Resumo 

Pretende-se, com a presente obra, analisar as formas de abuso do poder econômico no mercado brasileiro. Para tanto, foram analisadas diversas situações em que a livre concorrência, princípio que norteia a atividade econômica, sucumbe ante as práticas abusivas atentatórias aos dispositivos constitucionais e legais que regulam a matéria com o objetivo de manter um equilíbrio no mercado.  Concluiu-se que, embora o Estado tenha criado normas que visam combater as condutas abusivas, o combate não tem sido eficiente, sendo freqüente a prática de diversas formas de abuso por parte dos poderosos grupos econômicos sem que a sanção devida seja-lhes aplicada, o que favorece a continuidade de tais condutas. 

 

Palavras-chave: Mercado. Práticas Abusivas. Ineficiência do combate.


1 INTRODUÇÃO

 

 

Na presente obra, foram analisadas as formas de abuso do poder econômico presentes na contemporaneidade. Embora a Constituição da República retrate a necessidade de se coibir o abuso, constatou-se que o combate tem sido ineficaz, e que a livre concorrência vem sendo suprimida em razão das condutas ilícitas, desequilibrando o mercado.

O presente artigo, objetivando uma melhor explanação do tema em questão, foi dividido em dois capítulos: Formas de abuso do poder econômico e Ineficácia dos meios repressivos.

Trata-se de um tema de extrema relevância social, tendo em vista que a regularidade do mercado depende de certas garantias – como a livre concorrência – e estas acabam sendo esquecidas com as práticas abusivas, culminando no desequilibro econômico, fato que onera excessivamente os consumidores que ficam a mercê do que é pré-estabelecido pelos grandes grupos dominantes.  

 

 

2 FORMAS DE ABUSO DO PODER ECONÔMICO

 

            A Carta Magna dispõe sobre a necessidade de repressão das formas de abuso econômico. Segundo o art. 173, § 4° da CR88:

 

“a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.” (BRASIL, 1988).

 

Com base no dispositivo alhures transcrito, conclui-se que três são as formas pelas quais o abuso do poder econômico se consuma: dominação dos mercados, eliminação da concorrência e aumento arbitrário dos lucros.

A eliminação da concorrência e o aumento arbitrário dos lucros, na realidade, derivam da dominação de mercados, que ocorre quando uma empresa ou um forte grupo econômico domina o mercado, tornando-se a única fonte de fornecimento. Com o mercado na mão de um ou de poucos, há a eliminação da concorrência, o que acaba permitindo que os detentores do domínio imponham qualquer condição ao consumidor que terá que se adequar ao que foi arbitrariamente imposto pelo grupo econômico dominante. 

 “Embora seja difícil modernamente admitir-se a concorrência perfeita, o certo é que ela regula e dá relativo equilíbrio ao mercado, porque a intenção abusiva de um encontra barreiras na atuação idônea de seu concorrente.” (CARVALHO FILHO. 2010, p. 842/843). Destarte, o domínio do mercado traz um grande desequilibro que afeta, não só o mercado, como também a sociedade que, sem alternativa, é submetida ao aumento arbitrário dos lucros.

São espécies de domínio abusivo dos mercados: trustes, cartéis e dumping. Para um melhor entendimento sobre o tema, cabe elucidar o conceito das práticas abusivas aqui mencionadas:

 

 

Truste é o resultado típico do capitalismo que forma um oligopólio na qual leva a fusão e incorporação de empresas envolvidas de um mesmo setor de atividades a abrirem mão de sua independência legal para constituir uma única organização, com o intuito de dominar determinada oferta de produtos e/ou serviços. Pode-se definir truste também como uma organização empresarial de grande poder de pressão no mercado. (TRUSTE..., 2012,).

 

Cartel é um acordo explícito ou implícito entre concorrentes para, principalmente, fixação de preços ou cotas de produção, divisão de clientes e demercados de atuação[1] ou, por meio da ação coordenada entre os participantes, eliminar a concorrência e aumentar os preços dos produtos, obtendo maiores lucros, em prejuízo do bem-estar do consumidor. (CARTEL..., 2012).

 

Dumping é uma prática comercial que consiste em uma ou mais empresas de um país venderem seus produtos, mercadorias ou serviços por preços extraordinariamente abaixo de seu valor justo para outro país (preço que geralmente se considera menor do que se cobra pelo produto dentro do país exportador), por um tempo, visando prejudicar e eliminar os fabricantes de produtos similares concorrentes no local, passando então a dominar o mercado e impondo preços altos. É um termo usado em comércio internacional e é reprimido pelos governos nacionais, quando comprovado. Esta técnica é utilizada como forma de ganhar quotas de mercado. (DUMPING..., 2012.).

 

 

 

Existem outras formas de abuso do poder econômico. Entretanto, via de regra, tais formas são derivadas das aqui já mencionadas.

Objetivando demonstrar a realidade atual, transcrever-se-á uma notícia que retrata conduta abusiva presente no cenário econômico brasileiro:

 

“Desde sempre os bancos brasileiros atuaram em cartel. Suastaxas de juros, se não são previamente combinadas, parecem ser, tal a semelhança, com minúsculas diferenças. Quando o mercado foi aberto para o capital externo após o Plano Real, nascia a esperança de restabelecer a competição. Mas os bancos estrangeiros aqui chegaram e logo se adaptaram aos "hábitos" dos nacionais e estatais. E o País se tornou campeão mundial de juros altos, com spread (diferença entre a taxa que o banco capta dinheiro e a que pratica nos empréstimos) "colossal", como definiu a The Economist, em sua última edição.”(O CARTEL..., 2012).

 

Todas as conceituadas práticas ilícitas objetivam a eliminação da concorrência, com o intuito de que uma empresa ou um grupo domine o mercado. Assim, caberá a esse mercado a estipulação dos preços, já que inexistirá concorrência que sirva de entrave à imposição de valores exorbitantes. Tais práticas, então, prejudicam tanto o mercado como a sociedade, vez que, ao eliminarem a concorrência, eliminam também a liberdade de escolha do consumidor, ao qual restará recorrer tão somente à única alternativa existente.  

 

 

3 INEFICÁCIA DOS MEIOS REPRESSIVOS

 

Segundo Celso Antônio Bandeira de Melo (2008), os princípios da livre concorrência e da defesa do consumidor positivados, respectivamente nos incisos IV e V do art. 170 da CR, fundamentam o dever do Estado de combater o abuso do Poder Econômico.

As condutas abusivas na economia violam os princípios da ordem econômica e, por isso, o artigo 173, parágrafo 4º, da Carta Magna dispõe que: “A lei reprimirá o abuso do poder econômico, que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros”. (BRASIL, 1988).

Encontramos, na legislação brasileira, uma gama enorme de leis que têm como finalidade combater as condutas abusivas na economia e estabelecer sanções a seus autores.

A expressão “repressão ao abuso do poder econômico” pode ser definida como “um conjunto de estratégias adotadas pelo Estado que, mediante intervenção na ordem econômica, têm o objetivo de neutralizar os comportamentos causadores de distorção nas condições normais de mercado em decorrência do acúmulo de riqueza”. (CARVALHO FILHO, p. 906).

As normas que se destinam a combater as condutas abusivas do Poder Econômico estão distribuídas de forma esparsa em diversos diplomas legais. Entre eles, pode-se citar a Lei nº 8.137/90, a qual define os crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo. Há, ainda, a Lei Delegada nº 4 de 1962 que cuida da intervenção no domínio econômico para assegurar a livre distribuição de produtos necessários ao abastecimento e consumo do povo; e, também, o Código de Defesa do Consumidor que regula as relações de consumo e tutela os direitos dos consumidores. (CARVALHO FILHO, 2012).

No entanto, a principal lei sobre o tema é a de nº 12.529/2011 que estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica, além de alterar diversas leis.

Cabe, fundamentalmente, destacar que nos termos do art. 3º da Lei 12.529/11, o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência é formado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) e pela Secretaria de Acompanhamento do Ministério da Fazenda. (BRASIL, 2001).

A lei federal em comento aplica-se às pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privado, bem como a quaisquer associações de entidades ou pessoas, constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente, com ou sem personalidade jurídica, mesmo que exerçam atividade sob regime de monopólio legal (art. 31). Prevê, ainda, a responsabilidade solidária das empresas ou entidades integrantes de grupo econômico, de fato ou de direito, quando pelo menos uma delas praticar infração à ordem econômica. Ademais, é possível que a personalidade jurídica seja desconsiderada no caso de abuso de direito e infração à lei, bem como nos casos de falência, estado de insolvência ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

Importante ressaltar que os atos que violem a ordem econômica sujeitarão os infratores de maneira objetiva, ou seja, independentemente de culpa. Nas palavras de José dos Santos Carvalho Filho (2012, p. 909):

 

“As infrações podem ser cometidas independentemente de culpa e são formalizadas por atos que visam aos seguintes efeitos: a) limitar, falsear ou prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa; b) dominar mercado relevante de bens ou serviçoes; c) aumentar arbitrariamete os lucros; d) exercer de forma abusica posição dominante. A lei enumera outras infrações, retratando condutas mais específicas, que constituem decorrência das infrações básicas, tendo, pois, natureza derivada”.

 

            O art. 37 da lei em análise elenca as penas a que se sujeitam os responsáveis pela prática de infração da ordem econômica. José dos Santos Carvalho Filho (2012) afirma que a sanção mais comum é a de multa, podendo esta variar de acordo com a natureza do sujeito e a gravidade da infração. Estão ainda previstas no referido artigo outras penas, como a publicação da decisão condenatória, a proibição de contratar com entidades oficiais, a cisão da sociedade, a transferência do controle societário, a venda de ativos, a cessação parcial da atividade e a proibição de exercer o comércio em nome próprio ou como representante de pessoa jurídica, pelo prazo de cinco anos.

            A prescrição das ações punitivas ocorre em cinco anos. Esse prazo deve ser contado da prática do ilícito ou, no caso de infrações permanentes ou continuadas, do dia em que houver cessado a prática do ilícito.

            A Lei nº 12.529/11 continua prevendo a possibilidade de realização de termo de compromisso de cessação. Isso significa que é possível que o infrator firme junto ao CADE um termo de ajustamento de conduta, comprometendo-se a paralisar a prática abusiva sob investifação ou seus efeitos lesivos. (BRASIL, 2011).

            Cabe destacar, ainda, que com a lei em pauta introduziu uma novidade na matéria, qual seja o acordo de leniência. Esse acordo será celebrado pelo CADE, por intermédio da Superintendência-Geral. A ação punitiva contra as pessoas físicas ou jurídicas que forem autoras de infração contra a ordem ecomômica será extinta, desde que essas pessoas colaborem efetivamente com as investigações e com o processo administrativo, de modo que seja possível obter documentos e informações que comprovem a infração noticiada ou sob investigação, bem como a identificação dos demais envolvidos na infração.

            Ademais, cumpre ressaltar ser fundamental no combate às infrações contra a ordem econômica o chamado controle concentrado, que constitui atribuição do CADE. Tal controle tem como finalidade evitar o domínio do mercado por grupos de grande poder econômico através de trustes ou cartéis, protegendo, assim, a livre concorrência.

            Infelizmente, apesar de todos os mecanismos previstos em lei, o combate às condutas abusivas contra a ordem econômica não vem sendo eficaz. Segundo José dos Santos Carvalho Filho, “Há toda uma série de envolvimentos e interesses políticos (…) Por outro lado, há imensa dificuldade de comprovar o abuso cometido pelos grandes grupos econômicos, muitas vezes ligados afetivamente a autoridades (…)”(FILHO, p. 911. 2012).

Embora várias leis versem sobre as condutas abusivas que podem culminar no desequilíbrio do mercado, tais dispositivos não vêm sendo aplicados. “O que se tem observado é o aprisionamento do governo a grupos econômicos poderosos que, às claras, têm cometido as mais diversas formas de abuso sem que recebam as devidas sanções.” (CARVALHO FILHO. 2010, p. 843/844).


3 CONCLUSÃO

 

 

A Constituição da República, em seu art. 170, consagra a livre concorrência como fundamento da ordem econômica e, entre seus princípios, encontra-se o dever de reprimir o abuso do poder econômico que vise a dominação dos mercados, a eliminação da concorrência e o aumento arbitrário dos lucros.

O poder econômico tem origem no acúmulo de riquezas, podendo ser positivo para a sociedade na medida em que permite o aperfiçoamento dos produtos e serviços, além das condições do mercado – caso a economia não esteja sofrendo com crises.

O presente tema possui grande relevância social, tendo em vista que o abuso do poder econômico traz conseqüências para economia, podendo, inclusive, desequilibrar o mercado.

No entanto, apesar de diversas leis que demonstram a atuação interventiva do Estado-regulador, pode-se afirmar que as ações estatais encontram muitos obstáculos no poder dos grandes grupos econômicos. A repressão às infrações contra a ordem econômica não vem sendo, portanto, eficaz, havendo grande impunidade.

Acredita-se ser fundamental, para a mudança desse atual cenário e para o alcance da efetividade das leis, que o governo se fortaleça e seja dotado de isenção perante os grandes grupos econômicos.

 

REFERÊNCIAS

 

 

 

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm> Acesso em: 1 jun. 2012.

 

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 24. ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2010. 

 

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 25. ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2012. 

 

BANDEIRA DE MELO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 25a ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2008.bv

 

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS. Pró-Reitoria de

Graduação. Sistema de Bibliotecas. Padrão PUC Minas de normalização: normas

da ABNT para apresentação de artigos de periódicos científicos. Belo Horizonte,

2010. Disponível em:  <http://www.pucminas.br/ biblioteca/>. Acesso em: 22 mai. 2012

 

TRUSTE. Wikipédia. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Truste> Acesso em: 1 jun. 2012.

 

CARTEL. Wikipédia. Disponível em: < http://pt.wikipedia.org/wiki/Cartel> Acesso em: 1 jun. 2012.

 

DUMPING. Wikipédia. Disponível em: < http://pt.wikipedia.org/wiki/Dumping> Acesso em: 1 jun. 2012.

 

O CARTEL dos bancos. Economia e Negócios.22 abr. 2012. Disponível em: < http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,o-cartel-dos-bancos-,863947,0.htm> Acesso em: 1 de jun. 2012.