As graças da ignorância.

 

     Sob um específico ponto de vista, existem milhares de ignorantes abençoados que, muito raramente, conhecerão a imensidão da  bênção de sua ignorância.

A ignorância da qual se trata aqui, não é aquela no sentido pejorativo, que comumente se utiliza para causar uma ofensa a outrem, mas do simples NÃO SABER, ter as coisas fora do conhecimento. Assim como as crianças, que ignoram muitas coisas a serem reveladas pelo tempo, numa proteção natural às suas mentes tenras.

Então, podemos afirmar que o ignorante, neste sentido, é um abençoado, pois acredita naquilo que pensa, que vê, seja a verdade, sem pressentir as trapaças por trás das  palavras e gestos alheios, com objetivos sempre oportunistas. Tais pessoas possuem uma natural proteção que, quanto maior sua sinceridade, maior sua segurança emocional e material imediata. Revela-se correto o dito: “Deus protege as crianças”.

Somos, na grande maioria, um povo ignorante, sob esta ótica, pois não entendemos os meandros das “maracutaias” utilizadas à nossa volta, sempre nos tirando algo, seja material ou imaterial como a liberdade, por exemplo.

Ignoramos o jogo sujo que permeia o poder e, com uma naturalidade espantosa, toma conta de tudo, dominando o cenário político. Ignoramos o poderio econômico representado pelos bancos, que protegidos pelo poder político que pagam, espoliam o povo e ainda alardeiam lucros astronômicos em trimestres, enquanto a maioria da população passa fome doze meses ao ano.

Embora sintamos os efeitos, ignoramos as causas.

Ensinaram-nos que democracia é um governo do povo, pelo povo e para o povo. Mas temos tido governos obtidos sob a enganação do povo e contra o povo.

Nosso sistema, em tese, constitucionalmente, é dividido em três poderes autônomos e harmônicos entre si.

Na prática, porém, contraria-se a Constituição: temos três poderes em conflito e, ao mesmo tempo, comprometidos entre si, numa disputa recheada de cumplicidade, onde todos os rabos estão presos.

Existirá, não muito longe no tempo, membro de um poder que migrará para outro, talvez por entendê-lo mais “lucrativo”.

 

Somos ignorantes sobre a origem de nossa dor, mas não podemos deixar de senti-la, pois ela se revela em cada inchaço no índice da violência. No aumento do número de crianças carentes, feitos malabaristas nos semáforos da vida. Em cada pai ou mãe irresponsável, que raramente sabe onde seu filho está. Pessoas que, para infelicidade geral, não nasceram estéreis.

Sim, somos uma multidão de ignorantes do amor. Pois se o conhecêssemos, teríamos mais vida do que mortes no dia a dia de nossa Terra. Se soubéssemos deste sentimento único, não conheceríamos as fronteiras, nem teríamos necessidade de passaportes. E devastação seria um termo desconhecido para nós.

Pensando bem, mas muito bem mesmo, acabaremos por descobrir que os ignorantes são felizes e não sabem. Até isso ignoram, na santidade de seus espíritos que riem sem precisar saber a razão.