europa, mas apenas algumas de suas partes: a cabeça, os braços e o menino Jesus. A essas partes está associada uma lenda, que conta que o artista responsável por fabricar a imagem não havia feito o trabalho até a data prevista. Quando o navio que iria para o Brasil estava perto de partir, um estranho teria aparecido e entregado as partes, de acordo com o pedido do frei, a ele.

O restante da imagem teria sido esculpido pelo próprio frei Pedro Palácios: o tronco, cônico, coberto por uma túnica, braços e mãos desproporcionais.

A imagem foi descrita por Frei Agostinho de Santa Maria:

Esta Santissima imagem tem de altura quatro palmos & meyo, he de vestidos, & assim a vestem de alegres, & riquissimas galas de preciosas telas, tirando no Advento, & na Quaresma, em que entaõ a vestem de roxo. Os aceyos, & adornos todos saõ de preciosas joyas de ouro, & pedras preciosas, & ás vezes saõ tantos, que não cabendo as peças nella, lhas mandão os Prelados vender, & dar aos devotos algũas para reedificação do seu Convento, & ornamentos do seu Altar[10].

A preocupação com a vestimenta destaca o grande valor e envolvimento que a "imagem corpo" trás entre a imagem e o fiel. O corpo permitia ser vestido, penteado, e as jóias poderiam ser trocadas. Tudo isso incrementava o efeito provocado pela santa no imaginário religioso capixaba. O efeito permanece até hoje, como descrito por Maria Cristina Pereira:

O poder, a teatralidade e a corporalidade conferida pelas roupas não se limitou ao período colonial. Quando de sua última restauração, em 2003, aos restauradores foi exigido sigilo absoluto e interdição de exibição da escultura enquanto ela estivesse no ateliê, despida[18] - despida de suas vestes e de sua aura[11].

Assim, a devoção a Nossa Senhora da Penha, que atravessa séculos – a festa de quatrocentos anos foi realizada no dia 31 de março de 2008 – mantém-se forte ainda hoje. O salão dos milagres, que se situa no convento, abriga diversos ex-votos, simbolismo do popular "pagamento de promessas". São muletas, peças em cera ou gesso, vestimentas e fotografias, que demonstram a devoção e o agradecimento pelos milagres atribuídos a santa.


  1. BIBLIOGRAFIA


ANCHIETA, José de, S.J. 1534-1597. Cartas, informações, fragmentos historicos e sermões. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1933. Disponível em: http://purl.pt/155. Acesso em: 13/10/2008.

PEREIRA, Maria Cristina C. L. A Imagem e Seu Lugar: Nossa Senhora da Penha na Geografia Simbólica Capixaba. Disponível em: http://mariacristinapereira.blogspot.com/. Acesso em: 13/10/2008.

ROWER, Basílio. O Convento de Nossa Senhora da Penha do Espírito Santo. Vila Velha, 2ª ed. 1965.

SALVADOR, Frei Vicente do. História do Brasil. 1500-1620. São Paulo: Melhoramentos, 1965, 5ª ed.

SANTA MARIA, Frei Agostinho de. Santuário Mariano, e Historia das imagens milagrosas de Nossa Senhora, e das milagrosamente apparecidas, que se verenerão em todo o Bispado do Rio de Janeyro, e Minas, e em todas as ilhas do oceano, em graça dos pregadores, e dos devotos da Virgem Maria nossa Senhora. Lisboa: A. P. Gairam, 1723, v. 10.

WILLEKE, Venâncio (Org.) Antologia do Convento da Penha. Vitória: Conselho Estadual de Cultura, 1974.



[1] ANCHIETA, José de, S.J. 1534-1597. Carta de Pe. Anchieta Sobre Frei Pedro Palácios. In Cartas, informações, fragmentos historicos e sermões. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1933.

[2] SALVADOR, Frei Vicente do. História do Brasil. 1500-1620. São Paulo: Melhoramentos, 1965, 5ª ed. p. 119.

[3] PEREIRA, Maria Cristina C. L. A Imagem e Seu Lugar: Nossa Senhora da Penha na Geografia Simbólica Capixaba. Disponível em: http://mariacristinapereira.blogspot.com/.

[4] ROWER, Basílio. O Convento de Nossa Senhora da Penha do Espírito Santo. Vila Velha, 2ª ed. 1965, p. 46.

[5] PEREIRA, Maria Cristina C. L. A Imagem e Seu Lugar: Nossa Senhora da Penha na Geografia Simbólica Capixaba. Disponível em: http://mariacristinapereira.blogspot.com/.

[6] O santo foi capitão da Legião Tebana, contratada pelo exército romano e formada de cristãos. Conta a história que, ao se recusarem a participar de sacrifícios a outros deuses, a legião foi completamente assassinada pelo exército romano. Em recorrência disso, vários milagres são associados a São Maurício e aos guerreiros tebanos.

[7] SANTA MARIA, Frei Agostinho de. Santuário Mariano, e Historia das imagens milagrosas de Nossa Senhora, e das milagrosamente apparecidas, que se verenerão em todo o Bispado do Rio de Janeyro, e Minas, e em todas as ilhas do oceano, em graça dos pregadores, e dos devotos da Virgem Maria nossa Senhora. Lisboa: A. P. Gairam, 1723, v. 10, p. 90-91.

[8] WILLEKE, Venâncio (Org.) Antologia do Convento da Penha. Vitória: Conselho Estadual de Cultura, 1974. p. 47.

[9] Dominica in Albis é o primeiro domingo após o domingo de Páscoa.

[10] SANTA MARIA, 1723, p. 86.

[11] PEREIRA, Maria Cristina C. L. A Imagem e Seu Lugar: Nossa Senhora da Penha na Geografia Simbólica Capixaba. Disponível em: http://mariacristinapereira.blogspot.com/.