As faces do Urbano na transamazônica: Pensando Políticas que respeite as peculiaridades locais.
Daniela N da Mata (*)
Introdução
Ao perguntar o conceito de morar bem pra qualquer pessoa, logo vem a resposta de ter uma boa casa. Mas ao refletirmos mais cuidadosamente veremos que morar bem não significa apenas ter uma boa casa, mas sim ter qualidade de vida, isso quer dizer poder usufruir de educação, saúde, moradia, lazer, enfim ter ao seu redor condições suficientes para se deslocar com acessibilidade pelas ruas. Porém isso ainda é uma conquista a ser alcançada em muitos municípios do Estado do Pará especificamente da transamazônica que desde época da colonização permeia dois tipos de conceitos de como usufruir de nossas cidades.
Quero aqui neste artigo enfatizar a emblemática que envolve especialmente pequenos municípios na Transamazônica, cuja população não passa de 20 mil habitantes. E que conseqüentemente a maneira como se deu todo o processo de ocupação da Amazônia os problemas relacionados a precariedade habitacional desses Municípios cujo enfrentam sérios agravantes relacionados a morar com dignidade, pois falar a efetivação do direito à moradia depende da resolução do elevado déficit habitacional brasileiro e o elevado índice de inadequação das moradias urbanas, seja por questões de salubridade, precariedade, ilegalidade e ou irregularidade.
Na região da transamazônica ainda é um desfio para os movimentos sociais discutir a questão da Moradia digna. Pois o modelo de desenvolvimento que almejamos é bastante questionado, porém muito pouco colocado em prática.



Diferentes olhares de ocupação
Após a revolução industrial o cenário brasileiro foi modificado. A revolução industrial aumentou a oferta de trabalho nas cidades, o que provocou migrações de milhares de famílias da zona rural para as cidades. Famílias essas oriundas da classe trabalhadora que almejavam melhores condições de vida. No entanto o custo de vida na cidade sendo mais caro comprometeu todo o orçamento familiar que tinham despesas além daquilo que ganhavam e isso ocasionaram na fixação destas famílias em áreas afastadas do centro, encostas, terrenos abandonados e a partir disso os problemas habitacionais vieram se agravando de maneira bem constante.
O elevado déficit habitacional e a inadequação da moradia não são problemas isolados, recentes e restritos ao Brasil. Ao contrário, são problemas mundiais históricos que se originaram com a urbanização provocada pela Revolução Industrial e desde lá, somente vem se agravando e se difundindo (LEFEBVRE, 1991).
Com essa dinâmica da industrialização e promessas de empregos nas grandes cidades fez com que 80% da população migrassem para as cidades em busca de melhorias de vida. O processo de urbanização foi desencadeado no Brasil, passando as cidades brasileiras, especialmente as grandes e médias, a requisitarem uma série de serviços e equipamentos que se colocavam na pauta de reivindicação da população, a qual deixava o campo para morar na cidade. Porém nesse momento já estava presente a questão do déficit de moradia. Por outro lado o modelo imposto pelo capital é uma divisão de classes, onde trabalhador não mora nos centros das cidades, pois quem possui a maior número de terras são os ricos, os trabalhadores precisam residir longe dos seus locais de trabalho, ou seja, onde ainda tem lugares para construírem suas moradias longe de toda a infra estrutura como saneamento básico, energia, aglomerando assim essas famílias nas encostas, morros, favelas.
No processo de ocupação da Amazônia Brasileira sob a ótica do desenvolvimento do Brasil na década de sessenta e setenta visava principalmente à exploração dos recursos naturais, logo se percebeu que a região da transamazônica era muito rica em recursos naturais em decorrência disso a ocupação dessa região sempre foi marcada por grandes conflitos de terras. Esse modelo de ocupação pensada pelo capital contradiz bastante com o modo de vida daqueles que aqui habitavam muito antes do projeto de colonização ganhar forças, esses povos tinham a floresta como instrumento de fundamental importância na reprodução de suas culturas e de sua economia sempre pensando na sustentabilidade da terra. O que levou o surgimento das organizações sociais na década de oitenta pela luta de enfrentamento das difíceis condições sociais que as famílias enfrentavam como a falta de estradas, a falta de atendimento na saúde, educação segurança e na falta de fomentos na agricultura familiar.
Então a princípio a idéia de abrir uma estrada para levar homens sem terras a uma terra sem homens parecia que iria resolver boa parte dos problemas sociais enfrentados pelas famílias no nordeste e sul do País como a falta de terras para a produção e assim a garantia da subsistência destas famílias no nordeste e sul do País, na época do então presidente da República Emilio Garastazu Médice que decidiu assim retirar essas famílias de suas terras secas e sem produtividade para a tão rica Amazônia. Sem pensar nos problemas sociais e ambientais que isso poderia ocasionar o governo decidiu cortar boa parte dos recursos que antes eram destinados ao SUDENE (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste e do SUDAM (Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia) para então iniciar o trabalho de colonização da Transamazônica, até o momento por uma questão de "segurança Nacional".
Os órgãos que iriam servir para incentivar a ocupação nasceram com as seguintes funções: ampliar a rede de transportes e comunicações; ordenar o povoamento e a colonização; incentivar a agricultura e a pecuária; fazer o reaparelhamento das indústrias existentes e a criação de novas; incentivar mecanismos para exportações; dar condições sanitárias, de educação e habitação. (PICOLI, 2006, p. 37.)
Com promessas de terras para todas as famílias e criação de agrovilas com toda a infra estrutura básica para essas família como escolas, postos de saúde, comércio atraiu para região cerca de 42 mil pessoas em poucos anos. No entanto menos de 20 núcleos habitacionais foram criados na beira da rodovia da Transamazônica o que ocasionou a ocupação das cidades de maneira desordenadas sem estruturas necessárias para as famílias viverem bem e usufruírem de seus direitos no que se refere a Morar com dignidade com saúde, educação e lazer etc.
Para quem chegou à transamazônica com a esperança de encontrar tudo o que foi prometido foi desgastante, algumas famílias ao notar que não passavam de promessas, a realidade era um pouco mais sofrida do que imaginavam, retornaram de onde vieram do nordeste e sul do País, outras pessoas porém sem nenhuma outra opção aqui firmaram moradias apesar de toda a dificuldade encontrada, para quem tinham filhos educação era uma precariedade, poucos postos de saúde, estradas então era o maior desafio. O INCRA construiu algumas casas padronizadas para algumas famílias, aquelas que não foram contempladas com moradias improvisavam suas casas de madeiras e taipas e sem ou pouca estrutura de urbanização.
Diante deste cenário aqui menciando vale enfatizar que diversos grupos e Movimentos se firmaram e luta em defesa de melhores condições de vidas para a população que aqui estavam fixando moradia, uma vez que falar de moradia digna diante deste contexto nos faz refletir e pensar conceitos que levar em consideração todos estes aspectos. Uma vez que as cidades da transamazônica têm esse diferencial.
A moradia constitui-se como essência do indivíduo, de modo que sem ela a existência digna de outros direitos, como o direito à vida e à própria liberdade, não é exercida satisfatória e plena. (De Souza 2004, p. 159 e 160).
Temos que pensar a realidade dos municípios a partir de uma visão de sustentabilidade das famílias que aqui moram e lutam há tanto tempo por melhorias de vida e preservação da cultura dos povos locais, respeitando as diversidades das comunidades ribeirinhas e indígenas que aqui moram. Desta forma então pensar a moradia como fator primordial na vida do ser humano.
É possível pensarmos e refletirmos juntos políticas que atendam a demanda da nossa região. E porque não pensar políticas habitacionais que atendam as necessidades dos nossos municípios? Municípios que são muitos carentes e levando em consideração o conceito utilizado ao uso das cidades, levando em consideração as particularidades das comunidades ribeirinhas, respeitando toda as diversidades existentes, sociais, culturais e raciais. Existem cidades que tem entre 12 a 25 mil habitantes, o que já nos deixa contrariados as políticas pensadas a urbanização das cidades. Apesar dos avanços na Política habitacional na história deste País, ainda existem muitas dificuldade que impedem que os nossos pequenos municípios o qual apresentam cerca de 99% de carências no que se refere a moradia digna tenham acesso aos recursos disponíveis para superar toda essa carência.
Dentre as grandes problemáticas resultantes da urbanização destaca-se em especial a inerente à moradia, ou seja, o elevado déficit habitacional e a inadequação das moradias existentes em virtude da precariedade, insalubridade, ilegalidade ou ainda da irregularidade. O déficit habitacional brasileiro é de sete milhões e duzentas e vinte três mil moradias, além do também elevado número de habitações inadequadas. Em decorrência destes números, nos últimos anos, os governos, a sociedade civil e movimentos populares, vêm buscando alternativas e soluções para este quadro que não se restringe ao Brasil. A luta por cidades melhores teve inicio ainda antes do Golpe Militar e que veio a resultar na mudança na constituição que passou a tratar da moradia digna como um direito de todos e dever do Estado, assegura que o lugar onde moramos deve ter infraestrutura adequada. No entanto mesmo com os avanços que temos vivido nos últimos anos, ainda temos muito que refletir, é preciso pensar em um modelo de cidade que respeite a todas as peculiaridades locais.
Importante destacar que, entende-se por déficit habitacional a demanda, a necessidade de novas moradias, enquanto que por inadequação das moradias não a sua inexistência, mas as péssimas condições das moradias existentes, tanto por precariedade (insegurança, alto grau de riscos ao morador), insalubridade (péssimas condições de higiene), ilegalidade (moradia inexistente juridicamente), e irregularidade (contrária às normas jurídicas).
O déficit habitacional brasileiro é de sete milhões e duzentas e vinte três mil moradias (7.223.000), sendo que o déficit urbano é de cinco milhões e quatrocentas e setenta mil unidades (5.470.000), enquanto que nas áreas rurais o déficit é de um milhão e setecentos e cinqüenta e duas mil unidades (1.752.000), principalmente em função do déficit rural da Região Norte, que soma 342 mil unidades. Quero enfatizar que se tratando da região da Amazônia é preciso que o tenhamos um olhar diferenciado para as particularidades da nossa região, uma vez que se tratando de urbanização temos muita ligação do urbano rural presente nas cidades. Isso levando em consideração a cultura de cada família e comunidades ribeirinhas.
POLITICAS DE HABITAÇÃO NO ATUAL CENÁRIO BRASILEIRO.
A política habitacional tem tomado um novo direcionamento com a criação do SNHIS Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social que é o órgão especifico para tratar da política de habitação do nosso País. Em 2003 com a criação do Ministério das cidades temos avançados em alguns pontos, porém pensar a maneira como é pensada toda a política Habitacional precisa-se pensar alternativas concretas de como ter cidades sustentáveis na Amazônia, uma vez que a grande maioria dos municípios periurbanos ainda não dialogam com a Política habitacional e com a realidade e nossos municípios não se adequam aos critérios adotados pelo Estatuto das Cidades, o que significa dizer o quanto é importante o fortalecimento das discussões de como enfrentar esses desafios que a nossa região enfrentam e como que não dialoga com a realidade dos nossos Municípios. Neste sentido que o governo federal priorizou neste governo retomar todo o planejamento do setor habitacional como o processo de elaboração dos Planos de Habitação de Interesse Social, e com isso veio se consolidar um novo marco político no que se refere a regulamentação dos marcos legais do setor habitacional, bem como um modelo de gestão descentralizado, democrático e participativo e foi desta maneira que foi conduzido todo o trabalho de elaboração dos Planos Locais de Habitação de Interesse Social de 23 Municípios no estado do Pará entre eles quatro municípios da transamazônica: Vitória do Xingu, Senador José Porfíririo, Anapu e Brasil Novo.
O que estimulou a participação popular na construção deste tão importante instrumento de gestão para estes municípios. O que nos estimula a levantar reflexões sobre o conceito de cidades justas e sustentáveis para essa região acaba entrando em conflito, principalmente agora com todo o "investimento" pensado para essa região com a construção da segunda maior Hidrelétrica do mundo, o que não reflete na melhoria de vida da população local, mas sim no fortalecimento do grande capital. E mais uma vez vamos notar que nossas cidades não estão estruturadas para atender mais uma vez toda a demanda populacional que conseqüentemente aumentam gradativamente atraídos pelo empreendimento.
CARATERISTICAS DOS MUNICIPIOS DA TRANSAMAZONICA
Enquanto o sudeste e sul do País deram uma alavancada na urbanização e construção de moradias, os municípios da transamazônica ainda estão em fase inicial. Apesar da realização das conferencias das cidades nos nossos municípios, a implementação das leis não foram cumpridas. Os conselhos não tiveram força em dar continuidade nas discussões.
No ano de 2010 com a elaboração dos Planos Locais de Habitação de Interesse Social percebemos o quanto os nossos municípios estão de fato atrasados neste processo. Enquanto muitas cidades acessam recursos do governo Federal para a melhoria das cidades, os municípios da Transamazônica estão muito longe dos padrões exigidos junto ao ministério das cidades a começar pela lei maior que rege todas as leis de organização de um Município, recentemente é que ficou determinado a obrigatoriedade da elaboração e execução dos Planos Diretores para municípios com menos de 30 Mil habitantes.
No diagnóstico feito das carências habitacionais de quatro municípios da região: Senador José Porfírio, Anapu e Brasil Novo foi detectado que:
Baixa capacidade administrativa: Os municípios não possuem nenhum departamento especifico para tratar da habitação e urbanização das cidades, não tem técnicos específicos como engenheiro, arquiteto.
As leis do Perímetro urbano não são respeitadas, o IPTU não é aplicado de maneira eficiente, pouca arrecadação dos Municípios não atende toda a demanda do município. Uma vez que são municípios onde a maioria da população sobrevive da Bolsa família, e alguns prestam serviços.
A falta de instrumentos de gestão como o Plano Diretor que é o principal norteador de toda a política e leis do Município,
A falta da regularização fundiária ainda é um grande desafio nestes municípios, atualmente os municípios estão sendo beneficiados com o alega patrimonial da sede. No entanto, a maioria das famílias não possui o titulo da terra o que os impedem torna-se mais um motivo que impede que as famílias façam financiamentos destinados a moradia, além do que os padrões exigidos pelo órgão executor fazem com que o sonho da casa própria fique cada vez mais distante do cotidiano destas pessoas que não tem um poder aquisitivo maior.
Os municípios precisam estar preparados para acessar os recursos do Governo Federal, para isso é preciso que a mobilização Popular seja mais efetiva, é necessário que os Conselhos sejam atuantes de fato para fiscalizar a implementação do PLHIS e demais planos pensados para o desenvolvimento da nossa região.
Durante as audiências públicas ficou notório o quanto a população almeja por melhores condições de vida. No entanto a falta de compromisso dos gestores desestimula a participação popular nas discussões e audiências públicas, por mais que as organizações populares e sindicatos estejam articulados e mobilizados o Poder Público ainda apresenta resistência no cumprimento e implementação das leis.
Nossos municípios são carentes de infra estrutura, as escolas são precários, índice de emprego muito pouco, alguns sobrevivem apenas da agricultura, as famílias de baixa renda ainda vivem mal, a margem dos igarapés e áreas de riscos. Em fase de elaboração dos Planos Municipais foi identificado que mais da metade da população necessitam de melhorias habitacionais, algumas famílias residem em locais muito precários afastados da sede da cidade sem abastecimento de água, energia elétrica, escolas para os filhos estudarem e mesmo postos de saúde. Ao falarmos do objetivo do Plano senti o coração destas pessoas que vivem nestas localidades se enxerem de esperanças, porém ao mesmo tempo a dúvida surgia nos olhos destas pessoas, isso devido há muito tempo a luta e poucos méritos alcançados.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O governo Lula em 2003 deu início a uma nova história para o nosso País, no que se refere ao combate do déficit habitacional do País. Com a criação do Ministério das Cidades e a normatização do Estatuto das Cidades e a criação de vários programas do Governo Federal e Estadual, mesmo com esses avanços e positivação do direito à moradia em nosso ordenamento jurídico este direito ainda não foi efetivado plenamente, posto que o déficit habitacional brasileiro ainda é muito grande , além do que a nossa região da Transamazônica possui um número muito elevado de moradias em situação inadequada, sem iluminação elétrica, esgoto, água potável, enfim, sem uma infraestrutura condizente com uma vida digna.
O que posso concluir a principio diante deste cenário é que apesar das dificuldades enfrentadas pelos municípios no que se refere a capacidades institucionais e administrativas. Mesmo com a pouca arrecadação, não é o limite destes municípios ainda assim é possível fazer um pouco mais pela melhoria de vida destas famílias, e melhor estruturar nossas cidades para poder assim oferecer moradia digna a todas e todos. Isso não se tornará utopia se a população na representatividade dos Conselhos de Habitação, continuar fazendo o papel do controle social, lutando, cobrando e fiscalizando a maneira como os recursos estão sendo aplicados em cada município.

Referencias Bibliográficas
LEFEBVRE, Henry. O direito à cidade. São Paulo: Editora Moraes, 1991.
PICOLI, FIORELO, O capital e a devastação da Amazônia. 1ª Edição, São Paulo:
SOUZA, Sérgio Iglesias Nunes de. Direito à Moradia e de Habitação. Análise comparativa e suas implicações teóricas e práticas com os direitos da personalidade. São Paulo: RT, 2004.