AS AVENTURAS DE CHICO E AURÉLIA – EPISÓDIO 2: A FAZENDA

Coronel Francisco Buarque chegou à sua fazenda montado em seu belo cavalo. Não era um cavalo qualquer. Não. Nada disso. Era um cavalo de patrão. Um cavalo forte, grande e negro como uma noite sem estrelas. Quer dizer... Nem tão negro assim. Seria todo negro se não fosse pelas patas com manchas brancas. Coronel Francisco dizia que seu cavalo era negro, mas tinha pisado num balde de leite. Por isso, as patas eram brancas. Era um cavalo de patrão, dizia ele orgulhoso. Não era qualquer um que podia comprar um cavalo daqueles!

A sede da fazenda era um casarão antigo e muito bem conservado. Uma casa com janelas em excesso como era típico nas fazendas. E como toda casa de fazenda aqui em Minas Gerais é branca, a dele também era. E as janelas, todas feitas em madeira, pintadas de azul da cor do céu.

A fazenda chama-se Estrela. Coronel Francisco tinha um verdadeiro fascínio por estrelas. Em tudo o que podia colocava o nome de estrela. Ele tinha uma vaca por nome de Estrela, uma porca com o mesmo nome e uma galinha, que para não ficar com o nome da vaca e da porca, chamava-se Estrelinha.

O coronel sempre tirava tempo para olhar o céu à noite. Quantas estrelas têm no céu? Mais de mil, pensava ele. Uma vez a mãe lhe dissera uma frase que nunca saiu de seu pensamento: “Quem perde o telhado, ganha as estrelas!” Que lindo! Ganhar as estrelas...

O coronel apeia do cavalo, prende-o num lugar próximo e entra na sede da fazenda. Passa calmamente pelo alpendre, depois pelo salão de assoalho de madeira, entra no corredor e vai em direção à cozinha. Quantos cômodos havia no casarão? Muitos. Chega à cozinha. Tudo limpinho. Vê o fogão à lenha aceso e sobre a trempe o bule de café todo esmaltado de verde com flores vermelhas e brancas. Pega a xícara de ferro esmaltada da mesma cor e com o mesmo desenho do bule. Era sua preferida. Bonita, muito bonita! Pensava o Coronel. Pena que tinha um descascadinho. Que pena! Resultado de uma queda desastrosa. Francisco vai até o bule de café e enche a xícara. O café estava pelando. Era preciso assoprar para não queimar a língua. Sobre uma mesa comprida de madeira havia três pratos cobertos. Cada um com um paninho branco com beiradas de crochê amarelo. Ele descobre o primeiro prato: broa de fubá. Que delícia! Redondinhas e trincadas no melhor estilo broas de fubá. Pareciam as encostas de um vulcão por onde a lava passou e abriu fendas. Comeu uma broa e bebeu alguns golinhos de café. O que será que tem no outro prato? Descobriu-o. Meu Deus! Bolo de fubá! Isso é covardia! Bolo de fubá amarelinho. Pegou a faca e cortou uma fatia bem fininha. Mais alguns golinhos de café. Bolo de fubá é “bão demais da conta, sô!” O café da xícara acabou. Coronel Francisco vai até o bule novamente e coloca mais um golinho de café. Mas o que será que tem no terceiro prato?  Deus, perdoe-me pela gula, mas vou ver o que tem lá. Voltou para a mesa e descobriu o terceiro prato. Pão de queijo. Vai ser “bão” pra lá! Pegou um pão de queijo e dividiu-o ao meio. Saiu aquele vaporzinho! Tão quente e gostoso! Aqui em Minas Gerais é assim. Tudo tem sabor e cheiro de pão de queijo. A vida tem sabor de pão de queijo. Acho que no lugar de um coração, mineiro tem um pão de queijo!

“Pronto, acabei. Hora de trabalhar. Vou ver o gado.” Saiu da cozinha, passou pelo corredor, pelo salão e chegou ao alpendre. Lá longe estava o gado. Sempre em pastos separados, mas hoje estavam todos no mesmo lugar. Algumas cabeças de gado leiteiro e muitas cabeças de gado de corte. As vacas leiteiras estavam muito gordas, com úberes cheios. Quem via as vacas tinha a impressão que os úberes iriam estourar a qualquer momento. Mesmo os bezerrinhos mamando à vontade não venciam a quantidade de leite produzida pelas vacas. E o gado de corte? Gado branco. Quantas cabeças o coronel tinha? Não sabia ao certo. Precisava contar. Eram muitas. É bom ser fazendeiro. Não por causa do dinheiro que se tem, mas porque é bom morar no campo, cuidar dos animais, acordar com o canto do galo, ouvir o barulho dos passarinhos, sentir o cheiro da terra molhada quando começar a chover, observar a casinha de joão-de-barro e os ninhos de maritacas, comer fruta tirada direto do pé, molhar os pés nas águas das minas, ouvir o barulho dos sapos quando a noite vem chegando, olhar as estrelas numa noite de junho, sentir o cheiro do capim recém cortado... Nada disso tem preso e quem tem tudo isso é muito rico.

- Chico, vem merendar, meu filho!

- Já vou, mamãe!

Chico deixa as brincadeiras no fundo do quintal e corre ao encontro da mãe. Que cheiro bom tinha sua mãe. Cheiro de mãe. Só as mães têm esse cheiro. É um cheiro bom. Cheiro de céu. Não o céu onde ficam as estrelas. O céu onde fica Deus. A mãe abraça Chico como quem abraça seu próprio coração e o conduz para dentro de casa. Ser mãe é isso. Ter o coração para sempre do lado de fora do corpo! Como já disse alguém.

Lá no fundo do quintal ficou a fazenda do Coronel Francisco Buarque. A estradinha por onde o cavalo passou foi feita de areia, usando as mãozinhas. O cavalo negro de patas brancas não era outra coisa senão um pedaço de sabugo de milho sem grãos. A sede da fazenda era feita de papelão. Dois pedaços de papelão unidos formando um acento circunflexo. O gado leiteiro era composto por pedrinhas redondas, afinal as vacas leiteiras deveriam ser bem gordas. O gado de corte era formado também por pedrinhas, mas não muito redondas para ficarem diferentes do gado leiteiro. A única coisa real da fazenda era a xícara de ferro esmaltada de verde, com uma flor vermelha e branca e com um descascadinho. Tudo na fazenda existia somente na imaginação de Chico.

- Mãe, espera um pouquinho. Vou lá pegar a xícara no quintal e já volto.

Aquela xícara era a preferida de Chico.

Ele não sabia, mas era mais rico que o Coronel Francisco Buarque. Há riquezas que o dinheiro não pode comprar. Essas são as verdadeiras riquezas. E o menino Chico possuía todas as riquezas que não têm preço.

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