Cristiane Pereira dos Santos

Eliane Cristina Dias Santos

                                                                                                        José Ricardo Rodrigues Pereira

                                                                                                                       Roniscleia dos Santos 

                                                                                                                       Silvana Dias Siqueira 

 

 

 

A mente que se abre a uma nova idéia,

 jamais voltará ao seu tamanho original.

 Albert Einstein 

 

 

 

 

 

  1. 1.      Introdução

 

 

 

            O filme “Black” consiste na materialidade deste estudo, que tem como foco a análise de algumas cenas que o constitui a partir de sua personagem principal. Produzido em 2005, sob a direção de Amitabh Bachchan, conta a história de Michelle, uma garota cega e surda, por sua deficiência ela se torna uma criança violenta, sem educação e postura ruim diante outros pessoas. Ela vive na escuridão até encontrar um professor (Sahai), que no inicio foi rejeitado por seu pai, ele começa a educá-la, superando os obstáculos e guiando essa jovem para o caminho da luz.

É na escola francesa de Análise de Discurso (AD) que se dá a inserção de nossa análise. Buscamos aí pressupostos que nos permitirão entender discurso desvinculado da noção de texto e definido como efeito de sentidos entre locutores (ORLANDI, p.21, 2009). A AD trabalha com o conceito de que o discurso não está pronto, mas está sempre aberto, se constituindo e significando a cada momento, permanecendo inacabado. Nesse sentido, permitindo sempre novas interpretações. Segundo Orlandi (2009, p.15) “na análise de discurso, procura-se compreender a língua fazendo sentido, enquanto trabalho simbólico, parte do trabalho social geral, constitutivo do homem e da sua história”

Para a constituição do corpus trabalharemos principalmente com as noções de Condições de Produção e Memória Discursiva, conceitos esses que ocupam lugar fundamental na Análise de Discurso, objetivando entender a condição de deficiente auditivo e visual nas imagens e discursos que foram selecionadas para a análise.

 

  1. 2.      As Condições de Produção e a Memória Discursiva como dispositivos de análise

 

É pelo discurso que melhor se compreende a relação entre linguagem/ pensamento/ mundo, porque o discurso é uma das instâncias materiais concretas dessa relação (ORLANDI, p.12, 2012). Nesse sentido, os dispositivos de análise mobilizados para este trabalho serão as condições de produção e a memória discursiva. Pois, é por meio das condições de produção que se pode compreender, os sujeitos e a situação, relacionados à memória. Segundo Orlandi (2012), podemos considerar as condições de produção tanto em sentido estrito, quando nos referimos ao contexto imediato, isto é  o agora, a enunciação, já em sentido amplo,  quando nos referimos ao contexto sócio-histórico e ideológico. .

As condições de produção em contexto amplo remetem a um conjunto de formulações já feitas e esquecidas, que trabalharão de modo a determinar o que dizemos. Para a Análise de Discurso, as condições de produção e a memória discursiva trabalharão de forma conjunta, pois a memória é o saber discursivo que torna possível todo dizer.

A memória que fazemos referência

 

não é a capacidade cognitiva, individual, a faculdade de poder se lembrar de alguma coisa, mas no sentido social, como um conjunto de experiências acumuladas pelos homens no decorrer do tempo, conjunto de experiências acumuladas pelos homens no decorrer do tempo, conjunto de experiências que pode ser recuperado nos textos, que está inscrito, portanto, na materialidade discursiva. (Navarro 2007, p.142),

 

A memória refere-se então ao interdiscurso, definido por Orlandi (op. cit., p.31) “como aquilo que fala antes, em outro lugar, independentemente.” Pois, é através do interdiscurso, ou memória discursiva, que as palavras fazem sentido, pois seus significados são oriundos de outros dizeres que se encontram armazenados em nossa memória e que vem à tona com outras palavras a cada enunciado produzido. Desse modo, observaremos o funcionamento desses dispositivos nas análises das imagens a seguir.[1]

 

 

       Figura 1

 

Todo discurso remete a outro discurso, que é determinado por sua exterioridade e, é essa regularidade de sentido que se apresenta na figura 1, quando a personagem Michelle se encontra vestida com sua a “beca de formatura”. Nessa imagem, a figura da personagem é interpretada a partir de sua posição na sociedade, e nos leva a refletir sobre a posição-sujeito deficiente auditivo e visual que assim como outros deficientes muitas vezes se encontram a margem da sociedade. Na figura 1 temos o reconhecimento do espaço conquistado socialmente pela personagem mesmo que isso tenha levado muito mais tempo do que uma pessoa “dita normal” levaria para concluir a graduação. Sabe-se que a exclusão de pessoas com algum grau de deficiência está pré-construída pela humanidade e perpetua até os dias de hoje, na maioria das vezes por preconceito e falta de conhecimento de muitas pessoas sobre esse assunto.

Assim no campo discursivo da AD, todo discurso produz sentidos a partir de outros sentidos já pré-construídos e cristalizados na sociedade. Dessa forma, podemos perceber a memória discursiva funcionando, nesse caso a partir todos os discursos já cristalizados e já ditos sobre a condição de surdo, ou seja, sua incapacidade, dificuldade de convívio em sociedade, etc. Segundo Orlandi (2009, p.43), “[...] as palavras falam com outras palavras. Toda palavra é sempre parte de um discurso. E todo discurso se delineia na relação com outros: dizeres presentes e dizeres que se alojam na memória”.  

Frente à percepção da não integração de Michelle no grupo social em que sua família pertencia os pais da personagem e principalmente seu professor entendem que é necessário que haja uma educação igual ao dos outros jovens de sua idade. Nesse sentido, Michelle recorre à recordação das experiências vivenciadas no momento quando foi entrevistada pelos professores da Universidade que iria estudar. Vejamos os sentidos vinculados a esses discursos nas seguintes imagens.

 

  

Figura 2

Ao iniciarem as perguntas para a personagem os professores deixam claro que ali (Universidade) é um lugar de pessoas normais, estudantes normais. Vejamos o discurso de um desses educadores “Sr. Sahai, o senhor sabe que esta Universidade é para estudantes normais”. Tomando esse discurso para a análise, entendemos que há um deslizamento de sentidos na fala desse professor, pois, a personagem Michelle, mesmo com todas as suas limitações, consegue aprender, assim como as pessoas “normais” apesar de suas limitações. Nas palavras de Pêcheux (1993, p.77 apud MEDEIROS, 2008, p.50), “um discurso é sempre pronunciado a partir de condições de produção dadas”. Nesse caso em especial, entende-se que deverá ser assegurado aos alunos (e aqui nos referimos não só a personagem Michelle, mas a todos os sujeitos com algum grau de deficiência) com necessidades especiais, currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específica, para atender às suas necessidades.

Ao ser questionada “Por que queres estudar”, Michelle responde “ para poder viver com dignidade, com independência... e para estar viva”. Dessa forma, segundo a Análise de Discurso, os possíveis sentidos que emergem no enunciado de Michelle deve ser relacionado com suas condições de produção, pois para ela estudar vai muito além de apenas aprender/apreender sobre determinado assunto, mas é poder sentir-se parte de um mundo que aos poucos está descobrindo através do conhecimento. É a escola/universidade um espaço de convivência do ser humano, pois é nela que é possível ser construído a cidadania,o respeito e conhecimento.

 

Algumas considerações

 

Trazendo de volta nosso objetivo principal neste trabalho, qual seja o de entender a condição de deficiente auditivo e visual na sociedade a partir de algumas imagens do filme “Black”. Para isso, buscamos trabalhar com as noções de Condições de Produção e Memória Discursiva, conceitos esses que ocupam lugar fundamental na Análise de Discurso

O interdiscurso disponibiliza dizeres que afetam o modo como o sujeito significa em uma situação discursiva dada (ORLANDI, 2009). Diante disso, a memória que está filiada a essa noção, é a de tudo o que já se disse sobre a condição de surdo na sociedade, sobre os preconceitos que sofre, sobre sua luta por igualdade, Todos esses sentidos já ditos por alguém, em algum lugar, em outros momentos irão significar ao analisarmos as imagens e os discursos que estão vinculados no filme “Black”.

         Orlandi (2009, p.15-16) considera os processos e as condições de produção de linguagem, pela análise da relação estabelecida pela língua com os sujeitos que a falam e as situações em que se produz o dizer. Assim, as condições de produção no qual perpassa o filme nos leva a compreender que a condição de surdo/cego na sociedade é ainda algo que deve ser muito discutido tanto entre os familiares, quanto nos demais espaços da comunidade/sociedade.

 

 

 

Referências

 

 

BRASIL. Plano Nacional de Educação em Direitos humanos. Brasília, 2006.

 

MALUF-SOUZA. Olimpia; ZATTAR, Neuza B. da Silva. Fronteiras Discursivas: espaços de significação entre a linguagem, a história e a cultura. Campinas, SP: Pontes, 2007

 

MEDEIROS, Caciane Souza de. As condições de produção e discurso na mídia: a construção de um percurso de análise. Famecos. Porto Alegre. V.20, p.48-55, 2008.

 

ORLANDI, Eni Pucinelli. Análise de Discurso: princípios e procedimentos. 8ª. ed.

Campinas, SP: Pontes, 2009.

__________. Interpretação, autoria, leitura e efeitos do trabalho simbólico. 6ª. Ed. Campinas, SP, 2012.

www.trabalhosfeitos.com/ensaios/Resenha-Filme-Black/836805.html. acesso em 10 de julho de 2013.

 



[1] As imagens não serão analisadas de forma cronológica, pois o que nos interessa é entender o funcionamento do discurso sobre a condição de  deficiente auditivo e visual no filme “Black”.