Artigo 28 da Lei de Antidrogas (11.343/06): Uma análise sob a perspectiva de Crime de Perigo Abstrato. *


Roberta Costa Novaes**


SUMÁRIO: Introdução; 1. Crimes de Perigo; 1.1. A inconstitucionalidade dos Crimes de Perigo Abstrato; 2. A conduta do art. 28 da Lei Antidrogas; 2.1 Princípio da Ofensividade e Autolesão; 3. A descriminalização da conduta do art. 28 da lei 11343/06; Conclusão; Referências.




RESUMO
Apresenta-se uma análise acerca do Art. 28 da Lei de Tóxicos que trata do porte de drogas para consumo próprio, entendido como Crime de Perigo Abstrato em que o legislador não tipificou, mas pela ação do agente é presumida a existência do perigo. E enquanto presunção, tutela como bem jurídico a saúde pública, incriminando a autolesão do portador de drogas para uso próprio, conduta essa não tipificada como crime pelo Código Penal, ferindo assim, princípios assegurados constitucionalmente, resultante da falta de políticas públicas de um Estado dito democrático de direito que tem na pena sua maior forma de organização.


PALAVRA-CHAVE
Crime de Perigo Abstrato. Autolesão. Princípios Constitucionais. Lei Antidrogas.

Introdução

Com o aumento da criminalidade no Brasil, país que não investe em políticas de prevenção somente de punição, houve a necessidade de se criminalizar condutas de iminência de perigo acreditando assim evitar com que o dano viesse a ocorrer, colocando no ordenamento jurídico brasileiro, os crimes de perigo. Dentre sua classificação os que merecem maior destaque para este, são os de perigo concreto e abstrato; no concreto o legislador tipificou no próprio tipo penal, pois são prováveis que se determinado indivíduo cometer aquela conduta existe a probabilidade que um dano ocorra. Ao contrário dos crimes de perigo abstrato que são uma dedução, uma presunção do legislador de que determinada ação colocou em perigo outrem. Percebe-se diante disso a inconstitucionalidade deste último, ferindo princípios como o da ofensividade ou lesividade; da proporcionalidade, da culpabilidade e da intervenção mínima.
As condutas do art. 28 da lei antidrogas são incriminadas pelo uso próprio, ou seja, o usuário de drogas é punido com pena privativa de direitos pelo fato de usar a droga. Considera-se o consumo pessoal como elementar desse tipo, pois se o mesmo cometer todas aquelas condutas contra terceiros, esse sim deve ser considerado crime, até porque afeta o bem jurídico de outra pessoa que não seja aquela que está se utilizando da droga. Com base nessa idéia entende-se inconstitucional os crimes de perigo abstrato bem como o artigo supracitado, pois o Código Penal não incrimina a autolesão, e o indivíduo deve ter sua liberdade de escolha assegurada.

1. Crimes de Perigo


Os crimes de perigo são aqueles em que basta o simples perigo, a ameaça ou a existência do risco para que a pessoa que realizou a conduta seja criminalizada. Esta conduta é destacada desde o direito penal romano, em crimes de falsum, traição e covardia, em que tais condutas não eram exigidas a possibilidade de dano para que o delito se consumasse como destaca Giordano .
Por em perigo significa ameaçar ou por em risco a existência ou a integridade de um bem jurídico tutelado, basta que exista a probabilidade de ocorrência do dano para que exista a infração penal. A intenção do legislador quando instituiu os crimes de perigo fora de evitar que um possível dano viesse a ocorrer. Com base na identificação do perigo como possibilidade de dano, define Reale Júnior: "a aptidão, a idoneidade de um fenômeno de ser causa de dano, ou seja, é a modificação de um estado verificado no mundo exterior com a potencialidade de reproduzir a perda ou diminuição de um bem, o sacrifício ou a restrição de um interesse."
Quanto à classificação, os crimes de perigo dividem-se em crimes de perigo concreto, de perigo abstrato, de perigo individual, de perigo comum ou coletivo, de perigo atual, de perigo iminente, de perigo futuro ou mediato. Os dois primeiros tipos possuem maior significância na classificação por conta principalmente das discussões, sendo que para este o de perigo abstrato merecerá maior destaque.
Os crimes de perigo individual atingem diretamente uma única pessoa, como é o caso do crime de perigo de contágio venéreo (art. 130 do CP), de perigo comum ou coletivo, aquele que atinge uma coletividade, um número indeterminado de pessoas, como o crime de explosão (art.251 do CP); crime de perigo atual aquele que está acontecendo; de perigo iminente, que está prestes a acontecer e de perigo futuro ou mediato, conduta que pode acontecer no futuro devido determinada situação como o porte ilegal de arma de fogo.
Os crimes de perigo concreto são aqueles que o legislador tipificou enquanto tal estabeleceu expressamente a ocorrência do perigo, porém não basta à simples ocorrência, é necessária uma comprovação, uma verificação efetiva do perigo, analisando caso a caso para garantir a certeza do fato ocorrido. Diferente do que ocorre no crime de dano, em que basta a observação para que se verificar a ação. Os crimes de perigo concreto, embora presentes de forma expressa pelo legislador é necessário perícia para que se comprove o perigo, a ameaça e o risco ao bem jurídico protegido, para só então se confirmar a consumação do crime, é o que ocorre nos crimes de incêndio, por exemplo.
Já os crimes de perigo abstrato ao contrário dos de perigo concreto, não vem expressos no tipo penal, ele refere-se a uma presunção em que o legislador entendeu que o perigo era inerente a determinada conduta, como corrobora Greco, "o próprio perigo é presumido em caráter absoluto, bastando para a confirmação do crime que a conduta seja subsumida num dos verbos previstos" . Isto é, enquanto que no crime de perigo concreto o legislador insere no tipo a possibilidade de perigo, no crime de perigo abstrato não, é o núcleo do tipo que irá delimitar o perigo existente naquela conduta, como a lei antidrogas, com mais destaque para o art. 28, em que o legislador presumiu que o uso próprio de entorpecentes causa perigo à saúde pública, por isso é crime, o que é motivo de divergências, o qual será analisado a diante.

1.1 A inconstitucionalidade dos Crimes de Perigo Abstrato


Como já destacado os crimes de perigo abstrato partem de uma presunção absoluta do legislador pela lesão a um bem jurídico tutelado, com o objetivo de que sejam punidas essas ações antes que o dano venha a ocorrer, por isso basta à simples exposição ao perigo para que esta conduta seja criminalizada. É dentro dessa noção de presunção de perigo que se analisa a inconstitucionalidade e legalidade dos crimes de perigo abstrato com bases nos princípios do direito penal assegurados pela Constituição Federal.
Os princípios é a fonte do direito basilar para a construção de um ordenamento, possuem caráter de superioridade em relação às regras, logo devem sempre ser levados em conta para garantia do Estado Democrático de Direito. Dentre todos os princípios reguladores do controle penal, quatro podem ser citados com maior destaque por serem violados pela criminalização de tipos penais de perigo abstrato. São eles, o princípio da lesividade ou ofensividade; princípio da proporcionalidade; princípio da intervenção penal mínima e princípio da culpabilidade.
O princípio da lesividade ou ofensividade baseia-se na existência de um risco material, ou seja, de um perigo concreto, é necessário um real e efetivo dano para o bem jurídico tutelado para que a conduta seja tipificada. É necessário que o legislador se incrimine apenas condutas capazes de lesionar ou no mínimo que coloque em risco determinado bem jurídico, caso contrário não há que se incriminar conduta que não tenha gerado perigo concreto. Acerca desse assunto destaca Bitencourt a inconstitucionalidade dos crimes de perigo abstrato,

Por essa razão, são inconstitucionais todos os chamados crimes de perigo abstrato, pois, no âmbito do Direito Penal de um Estado Democrático de Direito, somente se admite a existência de infração penal quando há efetivo, real e concreto perigo de lesão a um bem jurídico determinado.


Quanto ao princípio da proporcionalidade, significa que deve haver proporção entre a gravidade do crime cometido e a sanção prevista. Logo, crimes de maior potencial ofensivo devem ter penas mais severas e crimes de menor potencial ofensivo, penas mais brandas. É necessário uma ponderação na delimitação das penas com relação ao crime cometido, para isso é necessário levar como base os parâmetros de adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. A adequação refere-se que todos os atos do legislador devem está compatíveis com os valores previstos na Constituição; o da necessidade é necessário que não se exceda os limites indispensáveis e menos lesivos possíveis para se garantir a conservação do fim legítimo pretendido; e o da proporcionalidade em sentido estrito refere-se, que o legislador deve se valer dos meios mais adequados a penalizar determinado ato com relação ao crime, a fim de que não se gere penas desproporcionais.
Para Batista,"firmou a concepção da pena como a ultima ratio: o direito penal só deve intervir nos casos de ataques muito graves aos bens jurídicos mais importantes, e as perturbações mais leves da ordem jurídica são objetos de outros ramos do Direito" . Como o próprio nome relata esse princípio, intervenção mínima, busca que sejam utilizadas todas as formas de punição, quer sejam civis, administrativas, para que só então se valha das penais. Por isso, como destacou Batista ser o Direito Penal a ultima ratio, só podendo ser utilizado quando os demais ramos do direito forem incapazes de resolver, por isso sua função subsidiária. Contudo, não é isso que se observa no ordenamento jurídico brasileiro, em que o Direito Penal é utilizado com sola ratio ou prima ratio, como destaca Bitencourt , em que se vê na criminalização de condutas insignificantes a saída para a solução de conflitos existentes na sociedade.
E por último cabe analisar o princípio da culpabilidade toma por base outro princípio que é o nullum crimen sine culpa que grosso modo significa que não há crime sem culpa. É a análise da relação entre o ato cometido levando em conta o dolo ou culpa, é um fenômeno social e não individual. É necessário o nexo de causalidade entre a ação e o dano causado.
Diante desses princípios observa-se que o crime de perigo abstrato contraria todos eles, quando pune com penas restritivas e punitivas de direitos, condutas que antes poderiam ser resolvidas de outras formas, como sanções administrativas, civis; só há que se falar em crimes aqueles que ferem de maneira concreta, real o bem jurídico e que necessita de proporcionalidade na estipulação da pena. O que não ocorre e como exemplo claro tem-se a conduta do art. 28 da lei antidrogas que pune a autolesão que nem crime é considerado pelo Direito Penal.

2. A conduta do artigo 28 da Lei Antidrogas e a Autolesão


Cabe analisar aqui as condutas que são tipificadas como crimes no presente artigo 28, da lei 11.343/2006, que diz,
Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: I - advertência sobre os efeitos das drogas; II - prestação de serviços à comunidade; III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

Para que se entenda é necessário compreender o conceito de crime, a Lei de Introdução ao Código Penal (Decreto Lei n 3.914/41) define crime, como: Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou detenção, quer isoladamente, quer cumulativamente com a pena de multa. Talvez pelo conceito trazido por essa lei, a noção de crime sempre esteve atrelado a idéia de detenção ou reclusão e também de multa. Como corrobora Marcão, promotor do Ministério Público do Estado de São Paulo,

É certo que o art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal brasileiro é bastante objetivo e esclarecedor naquilo que pretende informar. Contudo, é preciso ter em conta que o Código Penal brasileiro é de 1940 e, portanto, elaborado sob o domínio de tempos em que nem mesmo as denominadas "penas alternativas" se encontravam na Parte Geral do Código Penal da forma como foram postas com a reforma penal de 1984 (Lei n. 7.209, de 13-7-1984), e menos ainda com o status que passaram a ser tratadas com o advento da Lei n. 9.714/98. O Direito Penal daquela época era outro, bem diferente do que agora se busca lapidar, e bem por isso a definição fechada e já desatualizada do art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal não resolve a questão, segundo entendemos.


Com isso, entende-se que se a conduta culmina com uma pena ela é considerada infração penal, independente se restritiva ou privativa de direitos. Até porque o Código Penal Brasileiro classifica as penas em restritivas de direito (reclusão e detenção); privativas de direto (prestação de serviços comunitários; interdição temporária de direitos; limitação de fim de semana; perda de bens e valores; prestação pecuniária) e multas.
Em análise das condutas do artigo supracitado, tem-se adquirir, guardar, ter em depósito, transportar ou trazer consigo droga sem autorização ou determinação legal, para consumo pessoal. A conduta de adquirir significa que a pessoa passa a ser proprietário, dono do objeto, pouco importando a forma de aquisição- se por compra e venda, se por doação ou qualquer outro meio. A de guardar caracteriza-se por ser uma conduta aonde haja clandestinidade, ou seja, a conduta se equipara com a de adquirir a droga, mantê-la escondida sem que haja a sua publicidade. A conduta de guardar, por vezes pode ser confundida com a conduta de ter em depósito, pois esta última caracteriza-se como manter a droga sob o controle, ou seja, armazenar a droga de forma que se tenha a disponibilidade sobre a mesma, não exposta ao público ? sendo que manter a droga em depósito pode ser tanto exposto como não exposto ao público.
No caput, há também a conduta de transportar, que já traz em si própria, a idéia de deslocamento, do deslocamento de um local para outro. Gomes, diz que nesta conduta, não importa o animus do agente, ou seja, faz-se o transporte para depois ter consigo ou se faz para terceiros . Aqui vale uma análise sobre isto, pois Gomes defende que pouco importa o animus do agente no transporte, no entanto, no próprio caput do artigo 28, há a expressão "para consumo próprio", que reflete uma conduta elementar para a tipificação deste crime, ou seja, se o agente faz transporte para terceiros, não há que se falar neste crime, e sim em outro, pois para a tipificação deste, necessita que o transporte seja feito para o consumo próprio. A conduta de trazer consigo, constante também no caput, é sinônimo de portar a droga, e fundamental nesta conduta é que haja a disponibilidade de uso da substância portada.
Segundo Gomes, "Além do dolo (que significa saber e querer: saber que te a posse da droga e querer tê-la) o tipo em destaque faz expressa referência a uma intenção especial do agente: para consumo pessoal" . Quanto ao elemento subjetivo da infração, a mesma só admite a modalidade dolosa, ou seja, o agente tem que ter a vontade livre e consciente de adquirir, guardar, ter em depósito, transportar ou trazer consigo droga para consumo próprio. Ressalta-se que, a expressão "para consumo próprio" ? como dito anteriormente-, é a elementar do tipo, pois, se o agente pratica estas condutas, mas que não seja para consumo próprio, a conduta praticada recairá sobre outro tipo penal. Assim, para a tipificação desta conduta, além do dolo geral, necessitará também do dolo específico, que engloba a intenção do agente de ter a droga para consumo próprio.
Esse crime é classificado como de perigo abstrato com bem jurídico a saúde pública, em que o legislador presumiu que o indivíduo sob o efeito de entorpecentes gera um perigo direto a saúde de outrem.

2.1 Principio da Ofensividade e Autolesão.

Esse artigo e seus parágrafos pune com pena privativa de direitos todas essas condutas para uso próprio, cabe aqui a análise do quesito autolesão, que não é tipificado enquanto crime pelo Código Penal, salvo se for meio para o cometimento de outro crime, mas o que não é o caso. Na autolesão não existe crime, pois não fora atingido bem jurídico de terceiro, o consumo ou não de drogas, encontra-se dentro da esfera do livre-arbítrio de cada cidadão, e que possui garantia constitucional, não podendo o consumo próprio ser punível.
O que ocorre neste crime é que, um fato que é reprovado socialmente ? consumo de drogas -, passa a ter uma tutela penal, com o intuito de atender os anseios sociais e repassar a imagem de que o direito penal é eficaz e eficiente na proteção dos bens jurídicos escolhidos para tutela. Agora, pergunta-se, como neste crime ocorrerá uma efetiva tutela pelo direito penal, se não existe lesão a nenhum bem jurídico de terceiro? E como corrobora Hamoy Júnior:

Dessa maneira, num Estado Democrático de Direito só pode subsistir um Direito Penal baseado na ofensa a bem jurídico de terceiro (nullun crimen sine iniuria). Significa, pois, que a intervenção penal, maléfica e estigmatizante, só pode ser justificada quando a conduta do indivíduo causa dano, ofensa, lesão, de considerável gravidade a bem jurídico de terceiros.Valer-se do Direito Penal apenas para construir um padrão ideal de comportamento, que atenda aos interesses de determinada camada social, é fazer vistas grossas ao pluralismo previsto na Constituição . Numa verdadeira democracia, onde toda e qualquer minoria deve ser tutelada, a utilização do Direito Penal para determinar regras de conduta, sem qualquer lesão a bem jurídico alheio, é absurda.


O princípio da ofensividade está atrelado diretamente a questão da autolesão, pois se na autolesão não há ofensa a bem jurídico de terceiro, logo não há perigo concreto com relação a outrem, não existe risco material a nenhum bem jurídico. E corroborando com essa idéia, define Zaffaroni e Batista, "nenhum direito pode legitimar uma intervenção punitiva quando não medeie, pelo menos, um conflito jurídico, entendido como a afetação de um bem jurídico total ou parcialmente alheio, individual ou coletivo." . Assim sendo, temos que a conduta abrangida pelo artigo 28, não deveria ser tutelada pelo direito penal, pois não deverá ser crime condutas que não ofendam bem jurídico de terceiro, por falta de lesividade, e no caso em questão, o que ocorre é autolesão.

3. A descriminalização da conduta do art. 28 da Lei nº11343/06

Todas as condutas tipificadas no caput do art. 28 supracitado, deveriam ser tipificadas enquanto crime se o objetivo do indivíduo em adquirir, transportar, guardar, dentre os outros, fosse para terceiro, mas não para uso próprio, o cerne dessa questão refere-se a criminalização de uma conduta que só prejudica o usuário e não a terceiro. Quando o legislador definiu esse crime de perigo abstrato, ele presumiu que a pessoa que se valesse da droga em quaisquer das situações previstas, mesmo que para uso próprio, poderia causar dano à saúde de outrem. È inegável que uma pessoa sob efeitos de drogas pode causar um dano, mas em segundo plano, pois diretamente a saúde afetada é a do próprio usuário ao que discorda Gomes, "o objeto jurídico imediato deste artigo é a saúde pública, e o mediato é a integridade física, a saúde física e psíquica das pessoas" .
Aqui se percebe claramente a inconstitucionalidade dos crimes de perigo abstrato, pois o legislador previu uma conduta que diretamente não é atingida, mas sim de maneira indireta, pois o primeiro prejudicado pela droga será aquele que está fazendo uso da mesma. O que se quer destacar aqui, é que esta conduta também é inconstitucional quando pune a, que não é considerada crime, como bem destaca Sanguiné:

Se a pessoa resolve assumir o risco de sua saúde, não apenas com os tóxicos, mas com uma série de atividades humanas que implicam em um fato danoso a sua pessoa, sua liberdade deve manter-se. O Estado deve direcionar sua atividade preventiva-repressiva não contra o consumidor senão que mediante a apreensão de drogas e através do combate aos produtores e traficantes.

Observa-se aqui que a punição desta conduta, pois há de se destacar que não fora descriminalizada com a nova lei, pois a pena privativa de direitos é uma forma de punir infrações penais, fere princípios antes destacados, principalmente o da ofensividade ou lesividade, pois é necessário que a conduta gere um perigo concreto a terceiro, o que não ocorre, aqui sujeito ativo e passivo se confundem, o usuário de drogas. Cabe destacar que se o uso de drogas for meio para a prática de outros crimes, não há que se falar em autolesão, cabe ai a punição. Entretanto, não cabe punir alguém que valha da droga para uso próprio, até porque quem a usa pode se tornar dependente o que cabe ao Estado tratar essas pessoas com a criação de políticas públicas e não punindo.
Vivemos num Estado punitivo, em que crime sem pena não é considerado enquanto tal, isso por que a sociedade necessita de uma solução emergencial para solucionar a situação de violência que torna a vida social um caos. Em resposta a esse "clamor" o Estado precisa agir, e o faz, através da maximização do Sistema Penal, colocando policiais na rua, aumentando o número de penitenciárias, criminalizado e penalizando crimes com o mínimo de potencial ofensivo, passando atuar de maneira mais presente, e a sociedade tem a ilusão de segurança. É dentro dessa perspectiva que o legislador criou os crimes de perigo abstrato, aqueles que presumem que determinado ato colocará em perigo a vida ou saúde de outrem, buscando evitar que ocorra um dano.
O uso da droga não implica diretamente em ser dependente, mas vale destacar que o uso diário e contínuo há de ter a dependência como resultado, independente se lícita ou ilícita a droga. O fato é que se o indivíduo somente se valha da droga para uso próprio, para saciar seu desejo ou seu vício, não há que se falar em crime, é claro que quando ele compra, transporta, mantém em depósito, com outro fim que não seja o consumo próprio, ele contribui para que o tráfico se expanda, mas isso é outra problemática. O art. 28 da lei em questão incrimina as condutas para uso próprio o qual está sendo questionado, é claro que se a sua conduta atingir a terceiros sob o efeito da droga essa sim deve ser incriminada na medida do crime tentado ou consumado.

Conclusão

Os crimes de perigo abstrato, no qual se classifica a conduta do art. 28 da lei antidrogas, decorrem de uma presunção do legislador de que determinada conduta é considerada perigosa. Contudo, como se percebeu esse crime fere princípios constitucionais do Direito Penal, sendo, portanto inconstitucional. Quanto ao art. 28 da lei em questão, o legislador presumiu que o uso de drogas afeta o bem jurídico saúde pública, pois o indivíduo sob o efeito de entorpecentes pode causar perigo a outrem. Entretanto o que se discute não é o que o mesmo vai fazer depois de usar a droga, mas simplesmente a conduta de usar, que não é percebida enquanto crime.
Todo cidadão tem direito de se valer de sua liberdade da maneira que achar adequada não podendo o Estado interferir na vida privada dele a ponto de dizer o que é bom ou ruim, agora se a sua ação causa prejuízo a outras pessoas essas sim devem ser punidas, mas enquanto estiver somente na esfera da vida do indivíduo que realizou determinada ação, não convém. Mas isso acontece por que o Estado sente necessidade de mostrar para a sociedade que atua na busca pelos direitos dela, ele se subrroga e age de maneira repressora.
Entende-se que para esses casos deve ser feitos programas de incentivo contra o uso, a compra, o transporte para que a população se conscientize dos males que essas substâncias podem causar e não penalizar essas pessoas que tem sua liberdade, sua vida privada resguardadas pela Constituição Federal, ainda mais por que usuários podem ser futuros dependentes aumentando assim a demanda na saúde. Deve-se levar em conta que nem sempre a pena é o melhor meio para se punir.

Referências

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