Um monge, reunindo seus discípulos num terreno inculto, localizado nos fundos do mosteiro, disse-lhes:


- É pouco útil cultivar a iluminação interior e confinar essa luz, enquanto tantos caminham em meio às trevas da ignorância. Estou partindo hoje, para uma peregrinação de um ano. Durante minha ausência, vocês terão a incumbência de transformar esse espaço num jardim, mas não será um jardim qualquer, feito de forma convencional. Vocês irão sair todos os dias bem cedo, andar pela cidade e suas cercanias, procurando pessoas que precisem de ajuda. Ao entardecer, retornando para aqui, plantem uma muda de flor para cada ensinamento dado, para cada dor aliviada, cada desespero abrandado... Para cada vez que der vontade de desistir, para cada desilusão, insucesso ou incompreensão, coloquem uma pedra, formando uma fileira no entorno do horto.


Assim foi feito, durante todo aquele ano, flores eram plantadas e pedras postas de acordo com os êxitos e vicissitudes da lida. No regresso, o mestre encontrou flores escondidas atrás de um muro de seixos. Mais uma vez, reunidos os discípulos, falou o guru:


- Esse jardim, é a representação de boa parte dos corações humanos. Vão sendo colocados pedregulhos a cada contrariedade. A floração do bem, termina oculta pelos muros que separam as pessoas. Levar a luz às criaturas, deve ser uma semeadura incondicional, não podemos exigir que o outro atenda às expectativas por nós traçadas. Grande parte dessas pedras é o resultado das expectativas não correspondidas, dos desentendimentos, medos, intolerâncias...  Revisitem cada acontecimento responsável por suas pedras, observem se existem motivos efetivos para elas estarem aí. Senão, troquem-nas por flores. As flores se reproduzem e renovam-se no dinâmico ciclo da vida, as pedras tardam estacionadas. O bem, como as flores, deve se espargir e multiplicar, contagiando a todos com o perfume da iluminação.


Pouco a pouco foi diminuindo o muro, e aumentando a quantidade de flores. Corrigindo os acidentes de percurso, cada um dos noviços foi substituindo pedras por novas mudas plantadas, até que só restaram pouquíssimos seixos.

De fato, vivemos a levantar muros, colocando pedras indevidas que enclausuram a florada do bem e nos distanciam uns dos outros. De certo, nem todas as pedras podem ser removidas, algumas independem da nossa vontade, mas não devemos adiar as permutas que nos cabem. Trocar pedras por flores, é construir a sociedade melhor, que tanto desejamos e tão pouco fazemos para realizar.