As férias de julho e o direito de crianças e adolescentes

Cláudia C. Martins Jorge

Julho chegou e, com ele, as esperadas férias. Estudantes e professores aguardam ansiosamente por este mês, apesar de ouvirmos que é apenas tempo de recesso. Tudo bem, dá para descansar do mesmo jeito. Os estudantes adolescentes aproveitam incansavelmente este período nos cinemas, nas praças de alimentação dos shoppings ou viajando com os amigos; já os professores colocam a vida em ordem.
Durante o primeiro semestre, são tantas coisas acumuladas que, quando paramos para arrumá-las, não sabemos de onde veio tamanha quantidade de papel ou de notinha de cartão de débito. Sem falar nas propagandas vindas nos periódicos, os mesmos que chegam semanalmente e continuam lá, ocupando espaço com notícias que já não são mais novidades. Para quem tem filho pequeno na escola, pelo menos as propagandas e as revistas velhas acabam tendo utilidade, são recortes para ajudar nas atividades a serem feitas em casa.
E por falar nos filhos pequenos, eles ainda não têm muito bem formado o conceito do tempo, pelo menos o meu de 4 anos confunde o ontem com o amanhã. Mas compreende que sábado e domingo não têm aula e que férias também não.
As crianças veem a escola como um lugar divertido para brincar com os coleguinhas. Algumas choram muito no início, no tal período de adaptação, que nos faz questionar se é adaptação ou conformação, pois os pequenos sabem que têm que ficar ali, que os pais os deixarão e só voltarão mais tarde para buscá-los. Mas o certo é que os pequenos têm uma capacidade incrível de lidar com o novo, choram no início e, quando os pais viram as costas, lá estão eles dividindo brinquedos, disputando outros, enfim, dando-nos uma grande lição de convivência.
Outro dia, perguntei ao meu filho mais velho (o de 4 anos), o que poderíamos fazer no final de semana. Ele respondeu com muita simplicidade: "Ficar junto". Refleti muito sobre essa pequena frase de significado muito grande. Passei a analisar as famílias de hoje, nas quais pai e mãe trabalham o dia todo. Lembrei-me também dos dias em que saio cedo de casa para lecionar e passo em frente a algumas creches ou escolas de tempo integral, e os pais, porque precisam trabalhar, estão deixando ali os pequenos (estes, ainda dormindo). Muitos o fazem por não terem com quem deixar as crianças e por terem horário de trabalho não flexível.
Em algumas creches ou escolas especializadas, as crianças saem até de banho tomado. Vão apenas dormir em casa, isso se já não são pegas dormindo pelos pais, que têm o trabalho de apenas as colocar na cama para, no dia seguinte, recomeçar a rotina. Não faz diferença para os pequenos se creche ou escola são públicas ou particulares, se os pais vão embora de ônibus ou em um carro importado, o problema para eles é que os pais vão embora, e elas passarão o dia todo ali.
Para as crianças, o dia foi de socialização; para os pais, um longo dia de trabalho. Cansados e ansiosos por chegar em casa, os pais precisam primeiro passar pela escola e buscar os filhos. E aquilo que deveria ser o melhor momento do dia, às vezes não o é por causa do cansaço acumulado pela jornada de trabalho. Quando me refiro a essa situação, não estou criticando nem mesmo culpando os pais. São todos, pais e crianças, vítimas do ritmo frenético com que levamos a vida.
Para os que nasceram antes da década de 1980, as lembranças da infância são preciosas. As crianças que moravam na mesma rua ou no mesmo bairro se reuniam para brincar de pique, andavam de bicicleta sem capacete, joelheira e cotoveleira, caíam, ralavam o joelho, colocavam um curativo e, logo depois, estavam brincando novamente. As férias de julho era o período em que se recebia a visita de primos de outra cidade, e eram mais crianças para participar das brincadeiras.
Hoje muito disso se perdeu. Não dá mais para brincar nas ruas com tranquilidade. Mesmo nas cidades pequenas, a preocupação com a violência já chegou. O número de carros é maior, e montar uma quadra de vôlei com rede de barbante no meio da rua, nem pensar. A nova geração cresce dentro dos apartamentos em condomínios fechados, diante dos videogames e das tevês por assinatura. Brincadeira mesmo só no parquinho do prédio, isso, claro, para aquelas que não vão para as creches ou escolas especializadas, porque, caso contrário, a brincadeira é só no final de semana mesmo.
Interessante refletirmos que, há uns anos atrás, por exemplo, não se discutia com muita frequência o direito da criança e do adolescente. Não se falava em bullying, aliás, essa palavra nem fazia parte do nosso vocabulário. Posso dizer que nem a conhecíamos. Os problemas com os colegas da escola eram resolvidos por lá mesmo. A cultura da época não abria espaço para discutir os problemas advindos da relação pais-filhos, alunos-alunos e alunos-escolas. Hoje, apesar das leis garantindo os direitos das crianças e dos adolescentes, nunca se ouviu falar de forma tão recorrente do desrespeito a esses direitos. E quando digo desrespeito, é importante não associar violação de direitos, com classe social. Como se a "violência" ocorresse apenas nas casas daqueles economicamente desfavoráveis e que vivem em situação de extrema pobreza. O desrespeito não faz acepção de classe social.
O artigo 227 da Constituição Federal de 1988 tem a seguinte redação:

"Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado, assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão." (grifo nosso)

Praticamente, a mesma redação está no artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente. Ou seja, são direitos legalmente garantidos e que, apesar disso, nos traz a seguinte indagação: por que pais atiram seus filhos pela janela? Por que tantas crianças e adolescentes são vítimas de abuso e exploração sexual? No entanto, chamo aqui a atenção para um tipo de violência "silenciosa": a não convivência dos pais com seus filhos.
As crianças, desde muito cedo, são afastadas da convivência com os pais. Falamos disso anteriormente. Há uma terceirização da educação dos filhos. As crianças passam mais tempo em creches e escolas especializadas do que com seus pais. E, isso pode trazer efeitos danosos para o futuro dessa família. A criança perde a oportunidade de ver os pais fazendo atividades simples do dia a dia; e os pais deixam passar a mais preciosa oportunidade de ver o desenvolvimento de seus filhos. O primeiro passinho, às vezes, será dado na creche, a primeira palavrinha será emitida longe de casa. E isso não se recupera mais. Acontece apenas uma vez, só existe um primeiro "passinho" e uma primeira "palavrinha".
Não há compensações que possam suprir a falta de tempo de convivência. Os presentes caros, são momentâneos, as crianças enjoam deles rapidinho. Dependendo do preço do brinquedo, os pais ainda nem terminaram de pagar o parcelamento, e a criança já não brincam mais com ele. Mas a convivência diária, a observação da rotina da família, tomar café da manhã e almoçar todos juntos à mesa, isso não há nada que pague. A melhor educação é a observação. Criança e adolescente aprendem a conviver em família, convivendo, não existe outro jeito. O referencial de pai e de mãe se dá pela observação. Não existe outra maneira de se aprender. Quando não há convivência com os próprios pais, o modelo de família é o mostrado pela televisão.
Voltando ao nosso assunto das férias de julho, que seria um período para os pais conviverem mais com seus filhos pequenos, isso vai ser adiado mais uma vez porque muitos pais não têm férias no trabalho. E as crianças vão passar o mês de julho na escola que frequentam todos os dias, agora disfarçada de "colônia de férias". Se os pais não convivem com os filhos, não conseguem aparar as arestas. Os pais, para compensar o período de ausência, têm se tornado muito permissivos com os filhos. Deixar as crianças fazerem o que querem não é compensação para a falta de convivência.
Talvez esteja aí o problema de muitas das famílias. Se a criança aprende desde cedo a conviver bem com os seus, conviverá bem na sociedade, na escola, na vida pessoal e, como consequência, terá mais equilíbrio emocional. Não podemos nos iludir e achar que dará certo todo o tempo, mas existem grandes chances de que isso aconteça. De nada adianta a legislação se a sociedade não estiver preparada para recebê-la. O grande problema é que a própria família é que sofre a causa-efeito da não convivência dos pais com os filhos.
As crianças das creches e escolas especializadas de hoje serão os pais e mães de amanhã. Se não repensarmos com urgência o nosso papel de pai e de mãe e os valores que passamos aos nossos filhos, dentro de pouco tempo, teremos uma sociedade com sérios e cíclicos problemas de convivência familiar.