1. Bases histórico-ideológicas

1.1Introdução

As origens dos Direitos Humanos estão indelevelmente associadas às tradições judaico-cristãs, como veremos adiante no desenvolvimento histórico. Em relação às bases filosóficas podemos perceber a especial importância de Hugo Grócio, alguns Iluministas e Kant na evolução do pensamento do homem em relação ao tema dos Direitos Internacionais dos Direitos Humanos. Mas a efetivação (ou não) de muitas idéias a respeito do tema exigiu conjunturas históricas e sociais específicas. Importantes documentos históricos também foram importante marco, na positivação de valores, que viriam pertencer aos DIDH atuais. Junto a estes, também foram importantes a formação de organizações e tratados, já que juntos puderam inspirar revoluções nos valores, costumes, cultura e sociedade (partindo do micro para o macro).

1.2Hugo Grócio

Um dos teóricos do direito natural do século XVI tardio e início do século XVII, Hugo Grócio definiu o direito natural como um julgamento perceptivo no qual as coisas são boas ou más por sua própria natureza.

Grócio ajudou a formar o conceito de sociedade internacional, uma comunidade ligada pela noção de que Estados e seus governantes tem leis que se aplicam a eles. Todos os homens e as nações estão sujeitos ao Direito internacional e a comunidade internacional se mantém coesa por acordos escritos e costumes.

De fato inaugurou a atual concepção do direito das gentes, origem do Direito Internacional. Sua obra, De Jure Belli ac Pacis, de 1625, é considerada um grande marco, já que dispõe que o Estado não é um fim em si mesmo, mas um meio para assegurar o ordenamento social consoante a inteligência humana. A obra admitia, já naquele século, a possibilidade da proteção internacional dos direitos humanos contra o próprio Estado.

1.3Os iluministas

De maneira bem sucinta, podemos destacar entre os principais filósofos do Iluminismo: John Locke (1632-1704), que acreditava que o homem adquiria conhecimento com o passar do tempo através do empirismo; Voltaire (1694-1778), ele defendia a liberdade de pensamento e não poupava crítica a intolerância religiosa; Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), ele defendia a idéia de um estado democrático que garanta igualdade para todos; Montesquieu (1689-1755), ele defendeu a divisão do poder político em Legislativo, Executivo e Judiciário; Denis Diderot (1713-1784) e Jean Le Rond d´Alembert (1717-1783), juntos organizaram uma enciclopédia que reunia conhecimentos e pensamentos filosóficos da época.

1.4 Kant – A paz perpétua.

A paz perpetua, trata que o direito cosmopolítico deve circunscrever-se às condições de uma hospitalidade universal. Dessa forma, Emmanuel Kant traz no terceiro artigo definitivo de um tratado de paz perpetua o fato de que existe um direito cosmopolitano relacionado com os diferentes modos do conflito dos indivíduos intervirem nas relações com outros indivíduos. A pessoa que está em seu território, no seu domínio, pode repelir o visitante se este interfere em seu domínio. No entanto, caso o visitante mantenha-se pacifico, não seria possível hostilizá-lo. Também, não se trata de um direito que obrigatoriamente o visitante poderia exigir daquele que o tem assim, mas sim, de um direito que persiste em todos os homens, o do direito de apresentar-se na sociedade.

O direito de cada um na superfície terrestre pode ser limitado no sentido da superfície. Já o indivíduo deve tolerar a presença do outro, sem interferir nele, visto que tal direito persiste a toda espécie humana. Então, o direito da posse comunitária da superfície terrestre pertence a todos aqueles que gozam da condição humana, existindo uma tolerância de todos afim de que se alcance uma convivência plena. Veja que o ato de hostilidade está presente no ato do direito de hospitalidade. Mesmo que o espaço seja limitado, os indivíduos devem se comportar pacificamente com o intuito de se alcançar a paz de convívio mútuo. O relacionamento entre as pessoas está na construção dos direitos de cada um, sendo indispensável para a compreensão do direito cosmopolitico de modo a garantir as condições necessárias para termos uma hospitalidade universal.

Por fim, a violação do direito cosmopolitano e o direito público da humanidade criará condições para o favorecimento da paz perpetua, proporcionando a esperança de uma possível aproximação do estado pacífico.

1.5 As doutrinas positivistas

As reflexões dos denominados fundadores do Direito Internacional, que o concebiam como um sistema universal, foram suplantadas pela doutrina positivista que dotou o Estado de poderes supremos e absolutos, enfraquecendo o próprio Direito Internacional, reduzindo-o a direito estritamente interestatal, não mais "acima", mas "entre" os Estados soberanos, com conseqüências desastrosas historicamente conhecidas.

1.6 Documentos históricos (antecedentes):

Vale mencionar, contudo, alguns documentos históricos que valorizaram a pessoa humana e ressaltaram direitos, embora de forma isolada e sem a repercussão merecida, a exemplo da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, na França e da Declaração de Direitos do Estado da Virginia, de 1776, nos Estados Unidos da América.

Os filósofos iluministas franceses lutaram ativamente por aquilo que chamaram de "direitos naturais" dos cidadãos. Tratava-se, sobretudo, de uma luta contra a censura, ou seja, pela liberdade de imprensa. No que respeita à religião, à moral e à política, o indivíduo precisava ter assegurado o seu direito à liberdade de pensamento e de expressão de seus pontos de vista. Além disso, lutou-se contra a escravidão e por um tratamento mais humano dos infratores das leis. Tudo isso culminou com a Declaração Universal dos Direitos dos Homem e do Cidadão.

I
O fim da sociedade é a felicidade comum. O governo é instituído para garantir ao homem o gozo destes direitos naturais e imprescritíveis.

II
Estes direitos são a igualdade, a liberdade, a segurança e a propriedade.

III
Todos os homens são iguais por natureza e diante da lei.

IV
A lei é a expressão livre e solene da vontade geral; ela é a mesma para todos, quer proteja, quer castigue; ela só pode ordenar o que é justo e útil à sociedade; ela só pode proibir o que lhe é prejudicial.

São nesses pilares que se sustentarão, mais tarde, os Direitos Internacionais dos Direitos Humanos como poderemos perceber no decorrer deste trabalho. No momento em que foi declarada essa carta, apesar do nome, ainda não existia um caráter universal. Dessa forma, pode-se perceber que somente com a incidência de alguns fatores históricos isso pôde acontecer.

1.7 Tratados/Organizações (antecedentes):

O processo de internacionalização dos direitos humanos tem diversas fontes históricas, sendo as principais: o Direito Humanitário, a Liga das Nações e a Organização Internacional do Trabalho.

O Direito Humanitário, porque elevou ao status internacional da proteção humanitária em casos de guerra, regulamentando juridicamente, em âmbito internacional, o emprego da violência nos conflitos armados, impondo limites, nestes casos, à liberdade e à autonomia dos Estados conflitantes, indicando, assim, o caminho por onde os direitos humanos, mais tarde, também deveriam trilhar, alcançando amplitude universal.

A Liga das Nações, porque, além de buscar a promoção da paz e da cooperação internacionais, também expressou, ainda que de forma genérica, disposições referentes aos direitos humanos, reforçando, nestes termos, a necessidade de relativizar a soberania dos Estados, nesta direção.

A OIT – Organização Internacional do Trabalho, por sua vez, criada logo após a Primeira Guerra Mundial com o objetivo, dentre outros, de regular as condições de trabalho no âmbito internacional, também constitui fonte histórica importante do processo de internacionalização dos direitos humanos, eis que, desde sua fundação, em 1919, promulgou centenas de convenções internacionais objetivando a promoção e proteção da dignidade da pessoa humana no mundo do trabalho, em âmbito mundial.

Assim, pode-se afirmar que o processo de internacionalização dos direitos humanos foi marcado, indelevelmente, pela influência significativa dessas três fontes históricas, as quais demarcaram o início do fim da soberania estatal absoluta e intocável, onde os Estados eram considerados os únicos sujeitos de direito internacional público, fazendo surgir os primeiros delineamentos do Direito Internacional dos Direitos Humanos.

1.8 Desenvolvimento histórico

 Celso Lafer localiza as origens dos Direitos Humanos igualmente nas tradições judaico-cristã e de igual maneira estóica da civilização ocidental (LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos. Tais tradições afirmam o valor, a dignidade de cada ser humano, o ser humano como valor-fonte, seja por ter sido criado à imagem e de igual maneira semelhança de Deus, seja por ser cidadão da cosmo-polis (o mundo é uma única cidade em que todos são amigos e de igual maneira iguais). Exemplo prático disso era a proteção jurídica conferida pelo jus gentium romano aos estrangeiros. Desenvolveu-se assim a mais que, claro milenar crença ocidental no Direito Natural, um conjunto de normas jurídico-morais de natureza divina inerentes a cada ser humano, perante as quais se poderiam julgar o direito positivo como justo ou injusto.

Já no início Era Moderna (sécs. XVI e de igual maneira XVII), o Direito Natural foi racionalizado e de igual maneira seu fundamento divino foi substituído pela Razão, o elemento comum a todos os seres humanos. Na mesma época, as Reformas protestantes levaram a uma cisão profunda na Cristandade Ocidental que, somada ao processo de consolidação dos Estados-nacionais, engendrou inúmeros conflitos sangrentos, os quais levaram eventualmente ao reconhecimento da liberdade individual de crença religiosa. O instrumento jurídico que, claro instituiu esses novos princípios organizadores da política européia foi o Tratado de Vestfália , de 1648, que, encerrou a Guerratambém dos 30 Anos e de igual maneira garantiu a igualdade de direitos entre as comunidades cristãs católica e de igual maneira protestante no território alemão.

Pode, por isso, ser considerado um dos primeiros instrumentos internacionais com medidas de proteção aos direitos humanos. A crítica política e de igual maneira filosófica racionalista e a ascensão econômica da classe burguesa levaram a um período de revoluções contra os regimes absolutistas contra a organização hierárquica das sociedades. As revoluções levadas a cabo na busca pela igualdade dos indivíduos extinguiram a divisão em estamentos, instituindo o status único da cidadania – categoria que pode ser entendida como sendo o "direito a ter direitos" – para todos os indivíduos. Observando, claro, que essa (suposta) igualdade dava certos privilégios à classe burguesa, visto a estrutura econômica vigente. Assim, foram positivados os direitos naturais igualmente nas constituições pós-revolucionárias. Os direitos fundamentais então declarados constituem a primeira geração de direitos humanos.

A segunda geração de Direitos Humanos, de direitos econômicos, sociais e de igual maneira culturais, foi reivindicada ao longo do século XIX, pelos movimentos proletários socialistas. Só foi, contudo, positivada no início do século XX, pelas constituições revolucionárias mexicanas e de igual maneira russa, bem como na da República de Weimar. Na medida em que, a partir da Europa, o sistema internacional vestfaliano foi-se consolidando, passou-se a identificar o Estado com a Nação, dando ensejo à formação de Estados-nações (Lafer, 1988: 135). Por meio das expansões imperialistas, generalizou-se o critério nacional e o território e a população do planeta acabou dividida em Estados nacionais ou em impérios coloniais centrados num Estado nacional. A concomitante expansão do liberalismo fez com que, boa parte dos novos Estados adotassem constituições que reconheciam direitos fundamentais (Lafer, 1988: 137 e de igual maneira 138). Nesse sistema, a proteção internacional dos Direitos Humanos se dava pelas vias diplomáticas, por meio das quais cada Estado procurava zelar pelos direitos de seus cidadãos onde quer que eles se encontrassem.

Pode-se, portanto, fazer a seguinte analogia: na Antiguidade, o homem era um ser sem direitos, por oposição ao cidadão. Na era moderna, o homem é sujeito de direitos não apenas como cidadão, mas também como homem. Mas para que o homem começasse se situar nesse contexto foi preciso que o desenvolvimento histórico causasse um grande impacto sobre a humanidade e os levasse à reflexão:

2. A ruptura e a Declaração Universal dos Direitos Humanos

"O movimento de internacionalização dos direitos humanos deflagrou-se no Pós Guerra, em resposta às atrocidades cometidas ao longo do Nazismo. Se a Segunda Guerra significou a ruptura do valor dos direitos humanos, o Pós Guerra deveria significar sua reconstrução." Celso Lafer.

Com o advento da criação da Bomba Atômica decorrente de grandes avanços na tecnologia bélica o mundo passou a conviver com a visível possibilidade da destruição de toda a humanidade e sua existência tornou-se eminentemente instável pois o aniquilamento planetário virou algo completamente plausível.

A consolidação da "cultura atômica" constitui-se como um evento de ruptura, como um divisor de águas, pois raciocinar sobre o futuro com o arcabouço teórico do passado tornou-se inviável por conta do evento inédito que ocorreu, criando um "hiato entre passado e futuro".

A paz deixou de ser opção, uma utopia ou um mero desejo romântico, pois passou a ser a única tendência ou ordem a ser seguida que não comprometesse literalmente a existência da história humana.

A partir daí, abalados pela barbárie causada pela segunda guerra e ensejosos de construir um mundo sob novos alicerces ideológicos decorrentes da ruptura citada anteriormente, os dirigentes das nações que emergiram como potências no período pós-guerra, liderados por URSS e EUA estabeleceram na conferência de Yalta, em fevereiro de 1945, as bases de uma futura "paz" definindo áreas de influência  das potências e acertando a criação de uma Organização multilateral que teoricamente promoveria negociações sobre conflitos internacionais, objetivando evitar guerras, promovendo  a indispensável paz e a democracia.

Passados três anos, é adotada a Declaração Universal dos Direitos pela ONU em 10 de dezembro de 1948. Esboçada principalmente por John Peters Humphrey, do Canadá, com a ajuda de diversos outros estudiosos de todo o mundo.

Essa Declaração, importante marco no processo de solidificação da internacionalização dos direitos humanos, como afirma Celso Lafer, "configurou como a primeira resposta jurídica da comunidade internacional ao fato de que o direito de todo o ser humano à hospitalidade universal, apontado por Kant no projeto Paz Perpétua e contestada na prática pelos refugiados, pelos apátridas, pelos campos de concentração e pelo genocídio, só começaria a viabilizar-se se o direito a ter direitos tivesse uma tutela internacional, homologadora do ponto de vista da humanidade.

"Os direitos humanos - e aqui adianto a minha conclusão - tornaram-se, com base na Carta, no mundo Pós-guerra Fria, um tema global, à maneira kantiana. Representa o reconhecimento axiológico do ser humano como fim e não meio; tendo direito a um lugar no mundo; um mundo que encontra um terreno comum entre a Ética e a Política através da associação convergentes de três grandes temas: direitos humanos e democracia no plano interno e paz no plano internacional." Porém, é importante lembrar que o Sistema Internacional de Direitos Humanos não é formado apenas pela Declaração Universal dos Direitos Humanos. Para chegar ao nível razoável de atuação e efetividade em que se encontra esse sistema teve que passar por um longo processo de consolidação.

3. Consolidação

A história dos direito internacionais dos direitos humanos pode ser dividida basicamente em duas grandes fases:

1 – A FASE LEGISLATIVA.

2 – A FESE DE IMPLEMENTAÇÃO.

A fase de legislação é iniciada a parti de 1945 com a entrada da humanidade na era nuclear, que após as bombas de Hiroshima e Nagasaki passa a conviver com a concreta possibilidade de destruição planetária.

Diante desse contexto de Segunda Guerra Mundial, marcada por inúmeras violações dos direitos humanos, foi necessário que se construísse toda uma normativa internacional de proteção, com propósito de resguardar e amparar os direitos humanos, até então inexistentes. Ou seja, a internacionalização dos direitos humanos se constituiu em um movimento extremamente recente na história, que surge a partir do pós-guerra, sendo uma resposta as atrocidades e aos horrores cometidos durante o nazismo e que demarcou o início do fim da soberania estatal absoluta e intocável, onde os Estados eram considerados os únicos sujeitos do direito internacional público.

A Carta de São Francisco de 1945 foi o primeiro documento dos Direitos Internacionais dos Direitos Humanos (DIDH) e foi também o documento jurídico que fundou a Organização das Nações Unidas (ONU). Juntamente com a Declaração Universal dos Direitos Humanos de1948 formam os principais instrumentos jurídicos da fase legislativa.

Assim, a partir do surgimento da ONU e da conseqüente aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, o DIDH começa a aflorar e solidificar-se de uma forma definitiva, gerando a adoção de inúmeros tratados internacionais destinados a proteger os direitos fundamentais do indivíduo.

1948 - Convenção contra o Genocídio

1951- Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados

1965 – Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as formas de descriminação racial

A segunda fase, fase de implementação dos DIDH inicia-se em 1966, quando termina a elaboração do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sócias e Culturais e tem como característica principal a implementação daquelas normas já existentes, em vez da criação de novas normas de direitos humanos. Indicar, na verdade, expressamente o sentido dos direitos humanos referidos na Carta das Nações Unidades ou Carta de São Francisco

A implementação das normas dos direitos humanos é realizado por meio de órgãos de supervisão, que utilizam mecanismos, tais como: sistema de petições, relatórios e investigações.

O principal órgão supervisor, no âmbito da ONU, é a Comissão de Direitos Humanos criada em 1946, com o objetivo principal de elaborar uma Carta Internacional de Direitos Humanos. A idéia inicial era organizar um documento integrado por uma declaração de direitos, por uma ou mais convenções que vinculassem os Estados-parte e por um conjunto de dispositivos de implementação e controle do cumprimento das obrigações assumidas. O plano geral era de uma Carta Internacional de Direitos Humanos, do qual a Declaração seria apenas a primeira parte, a ser complementada por uma Convenção ou convenções – posteriormente denominadas pactos. Entretanto, em face de diversas dificuldades, tais como a divergênciaacerca de inclusão ou não dos direitos sociais, econômicos e culturais, a vinculação jurídica a ser imposta aos Estado signatários, dentre outras, decidiu-se, então, por apresentar apenas a declaração de direitos, naquele contexto. É a partir da primeira sessão regular da Comissão de Direitos Humanos que se proclama a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Somente a partir de 1970, que a Comissão dos Direitos Humanos, pôde proceder a estudos ou investigações de casos de violações dos direitos humanos, que até então não poderia tomar nenhuma medida prática. Fazia-se presente a antiga doutrina da soberania absoluta, inspirada na idéia de que a soberania dos Estados não poderia submeter-se a nenhuma outra instância. Sendo que não existe incompatibilidade entre o respeito a soberania nacional e a proteção internacional dos direitos humanos, já que este tem caráter complementar. Qualquer denuncia sobre violação de direitos humanos só será apreciada pelas instancias internacionais, depois de esgotadas todas as medidas judiciais cabíveis no plano interno, ou a existência de fortes indícios de que tais medidas não serão eficazes.

A superação definitiva, a noção de soberania do Estado quanto à temática dos direitos humanos ocorreu por obras de países do terceiro mundo, sobretudo, países que mais precisavam da implementação dos direitos humanos (África do Sul com regime do apartheid e o Chile que estava sob controle da ditadura).

Comitê para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (1968)

Comitê de Direitos Humanos (1976)

Comitê para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher

Comitê Contra a Tortura e Outras penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (1973)

Comitê dos Direitos da Criança (1973)

Todos esses comitês recebem relatórios dos Estados-partes a respeito da situação dos direitos humanos de acordo com cada tipo de tratado. Sua principal tarefa não é condenar os Estados que não cumpre suas obrigações, mas de prestar assistência na implementação desses direitos e servir também de informação e monitoramento.

Até o momento na história dos Direito Internacionais dos Direitos Humanos, foram realizadas duas conferências: Teerã (1968) e Viena (1993).

A Conferência de Teerã ocorreu quando a fase de implementação do DIDH ainda estava iniciando, sendo, portanto, um marco ainda da fase de legislação, até porque na época só existia um órgão de supervisão no sistema das nações unidas. Assim, a Conferência de Teerã não tratou diretamente do tema de supervisão internacional. Mas, essencialmente, em corrigir, plano teórico, a divisão dos direitos humanos ocorrida por motivos históricos (direitos civis e políticos / direitos econômicos, sociais e culturais / direitos do meio ambiente, consumidor, direito a paz e ao desenvolvimento) e também dar consistência à fase de implementação que acabara de iniciar.

A Proclamação de Teerã, documento resultante dessa conferência, enfatizou a Universalidade (porque a condição de pessoa há de ser o requisito único para a titularidade de direitos) Indivisibilidade (porque os direitos civis e políticos hão de ser somados aos direitos sociais, econômicos e culturais) e Inalienabilidade (porque todas as convenções e declarações em matéria de direitos humanos se somam para um mesmo fim e estabelecem normas que todas as nações devem aceitar).

A Conferência de Viena de 1993 está inserida num contexto histórico de implosão da União Soviética (1991) e formação de novas nações, das Guerras da Bósnia, Somália e do genocídio em Ruanda.

A Conferência de Viena foi um marco da fase de implementação dos DIDH e produziu uma declaração e um programa de ação. A elaboração desse programa de ação mostra a principal diferença entre as duas fases, já que na Conferência de Teerã foi feita apenas uma Proclamação, mas nenhum programa de ação de fato.

A Declaração de Viena reafirma o caráter universal dos direitos humanos, como sendo dever do Estado promover e proteger todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, porém, leva em consideração, os diversos contextos históricos culturais e religiosos de cada país.

Segundo o autor Guilherme Assis de Almeida, do livro "Direitos humanos e não-violência" atualmente já superamos a fase legislativa e de implementação, estamos no início de uma nova fase: a Fase de Responsabilização Individual, em que o indivíduo passa a responder pelos seus atos como cidadão do mundo e não mais apenas como cidadão de seu Estado.

Além dessas duas conferências (Teerã e Viena) que foram muito importantes para o processo de sistematização e efetivação do Sistema de Proteção Internacional dos Direitos Humanos, há toda uma estrutura de tratados que regulam tanto em âmbito internacional quanto em âmbito regional os direitos humanos e que formam a estrutura normativa de proteção dos direitos humanos

4. Estrutura normativa de proteção dos direitos humanos

O sistema de  proteção dos Direitos Humanos manifesta-se nos âmbitos global e regional. Em âmbito global, a proteção dos Direitos Humanos está prevista nos documentos, pactos e acordos que formam a chamada Carta de Direitos Humanos da ONU. O primeiro desses documentos foi a Carta de São Francisco, datada de 1945, que, aliás, fundou a Organização das Nações Unidas. Junta-se a ela para formar a Carta de Direitos Humanos da ONU, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, e os Pactos Internacionais de Direitos Civis e Políticos e de Direitos Econômicos Sociais e Culturais, ambos de 1966.

Os sistemas regionais são os seguintes: o Sistema Africano, que tem como principal documento a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Direitos dos Povos (1981), o Sistema Árabe, cujo documento principal é a Carta Árabe dos Direitos Humanos (1984), o Sistema Europeu (Convenção Européia para Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais, de1950) e o Sistema Interamericano (Convenção Americana de Direitos Humanos, de 1969), o qual iremos analisar separadamente para entendermos o funcionamento de um sistema regional de proteção dos Direitos Humanos.

Além dos documentos básicos de cada sistema, tanto no plano global quanto no plano regional, há ainda os tratados(convenções, protocolos) que tratam de temas específicos dos Direitos Humanos, tais como a violência contra a mulher, a pena de morte, a discriminação racial , a tortura, entre outros.

A tortura, por sinal, é um tema que está na pauta do DIDH tanto no plano internacional quanto no plano regional. No âmbito global, o principal tratado é a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis,Desumanos ou Degradantes(1984). No âmbito regional há a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, de 1985, e a Convenção Européia para a Prevenção da Tortura e Tratamento ou Punição Desumano ou Degradante, realizada em 1984.

4.1 O sistema global de proteção dos direitos humanos

A proteção, em âmbito global, dos Direitos Humanos gira em torno da ONU, tanto que  a Carta de São Francisco, documento jurídico que fundou a Organização das Nações Unidas  em 1945, é o primeiro instrumento normativo do Direito Internacional dos Direitos Humanos.

O principal documento do DIDH é a Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada em 1948, que universalizou e ampliou a idéia de direitos fundamentais da pessoa humana.

Depois vieram o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, hoje com 137 ratificações, e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos Sociais e Culturais, atualmente com 40 ratificações, adotados em 1966.O conteúdo desses dois grandes pactos reflete o contexto histórico da época: o dos direitos civis e políticos enfatiza o valor da liberdade, influência da  tradição liberal, ligada à Democracia dos EUA e o dos direitos econômicos, sociais e culturais destaca o  valor da igualdade,influência da tradição socialista, ligada ao regime da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas(URSS).

Além da Carta da ONU de Direitos Humanos(Cata da ONU/de São Francisco, Declaração Universal dos Direitos Humanos, Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e Pacto Internacional de Direitos Econômicos Sociais e Culturais), o sistema global  elabora ainda alguns tratados de temas especiais, ampliando a abrangência da proteção internacional dos Direitos Humanos. A seguir as principais Convenções de caráter especial:

1948-Convenção contra o Genocídio;

1951-Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados;

1965-Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial;

1968-Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes de Lesa- Humanidade;

1973-Convenção Internacional sobre a Repressão e o Castigo ao Crime de Apartheid;

1979-Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher;

1984-Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes;

1989-Convenção sobre os Direitos da Criança;

1990-Convenção Internacional  sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migratórios e seus  Familiares;

Para que todas essas convenções sejam respeitadas é necessário que haja um sistema de supervisão. No âmbito da ONU, essa supervisão é realizada principalmente pela Comissão de Direitos Humanos (CDH), estabelecida em 1947. Porém no início esse órgão não tinha  autonomia para investigar no âmbito dos Estados às denúncias que recebia. Prevalecia a idéia da soberania absoluta  dos Estados, não podendo estes se submeterem a nenhuma outra instância. Essa situação passou a mudar a partir de 1967, quando foi inserida na pauta da CDH a questão do apartheid na África do Sul. Então, a partir de 1970, permite-se à CDH realizar estudos e investigações, quando comprovada a consistência da violação de Direitos Humanos.

Os mecanismos que os órgãos de supervisão utilizam são os sistemas de petições, relatórios e investigações.

 

4.2 Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos

Os sistemas regionais de proteção dos Direitos Humanos surgiram com o propósito de efetivar os direitos humanos disciplinados pela ONU nos âmbitos regionais, com destaque para os sistemas interamericano, europeu e africano.

O sistema interamericano está consubstanciado em dois regimes: a Carta da Organização dos Estados Americanos (OEA), considerada documento que dá origem ao Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos, e a Convenção Americana de Direitos Humanos(CADH)

Os participantes da conferência em que foi assinada a Carta da OEA (1948) assinaram também a Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem, assinada alguns meses antes da Declaração Universal dos Direitos Humanos. A OEA conta ainda com sete comitês e comissões com funções de monitoramento e supervisão dos direitos humanos no continente. Os mais importantes são a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos.

A Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José), de 1969, mas que só entrou em vigor em 1978, reforça muitas das noções contidas na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e, hoje, é uma das principais bases do Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos. Esse tratado está focado principalmente nos direitos humanos civis e políticos e apresenta definições mais detalhadas do que a Declaração o faz.

Além da Convenção Americana de Direitos Humanos, há ainda outros tratados:

1985-Convenção Interamericana  para Prevenir e Punir a Tortura;

1988-Protocolo de San Salvador sobre direitos econômicos, sociais e culturais;

1990-Protocolo sobre a Abolição da Pena de Morte;

1994-Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas;

1994-Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher.

Como já mencionado, a supervisão dos direitos humanos no sistema interamericano é realizada basicamente pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos e pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.

A Comissão Interamericana  de Direitos Humanos, , inicialmente, tinha como função ater-se à promoção dos direitos humanos. Só depois da Convenção Americana de Direitos Humanos, a comissão passa a ser um órgão de supervisão e monitoramento, com o papel de se fazer cumprir a Convenção e a Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem.

Todos os Estados-membros da CADH aceitam automaticamente a competência dessa comissão.

 De modo semelhante ao sistema da ONU, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos utiliza  as petições, os relatórios e as investigações como meios de realizar a tarefa de supervisionar a situação dos direitos humanos na região.

A Corte Interamericana de Direitos Humanos, com sede em San José, é um órgão judicial composto por sete juízes, nomeados e eleitos pelos integrantes da Convenção Americana de Direitos Humanos. Sua atuação é limitada, já que os Estados não estão sujeitos automaticamente às sua competências como acontece com a Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Portanto, só julga casos em que Estados que a ratificaram estão envolvidos.

Caso um indivíduo queira fazer alguma reclamação de violação de direitos humanos, deve fazê-la à Comissão Interamericana de Direitos humanos e esta transmitirá para a Corte, não podendo a pessoa se dirigir diretamente à Corte.Apenas Estados podem levar um denúncia diretamente à Corte Interamericana de Direitos Humanos.

A atuação desse órgãos de fiscalização,tanto os regionais quanto os globais, enfatiza as responsabilidades assumidas pelos indivíduos em relação aos direitos humanos, mostrando que os atos do ser humano poderão ser analisados pela comunidade internacional, não mais competindo exclusivamente aos Estados exercer essa função.

5. O indivíduo como cidadão do mundo 

A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948garante que a pessoa humana, independentemente de sua raça, religião, nacionalidade, etnia, língua, grupo social, opinião política, seja tratada como sujeito de direito na ordem internacional. Até essa data, 1948, 1948, apenas os Estados propriamente ditos e as organizações internacionais tinham esse status. O indivíduo só era considerado por si só à medida que estivesse ligado a um Estado.

A consolidação do indivíduo como cidadão do mundo teve início com a chamada fase de responsabilidade individual no contexto internacional  dos direitos humanos. A partir desta fase, o ser humano tem o dever de se comprometer com o respeito aos direitos humanos, responsabilizando-se pela efetivação de todos os direitos previstos pelo DIDH, o que se pode perceber no artigo XXIX da Declaração Universal dos Diretos Humanos:

Artigo XXIX:

1. "Toda pessoa tem deveres para com a comunidade, na qual o livre e pleno desenvolvimento de sua personalidade é possível."

2. "No exercício de seus direitos e liberdades, toda pessoa estará sujeita apenas às limitações determinadas pela lei, exclusivamente com o fim de assegurar o devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer às exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática."

3. "Estes direitos e liberdades não podem, em hipótese alguma, ser exercidos contrariamente aos propósitos e princípios das nações unidas."

Inicio-se então um processo para lutar contra  a impunidade na esfera internacional das violações dos direitos humanos, ou seja, passou a ser possível prender, julgar e condenar um ser humano em âmbito internacional

Com isso, as pessoas passaram a ser cidadãs no real sentido da palavra, tendo direitos assegurados, mas também deveres.

Daí o intuito do Manifesto 2000, através do qual a Unesco dá início ao chamamento internacional para a Década da Cultura da Paz da Não-Violência, conclamando para que todos os seres humanos assumam, como indivíduos, diversas tarefas.

Para isso, exige-se uma postura coletivista e cosmopolita, tendo em vista que a postura do cidadão do mundo não é voltada apenas para si ou para a cidade em que  mora, mas sim para os seres humanos que vivem em todo o mundo.

É como dizia René Cassin, um dos pais da Declaração Universal dos Direitos Humanos, a respeito da universalidade da Declaração: "A comunidade internacional reconheceu que o indivíduo é membro direto da sociedade humana, na condição de sujeito direto do direito das gentes. Naturalmente, é cidadão de seu país, mas também é cidadão do mundo, pelo fato mesmo da proteção internacional que lhe é assegurada."

Torna-se importante nesse processo de responsabilização individual a qualidade da educação, para que cidadãos mundiais mais aptos sejam formados, e para que as pessoas tenham melhor conhecimento dos seus direitos e deveres, exercitando-os da forma mais produtiva.

Também é importante ressaltar o aspecto cultural na hora de fiscalizar os direitos humanos. Existem variadas regiões com tradições sólidas enraizadas na sociedade. É esta a linha tênue entre DIDH e tradições regionais. Ao discutir DIDH o respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana é um aspecto difícil de questionar, porém não podemos desconsiderar a identidade cultural de cada povo.

Infelizmente ainda existem muitos casos de desrespeito nos âmbitos nacional e internacional, fatos com os quais nos deparamos constantemente, e as bases do DIDH   foram importantes para o combate a estes desrespeitos.

Os tratados de abrangência internacional, por exemplo, surgiram como esperança de mais e maiores melhorias. Para isso é importante a responsabilidade individual, pois agora não somos apenas peões do Estado ou de um grupo, somos indivíduos comprometidos internacionalmente com os direitos humanos, somos cidadãos do mundo.