Ao final de mais um expediente, quinta-feira na delegacia, após um longo e fatídico dia, o chefe da Polícia Metropolitana, Edgar Capra se preparava para encerrar o expediente quando alguém o procurou:

- Chefe, tem um sujeito aí fora querendo falar com o senhor. – avisou o sargento da recepção.

- O que ele quer? – perguntou o policial.

- Disse que só falará com o senhor.

- Mande-o entrar!

Pouco depois...

- Desculpe por incomodá-lo, mas o que tenho para relatar é de natureza muito séria. Entretanto, não quero que escreva o que vou narrar e nem vou assinar nada. Apenas ouça: meu nome é Jeremias Massarambaia, mais conhecido como Jerê. Sou marinheiro de primeira classe e até três meses atrás trabalhava na construção de um navio que, depois de pronto, foi batizado de Rotumbante. – apresentou-se o homem.

- Continue! – pediu Capra.

- Quero que saiba que pensei muito antes de vir conversar com as autoridades e disseram-me que você é um policial respeitado. – frisou o homem. - Continuando... O navio foi construído como uma espécie de cadeia flutuante, várias espécies de apartamentos providos de ar refrigerados, geladeiras e confortáveis camas. No entanto, estes contêineres em forma de moradias tinham resistentes grades, como se fossem celas de luxo.

- Até aí, tudo bem. – definiu Edgar.

- É. Mas então, como todo pião de obra é curioso, começaram rumores e questionamentos por parte destes trabalhadores sobre a real finalidade de tal empreendimento. Um dos operários chegou a ouvir que as celas seriam para sequestrar moças virgens, a fim de serem usadas em um ritual que ocorreria na Ilha Bella.

- Sim, e então? - quis saber o chefe, descrente da veracidade da informação.

- Dois dias depois desses rumores, todos os empregados foram dispensados sem ter havido a conclusão da obra. E o mais estranho é que recebemos além do que trabalhamos e fomos orientados de que aquele navio era uma instalação secreta do governo. Se algum de nós falasse alguma coisa sobre o lugar, mesmo para parentes, corríamos o risco de sermos presos ou, até mesmo mortos. – finalizou o informante.

- Pode ser que seja realmente uma instalação do governo. Onde ele foi construído? – perguntou o policial.

- Ao norte em um estaleiro novo, já saindo da baía. Era super vigiado. – definiu Jerê.

- Senhor Massarambaia, vou pedir a uma equipe para verificar as informações e...

- O navio não está mais lá. - interrompeu o homem. - Dizem que partiu para buscar as moças virgens para o tal ritual da Lua de sangue, que se realizará amanhã à noite.      – contou o

informante.

Tudo bem, senhor.        Vou    verificar   com maior atenção suas

informações. – finalizou Capra, enquanto se dirigia à porta, acompanhando o noticiante.

- Apesar de ser uma fantástica história, eu precisava verificar. Mas não agora, não hoje. – pensou consigo o policial.

O chefe se dirigiu à sala da policial Pâmela Morgan, que encerrava os últimos relatórios do dia.

- Acho que vamos quebrar o recorde este mês: chegamos a vinte e três homicídios e ainda não fechamos o mês. – desabafou a Policial.

- É, e não se engane. Algo me diz que esta história de eclipse lunar aqui na cidade ainda vai dar muito trabalho para nós. É melhor irmos. Vamos eu lhe dou uma carona. – convidou Edgar.

- Vamos. – concordou enquanto pegava suas coisas, apagava a luz da sala e saía em companhia do policial.

Há poucos quarteirões da delegacia, o homem que havia há pouco conversado com Edgar Capra estava sentado no banco da praça da Igreja de São Salomão, quando, tateando com uma bengala, um sujeito aparentemente cego se sentou ao seu lado.

- Como estão os   seus   pecados, irmão?      – questionou o

religioso.

- O quê?

- Quero saber como está sua vida espiritual, meu irmão. Se está precisando expurgar seus pecados. – insistiu.

- Não quero saber de negócio de religião não, pastor. Vocês só servem para tomar a grana dos bestas em nome de Deus. Nunca ouvi dizer que Deus precisasse de dinheiro. – relutou Jeremias Massarambaia.

- Pobre ignorância, meu irmão. De qualquer forma, não estou aqui pelo seu dinheiro. Como já lhe disse, vim para aliviar os seus pecados. Só vai levar um minuto. Ajoelhe-se. Serei rápido, eu garanto. – perseverou o pastor.

- Você é cego mesmo? – perguntou o descrente Jerê.

- Sim. Mas o criador me deu outros meios para enxergar o mundo, para extirpar o mal, e é isso que vou fazer por você. Pode se ajoelhar, se desejar. Se não, pode ficar sentado. Eu faço meu trabalho assim mesmo.

- Tudo bem, pastor. Eu acho que falei o que não devia hoje e mereço um conforto. – esclareceu Jeremias.

- Eu sei, meu irmão. Eu sei que falou o que não devia. Agora é tarde, só lhe resta a expurgação. Feche os olhos. – determinou.

Estando, o homem de olhos fechados, o eclesiástico, abriu

a Bíblia e proferiu:

- “Tudo isso vi nos dias da minha vaidade; há um justo que perece na sua justiça, e há um ímpio que prolonga os seus dias na sua maldade.”

O religioso vociferou o capítulo sete, versículo quinze, do livro sagrado de Eclesiastes. Contudo abrindo a Bíblia, não era a palavra de Deus seu conteúdo, e sim uma pistola compacta Smith & Wesson. Ele enroscou calmamente o silenciador na ponta da arma e disparou fulminantemente à queima-roupa no peito de Jeremias. O disparo foi silencioso e certeiro, não houve tempo para reação nem dor. Foi morte certa. O corpo sequer tombou. Sentado estava, sentado ficou. Apenas o pescoço emborcou à frente, como se estivesse cochilando no assento da praça. A última madorna que tiraria na sua vida, uma madorna eterna. O pastor assassino, após guardar a arma em sua falsa Bíblia, levantou-se e se perdeu em meio aos transeuntes que passavam de um lado para o outro na praça. Ninguém percebeu o que houve. Afinal era só mais um operário descansando no banco da praça.