1. Introdução

 A obra de Jorge Amado deixa um legado para a literatura, pois retrata a cidade de Ilhéus juntamente com seus sítios históricos e naturais que se difundiram no imaginário de leitores. A pesquisa se justifica, então, pela importância para o âmbito da literatura e do turismo, uma vez que se faz possível contribuir de forma significativa para futuros estudos da obra amadiana na descrição das particularidades do romance Gabriela, Cravo e Canela (2003) e, consequentemente, nos estudos voltados à literatura sul baiana.

A narrativa apresenta a cultura baiana, ainda que seja um romance regionalista da segunda fase modernista (1930-1945) a obra conserva elementos da narração do século XIX. Na obra notamos o grande destaque que o autor dá ao lugar onde se passa a trama, podemos dizer que há uma ênfase da cor local como no século XIX. As personagens são nesta trama extremamente relacionados ao ambiente, ou seja, a influência do meio social.       

Assim, o artigo objetiva pesquisar os lugares descritos no romance, buscando sinalizar as informações que os particularizam como reais ou fictícios, os quais influenciam no desenvolvimento do turismo na cidade de Ilhéus. Para tanto, propõe-se investigar as descrições dos lugares; verificar a influência da literatura para o crescimento do turismo; observar a existência dos espaços físicos atualmente na cidade e identificar marcas na personagem Gabriela que a expõe como ícone.

O trabalho está estruturado em três partes. Na primeira, será abordada a fundamentação teórica, baseada em (REHEM, 2001), (ISER, 1996), (SIMÕES, 2006) e (LIMA, 1986), os quais abordam sobre literatura do cacau, fictício e imaginário, turismo cultural, documento e ficção respectivamente. Num segundo momento, será feita uma exposição de trechos do romance, através de citações que retratem os espaços escolhidos e, posteriormente, a análise dos dados. Por fim, apresentam-se as considerações finais.

 

2. Fundamentação Teórica

Como embasamento teórico foram utilizados alguns críticos como REHEM, 2011; e SIMÕES, 2006 , os quais seguem à temática da literatura atrelada ao turismo. Dessa forma faz-se necessária a compreensão histórica cultural da obra amadiana aqui estudada, considerando a cidade de Ilhéus foco de atração turística. Nesta perspectiva a literatura problematiza temas como a redimensão dada as representações imagéticas no romance Gabriela, Cravo e Canela.

A literatura nos permite identificar características estereotipadas da personagem Gabriela, este arquétipo do turismo local com imagem amplamente explorada, mas também inserida no mercado turístico da Bahia, promovendo a perenidade da produção ficcional de Jorge Amado. A inter-relação existente entre literatura e turismo apresenta-se como uma dicotomia que contribui para que haja uma maior valorização da cultura frente ao mercado pré-estabelecido.

Para análise e identificação das imagens representadas no romance objeto desta pesquisa, foram selecionados os teóricos ISER, 1996 e LIMA, 1986. Estes discutem as características do documental e do ficcional, esclarecendo o fictício e o imaginário. Assim os autores mostram conceitos sob diferentes aspectos, por meio de exemplos da prática literária. Nota-se então a dinamicidade da literatura regional frente a temas universais, portanto retrataremos a obra Gabriela, Cravo e Canela pelo viés da literatura, do imaginário, além do turismo cultural.

 Os autores assinalam ainda, nesse estudo, o surgimento da expressão literária marcada pelo veto ficcional, que está associado à literatura como figura de requerimento das palavras, ou seja, o ficcional serve como conceito desfavorável a outra coisa. Em contextos discursivamente equivalentes, para a literatura o documento mostra-se como um status radicalmente diverso. LIMA (1986) afirma que para a história os papéis do documento desempenham uma função determinante, já para a literatura ele trabalha como elemento auxiliar.

ISER (1996, p.209) assinala que “o imaginário apresenta-se como uma criação conceitual relativamente nova, e ganha importância a medida que cresce o ceticismo com relação ao que seriam fantasia e imaginação”. Para o autor, verificamos o imaginário de modo prolixo, incompleto, fluido e sem um referencial específico que o identifique. Mas, apesar de sua existência no estado prolixo, ele é a condição para ir além do existente e projetar o ainda inexistente. Portanto, o imaginário é idêntico a um espaço aberto que, sem indicar limites, permite a invenção do possível como suposição de uma outra realidade.

Segundo Rocha (1999, p.70) ISER expõe que,

 

 

O fictício depende do imaginário para realizar plenamente aquilo que tem em mira, pois o que tem em mira só aponta para alguma coisa, alguma coisa que não se configura em decorrência de se esta apontando para ela: é preciso imaginá-la. O fictício compele o imaginário a assumir forma, ao mesmo tempo que serve como meio para manifestação deste. O fictício tem de ativar o imaginário, uma vez que a realização de intenções requer atos de imaginação.

 

Assim, o fictício se caracteriza como uma específica forma de objeto de transição que se move através do real e do imaginário com o intuito de provocar sua mútua complementaridade.

 

3. Descrição e análise da obra

 Gabriela, Cravo e Canela (2003) foi traduzido para 15 idiomas, em edições que marcam sucesso de crítica e de público. Aborda a cidade de Ilhéus-ba, quando passava por algumas mudanças, por volta do ano de 1925. A fortuna trazida pelo cacau permitiu a ampliação urbanística, construindo-se ruas, levantando-se casas, nascendo-se jornais e pontos comerciais. A personagem Gabriela, protagonista do romance é descrita pelo autor como um belo arquétipo de mulher, ingênua e natural, acima do bem e do mal. Amado criou qualidades de uma típica mulher baiana com sensualidade, alegria, amorosidade, sem malícia e feliz com a vida.

Em cima desse alicerce, a idéia de representações imagéticas vai ser constituída no livro, através das descrições das belezas naturais e físicas da cidade, mas também das construções dos personagens, apresentando o percurso do leitor-turista, por meio de dados narrativos que permitem refletir sobre particularidades históricas (textos documentais), por vezes confundidas com o texto ficcional. É nesse contexto, que Jorge Amado constrói a obra literária com traços fotográficos e de linguagem adjacente a oralidade.

Nessa perspectiva, que o trecho exemplifica a situação através da passagem que aborda a Igreja de São Sebastião Catedral, que diz

 

As solteironas, numerosas, em torno à imagem de santa Maria madalena, retirada na véspera da Igreja de São Sebastião, para acompanhar o andor do santo padroeiro em sua ronda pela cidade, sentiam-se transportar em êxtase ante a exaltação do padre habitualmente apressado e bonachão, despachando sua missa num abrir e fechar de olhos, confessor pouco atento ao muito que elas tinham a lhe contar, tão diferente do padre Cecílio, por exemplo.² (2003, p.8)

 

 

Nesse fragmento, o autor expõe um dos cenários históricos onde, é apresentado como promotor de diversão para as mulheres submissas que vão de encontro aos bons costume pregados pela sociedade da época. As pessoas que viviam em Ilhéus tinham respeito e devoção pelos altares da Igreja de São Sebastião, acreditavam no catolicismo como aliado para o bom desenvolvimento do cacau, produto que valia ouro. Assim, naturalmente houve um maior número de promessas e orações, além de donativos em dinheiro para construção de uma Catedral maior. Os leitores desta obra buscam conhecer este patrimônio histórico fazendo a relação documento-ficção, os quais os transformam em turista-leitor.

Dentro da moldura do “teatro mental”, Jorge Amado não documenta suas convicções ou valores ao falar das belezas, mais utiliza de uma metáfora iluminadora do ficcional, ou seja, do discurso literário, o qual tem a condição de não provocar, como acontece no uso normal da palavra ficção, um avesso à realidade. Dessa forma, LIMA (1986, p.194) assinala que “a literatura não está nas palavras ou na forma de agenciamento das palavras, mas em um conjunto de regras que subordinam as palavras a certa forma de comunicação”.

O bar Vesúvio e o cabaré Bataclan, retratados no texto narrativo amadiano, como locais de encontros de uma cidade em desenvolvimento tanto no campo social, quanto no político, são também ambientes frequentados por população masculina, onde se pode observar

 

O bar Vesúvio era o mais antigo da cidade. Ocupava o andar térreo de um sobrado de esquina numa pequena e linda praça em frente ao mar, onde se erguia a Igreja de São Sebastião. Na outra esquina, inaugurava-se recentemente o Cine-Teatro Ilhéus. Não se devia a decadência do Vesúvio à sua localização fora das ruas comerciais, onde prosperavam o Café Ideal, o bar Chic, o Pinga de ouro, de Plínio Araçá, os três principais concorrentes de Nacib. (2003, p.43)

 

 Nesse sentido, podemos verificar que além do bar Vesúvio em ilhéus, surge outros por ser um bom negócio, sendo este mais antigo. E isso é verificado no livro a partir do momento que os personagens vivenciam momentos distintos tanto nos bares, como nos cabarés. No Bataclan os homens bebiam, passavam a noite com mulheres consideradas prostitutas, já no Cine-Teatro de Ilhéus aconteciam às sessões de cinema, espetáculos, Amado expressa a história desses lugares, os quais representam hoje, a identidade cultural da cidade estimando o valor da cultura local de um povo.

É formidável ressaltar que o autor desenha um mapa da cidade ao mencionar igrejas, bares, cabarés e ruas. A construção destas representações se faz a partir do imaginário e fictício para ir até o documento, assim Lima (1983, p.386) diz que “na verdade, o imaginário não se transforma em um real por efeito da determinação alcançada pelo ato de fingir, muito embora possa adquirir aparência de real na medida em que por este ato pode penetrar no mundo e ai agir”.

Uma representação marcada na obra aqui estudada é a personagem Gabriela, ela apresenta-se como um mistério a ser desvendado, no trecho Amado (2003, p.156) assinala que “os chinelos arrastando-se no cimento, os cabelos amarrados com uma fita, o rosto sem pintura, as ancas de dança” nesse contexto podemos averiguar que a descrição feita pelo autor mostra-se como uma das marcas que atraem turistas para a cidade de Ilhéus. Por essa razão a literatura corrobora forte influência na apreciação da cidade, isto porque a obra Gabriela, Cravo e Canela (2003) provou êxito de julgamentos e leitores, além de ter adaptação em novela e filme.

No que diz respeito ao turismo vinculado a literatura, Simões vai afirmar que,

 

Operar o turismo através da literatura implica uma compreensão do funcionamento do mercado cultural no contexto globalizado. É forma de valorização do discurso literário e do bem simbólico local, que habita o imaginário ficcional... Por essa ótica, a cultura sobrepõe-se ao mercado, pois é ela quem dará o “tom” da relação entre local e global, entre cultura e turismo.  (2006, p.12)

  

 

            Além de fazer uma análise sobre o contexto da modernidade, que posteriormente desencadeia no mercado turístico, Simões faz também alusão à literatura, no momento que se refere ao imaginário ficcional, o qual está intimamente ligado ao discurso literário, desse modo a ideia de representações imagéticas será ratificada, por meio de passagens do romance. Diante disso, acontecem as mesclas das imagens construídas por Amado com os monumentos históricos encontrados em Ilhéus.

 

4. Considerações finais

 

A obra Gabriela, Cravo e Canela (2003) apresenta características que divulga a cidade de ilhéus, sua cultura, costumes, hábitos e pessoas, além de sítios históricos e naturais, baseada na “época de ouro” e de lucros vindos do cacau. Jorge Amado, expressa nesse romance a então rica e pacata Ilhéus que ele imaginou, podendo ser vista através de personagens como a figura de Gabriela representante de uma nova geração de mulheres, que se destaca como protótipo do turismo local.

 Assim, o fictício e o imaginário embasado na narrativa aqui pesquisada misturam-se com o real, em que o autor delineia o percurso da população ilheense, através de contrapontos com os espaços descritos, que ajudam na compreensão da sociedade regional e na importância da cultura, que culmina em um comovente romance, entre o árabe Nacib e a mulata Gabriela

Por meio da leitura e análise da obra estudada neste artigo é possível constatar que existe uma perenidade na representação do imaginário ficcional, o que resulta em múltiplas visualizações de Ilhéus, assumindo um olhar mais firme para a literatura como promotor da cultura, tornando veículo de mercado turístico. Por intermédio de tais resultados faz-se possível afirmar que o conteúdo oferecido pela literatura baiana é capaz de descrever as modificações ocorridas em Ilhéus no livro Gabriela, Cravo e Canela. Dessa forma conclui-se que é preciso estudar a dinâmica das representações imagéticas de Ilhéus na década de 20, uma vez que esta se comporta de forma diferente, assumindo novas características, as quais são abarcadas pelos manuais literários e ignoradas por muitos professores.

 

Referências

 

 

AMADO, Jorge. Gabriela, Cravo e Canela. Rio de Janeiro, São Paulo: Record, 2006. 94ª ed.

 

CESTARI, Fernanda Giselle Morais do Vale. A imagem vulgarizada da mulher na obra de Jorge Amado. Ilhéus, 2003. Monografia (Especialização) - Universidade Estadual de Santa Cruz.

 

ISER, Wolfgang. O Fictício e o Imaginário: perspectivas de uma Antropologia Literária. Rio de Janeiro: EdUERJ, 1996.

 

LIMA, Luiz Costa. Sociedade e Discurso Ficcional. Rio de Janeiro: Guanabara, 1986.

 

LIMA, Luiz Costa. Teoria da literatura em suas fontes. Rio de Janeiro: F. Alves, 1983. 2ª ed.

 

MACÊDO, J. R.; RIBEIRO, A. L. R. Ilhéus: tempo, espaço e cultura. Itabuna: Ed. Agora, 1999.

 

MENEZES, Juliana Santos. As imagens de Ilhéus em Terras do Sem Fim, São Jorge dos Ilhéus e Gabriela, Cravo e Canela de Jorge Amado. Ilhéus, 2001.47f. Monografia (Especialização) - Universidade Estadual de Santa Cruz.

 

MOISÉS, Massaud. História da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 1996. Vol V – Modernismo.

 

REHEM, Reheniglei. O eterno retorno do cacau: história, literatura, imaginário. Águas do Almada Cultural, Itajuípe, jun/jul, 2001, p.3.

 

ROCHA, João Cesar de. Teoria da ficção: indagações à obra de Wolfgang Iser. Rio de Janeiro: EdUERJ, 1999.

 

SIMÕES, Maria de Lourdes Netto (Org). In. Identidade Cultural e Expressões Regionais.         SIMÕES, Maria de Lourdes Netto. Literatura, Cultura e Turismo: Identidade Cultural e  Expressões Regionais. Ed. Editus, Ilhéus, 2006.

 

SILVA, Dyala Ribeiro. Literatura, Mídia e Turismo em Gabriela, Cravo e Canela de Jorge Amado. In: Identidade Cultural e Expressões Regionais. SIMÕES, Maria de Lourdes Netto (Org). Ed. Editus, Ilhéus, 2006.