AS AVENTURAS DE CHICO E AURÉLIA – EPISÓDIO 1: O OVO

Lá longe, o galo cantou. Nem era tão longe assim. Era o galo índio que seu pai havia comprado há uns dias atrás. Aurélia se remexeu no colchão feito de palhas de milho. Ela adorava sua cama. Toda noite, a mãe mexia e remexia as palhas dentro do colchão. Este ficava alto e fofo. Então, o pai de Aurélia a pegava no colo e com muito cuidado a colocava no meio exato do colchão. Por quê? Para que a menina ficasse dentro de um ninho perfeito. Ao deitar, Aurélia afundava nas palhas e o colchão ficava com o formato de um ninho. Por isso o pai a colocava com tanto capricho sobre a cama. Para não estragar as bordas do ninho. Aurélia jogou as cobertas feitas de retalhos para o canto da cama e levantou-se. Ergueu-se preguiçosamente, colocou os pezinhos gordos no chão e olhou à sua volta. Viu o irmão Chico dormindo na cama ao lado. Aurélia avistou seu chinelinho logo ali perto da cama. Não calçou. Pensou na mãe que sempre pedia para não andar sem chinelos. A mãe dizia que o chão era frio e que se andasse descalça pegaria um resfriado. Aurélia, porém, achava tão gostoso andar descalça! Era gostoso sentir a areia entre os dedos dos pés. Vez ou outra pisava em algum espinho. Ai, ai, ai, que dor na hora de tirar o espinho. Não raramente pegava bichinho de pé. Quando já os descobria entre os dedinhos estavam grandes. Que coceirinha boa! Nem essas lembranças fizeram Aurélia mudar de ideia. Deixou o chinelinho perto da cama e saiu descalça mesmo. O irmão continuava a dormir. Eram meados dos anos oitenta. Aurélia tinha sete anos e seu irmão tinha nove. Eram crianças inocentes. Coisa que as crianças de hoje em dia não sabem ser. Hoje, a gente vê crianças de seis anos namorando. É um absurdo! Mas Chico e Aurélia são de outros tempos. Daqueles tempos que os pais eram casados, crianças eram crianças, adolescentes eram adolescentes e adultos eram adultos. Aurélia atravessa um cômodo pequeno que não era outra coisa senão uma segunda sala. Um cômodo onde havia um jogo de sofá já bem velho. Os pés dos sofás estavam meio bambos e de vez em quando saiam deixando as poltronas deficientes. Era preciso cuidado ao sentar neles. As poltronas estavam em melhor estado do que o sofá grande. Este último já estava mais pra lá do que pra cá. Havia um buraco nele. Num sofá de três lugares, o primeiro lugar era um buraco. Para disfarçar tamanho defeito, a mãe de Aurélia colocou um banquinho de madeira de pernas para o ar para tapar. Pense... É como se quisesse tapar o buraco no casco do Titanic usando uma bolinha de chiclete mascado. Mas isso era só um detalhe. Aurélia chega à cozinha e vê a mãe terminando de fazer o café. A menina sempre pensava sobre a mãe. Esta sempre acordava antes do galo. Isso devia ser constrangedor para o galo. Quando ele cantava, já tinha gente de pé. O galo tinha a impressão de estar sempre atrasado. Coitado! A menina aproxima-se da mãe e diz:

- Sua benção, mãe.

A mãe muito educadamente para o que está fazendo e estende a mão para a filha.

- Deus te abençoe, minha filha! Dormiu bem?

- Sim, mãe. E a senhora? Como passou?

- Bem também. Estou terminando de fazer o café e os pães de queijo já estão prontos. Terminei de assá-los agora há pouco. Estão pelando!

- Está bem. Vou esperar o café.

Aurélia senta-se num banquinho de madeira igual ao que foi usado para tapar o buraco do sofá. Olhou ao redor e observou a cozinha. Tudo muito simples, mas de uma limpeza invejável. As panelas e suas tampas pareciam espelhos. Nenhuma manchinha, pensou consigo mesma.

O café ficou pronto. Aurélia sentiu o cheirinho de café fresco. A mãe trouxe o bule com o café e um prato esmaltado cheio de pães de queijo. O irmão de Aurélia entra na cozinha, cumprimenta respeitosamente a mãe e olha em direção à irmã. Aquele olhar de cumplicidade que só irmãos têm. Não que os dois fossem perfeitos. Nada disso. Os arranca-rabos eram frequentes. Mas eram irmãos. Cúmplices nas brincadeiras, nas travessuras, enfim, em tudo. Ele a chamava de “rabinho” porque aonde ele ia, ela ia junto. A mãe avisa:

- Hora de lavar o rosto e escovar os dentes. E não se esqueçam de lavar bem as mãos.

Chico obedeceu e foi seguido pela irmã. Ele vê a irmã atrás dele e sorrindo diz:

- Vamos, rabinho!

Chico foi à frente e entrou no banheiro. Aurélia esperou em frente à porta como um cão de guarda fiel. Enquanto espera, cantarola uma canção que aprendeu na escola. Depois de alguns minutos, Chico sai do banheiro e se encaminha para a cozinha. Aurélia entra no banheiro e quando sai, observa que o irmão não havia esperado por ela. Pensou: Se fosse eu, tinha esperado por ele. Aurélia se encaminha para a cozinha. Os três tomam café e comem pão de queijo. Tudo tão quentinho! Tudo tão gostoso! O pai já tinha ido para a lavoura.

De barriguinha cheia, as crianças saem em direção ao quintal. Quando se é criança o quintal é um lugar mágico. Só quem é criança entende essa magia. Os adultos já esqueceram. No quintal grande de terreno arenoso havia algumas árvores frutíferas. Uma jabuticabeira, duas laranjeiras, uma romãzeira e um maracujazeiro. E mais alguns entulhos que para a imaginação dos dois eram restos de um edifício que desabou com a passagem de um furacão tropical. Para eles, as árvores formavam uma densa floresta cheia de animais ferozes. O que para um adulto era um graveto, para os dois era uma espada. Uma batata e quatro palitos de fósforos eram na verdade uma vaca muito gorda. Um buraco no chão feito pelas galinhas era uma cratera na Lua, E nesse mundo de magia e encantamento os dois se divertiam por horas e esqueciam-se do resto do mundo.

Aurélia caminha pelo quintal, mas sem perder o irmão de vista. Quando de repente... Em meio a um entulho, a menina vê um ovo. Não era de galinha. Nem de galinha grande, nem de galinha pequena. Também não era de pata porque como você sabe, caro leitor, a pata bota no chão. Nem precisa de ninho. A pata é muito prática, bota em qualquer lugar. E aquele ovo, no meio do entulho, lá no alto? Aurélia subiu nos entulhos, esticou o bracinho e pegou o ovinho com cuidado. Chamou o irmão que veio a jato.

- Chico, olhe! Que ovinho legal! Tão pequeno e frágil! É de passarinho?

- Não sei, Aurélia. Talvez seja de algum dinossauro. Talvez o dinossauro botou e esqueceu aqui.

- Você é bobo demais, Chico! Dinossauros não existem há muito tempo. Acho que já faz uns cinco anos que eles morreram.

- Boba é você, Aurélia. Faz muito mais tempo. Faz uns dez anos que eles morreram.

- Chico! Aurélia! Venham almoçar!

- Nossa! Mas já está na hora do almoço? Como o tempo passou depressa. Brincamos um pouquinho, achamos um ovinho e já está na hora do almoço. Vamos, rabinho!

- Já vou. Vou levar o ovinho e mostrar para a mamãe. Vou perguntar para ela se é de passarinho ou de dinossauro.

- Então... Vamos!

Aurélia segura o ovinho com cuidado para não quebrar. Os dois chegam perto da mãe e perguntam quase ao mesmo tempo.

- É de passarinho, mamãe? Pode ficar com ele? –disse Aurélia.

- É de passarinho? Responde por favor, mamãe!

A mãe sorriu como fada. Aurélia desconfiava que a mãe fosse uma fada disfarçada de mãe.

- Não, meninos. Não é de passarinho. É de lagartixa.

Aurélia olha para o ovinho meio com nojo e diz:

- Credo, mamãe! Não é de passarinho? Tem certeza?

- Tenho certeza, filha. É de lagartixa!

 Chico pensa um pouco e...

- Lagartixa deve ser parente próximo de dinossauro. Não te disse, Aurélia! Eu acertei! Pode ficar com ele, mamãe?

A mãe sorrindo:

- Pode uai. Fazer o quê? Agora, entrem meninos! Hora do almoço.

Crianças... Tão inocentes... Tão puras... Pena que um dia elas crescem. Pensou a mãe dos meninos.

* * *