AS AVENTURAS DE CHICO E AURÉLIA – EPISÓDIO 4: O RATO

E o jogo de futebol seguia animado com o incrível placar de quinze a seis. Chico ganhava de goleada. A partida estava acontecendo na sala mesmo. A porta da sala que dava para a rua era o gol de Aurélia e a porta que ficava de frente e dava para a outra sala era o gol de Chico. A menina tentava defender seu gol, mas as pernas e braços eram curtos e quase sempre deixavam a bola passar. O garoto chutava bem, forte e em direção certa ao gol. Às vezes, enganava a irmã. Fingia que ia chutar para a direita. Aurélia partia para a defesa e então o irmão chutava para a esquerda. Era gol na certa. Bola verdadeira eles não tinham. A bola era caseira. Uma meia velha que foi enchida com retalhos e costurada no formato de bola. Redondinha e pesada. Uma bolada no lugar errado era choro na certa.

Na sala havia um jogo de sofá em melhor estado que o outro que havia na outra sala, uma televisão em preto e branco colocada sobre uma mesa antiga, uma foto e duas imagens de santos. Esse era o campo de futebol dos meninos. A mãe não se importava com a brincadeira deles, desde que não quebrassem nada. Vezes ou outra essa regra era contrariada.

Bateram na porta. Aurélia saiu em disparada para pegar sua cadeira (a mesma usada na aula de costura). Só com a ajuda da cadeira a menina conseguia alcançar na taramela da porta. Aurélia destrancou a taramela e Chico abriu a porta. Um homem já de meia idade estava parado há alguns passos.

- Seu pai está em casa, rapazinho?

- Não senhor. Não está. Espere... Agora ele está.

O menino viu o pai chegando da roça. Já era final de tarde.

- Vamos, Aurélia. A partida de futebol acabou.

Foram para a cozinha e deixaram o pai conversando com o senhor. Falavam de trabalho.

Na cozinha, os dois encontram a mãe fazendo o jantar. O cheiro era gostoso. Chico foi até o fogão e destapou a primeira panela. Frango com a pele amarelinha cozinhando em meio a folhas de cebolinha e pimentas comari. O cheiro era uma delícia. Chico fez um sinal com a cabeça mostrando a panela para a irmã. Ela sorri. “Que delícia!” Falou a menina - bem baixinho. Caldo de frango caipira com farinha de milho era muito bom. A mãe fazia um purezinho e depois colocava o arroz em cima. As crianças adoravam. Chico tampa a panela do frango e destampa a segunda panela. Milho verde refogado. Mais cebolinha e mais pimenta. Quanta pimenta!  “O que é?” Perguntou a menina. “Milho verde.” Aurélia dava pulinhos e batia as mãozinhas. Simplesmente amava milho verde. Adorava tudo que era feito de milho verde: pamonha de sal, pamonha de doce, mingau, milho verde assado na brasa e coberto com manteiga e sal, bolinhos salgados, bolinhos doces... Tudo gostoso. Chico tampa a panela do milho verde e destampa a terceira panela. Não gostou do que viu. Olhou para a irmã e fez uma cara de eca.  Aurélia já conhecia aquela cara. Era a cara de quem viu quiabo. O irmão odiava quiabo, mas nunca tinha experimentado. Hoje, a panela estava cheia de quiabos verdinhos. Não eram quiabos velhos e duros. Eram quiabos novinhos, tenros e cortados em rodelinhas não muito finas. Da panela subia um cheirinho gostoso, mas nem assim Chico animou-se a experimentar uma pratada de quiabo. Aurélia deu uma risadinha... Ela nunca tinha comido quiabo e se Deus permitisse nunca comeria. “Quiabo é muito ruim, por isso eu nunca comi.” Chico falou com convicção. Ele tampa a panela rapidamente e destampa o caldeirão. Certeza que era feijão. E era. Feijão fresquinho, marrom da cor de terra molhada e com caldo grosso. As bolhas se formavam a todo instante. O feijão ia fervendo e engrossando ainda mais o caldo. No meio do feijão, pequenos pedaços de pele de porco cozinhavam e ficavam molengas e cheirosas. O arroz já estava pronto numa panela sobre a mesa. Arroz branquinho como nuvem no céu.

- Meninos, cuidado com o fogão. Cuidado para não derramar comida quente sobre vocês e nem se queimar com fogo.

- Está bem, mamãe!

Os dois se afastam do fogão e ficam circulando ao redor da mãe que termina os últimos preparativos para o jantar. Quando de repente... Do nada... Surge um ratinho. Não era um rato grande. Não! Não mesmo! Era um ratinho bem pequeno e cinzento.

- Um rato! Um rato! Um rato!

A mãe dos meninos morria de medo de ratos por menores que eles fossem. Ela sapateava e balançava as roupas. É bem provável que o ratinho estivesse com mais medo do que ela. Os meninos ficaram paralisados em saber o que fazer. Até acharam o ratinho bonitinho. O pai ouviu os gritos, entrou na cozinha, pegou uma vassoura e de com um golpe certeiro matou o ratinho que não teve a menor chance de escapar. Com uma pá pequena, o homem pegou o ratinho e jogou-o no lixo.

Enquanto o pai e a mãe conversavam, Chico e Aurélia conversam entre si.

- Chico, por que o ratinho veio aqui?

- Pra buscar comida.

- Pra quem?

- Para os filhotinhos dele.

- Onde os filhotinhos ficam?

- No ninho que deve ficar em algum buraco da parede ou do piso.

- Eles esperam o pai levar a comida pra eles?

- Sim. Os filhotinhos ficam no ninho e o pai sai pra procurar comida.

- Mas e agora, Chico?

- E agora o quê?

- O papai matou o ratinho. Os filhotinhos vão ficar esperando o pai voltar com comida, mas ele não vai voltar nunca mais. O que acontece com os filhotinhos?

- Uai, a mãe deles vem procurar comida.

- Chico, e se o papai matar a mãe dos ratinhos? O que acontece?

- Nossa! Chega de perguntas! Não sei, uai!

- Aurélia, já para o banho. Assim que ela terminar, vá você, Chico. E não demorem. O jantar já está quase pronto.

* * *