DAVID GUARNIERY GALVÃO

 

 

 

 

 

ARTHUR SCHOPENHAUER – por uma arte e filosofia como ciência

 

 

 

 

Orientador: Prof. Dr. José fernandes weber

Nome do Projeto: Bildung (Formação, Cultivo) e modernidade: entre filosofia, educação e artes

nº projeto: 05403

linha de Pesquisa: Racionalidade, Subjetividade e Contemporaneidade

 

 

 

 

Londrina

2010

DAVID GUARNIERY GALVÃO

 

 

 

 

 

ARTHUR SCHOPENHAUER – por uma arte e filosofia como ciência

 

 

 

 

 

 

“(...) no compositor, mais que em qualquer outro criador, o homem é diferente do artista, separando-se deste por completo. Até na explicação desta arte maravilhosa o conceito mostra seus limites”.

Arthur Schopenhauer

 

 

 

 

 

 

Londrina

2010

ARTHUR SCHOPENHAUER – POR UMA ARTE E FILOSOFIA[1] COMO CIÊNCIA[2]

(ARTHUR SCHOPENHAUER – ART AND PHILOSOPHY AS KNOWLEDGE)

 

DAVID GUARNIERY GALVÃO[3]

 

RESUMO: O presente trabalho tem por objetivo apresentar, de modo geral, o pensamento de Schopenhauer e, com isto, justificar a arte e a filosofia como via de comunicação do conhecimento propriamente dito. Para tanto, propus-me a elucidação de casos como a duplicidade semântica dos vocábulos “vontade” e “representação”, onde: Se vontade, então querer; Se Vontade, então Em-si; Se representação, então coisas, ou ainda, o conjunto dos fenômenos particulares; E se Representação, então, Idéias, também compreendidas como fenômenos gerais.

Na relação de distinção entre os termos supracitados, temos ainda dois outros sem os quais o corpo filosófico do autor de O mundo como vontade e como representação simplesmente torna-se incompreensível, quais sejam: Sujeito e Indivíduo Cognoscente – este último em detrimento da noção de Indivíduo Cognoscível. Por sujeito Schopenhauer entende não outra coisa senão aquele agente consciente para o qual o mundo está como Representação; Indivíduo é, por conseguinte, um agente também consciente, porém, aquele para o qual o mundo surge como representação.

O limite disto é a arte e a filosofia como ciência, isto é, como síntese da relação dialéctica entre o correlato subjetivo da Idéia (sujeito) e o correlato objetivo do sujeito (Idéia), tendo por finalidade a expressão deste último. Relação esta que pressupõe não os princípios de razão e individuação – pelos quais o conhecimento é, na verdade, uma mera opinião (doxa) –, antes, assenta-se exclusivamente por sobre a intuição estética, único meio pelo qual o imutável e veraz torna-se humanamente possível.

 

Palavras-Chave: Schopenhauer, Arte, Ciência, Vontade; Idéia.

 

ABSTRACT: Summary: this work aims to present, in general the thought of Schopenhauer and, with this, justify the art and the philosophy as a means of communication of knowledge itself. For this, I proposed myself to elucidate cases such as the duplicity semantics of words "will" and "representation", where: If will, then want; If Will, then Itself; If representation, then things, or even the whole of the phenomena individuals;  and if Representation then Ideas, also understood as general phenomena.

In the ratio of distinction between the terms referred to above, we have two other that without then the body philosophical of the author of “The world as willingness and as a representation” simply makes it incomprehensible, which are: Subject and Individual know (Cognoscente) – The latter at the expense of the concept of individual known (Cognoscível) . By subject Schopenhauer means not anything other than that agent aware to which the world is as a Representation; Individual is, therefore, an agent also aware, however, that for which the world comes as a representation.

The limit of this is the art and philosophy as science, that is, as a synthesis of dialectic ratio between the correspondent subjective of the Idea (subject) and correspondent objective of the subject (Idea), having the purpose expression of this latest. Relationship which does not requires the principles of reason and individuation – by which the knowledge is, indeed, a mere opinion (doxology) –, before, is based-solely on the intuition aesthetics, the only means by which the immutable and truth full makes-is humanly possible.

 

Keywords: Schopenhauer, Art, Science, Will, Idea.

 

INTRODUÇÃO: Em O mundo como vontade e como representação, o autor apresenta-nos, no então terceiro livro da referida obra – ou ainda, Do mundo como representação –  o mundo como Vontade em seu primeiro momento de discordância consigo mesma, que aqui nada mais deve-se entender do que a objetivação adequada da Coisa-em-si, isto é: Idéia. É neste momento de seu pensamento que temos a perfeita fusão entre estética[4] e epistemologia, ou ainda, a união entre as reflexões acerca da adequada materialização, origem e natureza da arte mesma – bem como da filosofia – com a metafísica de um mundo que, por ser Representação, é também possibilidade de conhecimento ao sujeito puro do conhecer destituído dos princípios de razão e individuação

 

MATERIAL E MÉTODOS

Tendo como materiais à realização desta pesquisa as obras O mundo como vontade e como representação e Metafísica do Belo, de autoria do filósofo Arthur Schopenhauer; bem como Escritos Sobre Schopenhauer, de Clément Rosset; O Nascimento do Trágico – De Schiller a Nietzsche, por sua vez, expressão do entendimento de Roberto Machado, realizou-se leitura analítica e cotejamento de tais, de onde os resultados e a discussão abaixo aludidos.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

 

Da Metafísica Do Belo E Ciência[5] Do Mesmo

 

No primeiro capítulo da obra Metafísica do Belo, então intitulado Sobre o Conceito de Metafísica do Belo, Schopenhauer tratará de uma breve distinção entre a Metafísica do Belo e a ciência deste mesmo, ou seja, a Estética[6]. Segundo o filósofo, não podemos, em instância alguma, tratar estas como sendo apenas um modo distinto de nos pronunciarmos acerca da mesma coisa, pois, a ciência do belo é, para este, pura e simplesmente o conjunto normativo de apresentação da idéia na arte, ou ainda, o sistema de princípios lógico-racionais[7] com vista à disposição adequada[8] da objetividade sensível, cabendo à primeira não a investigação da exposição de uma idéia com fins à beleza via norma, mas a autêntica natureza ou essência da beleza mesma, isto é, a própria idéia enquanto tema de um modelo de arte.

Deste modo, podemos asseverar que há em Schopenhauer dois primados quando filosofamos acerca do Belo, a saber: O primado estético, cujo intento é a excelência expositiva da idéia na arte. Diremos que na absoluta ausência do primado estético, espectador algum perceberia na manifestação artística a beleza ali objetivada como tema, isto é, a idéia existindo no fenômeno artístico como prospecto objetivo a ser comunicado ao espectador enquanto sujeito. Todavia, para que haja ciência do belo é necessário investigar aquilo pelo qual tal ciência foi possível, ou seja, a Vontade em seu grau mais adequado de objetividade, novamente a idéia[9].

É desta asseveração que emerge o reconhecimento do segundo primado schopenhauriano, qual seja: O primado metafísico da beleza. Dito de outro modo, faz-se premente uma investigação acerca da essência do belo para que, encontrado o tema adequado à natureza de cada estilo de arte, possa a ciência enfim apresentar-se como útil e justificar-se como a via pela qual aquilo que é alcançado pelo gênio[10] possa enfim ser comunicado primorosamente ao espectador do fenômeno artístico qual seja. Podemos inequivocamente exprimir que, sendo a arte o modo de consideração das coisas independente do princípio de razão, ou seja, meio de exposição adequada das idéias, depende esta não apenas da metafísica, se na qualidade de expositora, de via pela qual a idéia é enfim comunicada, também depende necessariamente de uma ciência em conformidade com esta ou aquela idéia então assumida como seu tema.

Não há arte propriamente caso esta não comunique, de modo excelente, a idéia alcançada por seu gênio. Por conseguinte, é evidente a necessidade lógica de esta apresentar-se tanto pela face das normas quando da idéia por ela assumida como legítimo assunto. “A estética ensina o caminho pelo qual o efeito do belo é atingido, dá regras às artes, segundo as quais devem criar[11] o belo. A metafísica do belo, entretanto, investiga a essência íntima da beleza, tanto no que diz respeito ao sujeito que possui a sensação do belo quando ao objeto que a ocasiona” (Schopenhauer, Arthur. Metafísica do Belo. Unesp. 2003 - 24).

 

Da Genialidade E Do Gênio

 

Schopenhauer nos diz que “apenas pela pura contemplação a dissolver-se completamente no objeto é que as idéias são apreendidas. A capacidade proeminente para esta é o gênio, somente do qual podem originar-se as obras de arte autênticas. Toda contemplação exige a pura disposição objetiva, isto é, esquecimento completo da própria pessoa e de suas relações; por conseguinte, a genialidade nada é senão a objetividade mais perfeita, ou seja, orientação objetiva do espírito (...)” (Schopenhauer, Arthur. Metafísica do Belo. Unesp. 2003 - 61). Portanto, enquanto o gênio é a capacidade de contemplação e intuição das idéias, a genialidade é a disposição puramente objetiva do espírito humano, que, ao anular a si enquanto indivíduo, permite o gênio ascender-se em exercício pleno.

Há aí uma sutil distinção entre genialidade e gênio. Genialidade é, do espírito humano, o movimento ou esforço de negação do particular que faz sujeito do indivíduo; enquanto o gênio, como capacidade de contemplação e intuição das idéias, é posterior à genialidade e diz respeito à apreensão das idéias. Dito ainda de outro modo, a genialidade é o dispor-se objetivamente pela negação da subjetividade; O gênio é a capacidade de apreensão de uma idéia. Genialidade é a capacidade de o indivíduo fazer-se sujeito, e sujeito puro do conhecer; Gênio é a capacidade já deste sujeito puro do conhecer de apreender as idéias, formas adequadas de objetivação da Vontade.

 Disto segue-se que tanto a genialidade quanto o gênio todos nós possuímos, isto é, capacidade de negar a si próprio enquanto indivíduo e capacidade de intuição estética[12]. Contudo, a genialidade é díspar quanto à aptidão desta negação, o que limitará o gênio em seu processo de intuição das idéias. Dito em termos outros, o mais elevado grau de gênio é aquele cuja genialidade permite ao homem negar-se absolutamente enquanto indivíduo e, por conseguinte, assumir-se plenamente como sujeito. Assim sendo, ocorre que a débil capacidade da genialidade compele o gênio a intuir idéias inferiores, tênues graus de objetividade da Vontade – quais sejam: gravidade, coesão, rigidez, fluidez, etc. – enquanto que a capacidade máxima daquela possibilita ao mesmo gênio a intuição da idéia superior de Homem[13].

Isto ficará mais claro ao tratarmos da hierarquia das artes conforme idéias. Contudo, para que não fique dúvidas tanto acerca da superioridade da idéia de homem com relação às demais; e que também mais claro se desvele o conceito de gênio, um parágrafo do capítulo Do Gênio, da obra Metafísica do Belo entendo dever aqui ser citado: “o mais elevado grau de gênio consiste em fazer do homem objeto de apreensão purificada de vontade[14], portanto, conceber artisticamente sua Idéia e a expor. Por isso, só é grande gênio quem obtém sucesso com a obra de arte cujo objeto é o homem, ou seja, a pintura histórica, a escultura, a tragédia, a poesia lírica; um grau menor de gênio já consegue conceber puramente a natureza animal e destituída de conhecimento[15], isto é, intuí-la sem que a vontade seja estimulada, justamente porque suas relações com a vontade do artista[16] não são tão numerosas, vigorosas e imediatas; por esse motivo, é um grau menor de gênio o que se mostra na pintura de animais, na paisagem, na natureza-morta, na poesia descritiva, na arquitetura” (Schopenhauer, Arthur. Metafísica do Belo. Unesp. 2003 - 69).

Portanto, segundo o parágrafo supracitado, Schopenhauer, ao fazer juízo de valor às idéias, concebendo-as como algumas mais próximas da vontade do artista enquanto homem, outras mais remotas desta mesma vontade, entende que o grau de gênio neste artista é sempre mensurado segundo a capacidade que este tem de negar a si enquanto indivíduo[17], despir-se de sua vontade enquanto querer imediato que busca na coisa cobiçada seu imediato alívio e satisfação efêmera e assumir-se como puro sujeito do conhecer que, via contemplação, intui estética, ilibada e objetivamente a idéia mais desejável que há – a idéia de homem – e a expõe como tema de sua arte, esta nunca estando a serviço da vontade, por ser efeito da própria negação das relações e do subjetivismo humano. Dito de outro modo, para se fazer da idéia de homem tema de sua arte, todo artista deve, necessária e inevitavelmente[18], negar o máximo de si enquanto indivíduo[19].

Outro termo que encontraremos em elo intrínseco com o conceito de gênio em Schopenhauer é Fantasia. Segundo o filósofo, esta “serve ao gênio para ampliar seu círculo de visão para além dos objetos que se oferecem à sua pessoa na realidade, tanto segundo a quantidade quanto segundo a qualidade. Por conseguinte, a força incomum da fantasia é companheira, até mesmo condução do gênio” (Schopenhauer, Arthur. Metafísica do Belo. Unesp. 2003 - 64). O que aqui se quer asseverar é que, acaso o sujeito puro do conhecer tivesse para a intuição das idéias apenas seu gênio e genialidade, poderia este intuir apenas as idéias dos objetos que estão de imediato diante de si, em sua experiência pessoal, sua apercepção efetiva. A fantasia surge, com efeito, como elemento que, compondo o gênio, nos permite ir para além deste instante e das coisas que o perfazem. É pelo subsídio da fantasia que o gênio pode, enfim, “construir todo o resto e assim deixar desfilar diante de si quase todas as imagens possíveis da vida” (Schopenhauer, Arthur. Metafísica do Belo. Unesp. 2003 - 64).

Estando o gênio sempre direcionado à apreensão das formas perfeitas de conhecimento, isto é, das idéias – único momento onde o conhecimento é permanente e por conta disto inequívoco e veraz –, poderíamos entender e afirmar a efígie do cientista do mesmo modo, ou seja, estaríamos, em virtude do exposto, legitimados a denominar como gênio a pessoa do cientista, devido à magnificência de seu labor? Segundo a filosofia de Schopenhauer, tal afirmação é deplorável e inadmissível. Isto procede do fato de que a ciência, diferente da arte, trata das relações entre os indivíduos, das representações a partir dos princípios de razão do devir, do conhecer, do ser e do agir. O cientista é aquele que não contempla, antes espiona as individualidades forjadas a partir do espaço-tempo e da causalidade.

O gênio é, por efeito desta asseveração, uma qualidade presente no cientista apenas quando este último deixa ao acaso sua função e assumi-se como sujeito, isto é, um ser cognoscente que intui os objetos fora de suas relações, por conseguinte, fora do espaço-tempo e da causalidade, condições de qualquer ciência vigente. Por isto o gênio ser distinto do talento. Ao primeiro é afirmada a capacidade de intuir pura e objetivamente; ao segundo, “a rapidez, a facilidade na combinação, montagem e desmontagem de conceitos abstratos” (Schopenhauer, Arthur. Metafísica do Belo. Unesp. 2003 - 69), ambos tendo em comum apenas o homem e o mundo a este. Para Schopenhauer, um excelente cientista, cujos feitos são de magna relevância à vida prática humana, é um homem talentoso na execução de seu trabalho. Nunca um cientista usa de seu gênio na prática de sua ciência. Segue-se disto que somente o artista e filósofo, na medida em que toma como labor o primeiro, a sua arte e o segundo, sua filosofia, podem ser declarados gênios no exercício imediato de seu ofício. Todos os homens são gênios enquanto sujeitos, mas somente o artista e o filósofo trabalham efetivamente com sua genialidade, a fazer do gênio a única condição existencial de sua formal atividade.

 

Das Idéias – Formas Puras Do Conhecer

 

Em O Mundo Como Vontade E Como Representação, Schopenhauer concluir que a coisa-em-si é a Vontade; os objetos que se seguem no espaço e no tempo, estando para a causalidade, são denominados Indivíduos­[20] – indivíduos cognoscíveis como sendo os objetos da percepção; e indivíduos cognoscentes, ou seja, aqueles capazes de perceber e apreender os objetos –. Por fim, temos as entidades que não são nem Vontade nem objetos que seguem a quádrupla raiz do princípio de razão (devir, conhecer, ser e agir) e do princípio de individuação (Espaço-tempo), a saber: As Idéias Platônicas[21]. Estas últimas são a instância média entre a Vontade e os indivíduos. “A Idéia é já a objetividade da Vontade, porém imediata, e, por conseguinte, adequada; a coisa-em-si, entretanto, é a Vontade mesma, na medida em que ainda não se objetivou, não se tornou representação[22]”. (Schopenhauer, Arthur. Metafísica do Belo. Unesp. 2003 - 39).

Disto se segue que quando versamos acerca das qualidades que constituem as idéias, de imediato, temos de declará-las: São as idéias a imediata, e por isto adequada, objetividade da Vontade mesma. Na qualidade de objetos, conservam sempre o prospecto de “ser-objeto-para-um-sujeito (Objekt-für-ein-Subjekt-sein), que é exatamente a primeira e mais universal forma de todo fenômeno, isto é, de toda representação” (Schopenhauer, Arthur. O Mundo Como Vontade E Como Representação. Unesp. 2005 - 242) – por isto denominá-las Correlato Objetivo do Sujeito, em detrimento do próprio sujeito como Correlato subjetivo da Idéia –. Respaldando-nos em tudo o que já fora dito acerca do conceito de Idéia, é plausível e correto pensarmos as idéias como formas universais dentre os fenômenos. Contudo, sempre devem ser compreendidas como apenas gerais quando comparadas à Vontade propriamente, pois somente a esta última é verídico atributo a universalidade.

Diremos ainda que os princípios de razão e de individuação são os que pluralizam as Idéias em indivíduos. Esta é uma assertiva que nos conduz à conclusão de que cada indivíduo de uma mesma classificação está no mundo como cópia de uma mesma idéia. Assim sendo, nenhuma idéia está imediata e necessariamente submetida ao princípio de razão que a pluraliza e, por conseguinte, esta é objeto somente para um sujeito e nunca para um indivíduo cognoscente; Logo, é sempre alcançada pela intuição pura em um processo decisivo de negação de si enquanto indivíduo, jamais sendo apreendida por aquela inicial espionagem com a qual o homem comum se dispõe a conhecer.

Por isto, e nunca por outra razão, a ciência não toca as idéias e jamais se inebria na essência própria de tudo o que se há dado no mundo[23]. Por isto ainda é que a arte, bem como a filosofia, se justifica na comunicação desta mesma idéia, atuando assim como facilitadora daquele já mencionado processo de negação do próprio eu, se por este último entende-se aquele que, para conhecer, faz jus dos princípios de razão. Somente por isto filosofia e arte tomam a Idéia como tema e se perfazem da atemporalidade própria de toda idéia; E o artista e é, para todo o sempre, um ser inautêntico, nunca assinando sobre a obra própria a subjetividade sua, antes, porém, a objetividade com a qual se deve a ilibada exposição de qualquer idéia, a fim de que o comunicado permaneça legítimo, e que seja o artista fundamentalmente dependente do alcance desta para, enfim, sê-lo[24]. Por isto, e jamais por outro motivo, a idéia é irracional, quando, enfim, despe-se de qualquer significado para aquele que a intui objetivamente, isto é, sem mais nenhum interesse.

 

Da Arte Como Exposição Das Idéias E A Hierarquia De Seus Modos

 

Em sua obra Metafísica do Belo Schopenhauer profere-nos que “A arte repete em suas obras as Idéias apreendidas por contemplação[25], o essencial e permanente de todos os fenômenos do mundo; de acordo com o material em que ela o repete, tem-se a arte plástica, poesia ou música[26]. Sua única origem é o conhecimento da Idéia; seu único fim, a comunicação desse conhecimento[27]” (Schopenhauer, Arthur. Metafísica do Belo. Unesp. 2003 - 58). Quando em O Mundo: “Podemos, por conseguinte, definir a arte como o modo de consideração das coisas independente do princípio de razão” (Schopenhauer, Arthur. O Mundo Como Vontade E Como Representação. Unesp. 2005 - 254). Ora, sendo a arte o efeito dialético entre o correlato subjetivo da idéia – o sujeito – e o correlato objetivo do sujeito – a idéia – é plausível afirmá-la como exposição de um conteúdo que não mais segue o princípio de razão, qual seja: A idéia mesma.

Por isto Schopenhauer propõe sobre a arte e a filosofia a mesma atemporalidade de seu tema. Com efeito, somente aquele produto final do espírito humano cujo fim é a comunicação da Idéia pode permanecer o mesmo aos homens de todas as épocas. Disto se pode ainda afirmar que o gênio de um homem é sempre verificado na atemporalidade de sua obra; e que a redução desta a seu tempo desvela a incapacidade de seu criador em negar-se enquanto indivíduo e assumir-se como sujeito – neste caso, a genialidade e não o gênio é prospecto tênue do artista, pois a aquela e não este é responsável pelo evento supracitado.

Como já afirmado, existem muitos graus de objetivação da Vontade. Por isto temos idéias inferiores e superiores; e as artes, como comunicação destas mesmas idéias, apresentarão uma hierarquia não segundo o material no qual a idéia é enfim expressa, antes, porém, conforme a qualidade desta mesma idéia. Assim sendo, partindo das idéias inferiores às superiores, temos a arquitetura e a hidráulica comunicando as idéias de resistência, gravidade e fluidez, ou seja, o inorgânico e suas forças; a jardinagem e a pintura de paisagem, com a idéia do reino vegetal; a pintura de animais, com a idéia dos seres irracionais que meramente intuem e não pensam; a pintura histórica e a escultura com a idéia de humanidade; a arte poética com as idéias da vida, de homem na série concatenada de seus esforços e ações, portanto, também de humanidade e, em especial, a tragédia, cuja distinta idéia de homem exprime o horror da vida no mais absoluto conflito da Vontade consigo. Por fim, já não mais como expressão de idéia alguma, mas da própria Vontade temos a música.

Disto se segue que, muito embora seja possível à poética[28] versar acerca das Idéias de gravidade e rigidez – aconselhadas mais à arquitetura –, jamais ali, em uma poesia, se perceberá melhor expressas do que em um monumento. Reconhecemos aí novamente a relevância da Estética, que por sua natureza pedagógica, orientaria os poetas àquelas idéias que lhes são mais conformes; deixando, por sua vez, aos arquitetos aquelas então supracitadas. Não é que filosofia e poesia não possam alcançar a excelência expressiva de tais Idéias, pois “repetir abstratamente toda a natureza íntima do mundo, de maneira distinta e universal, por conceitos, e assim depositá-la como imagem refletida nos conceitos permanentes, sempre disponíveis da razão, isto e nada mais é filosofia” (Schopenhauer, Arthur. O Mundo Como Vontade E Como Representação. Unesp. 2005 - 487). Quanto à poesia – que, ao contrário da filosofia, investiga uma só Idéia por vez –, vide nota 24. Mas tanto a filosofia quanto a poesia tropeçam em uma árdua missão: A superação química[29] dos conceitos.

Podendo, com efeito, a genialidade ser variável em cada homem, é a genialidade do poeta trágico, na medida em que eleva seu gênio à intuição das idéias superiores, o que possibilita a comunicação destas na obra de arte via técnica de exposição, isto é, Ciência do Belo. “O gênio [é] o que lhe permite conservar a clareza de consciência exigida para reproduzir numa obra intencional o assim conhecido (...). Por tal obra o gênio comunica aos outros a Idéia apreendida, a qual, portanto, permanece imutável, a mesma. Por conseqüência, também a satisfação estética é essencialmente uma única e a mesma, (...). Que a Idéia se nos apresente mais facilmente a partir da obra de arte do que imediatamente a partir da natureza ou da efetividade, isso se deve ao fato de o artista, que conheceu só a Idéia e não mais a efetividade, também ter reproduzido puramente em sua obra a Idéia[30]” (Schopenhauer, Arthur. O Mundo Como Vontade E Como Representação. Unesp. 2005 - 265).

 

Do Belo Artístico E Do Significado

 

Na obra Metafísica do Belo, Schopenhauer enuncia-nos que “O conhecimento do belo supõe sempre, inseparável e simultaneamente, o puro sujeito que conhece e a idéia conhecida como objeto. Portanto, a fonte da fruição estética residirá ora mais na apreensão da idéia conhecida, ora mais na bem-aventuraça e tranqüilidade de espírito do conhecer puro livre de todo querer[31] e individualidade, bem como do tormento ligado a esta. (...) Assim, tanto na consideração estética (na efetividade, ou pelo médium da arte) da bela natureza nos reinos inorgânico e vegetal quanto nas obras da bela arquitetura, a fruição do puro conhecer destituído de vontade será preponderante, porque as idéias aqui apreendidas são graus mais baixos de objetividade da Vontade. (...) Se, ao contrário, o objeto da consideração ou exposição estética forem animais e homens, a fruição residirá mais na apreensão objetiva dessas idéias, as quais são a manifestação mais nítida da Vontade”. (Schopenhauer, Arthur. Metafísica do Belo. Unesp. 2003 - 125).

Assim sendo, é manifesto que, para este, a qualidade da idéia tema da arte resulta sempre em uma constante inversamente proporcional entre o sujeito puro do conhecer e o objeto conhecido, isto é, a Idéia, objetividade adequada da Vontade. Disto se segue que deve haver, necessariamente, alguma obra de arte onde sujeito e objeto estão em perfeita isostasia, a saber: A Pintura de Paisagem. Naquela hierarquia das artes conforme idéia expressa, esta modalidade artística representa o ponto médio onde nem sujeito nem objeto suprimem um ao outro. Portanto, ulterior à Pintura de Paisagem, ora teremos o sujeito ascendendo-se por sobre o objeto, ora o objeto em ascensão sobre o sujeito.

Por isto, a meu ver, Schopenhauer reconhece relevância à Ciência do Belo, pois, não bastasse aquela Idéia exteriorizada pela arquitetura ser de grau inferior, isto é, conhecimento onde a fruição estética reside mais no sujeito que na Idéia propriamente, acaso a arquitetura não utilizasse os materiais adequado à exteriorização daquela forma de conhecimento puro, toda a Beleza entrará em colapso: “Suponhamos que estivéssemos imersos em tal fruição e alguém chegasse e nos dissesse que o edifício não é de pedra, como imaginávamos, mas de madeira e pintado. Nossa fruição estética seria, com tal informação, completamente suprimida, ou pelo menos bastante diminuída, pois as forças naturais cujos efeitos a arquitetura nos traz propriamente diante dos olhos, gravidade e rigidez, exteriorizam-se de maneira muito mais fraca na madeira do que na pedra, e têm também na madeira uma relação inteiramente diferente do que na pedra”[32]. (Schopenhauer, Arthur. Metafísica do Belo. Unesp. 2003 - 133). Isto porquanto a idéia ali expressa não está exposta de modo adequado; e esta crítica não será proferida pela Metafísica, antes, porém, pela Estética, porquanto a última e nunca a primeira tem por investigação o modo adequado de exposição do saber estético, isto é, conhecimento livre da vontade individual e de nossos interesses por motivos.

Por conseguinte, podemos, isentos da mais vil hipótese de equívoco, declarar que, para Schopenhauer, o belo não depende apenas da exposição da Idéia na arte, mas também do modo adequado de exposição desta mesma Idéia. Logo, se a beleza identifica-se com as formas arquetípicas de todo e qualquer fenômeno particular; Idéia expressa de modo adequado na arte em juízo; por seu turno, a feiúra nada mais é senão esta mesma idéia expressa de modo inadequado, isto é, o modo e meios de comunicação do conhecimento estético via arte não estão em conformidade com a natureza qualitativa[33] da Idéia de Vontade que se quer comunicar.

 

Da Consciência Do Sujeito Puro Do Conhecer

 

Em conformidade com o conteúdo aqui proposto, me surge como evidente que não estaríamos em posse da razão caso pronunciássemos a existência da consciência apenas no homem enquanto indivíduo. Isto se deve ao fato de que, a meu ver – e creio deveras assim ponderar Schopenhauer – o sujeito puro do conhecer possui, tanto quando o indivíduo cognoscente, um mundo como Representação, isto é, um mundo que surge para o sujeito como objeto de pura intuição estética; e ser-objeto-para-um-sujeito é, antes de qualquer coisa, um ser-objeto-para-um-sujeito-consciente. Logo, é não outra ocorrência senão a de ser-objeto-a-uma-consciência. Para que haja noção do objeto intuído é necessária uma consciência que apreenda este objeto e o afirme como tal. Deste modo, o que difere o indivíduo do sujeito não é a não ocorrência da consciência neste último, mas o modo diferenciado de se ter consciência do mesmo mundo – consciência do mundo como representação geral, ou ainda, Idéia; consciência do mundo como representação particular, isto é, coisa, aquilo que deriva dos princípios de razão e individuação[34].

“Toda a consciência é ainda apenas o espelho claro do objeto oferecido, é o médium pelo qual este entra em cena no mundo como representação (...). Exterior a toda representação e a todas as suas formas nada existe senão precisamente a Vontade, que é o em-si­ tanto do objeto contemplado quanto do indivíduo que considera, o qual, encantando-se nessa contemplação, está ainda consciente de si apenas como puro sujeito do conhecer”. (Schopenhauer, Arthur. Metafísica do Belo. Unesp. 2003 – 46 e 49). Segundo a passagem supracitada, Schopenhauer admite a ocorrência do homem em plena consciência de si como sujeito; e atribui a esta mesma consciência a via ou meio pelo qual a Idéia, como objeto desta, assume-se como Representação deste Sujeito.

O que faz com que a consciência não se perca do homem em seu processo de negação de si como indivíduo? Qual o elemento que, no homem como sujeito, insiste em conservar sobre este a consciência necessária à reprodução intencional do conteúdo apreendido por pura intuição na obra de arte? Esta é a principal indagação. Responde-nos o filósofo: “O gênio (...) é o que lhe permite conservar a clareza de consciência exigida para reproduzir numa obra intencional o assim conhecido[35]” (Schopenhauer, Arthur. O Mundo Como Vontade E Como Representação. Unesp. 2005 - 265). Portanto, o gênio é não apenas a capacidade de intuir uma Idéia, antes, porém, apresenta-se ao sujeito como a via pela qual este fenômeno geral está para a consciência, conduzindo o sujeito ao conhecimento do mundo como Representação, legítima objetivação da vontade enquanto em-si.

 

Do Duplo Sentido Dos Termos Vontade E Representação

 

Por privilegiar a compreensão do conteúdo aqui exposto decidi versar acerca do conceito de Vontade como último dos itens a ser tratado neste artigo. O motivo é não outro senão a própria obscuridade do conceito em Schopenhauer, isto é, em momento algum, a meu ver, Schopenhauer se atreve a tentar um conceito suficiente de Vontade. Isto porquanto seria uma atitude descabida e contraditória por parte do mesmo em tentar a suficiência de um conceito que só se consuma, ou seja, alcança sua completude no empenho privado do homem em negar-se como indivíduo e, com efeito, tornar-se sujeito puro do conhecer[36].

Temos de reconhecer que, na filosofia deste, existem dois modos de se abordar o termo vontade e representação, a saber: Onde a termo “vontade” aparece com inicial maiúscula quer nos comunicar a vontade universal[37], causa de todas as coisas; se Representação, então, objetivação adequada da Vontade, isto é, Idéia, correlato objetivo do sujeito. Por seu turno, vontade com inicial minúscula nada mais nos quer declarar que a vontade enquanto querer individual[38], portanto, é sempre relativo ao indivíduo e nunca ao sujeito; do mesmo modo ocorre com a representação, sento esta não mais do que fenômenos a partir dos princípios de razão e individuação. Contudo, sendo a essência da representação a própria Representação; e desta última, a essência é não outra coisa senão a Vontade, então, a essência última da representação é a Vontade.

Todavia, segundo tradução de Jair Barbosa, parece também a Vontade apresentar uma essência[39]. Não importando a dificuldade que o conceito de Vontade nos imprime, Schopenhauer nos adverte que não podemos, por anseio deste conceito, substituir o termo Vontade por Força ou qualquer outro termo que não Vontade[40], isto porquanto qualquer outro termo não corresponderá à essência propriamente dita do mundo, mas se limitará, em algum momento, a algum de seus fenômenos. Dito de outro modo, o conceito abstraído dos fenômenos dirá respeito apenas a este e nunca à coisa-em-si.

Esta coisa-em-si, essência de todo e qualquer fenômeno é identificado a partir da vontade humana. Como isto ocorre? Segundo Jair Barbosa: “Por conclusão analógica. Esta reza que todos os corpos estão submetidos à lei de causalidade, inclusive o corpo humano. Ora, se assim o é, e como a causalidade humana, os motivos, não se diferenciam em natureza da causalidade em sentido estrito, como ela impera, por exemplo, numa pedra, então podemos, a partir de nosso próprio corpo, conhecer a causalidade de dentro. O resultado, no limite da subjetividade, é atingirmos a noção de vontade. A partir daí, por conclusão analógica, estende-se a vontade a todos os outros corpos, pois a causalidade deles não difere essencialmente da minha. O seu íntimo não difere do meu íntimo. O mundo, portanto, em última instância, é não só representação, mas também Vontade[41]” (N.T). (Schopenhauer, Arthur. Metafísica do Belo. Unesp. 2003 - 31).

Segundo Schopenhauer, toda vontade em nós manifesta resulta sempre em um movimento do corpo. Isto é, a vontade, mesmo enquanto querer, nos permite afirmar que o movimento aparente de nosso corpo é nada mais senão sua mais perfeita objetivação. Disto se segue que, do mesmo modo que a vontade se objetiva no corpo como ação deste, também este é objetividade da Vontade, agora em seu sentido universal: “A ação do corpo nada mais é senão o ato da vontade objetivado (...) isso vale para qualquer movimento do corpo, não apenas os provocados por motivos, mas também para os que se seguem involuntariamente de meras excitações; sim, o corpo inteiro não é nada mais senão a vontade objetivada, que se tornou representação” (Schopenhauer, Arthur. O Mundo Como Vontade E Como Representação. Unesp. 2005 - 157).

Por isto o corpo aparece como condição de conhecimento interno de minha vontade, o que implica ser livre dos princípios de razão e individuação. É nesta acepção que podemos, enfim, abstrair o corpo como objetividade da minha vontade para afirmá-lo simplesmente como a própria Vontade, da qual se fez corpo, vegetal, animal, a manifestação involuntária da matéria biológica e tudo o que se haja feito para além desta. Vontade que, como partículas dos corpos e os corpos mesmos, indivíduos e sujeitos; e pensamento destes últimos, é Vontade que a si conhece; e de si é discordante em seus muitos graus de objetivação.

 

AGRADECIMENTO: À Universidade Estadual de Londrina – UEL; bem como à Fundação Araucária de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Paraná e, por fim, presto minha perpétua gratidão à então muito estimada pessoa do Prof. Dr. José Fernandes Weber.

 

BIBLIOGRAFIA:

BÁSICA

SCHOPENHAUER, Arthur. O mundo como vontade e como representação. Tradução, apresentação, notas e índices de Jair Barbosa. São Paulo: Editora Unesp, 2005.

_________________________. Metafísica do Belo. Tradução, apresentação e notas de Jair Barbosa. São Paulo: Editora Unesp, 2003.

 

COMPLEMENTAR

BERGSON, Henri. Introdução à Metafísica. Coleção “Os Pensadores”. São Paulo: Editora Abril Cultural, 1974.

MACHADO, Roberto. O nascimento do trágico, de Schiller a Nietzsche. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2006.

PLATÃO. A República. Introdução, tradução e notas de Maria Helena da Rocha Pereira. Lisboa/Portugal: Fundação Calouste Gulbenkian, 2007 – 10° edição.

ROSSET, Clément. Escritos Sobre Schopenhauer. Versão Castelhana de Rafael Del Hierro Oliva. Valencia/Espanha: Editora Pre-Textos, 2005.



[1] De imediato, quero que aqui se registre a seguinte assertiva: Arte e Filosofia são termos que, por definição, identificam uma atividade humana que corresponde, cada qual conforme sua modalidade, à macro-relação das polaridades que a constitui, isto é: representação-Representação; vontade-Vontade; indivíduo-Sujeito; coisa-Idéia; mundo-Mundo; estética-Metafísica; e derivados.

[2] Com o termo “ciência” nada mais deve aqui ser entendido do que conhecimento (episteme), em contraposição à conjectura e à crença, que Platão reduz a um único termo, qual seja: opinião (doxa).

[3] Estudante do curso superior de Filosofia (licenciatura), CCH: Centro de Letras e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Londrina – UEL. Londrina/Paraná/Brasil –; Partícipe do Projeto: Bildung (Formação, Cultivo) e modernidade: entre filosofia, educação e artes - Linha de Pesquisa: Racionalidade, Subjetividade e Contemporaneidade, sob a orientação do Prof. Dr. José Fernandes Weber; e bolsista IC/Fundação Araucária de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Paraná.

[4] Este termo deve ser entendido em sentido amplo, isto é, apenas como disciplina filosófica, e não como ciência. Tal disciplina se subdividiria em: Estética e Metafísica do Belo.

[5] Aqui temos “Ciência” em sentido positivo, portanto: Estética.

[6] Segundo Baumgarten, “A Estética (como teoria das artes liberais, como gnoseologia inferior, como arte de pensar de modo belo, como arte do análogon da razão) é a ciência do conhecimento sensitivo”. (Estética – A lógica da arte e do poema, Parte 3, §1). Tal definição ainda permanece no pensamento de Schopenhauer, para quem a metafísica – e não a estética – se apresenta como ciência do conhecimento intuitivo.

[7] Sendo a Vontade um ímpeto cego e irracional, não será pela racionalidade lógica de qualquer princípio que o homem a alcançará, antes, porém, às idéias é exigida a intuição; e à Vontade mesma, a ascese plena de uma vida ascética, cujo efeito e o sentimento do mais absoluto silêncio da vontade e seus motivos.

[8] Conforme idéia.

[9] É preciso salientar que para Schopenhauer, muito embora a Idéia Platônica seja o grau imediato da adequada objetivação da Vontade – por isto também entendê-la [a Idéia] como um fenômeno geral, isto é, “ser objeto para um sujeito” – já ai esta se nos apresenta em conflito consigo mesma; e que as demais formas – então derivadas, por sua vez, das Idéias – são fenômenos individuais onde tal divergência eleva-se ao pleno estágio de sua mais evidente contradição: o acontecimento do indivíduo humano.

[10] Faculdade do sujeito, também compreendida por Schopenhauer como intuição estética.

[11] À primeira vista, Schopenhauer nos dá a entender que a Estética cria o belo. No entanto, o Belo nada mais é que a libertação do indivíduo ou a contemplação de uma idéia, como veremos. Assim sendo, ficamos com o dito logo acima, segundo o qual a Estética não cria o Belo, antes, e enquanto ciência educativa, apenas possibilita, via instrução, o efeito deste, isto é: Dispõe os objetos da sensibilidade conforme Idéia.

[12] O termo “estética”, quando referido à intuição, nada tem em comum com o conceito tradicional. (Vide nota 2).

[13] Problema: conforme disposto em nota 5, como explicar a Idéia de Homem ser, dentre todas, a então compreendida como superior? Resposta imediata a esta indagação é: A superioridade de um idéia diz respeito ao nível de discordância da Vontade consigo mesma; bem como à relação desta com o indivíduo – não faz sentido que seja o sujeito –, cabendo ao último o árduo empenho da máxima negação de si, que consiste em não outra coisa senão a superação daquela já mencionada discordância da Vontade consigo..

[14] Livre dos motivos, do querer. Em suma, [sujeito] liberto da volição, elemento este que faz o homem assentar seu conhecimento não no objeto mesmo, antes, porém, apenas em suas relações hora com outros objetos, hora com o indivíduo desejante. Atentemo-nos ao fato de que a expressão “purificada de vontade” diz respeito não ao homem, objeto de nossa apreensão, mas a esta última.

[15] Conhecimento de natureza pragmática, oriundo dos princípios de razão e individuação. Por este motivo, peço ao leitor que compreenda tal conhecimento em sentido brando, isto é, apenas como mera opinião. Conhecimento que, orientado pela prática e pelo uso, deve, a meu ver, afirmar-se como doxa e não como episteme, tornando exclusivo este último termo às idéias platônicas de que se vale o autor de O mundo como vontade e como representação.

[16] Quero já aqui me valer desta parte para asseverar que há, no sistema filosófico de Schopenhauer, uma explícita e demasiadamente relevante distinção entre Vontade e vontade. Onde a primeira é princípio de tudo; a segunda, resultante da primeira. Onde Vontade indica não outra coisa senão o “arkhé” (peço a devida licença pelo uso não de todo descabido deste termo) do mundo; e vontade, apenas o ato volitivo, sempre conforme motivos, de todo e qualquer indivíduo humano.

[17] Eis o conceito de genialidade.

[18] A filosofia, por ter como matéria prima os conceitos e a lógica – donde sua incidência sobre o princípio de causalidade, então delatado – não é, segundo o filósofo, dentre todas, a melhor forma de expressão da Vontade. Caberia à música, não fosse a temporalidade do ritmo.

[19] Temos aqui a negação da vontade, isto é, do querer. Mas neste nível, não mais se trata do querer ingênuo, mas do querer sexual, isto é, é afirmada aqui a negação do ímpeto erótico, ou ainda, o instinto de reprodução e perpetuação da espécie mesma pela permanente geração de seus exemplares.

[20] Ou ainda: “fenômenos particulares”.

[21] Também compreendidas como: “fenômenos gerais”.

[22] Disto se segue que jamais a Vontade, na qualidade de coisa-em-si, é representação. Ainda que a fortiori se diga que os indivíduos são fenômenos particulares; as idéias, por sua vez, fenômenos gerais; tendo, por fim, a Vontade mesma como fenômeno universal, seria descabidamente equivocada tal conclusão, uma vez observando que aqui não ocorre relação alguma. No caso primeiro, temos a relação indivíduo-indivíduo; no caso segundo, o que temos é a relação sujeito-idéia. Todavia, no último caso o que temos é apenas o poético e extravagante excesso do mesmo. Em outros termos: há apenas Vontade sem parte, tempo, conhecimento, sujeito, repetição, representação, consciência. Em virtude da mais absoluta ausência de relação, o que resta é, por conseguinte, qualquer “x” que, inexprimível, é confirmado apenas pelo sentimento da mais absoluta paz e silêncio.

[23] Em virtude de sua própria natureza, isto é, por fundamentar seus enunciados por sobre aquilo que se nos apresenta como um constante “vir-a-ser que nunca é”, Schopenhauer compreenderá a Ciência nos seguintes termos: uma doxa bem elaborada. Compreensão que também se fará presente na obra Introdução À Metafísica, de Henri Bergson.

[24] Reza-se o mesmo à pessoa do Filósofo, sujeito cuja existência tanto de si quanto de seu ofício só são possíveis mediante a contemplação de todas as idéias.

[25] Rico termo que trás consigo as noções de: gênio, genialidade, intuição estética, negação da subjetividade – que também sempre coincide com a negação da Vontade de vida – percepção independente da sensibilidade, isto é, abandono da quádrupla raiz do princípio de razão suficiente. Reitero isto para que o leitor nunca se esqueça da concatenação de toda uma filosofia que perpassará não apenas as páginas do primeiro, mas se estenderá, com suficiente vigor lógico, às últimas laudas do quarto livro de sua obra magna.

[26] Relevante assertiva de Schopenhauer, pois declara, com indubitável clareza, dependerem os modos artísticos não apenas das idéias então contempladas, antes, porém, do material da sensibilidade onde se aplicará a Estética já orientada pela Metafísica da idéia que então se pôde intuir. Ainda dito de outro modo: Tem-se uma mesma idéia atuando como gênese (causa inicial, condição prévia e necessária) de muitos modos artísticos. Modos estes que, por sua vez, dizem respeito aos elementos da sensibilidade: mármore, tinta, madeira, escrita e outros. Por isto, e não por outra razão, é que se deve, em Schopenhauer, observar a hierarquia das artes por não outra coisa senão a Idéia mesma, podendo a pintura sobrepor-se à poesia se esta é orienta pelas idéias inferiores de Gravidade e Rigidez, enquanto aquela, pela idéia de Homem.

[27] Enunciado que muito bem justifica o título deste artigo.

[28] Clément Rosset, em sua obra então intitulada Estritos Sobre Schopenhauer, no terceiro capítulo e quinto tópico, cita-o: “Por la amplitud de la matéria de que dispone para expresar las Ideias, es decir, por la amplitud de los conceptos, la poesia se extiende em um dominio inmeso. Toda la naturaleza, todos los grados de las Ideas pueden ser expresados por ella”

[29] Combinação dos termos conforme Idéia, isto é, a pretensa disposição dos conceitos mesmos com fins a obstar a fixidez destes pela razão – tese esta que também está presente em Bergson. Vide Introdução à Metafísica, quarto princípio do método –. Novamente temos a exigência da Estética. Deixaremos para outro momento a realização de uma pormenorizada análise desta superação química. Por enquanto, atemo-nos ao entendimento geral da filosofia schopenhauriana.

[30] Com isto, temos que a arte se nos apresenta como via pela qual contemplamos a Idéia então presente como seu tema sem, com isto, executarmos aquele mesmo árduo esforço de autonegação de nós mesmos quando ensejamos alcançar, pela pura representação, a Idéia que ali turva-se: “(...) ele [o artista] imprime no mármore duro a beleza da forma em que a natureza fracassou em milhares de tentativas, coloca-o diante dela e lhe brada: ‘Eis o que querias dizer!’” (Schopenhauer, Arthur. Metafísica do Belo. Unesp. 2003 - 162).

[31] Este querer do qual se quer a libertação é não mais que vontade a serviço da Vontade. O indivíduo humano é vontade. Logo, é este indivíduo o evidente escravo da Vontade A intuição estética consiste na inversão desta relação, ou seja: Pela negação da vontade (volitiva), o indivíduo torna-se Sujeito, qualidade onde a Vontade (o em-si de Kant; o arkhé dos pré-socráticos) é agora subserviente, ou ainda, atende à arte e filosofia do sujeito pela quietiva contemplação de si por este.

[32] Schopenhauer parece aqui não ter-se atentado à possibilidade de este evento – qual seja: Supressão ou diminuição da fruição estética – ter sua origem não na representação e inadequada exposição da idéia ao espectador, mas ter-se originado no âmbito psicológico da significação. Problema este que espero, senão solucionar, ao menos melhor exprimi-lo em outro momento que não este, que compreende a elaboração do presente artigo.

[33] Dado o absurdo da quantidade, uma vez que há somente um modelo para cada autêntico modo de objetivação da Vontade, o em-si de tudo o que se haja feito sob relação..

[34] Com esta proposição chamo a atenção do leitor a um ponto cuja natureza irei aqui apenas mencionar, qual seja: Sendo os princípios de razão e individuação estruturas a priori de percepção do indivíduo; e sendo a coisa, ou ainda, a representação resultante de tais princípios quando aplicados às Idéias, somos, a fortiori, levados a concluir que todo o representativo mundo do indivíduo existe apenas enquanto evento psíquico, na aprioridade de sua percepção. Tal conclusão, evidentemente, entra em conflito com afirmações demasiado explícitas de Schopenhauer e mesmo Kant, para os quais o fenômeno é exterior ao espírito humano e constitui a experiência a posteriori do indivíduo.

[35] Chamo a atenção aos termos em itálico por estes invocarem consigo a carência de maiores esclarecimentos, quais sejam: O “Intencional”, neste enunciado, pressupõe, em algum momento e necessariamente, um querer; “Consciência”, bem como “Conhecimento”, pressupõe uma diferenciação entre objeto cognoscível e sujeito cognoscente. Disto se segue que não há a dita absoluta dissolução do sujeito no objeto deste quando mencionamos o artista e o filósofo. Isto seria um conflito lógico que faria ruir toda a obra de Schopenhauer não fosse ali firmada a existência do quarto livro, instância onde tal dissolução acima proferida é, a meu ver suficientemente bem justificada pela inserção da noção de Santo.

Somente a este é atribuída a disposição lúgubre, isto é, o pleno quietivo da morte em vida. No que diz respeito à vontade, diremos, em analogia, que o cientista é uma criança, que toca a fotografia crendo tocar o horizonte; o artista e filósofo, o adulto, homem amadurecido pela existência neste mundo e que pensa existir um horizonte intocável. Por fim, temos o santo, aquele idoso que, sentado à janela, já não percebe horizonte algum.

[36] O que ainda assim lhe permitiria conhecer apenas as Idéias, graus da adequada objetivação da Vontade e que, por conta disto, não é nem fenômeno particular nem a Vontade mesma. Idéia esta em que a Vontade já se nos apresenta com o mínimo necessário de discordância, sem a qual nada é Idéia nem coisa, mas tudo é apenas Vontade.

[37] Ou ainda: o Em-si

[38] Ver nota 12.

[39] Assim está expresso: “Se essa Vontade se deve conhecer, isto é, alcançar objetividade, esta põe de um só golpe tanto o objeto quanto o sujeito.// Se essa objetividade, por sua vez, deve ser inteiramente pura, perfeita, adequada à essência propriamente dita da Vontade, reproduzindo essa inteira essência como representação, então esse grau de objetivação põe de um só golpe o objeto como Idéia, livre de todas as formas do princípio de razão, e o sujeito como puro sujeito do conhecimento, livre da individualidade e do servilismo da Vontade” (Schopenhauer, Arthur. Metafísica do Belo. Unesp. 2003 - 49).

  • Pois bem. Tomando, a princípio apenas a primeira parte desta passagem, temos que: não é a que em tudo se objetiva, antes, é a , aquele ímpeto cego e irracional (ver nota seguinte). Isto porquanto aquela segue o princípio de razão e é totalmente determinada por seus ; não sendo senhora de si, tampouco será das coisas para além de si. Tal não se objetiva, e é apenas desejante. Ainda temos que esta Vontade, por alcançar a objetividade, ela mesma coloca, ou ainda, gera, de uma só vez, sujeito e objeto (Idéia). Com isto, podemos afirmar que a objetividade da qual se fala é não outra senão a , pois, neste momento do discurso, estamos falando de e não de indivíduo cognoscente.vontadeVontademotivosvontadeRepresentaçãosujeito
  • No que tange a segunda parte da passagem temos: A objetividade – aquela da Vontade – é o que coloca (gera) não apenas a Idéia, pois também aí temos o sujeito, como livres. Liberdade esta que, quanto ao primeiro, diz respeito ao princípio de razão; quanto ao segundo, ao servilismo da Vontade. Esta Vontade da qual se quer libertar não é possível senão pelo silêncio na vontade. Dito ainda de outro modo: Não é possível estar fora da Vontade (seria o não-ser – que é distinto do ser e do vir-a-ser), mas é possível ao homem se negar a desejar, isto é, não jogar o jogo a nós imposto pela Vontade. Mas já não afirmamos que tudo é Vontade? Então como é possível esta negação humana desta? Eis a resposta: No homem, e somente neste, a Vontade se apresenta no mais elevado graus de discordância consigo mesma – o que elimina a pressuposição da liberdade e torna coeso todo o sistema.
  • Por fim, com esta interpretação, o único problema que nos resta dar cabo é aquela “representação” em itálico. Pois, neste prisma, deveria aquele vocábulo ter entrado em maiúscula inicial (Representação). Portanto, para mim, este problema reduz-se a apenas um ínfimo desvio de digitação, coisa com a qual penso não merecer nosso empenho reflexivo.

[40] Quando em necessidade de exprimir-se fazendo jus  de outro termo, Schopenhauer vale-se apenas do equivalente: “Ímpeto cego e irracional”.

[41] Recordando sempre que o resultado lógico deve, segundo Kant, jamais ser confundido com o ontológico,  temos que a afirmação da Vontade está logicamente legitimada. Todavia, não estando legitimada ontologicamente, tal assertiva aparece apenas como hipótese e não como inequívoca certeza. Para tanto, valer-me-ei de algumas passagens de O Mundo para esboçar esta minha asseveração.

  • : “(...) para mim, ao considerar a vastidão do mundo, a mais importante coisa a salientar é que a – –, cujo fenômeno é o mundo, não pode ter o seu si-mesmo repartido e espalhado, nesses moldes, pelo espaço ilimitado, mas essa extensão infinita pertence exclusivamente ao seu fenômeno. ” ().Primeiraessência em sinão importa o que ela sejaA essência em si, em verdade, está presente no todo e indivisa em cada coisa da natureza, em cada ser vivoI-153
  • Segunda: “Se, entretanto, [nós] desviamos os olhos de nossa própria indigência e aprisionamento em direção àqueles que ultrapassaram o mundo, nos quais a Vontade, tendo alcançado o pleno conhecimento de si, encontrou-se novamente em todas as coisas e em seguida se negou livremente, homens que meramente esperam ver o último vestígio da Vontade desaparecer junto com o corpo por ele animado” (I-486). “(...) pela consideração da vida e da conduta dos santos (...)” (I-487).
  • Terceira: Nós, entretanto, miramos este estado [onde a Vontade desapareceu] com profundo e doloroso anelo (...) (I-486). “Um ponto de vista invertido, entretanto, se fosse possível para nós, permitiria uma troca de sinais e nos mostraria o ser, como o nada; e aquele nada, como o ser. (...) Se, todavia, se insistisse absolutamente em adquirir algum conhecimento positivo daquilo que a filosofia só pode exprimir negativamente como negação da Vontade, nada nos restaria senão a remissão ao estado experimentado por todos aqueles que atingiram a perfeita negação da Vontade e que se cataloga com os termos êxtase, enlevamento, iluminação, união com Deus etc” (I-485).
  • Por fim: “Nós, no entanto, postados firmemente no ponto de vista da filosofia, temos aqui de nos contentar com o // conhecimento negativo, satisfeitos por ter alcançado o último marco-limite do conhecimento positivo” (I-486).

Reconheçamos que na primeira passagem, Schopenhauer coloca, ele mesmo, em dúvida a essência do Todo. Digo isto porquanto tal enunciado fora expresso no segundo livro da referida obra em um momento já posterior à prova lógica da vontade como coisa-em-si e, portanto, como Vontade. Já nos demais enunciados listados, entendo que Schopenhauer afirma a insuficiência da filosofia, bem como do filósofo, em alcançar o em-si do mundo (Jair Barbosa comunga deste entendimento). Por último, como vimos, somente os santos estão aptos a tal revelação; e Schopenhauer, sabiamente, sempre se exclui da dimensão destes, por ter como ofício a filosofia e dispor-se como praticante desta.