Falar da infância é resgatar um momento da vida da gente que costumo dizer que foi bom, porque conseguimos extrair dele tudo o que nos deixou tristes ou que, pelo menos, nos aborreceu e não foi perfeito, ideal, ter um pai presente e amoroso, por exemplo.
A infância, para alguns, é um período adocicado de boas lembranças. E é desse jeito que vejo esta fase da minha vida e posso contar os dias felizes de quando ainda era menininha, sem consciência do resto do mundo. O meu mundinho, então, se resumia ao quintal da minha casa, ao caminho da escola, ao pátio do colégio onde estudava e à sala de aula. Meu mundo era tão pequeno quanto eu e "minha história era mais bonita que a de Robison Crusué", como versou Drummond.
Lembro dos amigos das casas vizinhas (Edilson, Julinho e Raquel), de duas coleguinhas de escola (Lindamir e Leci) e da minha sobrinha Cláudia que brincavam comigo no terreno de casa ou nas estradas da redondeza. Inventávamos os brinquedos e criávamos muitas brincadeiras. Lembro das minhas irmãs um pouquinho mais velhas do que eu, Márcia e Selma, que se faziam de professoras e me ensinavam o beabá. Graças a estas aulinhas nas escadas da ária, cheguei na primeira série já alfabetizada. (O dia em que li espontaneamente a frase "Bola na Rede", escrita atrás do repórter que noticiava o jornal na TV Globo, a família toda fez a maior festa! Eu me senti a menina mais inteligente de todas!) E tudo isso espichava as horas dos dias que pareciam ser longas e gostosas.
Nas noites quentes de verão, o calor e a luz da lua cheia nos seguravam na rua até mais tarde, pulando corda, brincando de pegador ou esconde-esconde. Nos dias de muito calor, os banhos no rio com boias de caminhão ou no tanque, refrescavam nossas tardes.
Já no inverno serrano e frio de ra-char, o escurecer antecipado da noite nos empurrava muito cedo para dentro de casa, na frente do fogão à lenha, quente e acolhedor como colinho de mãe. Ali, comíamos pinhão ou polenta frita na chapa; observávamos horas a fio o crepitar do fogo na lenha que teimava em arder em brasa. Ficávamos enroladas em ponches e cobertores, com meias grossas e as bochechas vermelhas. As manhãs acordavam brancas de geada e a paisagem quase invisível pela neblina. O sol de inverno custava a esquentar e só perto do meio dia é que a piazada começava a se agitar para mais um dia de brincadeiras.
Na rua, recordo-me dos bolinhos feitos de massa de barro, pitados de cal e enfeitados com flores de pessegueiro; dos dias que arrancávamos os pés de mandioca só para ver a raiz saindo da terra fofa e cheirosa. Também me recordo da plantação de milho do lado de casa que, na nossa imaginação, virava o labirinto do Minotauro (um de nós era o tal monstro que ficava escondido para pegar os outros). Brincar com a Pedrita, a Bolinha e todos os outros cachorrinhos que viviam espalhados no terreno de casa. Colher e comer uva-japão do lado de casa. Havia um balanço no quintal que embalava a mim e à minha sobrinha por muitas ho-ras enquanto minha mãe lavava a roupa da casa e ensinava canções de roda ou serenatas do tempo em que ela era moça; do rádio ligado perto da porta da cozinha na estação Guarujá AM. Lembro ainda do cheiro da chuva na poeira da estrada, do cheiro da água doce do rio que passava bem perto de casa... Sim, lembranças cheirosas de uma infância alegre e inesquecível.
No nosso quintal, também tínhamos um viveiro cheio de pássaros e as gaiolas com coelhos brancos e olhos vermelhos que eram cuidados pelo meu irmão Djalma. Numa gaiola à parte, tínhamos um chupim, um pássaro preto que ficava todo arrepiado quando fazíamos carinho em sua cabeça.
A Bolinha era nossa cachorra vira-lata que merece ser lembrada com muito carinho. Era brava com os estranhos, cuidava da casa como ninguém, pois nada se aproximava sem que ela não percebesse e desse sinais com latidos fortes e assustadores. Seus filhotes, antes mesmo de nascerem, já tinham donos, pois os fazendeiros da redondeza acreditavam que seriam tão bravos e fiéis quanto à mãe. Tinha um senhor que entregava leite em uma Kombi e que sempre trocava os filhotes da Bolinha por uva ou outras mercadorias. Infelizmente, nossa cachorrinha de estimação morreu envenenada junto com os demais cachorros que criávamos na época. Foi muito triste este momento para toda a nossa família. Depois disso, não lembro se tivemos outros cães em nossa casa...
Criança que brinca solta pelos pastos e quintais, inventando histórias e travessuras, quando chove, parece bichinho do mato preso na jaula, agitado como quê.
Minha mãe dizia que criança em dias de chuva acabava levando algu-mas palmadas, pois haja paciência para aturar tanta agitação e bagunça dentro do velho casarão de madeira que, naquela época, já precisava de algumas reformas, porém havia sido abandonado por quem o construiu!
Nos dias chuvosos, dentro de casa mesmo, também era possível brincar: montar casinhas de bonecas em um dos quatro quartos; soltar barquinhos de papel na água da calha só para vê-los presos em algo mais adiante; fazer teatro em cima da grande cômoda do quarto da mãe com as roupas e maquiagem das irmãs mais velhas que estavam trabalhando; inventar barracas com lençóis e colchas sobre as camas e cadeiras; pular nos colchões de mola; esperar a fornada de pão sair só para comer as fatias quentinhas com margarida derretida (hummm... ainda sinto o cheiro do pão assando!); correr com meias no chão de madeira encerada para abrir o lustro (também sinto o cheiro da cera passada todas as sextas-feiras, depois do almoço, pelas gurias, a Márcia e a Selma); assistir "O Sítio do Pica-pau Amarelo", o seriado do Minotauro, na TV em preto e branco, sentada no sofazinho bem perto da telinha (Essa menina parece cega! Tá sempre grudada na TV! Senta direito, guria! Parece um grilo! ? gritava a mãe lá da cozinha); esperar o próximo capítulo da novelinha da Escrava Isaura e morrer de ódio do Leôncio; apaixonar-se pelo romance das personagens do Tarcísio Meira com a Glória Menezes; chorar escondida dentro do guarda-roupa ao ler o conto de fadas da Menina dos Fósforos, de Hans Christian Andersen; brincar com a Lessi, nossa cachorrinha pequinês; chupar uvas; comer bolachas caseiras... Espiar, curiosa, um armário fechado em que meu pai guardava a sete chaves as espingardas de caça e uma coleção de garrafas em miniaturas de bebidas alcoólicas.
Outra coisa que me empurrava para dentro de casa sem eu questionar era o tal do Corpo Santo (ou o Belebão como alguns o chamavam)! O nome dele era de menos! O problema estava no medo que sentia quando diziam que ele estava pela cidade. Um homem que, segundo os mais velhos, carregava as criancinhas em um saco enorme. Isso seria o meu maior pesadelo! Já pensou eu ficar sem a minha família, sem a minha mãe? Um dia, eu o vi pela fresta da ária, pas-sando na rua. Nunca senti tanto medo na vida! Quem era na verdade eu não sei até hoje. O que guardei na lembrança foi a minha imagem de calcinha de renda rosa, eu esta-va abaixada, escondida, com o coração palpitando, descompassado e forte, assustada, morrendo de pavor que o tal homem me visse ali e me levasse embora, dentro de um grande saco sujo e marrom.
Outra coisa que mexia com minha imaginação era o longo corredor da minha casa de infância que, de noite, ficava muito escuro e ainda mais comprido.A madeira da casa estralava, simulando o som de passos desconhecidos e imaginários. No final, o último quarto era o da minha mãe. Cheio de mistério e histórias. Quando eu era bem pequeninha, ainda dormia lá, em um berço amarelo claro. Depois, passei a dormir com minha sobrinha em um outro quarto, mais próximo da sala e do movimento da casa. O quarto da mãe ficou distante, no fundo do corredor. Nele, só lembro da cômoda amarela com um grande espelho, dos biscuits de bichinhos e das toalhas engomadas. O corredor me assustava, porque meus irmãos diziam que ali tinha monstros. Passar por ele à noite, então, nem pensar!
Os ciganos, ao chegar à cidade, acampavam próximo ao campo de futebol e eram outro terror na minha vida pueril. Diziam as más línguas e os preconceituosos que podiam nos levar se não obedecêssemos aos pais, no meu caso, à mãe. O campo ficava bem no caminho de volta para casa. Era inevitável não passar pelas barracas coloridas, cheias de pano e panelas penduradas, pelas mulheres de saias arrastando nos pés, de pulseiras douradas nos braços e cabelos longos até a cintura. Ser carregada para morar solta pelo mundo em barracas de lona seria a coisa mais terrível para mim.
Depois dos ciganos, chegava o circo. Era atração para a cidade inteira. Recordo do Circo Áurea. Do dia em que a elefanta Fátima fugiu e dos dias em que o domador saia para passear com ela pelas ruas do bairro. Aquilo era motivo de alegria! Lembro do quanto choramos quando assistimos a peça teatral, apresentada no Circo, que se intitulava "Maconha: o veneno verde".
Os parques de diversão também se instalavam naquele mesmo lugar quando o circo ia embora. Era sempre a mesma sequência: os ciganos, o circo e o parque. A gente só ficava esperando o que nos interessava depois dos ciganos.
Ao voltarmos da escola, este mesmo terreno onde os ciganos acampavam, quando ficava vazio, servia de atalho para chegarmos em casa. Nele, havia um pequeno valo que atravessávamos para alcançar de novo a estrada. Lembro-me do coaxar dos sapos e do choro das rãs no cair da tarde. O som era muito semelhante ao choro de bebês e aquilo me deixava apreensiva e o que me convencia do contrário era a certeza na voz de minha mãe que dizia: "Sossega, guria, só são as rãs na valeta!". O som dos grilos nas noites quentes de verão; o voo iluminado dos vagalumes na escuridão; o som das cigarras cantantes! As cantigas de roda no pátio da escola e no quintal, a gritaria do recreio, as músicas de serenatas cantadas por minha mãe! ("Um pequenino grão de areia, que era um pobre sonhador, olhando o céu, viu uma estrela, imaginou coisas de amor. Passaram anos, muitos anos. Ela no céu. Ele no mar. Não como o pobrezinho pôde por ela se apaixonar. Se houve ou se não houve alguma coisa entre eles dois, ninguém soube até hoje explicar. A verdade é que depois, muito depois, apareceu a estrela-do-mar.")... Três outros sons foram marcas na minha infância: o sino da igreja e as sirenes da fábrica da Perdigão e da farroupilha na frente da minha casa. Ao meio dia, esses sons todos se misturavam. É incrível como tudo isso ainda ressoa em minha memória auditiva!
Criança não para quieta nunca. Até quando não tínhamos nada mesmo para fazer, nadinha de nada mesmo, ficávamos horas olhando o trabalho do trator da prefeitura arrumando a rua de terra que passava em frente a nossa casa que ficava numa esquina. Sentávamos na soleira da ária e ali ficávamos, com cara de tédio, vendo o ir e o voltar da patrola ou do trator ou de qualquer máquina que fosse.
Quando chovia, a rua virara uma lama só. Os calçados ficavam pesados de barro e precisavam ser raspados do lado da porta, em um ferro, antes de serem tirados, e depois eram colocados para lavar no tanque. Lá fora, uma única vez, brincamos de patinar no barro! Ficamos sujos, muito sujos mesmo! E a lembrança daquele dia foi tão boa que dura até hoje como se fosse uma grande aventura! Só que esta fora com a autorização de minha mãe que, naquele dia, estava boazinha, boazinha! E que, da porta, ficou rindo das nossas palhaçadas no barro. Depois, banho! Com muita água, esponja e sabão!
No quintal, tínhamos uma casinha de bonecas onde ficávamos horas arru-mando loucinhas, armários, brinquedos. Era nosso passatempo favorito. Chegávamos a perder a noção do tempo naquele espaço tão pequeno, feito pelas mãos hábeis de minha mãe que provou ser filha do carpinteiro Tomé Marimbondo. Lembro de que construiu nossa casinha no dia 06 de janeiro, bem no aniversário dela. Nós buscamos as ripas numa madeireira perto de casa e ela pregara uma por uma, fazendo as paredes, as portas e as janelas. Virou o Clube das Meninas, mas alguns meninos podiam entrar com convite. Coisas da i-dade! A fase do grupo da Luluzinha e do Bolinha! Todos passamos por isso.
A infância também tem sabores, cores e cheiros (e amooores secretos!). Todas as vezes que degusto uvas, imediatamente vem à lembrança os parreirais e os porões da casa dos Lira, onde íamos comprar cestas e cestas de uva. Tínhamos uma que cabiam exatos oito quilos e que enchia a gaveta da geladeira. Dezembro e janeiro eram os meses em que a uva era farta. Era tanta, que a mãe fazia suco e doce com a sobra. Dava para enjoar. Nesse mesmo período, a pera, o figo e o pêssego sobravam também para fazer as compotas e os doces.
Minha mãe era mulher da cidade grande que fora morar na serra para acompanhar o marido. Lá teve que aprender a fazer muitas receitas e as conservas em vidro foi uma delas. Sempre que um legume ou fruta estava na safra e barateava, minha mãe entrava em ação (e toda a família para ajudar, é claro!): comprava uma boa quantidade para colocar nos vidros. A máquina de moer carne servia para moer o figo que viraria doce; o grande tacho, a enorme pá; a grande quantidade de açúcar ( o cheiro do doce borbulhando na panela e mexido de vez em quando pela grande pá ainda vem à memória!); os vidros sendo fervidos numa enorme panela para serem esterilizados ou pegar pressão na borracha... De um ano para o outro, nas festas do Natal ou da Páscoa, abríamos algumas das compotas para nos deliciarmos com as receitas da dona Edite. Como isso era marcante! Tanto o momento de prepará-las quanto o momento de degustá-las. O resultado de todo esse trabalhão ficava exposto nas prateleiras da cozinha, onde vidros e mais vidros de compotas de todos os sabores e cores compunham um arco-íris de delícias.
A massa branca do pão crescendo sobre a pia da cozinha e coberta pelo pano de prato alvo é também outra lembrança gostosa de se ter. Às vezes, sem que a mãe visse, metia o dedo lá no fundo, só para ver o buraco se formar e se fechar sozinho. Ficava maravilhada com o fato da massa crescer daquele jeito. Nem sabia do tal de fermento. Para mim, era mágica mesmo! Adorava quando sobrava uma quantidade para fritar. Hum, que gostoso! A rotina do pão era quase todos os dias. A família era grande e a produção era constante. Os pães velhos viravam pudim-de-pão. Nada se perdia. Até as cascas (de pão, frutas, verduras e legumes) eram dadas aos porcos que mais tardes viravam linguiças e salames. O problema que tudo isso era fruto de muito trabalho para os adultos. Como eu ainda era criança, apenas me fartava com os resultados.
Sexta-feira não tinha desculpas: era dia de faxina pesada! Tudo tinha que ser mais limpo do que o normal. A rotina da semana se alterava. Cadeiras para cima; tapetes para lavar; passar a palha de aço, o pano úmido e a cera no chão de madeira, depois lustrá-lo com blusas velhas de lã até refletir os móveis, para isso tínhamos um escovão pesado, feito de ferro e com um cabo de madeira no-bre e tão forte que nunca se quebrou; passar óleo de peroba nos móveis, principalmente na grande mesa oval de jacarandá com oito lugares que tínhamos na sala de jantar; lixar a chapa do fogão a lenha até ficar reluzente e prateada; esfregar o banheiro; tirar o pó das soleiras das janelas... Parecia que o Papa ia chegar! Mas era só sexta-feira! Os varais estavam carregados de lençóis azulados pela pedra de anil (ainda sinto o cheiro do sabão em pedra da Perdigão no tanque que parecia enorme ou nas mãos de minha mãe) . Se tivesse chovido, envolta do poço artesanal, os calçados lavados no tanque ficavam secando.
Nas vésperas do Natal, a faxina era muito mais rigorosa. Aí se incluía lavar as paredes por fora e por dentro, já que não podíamos pintar a casa. Tudo parecia funcionar tão bem! Naquela época, chegava a pensar que o tempo não passava e que nada estava mudando.
As festas natalinas e da Páscoa eram momentos de muita alegria, agitação da piazada e... bastante trabalho para os adultos, pois, além da limpeza da casa, tinha-se outros preparativos: o das carnes que seriam as-sadas; dos amendoins que seriam feitos no açúcar e colocados em cartuchos de papel; das sobremesas (da famosa torta de bolacha!), da canjica da sexta-feira da Paixão e de toda a comilança para aquele povaréu. O cheiro do pepino cru me lembra até hoje a salada servida na-queles dias festivos. O gosto do guaraná Max Willians e da laranjinha me remetem à alegria em torno da mesa far-ta e barulhenta.
Montar a decoração de Natal foi sempre um capítulo à parte da minha história de guria. Minha mãe guardava, em caixas, as bolinhas de vidro coloridas que enfeitariam a árvore de Natal escolhida e posta dentro de uma grande lata de tinta, forrada com papel brilhoso. Tudo era enfeitado com papéis dourados, festões, algodões, luzinhas coloridas do pisca-pisca e muitas bolas de cores e formatos diferentes. Eu não sei o que acontecia, mas, em minhas pequenas mãos, as bolinhas sempre se quebravam! Nestes dias, ouvíamos músicas natalinas em discos de vinil.
Como eu disse, ser criança também é lembrar-se de amores secretos. Eu tive um que durou muito tempo. Era um menini-nho que estudava na minha sala de aula. O piá nem falava comigo, só queria brincar com os outros meninos e correr pelo pátio da escola todo suado. Acho que ele nem sabia da minha exis-tência! Vá lá! Mas eu morria de amores por ele. O nome? Sei ainda... Mas vai continuar sendo o segredinho da menininha que está lá na minha infância, pois aquela guriazinha não quer que eu conte para ninguém, viu?
Meus irmãos mais velhos já trabalhavam fora ou serviam ao Exército Brasileiro, por isso meu contato com eles não era frequente. Lembro das pilhas de discos que eles colecionavam e ouviam, a maioria de rock, sucessos dos anos se-tenta e trilha sonora de novelas. Os rapazes costumavam colar nas paredes do quarto deles fotos de mulheres de revista, usavam cabelos um pouco mais compridos e calças pantalonas, do tipo boca-de-sino. Minhas irmãs mais velhas tinham um monte de cremes e ma-quiagens da Avon que tentavam esconder da gente em suas gavetas e guarda-roupas, mas não conseguiam. Tudo era muito cheiroso e tão feminino!
Quando adultos, nunca contamos do tempo da escola falando das disciplinas, dos professores ou dos conhecimentos adquiridos em Matemática, Português, Geografia e História. O que fica mesmo daqueles bons tempos são as brincadeiras na hora do recreio, a gritaria do pátio, a ideia de que somos super heróis de desenhos a-nimados, a correria pra lá e pra cá, porque criança nunca anda, só corre e rala os joelhos o tempo inteiro. (Ainda bem que tinha o beijinho de mãe e o "te-benzo-te-curo-com-a-bosta-do-burro" para a gente parar de chorar, rir e sair brincando novamente! Às vezes, se o machucado era mais sério, tinha o Merthiolate que, naquela época, ardia muito ou a Água Oxigenada para desin-fetar!). Para ir à escola, subíamos o morro do cemitério que, em outubro, ficava com as laterais brancas de copos-de-leite. Era bonito de se ver!
Ficar doente significava tomar chá de limão com mel e Melhoral. Arg! Eu odiava o cheiro daquela mistura e tomava por obrigação. Tinha também o chá feito das cascas da laranja que eram postas para secar nas laterais do fogão à lenha. E outros chás que minha mãe fazia que eu nem sei de que ervas eram! Eu gostava mesmo de chá de casca de maçã, mas esse não era medicinal e pouco se servia. Eu vivia com as amígdalas inflamadas, com febre e nariz entupido! Quando estava muito febril, recordo do pano embebido no álcool, com rodelas de batatas que a mãe colocava em minha testa. Vivia com Vick para despectorar. O cheiro forte do eucalipto de que é feita essa pomada também é recordação das minhas noites mal dormidas por causa das doenças da infância.
Às vezes, as minhas doenças eram tão repetitivas que parecia coisa de outro mundo. Então, minha a mãe me levava para benzer na dona Senhorinha que vivia numa casa bem simples, na beira do rio, próximo ao campo de fute-bol. Lembro-me apenas de que, no quintal dela, havia uma fonte com uma caneca de alumínio bem ariada e brilhosa, presa a um arame para quem quisesse beber da água fresquinha.
A vida é muito rápida e frá-gil. Infelizmente, só me dei conta disso agora, aos quarenta e três anos. A primeira etapa da vida é a infância e a adolescência. Quando criança, o tempo parecia não existir. As noites que dividiam os dias, na infância, só existiam para eu descansar das brincadeiras. O amanhecer era a chance de acordar para uma nova brincadeira com os amigos. Na adolescência, meu mundo foram meus sentimentos, meus amores e amigos, minha história com o outro que começava a surgir. Nessa primeira etapa da vida, fui bem feliz. Sei que é normal colorirmos nossas lembranças com as cores e os sabores que queremos. Então, quero dizer que minha infância foi um lindo arco-íris, com muitas cores, sabores e cheiros. Uma história com personagens maravilhosos e atuantes, que tornaram minhas memórias únicas e especiais. Agradeço muito a presença de minha mãe em todos os momentos da minha vida, pois, sem ela, meu viver não teria todo este colorido e esta alegria.

Obrigada, mãe, porque você existe em minha vida e deu sentido a ela!!!

Autora: Luciane Mari Deschamps
Nascida na cidade de Videira, Santa Catarina, onde viveu sua infância.