RESUMO: A propriedade imóvel de terras com fins rurais surge no Brasil com a colonização. Posteriormente passa a ser divida por sesmarias, seguindo o regime imperial da coroa portuguesa. Não obstante em 1850 surge a Lei de Terras e depois o Estatuto da Terra em 1964, marco do assunto de terras no Brasil. Com isso surgem também institutos como o das terras devolutas, consideradas aquelas sem ocupação do solo e utilização que retomam ao domínio da União. A celeuma principal da presente análise refere-se a possibilidade de usucapir terras devolutas. No entendimento dos Tribunais não seria possível por expressa vedação constitucional, sendo isolado o posicionamento de doutrina que discorre a favor, conforme se verá.

PALAVRAS-CHAVE: propriedade rural, Brasil, terras devolutas, usucapião.

ABSTRACT: The real property for purposes of rural land, comes with the settlement in Brazil. Later is now divided by land grants, following the imperial regime of the Portuguese crown. However in 1850 the Land Law appears and then the Land Statute in 1964, the March issue of land in Brazil. This also arise as the institutes of public lands, considering those without land occupation and use of the domain which incorporate the Union's main stir this analysis refers to the possibility of usucapions lands. In the opinion of the Courts would not be possible by express constitutional prohibition, was isolated position of doctrine that talks in favor, as we shall see.


1 INTRODUÇÃO


A propriedade de terras rurais teve sua primeira manifestação com a colonização do Brasil em que começou a se dividir espaços de terras para produção agrícola, pelos grandes proprietários da época, que adquiriam tais propriedades por meio da coroa portuguesa, por sesmarias. Cabendo destacar que até o inicio da colonização o solo era ocupado por indígenas para fins exclusivos de subsistência e de forma coletiva.
Mais tarde, surgem as primeiras regulamentações legislativas da propriedade da terra por meio da Lei n. 601/1850 (Lei de Terras) e Lei n. 4.504/1964 (Estatuto da Terra). Com as inovações legislativas surge o instituto das terras devolutas, consideradas aquelas que são desocupadas, com solo inutilizado. Essas terras passam a ser de domínio da União, podendo ser alienadas ou doadas seguindo as políticas de reforma agrária do Brasil.




2 EVOLUÇÃO DA PROPRIEDADE DA TERRA RURAL NO BRASIL


A colonização do Brasil deu-se com a vinda dos europeus, trazendo interesses mercantilistas, para uma terra habitada por índios sem organização econômica ou social, em que a terra era tida como bem comum, cujo uso era para subsistência de todos. Não havia divisão de propriedades, de produção de alimentos e nem na hora do consumo, tudo era comunitário.
Com essa inserção e deslinde da colonização do Brasil, passou-se a surgir organizações com fim de cultivar determinados alimentos, como por exemplo, a cana-de-açúcar. Surge assim, também, o sistema de divisão do solo em capitanias hereditárias, no regime sesmarial, oriundo de Portugal.
Essas terras eram doadas e o recebedor teria privilégios de instauração de engenhos, dividindo os seus lucros com a Coroa Portuguesa. Essas terras possuíam a sua produção realizada por mão-de-obra escrava, que nada recebiam por isso. Contudo, mesmo havendo grande quantidade de terras, no período colonial a doação de sesmarias foram restritas a uma pequena quantidade de pessoas. No entanto, com a expansão da atividade de mineração no século XVIII, os escravos foram redirecionadas para esta nova atividade, decaindo a produção em engenhos.
Posteriormente, surgem as políticas de agricultura de subsistência ligada ao domínio de grandes fazendas, com produção de café, que necessitavam de uma agricultura voltada a alimentação dos que ali residiam. Com isso, começam a surgir pequenos cultivos de milho, mandioca, arroz, com o propósito de manter as pessoas que trabalhavam nas grandes fazendas. Destacando-se que o maior foco desta agricultura particular se deu no estado de Minas Gerais, nas zonas de mineração.
A divisão das terras ainda continuava a ser um grande problema e por isso, em 1850, surge a primeira manifestação legislativa de proteção à propriedade das terras, que transmitia a posse a quem estivesse sobre o solo, produzindo e o que não fosse assim passaria a ser do Estado.
Com a abolição da escravatura em 1888, a manutenção das grandes fazendas e lavouras passou a ser difícil aos proprietários visto que a mão-de-obra, teoricamente, começou a ter custo.
Desenvolve-se posteriormente a fase de industrialização em que a agricultura passa a ser mecanizada, destacando também a atividade industrial e comerciária que a acaba por dissolver a concentração burguesa na agricultura.
Neste desenrolar têm-se as principais proteções legislativas da terra e da propriedade, marcada no nosso ordenamento, pela Lei de Terras e o Estatuto da Terra, conforme se analisará asseguir.


3 LEI DE TERRAS E ESTATUTO DA TERRA


Os destaques legislativos da propriedade rural no Brasil são a Lei n. 601/1850, conhecida como Lei de Terras e a Lei n. 4.504/1964, denominada Estatuto da Terra.
A primeira surgiu com a finalidade de proteger a elite dos grandes proprietários de terra, sendo destacados por Benedito Ferreira Marques quatro objetivos básicos: proibir que súditos dos grandes proprietários se investissem no na posse de terras; emitir títulos aos detentores de sesmarias não confirmadas; outorgar títulos de domínio a portadores de quaisquer outros tipos de concessões de terras feitas e, assegurar a aquisição do domínio de terras devolutas através da legitimação da posse, desde que fosse mansa e pacífica. Destaque da Lei de Terras, também, é o surgimento do instituto das terras devolutas, separando-as das terras de particulares, conforme se verá posteriormente.
A segunda, denominada Estatuto da Terra foi criada logo após o golpe militar de 31 de março de 1964, protegendo, mais uma vez, os anseios dos grandes proprietários de terra, pois desde 1960 formou-se um movimento em prol de reforma agrária com divisão de terras, sendo este o meio encontrado pelo governo para apaziguar os ânimos. O presente estatuto surge com dois objetivos: o de uma reforma agrária justa e o desenvolvimento da agricultura.


4 TERRAS DEVOLUTAS: TITULARIDADE, DISCRIMINAÇÃO E ALIENAÇÃO


Várias são as definições dadas ao instituto das terras devolutas, originadas com a Lei n. 601/1850, cabendo destacar os mais importantes.
Para Messias Junqueira , "terras devolutas são aquelas terras que não verteram para o domínio privado, deste excluído, evidentemente, o que estiver aplicado a qualquer uso público."
No entender de Altir de Souza Maia , destaca, primeiramente, divergência existente entre o conceito de terras devolutas na época do Império e da República. Por primeiro, seriam as terras abandonadas, sem ocupação, ou aquelas em que se dava comisso por descumprimento das obrigações decorrente das sesmarias. No período da República, por sua vez, além do conceito de terras devolutas como vagas foram consideradas aquelas que mesmo ocupadas poderiam ser devolutas ao Estado. Definiu-as, contudo: "Terras devolutas são aquelas que não estão aplicadas a qualquer uso público federal, estadual ou municipal, ou que não estejam incorporadas ao domínio privado".
Neste mesmo sentido Paulo Torminn Borges :

Digamos de passagem que não são devolutas apenas as terras que nunca vieram às mãos de particulares, e as que não estejam empregadas em algum fim especial pelo Poder Público; também o são as terras que antes da Lei n. 601, de 18 de setembro de 1850, foram devolvidas à Metrópole e, depois, ao Império, por não confirmadas as respectivas sesmarias, e não vieram, em tempo, ao registro do Vigário.

A Lei n. 601/1850, trouxe definição, apenas às situações:

Art. 3º São terras devolutas:
§ 1º As que não se acharem applicadas a algum uso público nacional, provincial, ou municipal.
§ 2º As que não se acharem no dominio particular por qualquer titulo legitimo, nem forem havidas por sesmarias e outras concessões do Governo Geral ou Provincial, não incursas em commisso por falta do cumprimento das condições de medição, confirmação e cultura.
§ 3º As que não se acharem dadas por sesmarias, ou outras concessões do Governo, que, apezar de incursas em commisso, forem revalidadas por esta Lei.
§ 4º As que não se acharem occupadas por posses, que, apezar de não se fundarem em titulo legal, forem legitimadas por esta Lei.
(Texto com ortografia original).

Desta maneira nota-se que a titularidade das terras devolutas se dá por exclusão. O que não se enquadra no descrito no artigo acima mencionado poderá ser considerada terra devoluta.
A Constituição Federal de 1988 também tratou do assunto terras devolutas nos seguintes artigos:

Art. 20. São bens da União:
[...]
II - as terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e construções militares, das vias federais de comunicação e à preservação ambiental, definidas em lei;

Art. 26. Incluem-se entre os bens dos Estados:
[...]
IV - as terras devolutas não compreendidas entre as da União.

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
[...]
§ 5º - São indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações discriminatórias, necessárias à proteção dos ecossistemas naturais.

Figura importante neste assunto trata-se do instituto da discriminação. Esta é considerada o método para identificar e definir os contornos das terras que são consideradas devolutas. A Lei n. 601/1850, dispôs:

Art. 10. O Governo proverá o modo pratico de extremar o dominio público do particular, segundo as regras acima estabelecidas, incumbindo a sua execução ás autoridades que julgar mais convenientes, ou a commissarios especiaes, os quaes procederão administrativamente, fazendo decidir por arbitros as questões e duvidas de facto, e dando de suas proprias decisões recurso para o Presidente da Provincia, do qual o haverá tambem para o Governo.

Com isso, torna-se definitivo o instituto da discriminação, cuja finalidade é determinar, demarcar o que são as terras devolutas, visto que, embora a Lei de Terras preveja no artigo 14 a disponibilidade de vender terras como tal consideradas não se sabia quais eram.
A discriminação das terras devolutas será realizada de acordo com a legislação por meio de procedimento administrativo regulado pela Lei n. 6.383/1976, no art. 2º ao art. 17. Por sua vez, o procedimento judicial vem descrito dos artigos 18 a 23.
O autor Benedito Ferreira Marques destaca como um dos objetivos da discriminação das terras devolutas a separar das terras do Poder Público das que pertencem aos particulares, identificando-as para os fins de registro para posteriormente poder ser vendida ou aplicada segundo a finalidade disposta no Estatuto da Terra, que é a reforma agrária.
Por fim, se as terras discriminadas retornam à propriedade do Estado. Qual a destinação a ser dada? A forma de alienação dessas terras não é pacífica. Alguns doutrinadores entendem que devem ser realizadas por meio de licitação seguindo as determinações da Lei n. 8.666/1993. Outros que a destinação das terras devolutas deverá ser feita de acordo com a Lei n. 8.629/1993, que trata da reforma agrária e no art. 13 dispõe que as terras rurais de domínio da União deverão ser preferencialmente destinadas à execução de planos de reforma agrária.


5 USUCAPIÃO DE TERRAS DEVOLUTAS


Como anteriormente exposto, as terras devolutas, são aquelas desocupadas, cujo domínio se restabelece à União, tornando-se bens públicos, a fim de dar destinação que vise assegurar o cumprimento de princípios constitucionais como o da função social da propriedade.
No Direito Civil brasileiro, temos a figura da usucapião, disciplinada no art. 1238 e seguintes, a qual trata de uma das formas de aquisição da propriedade imóvel, quando o ocupante o fizer de forma continua, ininterrupta por mais de 05 (cinco) anos.
No entanto, o art. 102 do mesmo Código, dispõe que "os bens públicos não estão sujeitos a usucapião." Da mesma forma, a Constituição Federal em seu art. 183, § 3º e art. 191, parágrafo único, enuncia que os bens públicos não serão objeto de usucapião. Ainda, o Supremo Tribunal Federal, por meio da Súmula 340, ratifica tal disposição mencionando que os bens públicos não podem ser adquiridos por usucapião.
Logo, depreende-se que as terras devolutas não poderiam ser usucapidas. Mas, existem posicionamentos contrários. Silvio Rodrigues, por exemplo, entende que as terras devolutas integram o domínio público, mas que não seriam bens públicos e por isso seriam passiveis de ser usucapidas.
Analisando a literalidade, entende-se por terra devoluta, conforme a Lei 601/1850, em seu art. 3º, aquela propriedade pública que nunca pertenceu a um particular mesmo estando ocupadas, cuja origem vem das terras que pertenciam à coroa portuguesa. E, por isso, terras devolutas sem registro não seriam públicas e sim dominicais, e assim passiveis de serem usucapidas por particular, após, preenchidos os requisitos do Código Civil.
Os Tribunais Superiores, também abrem algumas exceções quanto a usucapião, note-se:

RECURSO ESPECIAL. USUCAPIÃO. FAIXA DE FRONTEIRA. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE REGISTRO ACERCA DA PROPRIEDADE DO IMÓVEL. INEXISTÊNCIA DE PRESUNÇÃO EM FAVOR DO ESTADO DE QUE A TERRA É PÚBLICA.
1. O terreno localizado em faixa de fronteira, por si só, não é considerado de domínio público, consoante entendimento pacífico da Corte Superior. 2. Não havendo registro de propriedade do imóvel, inexiste, em favor do Estado, presunção iuris tantum de que sejam terras devolutas, cabendo a este provar a titularidade pública do bem. Caso contrário, o terreno pode ser usucapido. 3. Recurso especial não conhecido.
(STJ, REsp 674558/RS, Min. Rel. LUIS FELIPE SALOMÃO - QUARTA TURMA)

Do exposto, denota-se que terras devolutas, consideradas aquelas sem ocupação e utilização, são consideradas bem dominicais e por isso, alguns entendem que passiveis de usucapião, pois somente pertencem ao domínio, não sendo bem público.


6 NOTAS CONCLUSIVAS


Depreende-se do exposto que a propriedade de terás no Brasil tem seu início com a colonização, em que se dividiam porções de terras para produção de agricultura. Como essas terras acabam ficando sem propriedade estabelecida, sendo regulamentada somente pela divisão em sesmarias, feita pela coroa portuguesa, em 1850 surge a Lei de Terras.
Não obstante, outras criações legislativas foram importantes para o tema como o Estatuto da Terra e Lei de Reforma Agrária, que vieram visar a realização da função social da propriedade esculpido como preceito constitucional pela Carta Magna de 1988.
Por ser de grande extensão o território, muitas terras acabam ficando desocupadas e sem utilização do solo e, por isso, estas terras voltam ao domínio do Estado a fim de divisão. Tal instituto é conhecido como terras devolutas. Estas por sua vez, podem ser alienadas seguindo a Lei de Licitações, mas preferencialmente devem ser utilizadas para a reforma agrária. Cabe destacar que estas terras seguindo interpretação constitucional e dos Tribunais Superiores não poderão ser usucapidas, embora haja posicionamentos isolados admitindo tal figura (usucapião).


7 REFERÊNCIAS


ALVARENGA, Otávio de Mello. Manual de Direito Agrário. Rio de Janeiro: Forense, 1985.

BORGES, Paulo Torminn. Institutos básicos de direito agrário. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 1991.

JUNIOR, Eroulths Cortiano. O discurso jurídico da propriedade e suas rupturas. Rio de Janeiro: Renovas, 2002.

JUNQUEIRA, Messias. O instituto brasileiro das terras devolutas. São Paulo: Lael, 1976.

LEITÃO, André Studart. Usucapião de terras devolutas. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 49, 1 fev. 2001. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/593>. Acesso em: 22 jun. 2011.

MAIA, Altir de Souza. Discriminação de terras. Brasília: Fundação Petrônio Portela ? MJ, 1982.

MARQUES, Benedito Ferreira. Direito agrário Brasileiro. 2. ed. Goiânia: AB, 1998.