As consequências penais na exigência de garantias de atendimento hospitalar emergencial pelo cumprimento dos prazos de carência nos planos de saúde. ¹

Leonardo Aires Monteiro e Manuela Ithamar Lima²

Cleopas Isaías Santos³

Sumário: Introdução; 1 A  Lei 12.653/2012 e suas modificações no Código Penal; 2 O artigo 135-A e suas possíveis perspectiva de prática; 3 Noções do prazo de carência do plano de saúde e sua tradução no direito; 4 Lei do Plano de Saúde, nº 9.656/98 versus o artigo 135-A do Código Penal; Conclusão; Referências.

 

 

RESUMO

Trata dos efeitos que a Lei 12.653/2012 trouxe pra o Código Penal, e de quem comumente é capaz de exercer a autoria do ato considerado crime. Faz uma abordagem das noções do que seria o prazo de carência, com que intuito surgiu e como ele é visto atualmente no âmbito jurídico, ou seja, qual o limite da imposição do prazo de carência. Dado o devido contexto, temos o intuito de demonstrar a temática de maneira abrangente utilizando o método da pesquisa bibliográfica, com fundamentação em livros, artigos, revistas e internet. Ademais, também se usou da pesquisa jurisprudencial, de forma a proporcionar diversificada compreensão acerca do assunto.

Palavras-chave: Plano de saúde; Carência; Garantias; Crime omissivo; Atendimento médico hospital; Emergência.

 

INTRODUÇÃO

 O mercado de plano de saúde não tinha qualquer regulamentação até a instituição da Lei 9.656/98, que passou a determinar a fiscalização das atividades do setor pelo Conselho Nacional de Saúde Suplementar, iniciando as atividades em 1999. (RIBEIRO, 2009, p. 12) No ano seguinte, foi instituído a Agência Nacional de Saúde Suplementar, que se tornou o órgão regulador titular da área (ANS, 2005, p.7).

Devido a essa transferência de competência, e com uma dedicação maior à questão, o sistema normativo regulador, emitido pela ANS, foi tão forte que ocasionou o fechamento de muitas empresas de plano de saúde. Para conseguir se segurar no mercado com essa alta carga de exigências, afetando direta e indiretamente os custos empresariais, os planos de saúde precisariam levantar fundos para fazer um tipo de revezamento de atendimento, Assim, levaram em consideração o período de carência, que consiste, basicamente, em um comprometimento firmado em contrato, onde o consumidor passa um determinado período sem utilizar o plano de saúde, suspendendo-se o atendimento de determinados procedimentos e eventos (RIBEIRO, 2009, p. 11).

Porém, com o decorrer do tempo, passou-se a constatar diversos casos ocorridos com certa freqüência em diversos hospitais do país, onde estariam havendo a violação do direito a vida, à proteção a saúde e a dignidade humana, garantias fundamentais sobrestadas pela exigência do cumprimento do prazo de carência para o atendimento médico hospitalar de emergência. Entretanto, o problema do citado prazo agravou-se a partir da vigência da Lei 12.653/2012, que institui o artigo 135-A ao Código Penal, que versa a criminalização de exigência de qualquer tipo de garantia ou preenchimento de formulários ou procedimentos para a efetiva prestação de atendimento médico hospitalar, o que logicamente inclui a exigência do cumprimento do prazo de carência instituído pelo plano de saúde nos casos emergenciais, pois agora se enquadra como garantia e preenchimento de um procedimento.

Contudo, é possível indagar se a imposição de prazos de carência tem ou não fundamentação legal. A resposta é que sim, com base na Lei 9.656/98 que regulamenta os planos de assistência à saúde. Portanto, haveria aqui um conflito aparente de normas, uma vez que a Lei que regulamenta os planos de saúde permite tais prazos para determinadas procedimentos e eventos, por outro lado, o Código Penal os proíbe quando, da ocorrência desses procedimentos e eventos, vierem a ocorre por uma emergência e assim ser exigido o cumprimento do prazo.

1 A Lei 12.653/2012 e suas modificações no Código Penal:

 

O Título I do Código Penal parte especial possui o capítulo III que traz a figura da periclitação da vida e da saúde; o capítulo abarca as condutas que expõe o bem jurídico a um perigo de lesão. No caso, o bem jurídico da vida e da saúde, os crimes de perigo, diferentemente dos crimes de dano, não vão causar uma lesão ao bem jurídico. Na verdade a probabilidade de dano, esse perigo por sua vez pode ser concreto ou abstrato, o concreto expõe de fato o bem jurídico a um risco de lesão, já o abstrato independentemente do risco que o bem venha sofrer a mera comprovação da prática da conduta configura a infração penal. (GRECO, p. 289- 291, 2012).

Dentro do capítulo de periclitação da vida e da saúde existem vários crimes amoldados, dentre eles existe o crime da omissão de socorro posto no artigo 135 do Código Penal que dispõe:

Art. 135. Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, a criança abandonada ou extraviada, ou a pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública:

Pena - detenção de um a seis meses, ou multa, de trezentos mil réis a dois contos de réis.

Parágrafo único. A pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta a morte.

Dessa forma nota-se que a omissão de socorro consiste em uma conduta de abstenção por parte de agente que a pratica por não prestar assistência imediata a determinadas pessoas que a necessita, expondo-as a um perigo de vida ou de saúde. A omissão de socorro deve ser analisada sobre o víeis da solidariedade ao próximo dentro do que se considera um estado democrático de direito.

Todavia com a evolução da sociedade e o ineditismo na vida social que ocasiona a necessidade de normas que regulem as mais variadas relações, percebeu-se com grande frequência que a omissão de socorro ocorria também no cenário do atendimento médico hospitalar, pois se notava que em várias situações esse atendimento era condicionado á exigência de certas garantias, como o cheque caução, nota promissória, dentre outras; mas a grande questão se tornou mais significativa quando a exigência dessas garantias condicionava o atendimento em casos emergenciais, expondo de fato as pessoas a um perigo de saúde e de vida.

 Um dos casos que comprova a assertiva acima foi á morte do então secretário de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, Duvanier Paiva, no dia 19 de janeiro de 2012, o servidor público de 56 anos possuía sintomas de infarto e passou por dois hospitais particulares de Brasília que recusaram a atendê-lo porque ele não portava um talão de cheque para dar o cheque caução como garantia, acabou então o servidor vindo a falecer, pois ao ser atendido no terceiro hospital o seu quadro já era irreversível. (LIMA, 2012).

Tendo em vista o supracitado, que foi aprovada a lei 12.653/2012 que acresceu ao Código Penal o artigo 135- A que dispõe:

Art. 135-A. Exigir cheque-caução, nota promissória ou qualquer garantia, bem como o preenchimento prévio de formulários administrativos, como condição para o atendimento médico-hospitalar emergencial:

Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.

Parágrafo único.  A pena é aumentada até o dobro se da negativa de atendimento resulta lesão corporal de natureza grave, e até o triplo se resulta a morte.”

O artigo 135-A, na verdade, é uma espécie de omissão de socorro, já que o agente, ao condicionar de alguma forma o atendimento médico hospitalar emergencial com a exigência de determinadas garantias, está se omitindo de prestar socorro a quem precisa, expondo a perigo a vida e saúde da pessoa. Nota-se que o artigo é bem claro ao evidenciar que não é qualquer tipo de exigência de garantia de atendimento médico hospitalar que constitui crime, tão somente quando se exige a garantia de atendimento médico hospitalar emergencial, ou seja, que de modo notório expõe a perigo de dano o bem jurídico tutelado, além disso, a pena vai ser duplicada caso não haja só o perigo de dano, mas ocorra o dano como no caso de morte.

O crime em análise está inserido por óbvio no capítulo do Código Penal de periclitação da vida e da saúde, e ao analisar o artigo verifica-se que constitui um crime de perigo abstrato, pois para configurar o delito basta apenas á conduta do agente de exigir alguma garantia para o atendimento independentemente se essa exigência expôs realmente a perigo o bem jurídico tutelado. Outro ponto a ser considerado é que esse crime é próprio, por ser praticado por um grupo especifico, pelos representantes do hospital, como sócios ou administradores ou pelos prepostos, como médico, enfermeira, assistente, podendo ser evidenciado até um concurso de pessoas na prática do crime; o sujeito passivo é a pessoa que necessita de atendimento médico hospitalar emergencial, então mesmo que a exigência de garantia seja feita a um parente da pessoa a vitima do crime continua sendo aquela que precisa de atendimento. (CAVALCANTE, 2012, p.1). 

2 O artigo 135-A e suas possíveis perspectivas de prática:

 

Como explicitado no item anterior o crime posto no artigo 135-A do Código Penal pode ser praticado pelos representantes do hospital ou pelos seus prepostos, por isso que se considera ele sendo um crime próprio, precisa agora analisar se ele constitui um crime comissivo, omissivo ou omissivo impróprio, para tanto se faz necessário conhecer brevemente essas três categorias do direito penal.

Os crimes comissivos tem por essência uma ação positiva que possui a finalidade da prática de um resultado ilícito, é o fazer o que a lei proíbe, a maior parte dos crimes do Código Penal e na legislação extravagante é constituída pelos delitos de ação ou os chamados delitos comissivos. (BITENCOURT, p.272, 2012). Já o crime omissivo próprio consiste em o agente deixar de fazer algo que ele teria a obrigação jurídica de fazer, configura-se como uma simples abstenção da conduta, quando podia e deveria realiza-la, independente do resultado.  (BITENCOURT, p. 272, 2012).

Por fim o crime omissivo impróprio ou também chamado de crime comissivo por omissão, o dever de agir é para evitar resultado concreto, por isso que é um crime material, é um crime de resultado. Nesses crimes o agente deve agir para evitar um resultado concreto (BITENCOURT, p. 302, 2012). Os crimes comissivos por omissão só quem pode praticar é um grupo restrito de sujeitos, eles em primeiro lugar devem abster-se de praticar uma conduta que o lese e, sem segundo lugar devem também agir para evitar que outros eventos possam ocasionar algum dano (BITENCOURT, p.303, 2012).

Esses sujeitos são os garantidores que devem prevenir, ajudar, instruir e proteger o bem jurídico tutelado , eles vão garantir que um resultado lesivo não ocorra, para que não se ponha o em risco ou lesando um interesse tutelado pelo Direito (BITENCOURT, p. 303,2012). É necessário destacar que existem certos pressupostos para o crime omissivo impróprio, como o poder agir, ou seja, o sujeito deve ter a possibilidade física de agir, sendo insuficiente apenas o dever agir; a evitabilidade do resultado, assim deve-se verificar se o resultado teria ocorrido ou não, e o dever de impedir o resultado, ele deve então ser o garantidor da não ocorrência do resultado (BITENCOURT, p. 303- 304, 2012).

Existem três grupos de garantidores, os que possuem a obrigação legal, proteção ou vigilância do bem jurídico; os que de outra forma assumiram a responsabilidade de impedir o resultado e por fim aqueles que com o seus comportamentos anteriores criaram o risco da ocorrência do resultado (BITENCOURT, p. 304, 2012). O grupo que merece destaque é o primeiro, é a primeira fonte do dever de evitar o resultado, é a obrigação de cuidado, proteção ou vigilância por imposição da lei, em especifico enfatiza-se aquele dever legal de certas pessoas que exercem determinadas atividades e que por isso implicitamente possuem a obrigação de cuidado, proteção ou vigilância ao bem alheio, como policial, médico, bombeiro etc (BITENCOURT, p. 304, 2012).

Nesses casos em razão do descumprimento do dever agir, não obstruindo o processo causal que se desenrola diante dele, o garantidor é considerado pelo Direito Penal, como se tivesse causado , então como nos casos da omissão de socorro, em que médicos negam a atender determinado paciente em perigo de vida e que em virtude dessa omissão vem a morrer, o médico responderá não por omissão de socorro, mas por homicídio, ainda que culposo (BITENCOURT, p. 305, 2012).

Depois de ter se conhecido as categorias fundamentais para análise, inicialmente ao se fazer uma interpretação exegética do artigo 135-A, desconsiderando a distinção de tratamento de prepostos e representantes na prática do crime, verifica-se que constitui um crime comissivo, visto que, representa a ação de exigir uma garantia para atendimento médico hospitalar emergencial, assim configura uma ação com a finalidade de fazer o que é proibido pela lei. Contudo ao se fazer uma interpretação para além do texto legal, como já foi dito o crime do artigo 135-A seria uma espécie de omissão de socorro, uma vez que o agente ao exigir a garantia do atendimento médico hospitalar emergencial está na verdade se omitindo daquilo que ele tem a obrigação legal de fazer que é prestar socorro a quem precisa, configurando um crime omissivo próprio.

A discussão em torno desse crime é quando ele é praticado por médico, já que ele é um garantidor pela atividade que pratica e deve garantir o bem da saúde e da vida. Nessa hipótese, o médico condicionar o atendimento médico hospitalar se omitindo na prestação de socorro poderia está cometendo o crime por omissão imprópria. Contudo tem que ser verificada duas problemáticas que podem inviabilizar a prática desse crime por omissão imprópria: a primeira é que ao se considerar o 135-A como uma espécie de omissão de socorro, carece ser avaliado que ela encontra-se no rol dos crimes omissivos próprios, são os crimes considerados de vala comum, em que se amoldarão os comportamentos como regra de todos aqueles que não gozam do status de garantidores, diferente dos omissivos impróprios, que são crimes que não se encontram tipificados expressamente na lei penal. (GRECO, 344); a segunda problemática é que como falado a omissão imprópria consiste em o garantidor evitar um resultado concreto, logo não se encaixaria no dispositivo analisado, porque ele configura crime de perigo abstrato e não precisa necessariamente que tenha ocorrido um dano ou risco concreto de dano para se consumar.

Há, entretanto argumentos que desconstroem essas duas problemáticas, o primeiro é a ideia que o crime do dispositivo em estudo seria de um crime omissivo implícito, porque explicitamente, na verdade, ele é um crime comissivo, então mesmo que a omissão de socorro seja um crime omissivo próprio no que tange o artigo 135-A não há como afirmar se é só crime omissivo próprio ou impróprio, pois são ideias implícitas, além de que os crimes omissivos impróprios não vêm expressamente tipificados, logo o médico poderá praticar o crime avaliado, por omissão imprópria. 

O segundo argumento é que de fato os crimes omissivos impróprios consistem em evitar um resultado concreto e não se amoldaria ao artigo 135-A, mas a questão é saber de que resultado se fala nesse caso, se é o resultado do garantidor evitar o condicionamento médico hospitalar a algum tipo de garantia, já que isso coloca em risco e até pode lesar o bem jurídico resguardado por ele, ou se o resultado é dele evitar a lesão ao bem jurídico tutelado por ele. Considerando a segunda hipótese o crime em estudo não poderá ser praticado por omissão imprópria, mas se considerar a primeira hipótese no caso do crime do artigo 135-A ser cometido pelo médico será por omissão imprópria.

 

3 Noções do prazo de carência do plano de saúde e sua tradução no direito

A carência faz referência a uma contratação de plano de sáude, tendo sempre em mente um contrato individual, versando sobre uma doença pré-existente ou não. Assim, no momento da contratatação do plano de saúde, o cliente deverá informar sobre toda a sua vida pregressa e também ficará impedido de usar os serviços por um determinada prazo, tendo pleno consentimento desse prazo. Na proporçã que o tempo vai passando, o prazo de carência vai sendo realizado e alguns serviços são liberados para a utilização, pois existem períodos de tempo distintos para consultas, exames, internações, internações de alta complexidade – como UTI’s - e cirurgias. Cumprido todo o prazo establecido no contrato, o cliente tem amplo acesso a utilização de todo o serviço contratado e expresso de forma claro no contrato.

Em um guia divulgado no site da ANS,  é explanado o seguinte: “os períodos de carência são contados a partir do início da vigência do contrato. Após cumprida a carência, o consumidor terá acesso a todos os procedimentos previstos em seu contrato e na legislação” (ANS, 2005, p. 13)

Contudo, definimos carência como um determinado período de tempo, estabelecido contratualmente e previsto em legislação atual, no qual o cliente fica impedido de usar os serviços previstos expressamente em contrato, enquanto esse prazo não for cumprido parcial ou totalmente.

O CONSUL-Conselho Nacional de Saúde Suplementar, criada pela lei 9656/98 teve sua competencia modificada pela Medida Provisória nº 2.177-44 que a alterou a lei mencionada, trazendo em seu artigo 35-A que este orgão passaria a ter competência paa estabelecer e supervisionar a efetiva execução de políticas e direitrizes gerais no âmbito da saúde suplmentar, aprovaria o contrato de gestão da ANS-Agência Nacional de Saúde Suplementar, assim como supervisionar e acompanhar as ações e o funcionamento da ANS, entre outras diligências nas questões financeiras e administrativas do setor de saúde sulpmentar. Após a entrada da ANS, as competências fiscalizatórias e reguladoras ficaram sobre sua competência  (RIBEIRO, 2009, p. 22).

Entretanto, o CONSUL, no tempo em que ainda tinham a função de regular o setor de sáude, emitiu a resolução nº 13 referente aos casos de urgência e emergência, e devido a teoria de recepção da norma, a ANS manteve vigente esta resolução até os dias atuais. Antes, vigora sobre esse contratos o Código de Defesa do Consumidor, porém com o advento da lei específica o CDC passou a ser subsidiária. Vale dizer que esta assertiva já decorreria naturalmente da relação da lei geral anterior com a lei especial posterior.  Mas não bastasse isso, a própria Lei nº 9.656/98, alterada pela Medida Provisória nº 2.177-44, 24 determinou em seu art. 35-G que a aplicação do Código  de Defesa do Consumidor passaria a ser apenas subsidiária (RIBEIRO, 2009, p. 23).

Desta maneira, uma lei específica é imporate para ressaltar a atenção a essência da questão, a partir do reconhecimento de uma lei setorial específica à saude suplementar, que por muito tempo foi tutelado por leis mais genérica (Código de Defesa do Consumidor), tanto que o legislador ressaltou o papel subsidiário de outras leis que não se destinavam a regulação do assunto.

O fato é que os ordenamentos setoriais envolvem aspectos muito mais amplos e complexos, relativos  à própria concepção e estruturação do estado e do Direito como um todo, sendo possível, concebê-los como subsistemas integrantes do sistema jurídico total inclusive, abrangendo questões de grande importância, não apenas teórica, como também prática. Por isso que os ordenamentos de atividades setoriais tem como intuito a regulação delas, pois possuem “sensíveis interesses coletivos”, citando como exemplo,  transporte público, energia e telefonia, e devido a isso, é que se faz as interpretações jurídicas combinem a proteção do cosumidor com os valores juridicamente protegidos pelo ordenamento setorial da saúde suplementar, visando uma forma de garantir a sustentabilidade do plano de saúde, podendo-se destacar algumas regras que visam à proteção do equilíbrio econômico financeiro dos planos de saúde, visando a sua sustentabilidade, como é o caso da regra instituída no artigo 24 da Lei 9.656/98 (RIBEIRO, 2012, p. 25):

Art. 24. Sempre que detectadas nas operadoras sujeitas à disciplina desta Lei insuficiência das garantias do equilíbrio financeiro, anormalidades econômicofinanceiras ou administrativas graves que coloquem em risco a continuidade ou aqualidade do atendimento à saúde, a ANS poderá determinar a alienação da carteira, o regime de direção fiscal ou técnica, por prazo não superior a trezentos e sessenta e cinco dias, ou a liquidação extrajudicial, conforme a gravidade do caso.

Da mesma forma, mas em sentido contrário, a legislação setorial permite que seja feita uma revisão técnica nos preços praticados pelo plano de saúde, quando for verificado que há um desequilíbrio atuarial. É o caso da Resolução Normativa, nº 19 da ANS, de 11 de dezembro de 2002.

A lei de defesa do consumidor, como seu nome está a dizer, objetiva a proteção da pessoa que busca a satisfação direta das suas necessidades, no que diz respeito à alimentação, vestuário, habitação, transporte, luz, água, telefone, diversão, lazer, (...) mas não tem aplicação a todos os possíveis conflitos do convívio humano, nem autoriza uma operação global sobre todas as atividades sociais, como não transforma o Ministério Público numa espécie de visitador geral do santo ofício (BROSSARD apud RIBEIRO, 2009, p. 27) . Entendido este raciocínio, tem-se que o que leva uma pessoa a contratar um plano de saúde é exatamente o risco, que como já visto anteriormente, é o elemento preponderante do contrato de plano de saúde, podendo ser traduzido como o evento futuro e incerto que não depende da vontade humana. Sem maiores digressões, podemos constatar, então, que o objetivo de se contratar um plano de saúde não é ter a sua saúde garantida, mas ter garantido, os riscos inerentes às despesas que possam vir a ocorrer com a saúde e sua assistência médica (RIBEIRO, 2009 p. 27).

 

 

4 Lei do Plano de Saúde, nº 9.656/98 versus o artigo 135-A do Código Penal;

 

 Um plano de saúde é uma espécie do seguro de pessoas, através do qual se tenta minimizar as notórias deficiências dos serviços públicos de assistência médica. O Código do Consumidor tem inafastável aplicação no caso em exame, motivo pelo qual as cláusulas contratuais devem ser interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor (TJRJ, 2011, p. 4).

A Lei 9.656/98, que dispõe sobre os Planos Privados de Assistência à Saúde, em seu artigo 12, inciso V, alínea c, expressamente estabelece que, quando fixado período de carência, deverá ser observado o prazo máximo de vinte e quatro horas para a cobertura dos casos de urgência e emergência. O artigo 35-C da mencionada Lei nº 9.656/98 considera obrigatória a cobertura de atendimento em casos de emergência, assim entendidos aqueles que implicarem risco de vida ou lesões irreparáveis para o paciente. Portanto, constata-se uma obrigação de fazer, uma vez que, especificando o agente, o médico, tem em seu código de ética, capitulo IV – Direitos Humanos¸ artigo 47, versando que é vedado discriminar o ser humano de qualquer forma ou sob qualquer pretexto, e, também quanto a sua responsabilidade profissional, traz no artigo 35 que fica vedado ao médico deixar de atender em setores de urgência e emergência, quando for de sua obrigação fazê-lo, colocando em risco a vida de pacientes, mesmo respaldado por decisão majoritária da categoria.

Assim, em se tratando de hipótese de urgência e emergência, não há que se falar em observância dos prazos de carência contratual, quando já ultrapassadas as primeiras vinte e quatro horas posteriores à assinatura do contrato, nos termos do artigo 12, inc. V, alínea "c", da Lei 9656/98.

Porém, com todos essas vedações, as sanções não eram específicamente fundamentadas nesses tipos de casos de omissão de socorro. Foi depois de vários ocorrências nos hospitais do país que o tema foi levado a debate. Contudo, o artigo 135-A,  incluido pela Lei nº 12.653 de 28 de maio de 2012,  veio reforçar essa proibição trazendo uma sanção para quem  descumprir exingindo algum tipo de garantia como condição para atendimento médico hospitalar emergencial. O dispositivo não direciona a um determinado agente, portanto entende-se que servirá tanto para os administradores, funcionários administrativo e médicos dos hospitais que são os que mais se aproximam da realidade para qual a lei foi criada.

Todo médico sabe que casos emergenciais, casos que implicam risco imediato de vida ou de lesões irreparáveis para o paciente, caracterizados pelo médico, devem ser amparados assim que chegam em um hospital, pois como já foi dito, é possivel irreparabalidade das lesões (ANS, 2005, p. 22) . A previsibilidade obejtiva do resultado, que siginafica a capacidade de qualquer pessoa  razoavel e prudente prever  a possibilidadede ocorrencia do resultao está presente nessas siuações, assim como o principio da confiança, pois quem procura o hospital pretende que ali tenham profissionais que potencialmente podem ajudar na emergência (SOUZA, 2009, p. 29). Caso os profissionais do hospital se omitirem ou dificultarem o atendimento de socorrer quem os procurar em um momento tenso como os descrito, também estará presente, aem relação as pessoas envolvidas (agentes) a potencial consciencia da ilicitude quando se sabe que está agindo contra a lei, e ainda, a exigibilidade de uma conduta diversa, pois se espera desses agentes uma conduta conforme  é exigivel pelo direito no caso concreto (SOUZA, 2009, p. 32).

Para fazer menção á complexidade do objeto de estudo do seguinte trabalho, fez-se necessário á análise de uma decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, acerca de uma apelação interposta contra sentença proferida na Comarca de Guarulhos, em que são partes da demanda Percio Calazans (autor) e Saúde Guarulhos Ltda (réu). O caso trata de indenização por danos morais, pela exigência de cheque caução por parte do hospital que configura a ré da demanda em análise, para o atendimento médico do filho do autor da demanda, que corria risco de vida e necessitava de atendimento emergencial (BRASIL, TJSP, 2011).

O juiz da comarca de Guarulhos julgou procedente a ação de indenização por danos morais, condenando o réu ao pagamento de 9.000 reais a título de danos morais, a ré apelou alegando:

“Que havia carência no plano de saúde para internação, sendo a autorização negada; que não houve negativa de atendimento emergencial, e que não houve o dano moral, pois, o paciente foi adequadamente tratado e medicado, razão pela qual alternativamente requer a redução da indenização por danos morais para dois salários mínimos.” (BRASIL, TJSP, 2011)

Assim a ré alegou que não houve uma omissão de socorro, pois estaria havendo se de fato existisse negativa de atendimento médico, mas que na verdade ela não negou o atendimento por conta de ter entrado em contato com o plano de saúde e esse informado que a internação estava em período de carência, sendo inviável prosseguir com o atendimento sem uma garantia. Todavia a ré não levou em consideração a situação emergencial que o paciente se encontrava, e que independentemente se estava ou não sob o prazo de carência ela teria a obrigação de cumprir com sua responsabilidade civil e prestar socorro á criança.

É nesse sentido que Jesus Lofrano, relator do caso avaliado do Tribunal de Justiça de São Paulo coloca, negando o provimento da apelação interposta pela ré:

“Como bem decidiu o juiz: “ao condicionar o recebimento de seu pequeno paciente em suas instalações ao recebimento de um cheque/garantia, a requerida se valeu de expediente expressamente vedado pela Agência Nacional de Saúde ANS, e causou ao pai do doente momentos de agonia e de aflição porque humilhado e rebaixado por não poder caucionar o nosocômio, viu-se obrigado a solicitar da irmã um cheque para atender aos reclamos da requerida.”

Tendo em vista isso que se destaca o caráter de condicionante do prazo de carência do plano de saúde, seja por via direta, quando o hospital ,em prima face, nega o atendimento médico hospitalar por haver o prazo de carência, ou por via indireta e ainda mais gravosa, quando o hospital ao observar a existência do prazo de carência exige uma garantia para o atendimento.

O hospital possui o dever de prestar atendimento médico ás pessoas em qualquer momento e situação, em casos emergenciais esse dever duplica e essa é a grande problemática do prazo de carência, o que se quer demonstrar é que tanto na hipótese que o prazo de carência funciona como condicionante direto ou como indireto em casos emergenciais poderá ocorrer o crime do artigo 135-A,a primeira porque o fato de não prestar o atendimento médico hospitalar emergencial por conta do prazo estará se exigindo de forma implícita uma garantia para o atendimento médico, e a segunda de forma explicita estará recaindo no tipo penal em estudo.

Por fim, é importante levantar a seguinte ressalva, de que a decisão analisada ocorreu em 2011, ou seja, anterior a implementação do artigo 135-A ao Código Penal, assim o que se percebe que foi a prática reiterada de condutas semelhantes a que foi exposta que deu ensejo á criação desse novo tipo penal. Além disso, ficou bem claro que anterior à figura penal, essas práticas já configuravam ilícitos civis por danos morais, condutas então que além de colocar em perigo a vida e saúde da pessoa que precisa de atendimento médico hospitalar emergencial, lesa também a dignidade moral da mesma.

CONCLUSÃO

 

No catágolo de normas de Direito Penal, encontraremos normas proibitivas e imperativas. Uma vez desobedecidas as normas imperativas, consubistancia-se a essência do crime omissivo. Dado todo o exposto, entendemos após este estudo, que o crime que se pratica na exigência de garantias ocorre por comissão, ao agir se omitindo da ação e exigindo do paciente,  no momento do atendimento, garantias e condições, para só assim agir positivamente em favor do paciente.

A administração do hospital, assim, os funcionários que hesitarem quanto o atendimento hospitalar emergencial, poderão responder por omissão própria, por mais que queiram se justificar pela hierarquia e ordenamentos de superiores,  mas já foi explanado que fica vedado qualquer interrupção, por exigência de garantias ou preenchimento de procedimetos  na prestação de serviço médico, dada as devidas condições e circusntâncias.

Entretanto, o médico, indubitavelmente, responderá por comissão por omissão, pois este não somente deve agir, mas, também, tem o dever de agir para impedir a ocorrência de um resultado concreto. Em relação a este, nos crimes omissivos impróprios, o dever legal de agir  para impedir o resultado, deriva da posição ou situação de garantia, portanto o médico assume perfeitamente o papel de garantidor, pois nessas situações, tem por lei a obrigação de cuidado; assume a responsabiliade de impedir o resultado; e devido a um comportamento anterior cria o risco da ocorrência do resultado, lesão grave ou morte.

Contudo, independente de qual seja a hipótese legal de garantia, não há dúvida que esses profissionais tem uma importante função de garantia de bens jurídicos dos pacientes. Com isso, se vier a se omitir da conduta de agir, ou seja, agindo de forma omissa, portanto convertendo uma omissão para uma comissão por omissão, não impedindo o resultado, o agente será considerado o causador deste mesmo resultado, portanto responderá pelo crime correspondente, seja ele doloso ou culposo. Assim, se o médico se omitir de atender um paciente, responderá pelo crime de homicídio doloso, mas se for o caso deste agir, obstando o paciente que se encontra em um estado de necessário atendimento emergencial, por  falta de garantias ou outras condições não fornecidas, respoderá por comissão por omissão, conforme o artigo 135-A.

 

 

REFERÊNCIAS:

Agência Nacional de Saúde Suplementar (Brasil). Carência, doenças e lesões preexistentes, urgência e emergência: prazos de carência, cheque-caução, preenchimento da declaração de saúde. – 3. ed. rev. ; ampl. – Rio de Janeiro: ANS, 2005.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Direito Penal: parte  geral. 16º ed. São Paulo: Saraiva, 2011

 

 

BRASIL. Congresso Nacional. Medida Próvisória, n.º 2.177- 44, de 24 de agosto de 2001. Altera a Lei no 9.656, de 3 de junho de 1998, que dispõe sobre os planos privados de assistência à saúde e dá outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/mpv/2177-44.htm >. Acesso em: 21 de outubrto de 2012.

 

 

BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação nº 0106563-77.2007.8.26.0000, da Comarca de Guarulhos. Rel. Jesus Lofrano. Jugada em 27 de setembro de 2011.

 

 

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SOUZA, Paulo Vinicius Sporleder de. Direito penal médico. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.