Aristóteles e a Vida Urbana "Toda cidade é um tipo de associação, e toda associação é estabelecida tendo em vista algum bem (pois os homens sempre agem visando a algo que consideram ser um bem); por conseguinte, a sociedade política (polis), a mais alta dentre todas as associações, a que abarca todas as outras, tem em vista a maior vantagem possível, o bem mais alto dentre todos." Com estas palavras Aristóteles inicia o livro um da sua obra "Política". Obra na qual o estagirita discorre não só sobre a política, como jogo de poder, mas sobre as diferentes formas de se organizar a vida urbana. Além disso, tece várias criticas a Platão, devido a alguns equívocos cometidos pelo seu mestre. Talvez daí venha a constatação de que o discípulo para ser grande, precisa, não só aprender a mensagem do mestre, mas principalmente superá-lo. O bom discípulo sempre será aquele que consegue ir além do mestre. E isso fez Aristóteles. Nossa intenção aqui, entretanto, não é analisar a "Política", nem fazer considerações sobre o bom discípulo. Queremos apenas fazer inferências a partir da afirmação inicial, de Aristóteles, considerando que: primeiro, a cidade é uma associação; segundo, as associações visam o bem dos associados; terceiro, o elemento que move as pessoas a se associarem, além da busca do bem, é a possibilidade de alcançar "a maior vantagem possível". E aqui está o ponto: ter vantagem! "A maior vantagem", na perspectiva aristotélica é buscada pelo grupo que se associa e forma a cidade. Entretanto, aqui somos levados a dizer que isso não ocorre em função do bem coletivo, mas individual. O cidadão não se junta ao grupo, formando a cidade, porque almeja o bem do grupo, mas porque sabe que essa associação, lhe trará benefícios pessoais. Ou seja, quando buscamos o bem do grupo, na realidade estamos buscando o nosso bem pessoal. A vantagem do grupo é a nossa vantagem! Qual a consequência disso? O desenvolvimento da política, pois as relações grupais são a base da política; e desta organização grupal nascem as leis e a ética. Se permanecêssemos toda a nossa vida isolados não teríamos essas necessidades. Mas, uma vez que temos necessidades e essas necessidades são supridas pelo grupo, e como nossos desejos individuais tendem a se impor sobre as necessidades coletivas, ao nos associarmos passamos a desenvolver uma outra necessidade, que é a necessidade de normatizarmos nossas relações. Daí o nascimento das normas comportamentais (ética) e jurídicas. As normas, portanto, nascem das relações políticas. Em razão disso é que podemos afirmar: o individuo, isolado, é apolítico. Não tem necessidade nem de ética nem de leis, consequentemente não tem necessidade de política, ou de um Estado que lhe cobre o cumprimento de obrigações. O individuo, isolado, dispensa as convenções sociais, pois deve satisfação apenas aos seus instintos. Entretanto, como ser limitado, o ser humano se associa. E ao se associar, percebe que seus interesses entram em conflito com os interesses de outros. Mas, percebe também, que não consegue sobreviver em conflito constante. Esse conflito de interesses produz o que Thomas Hobbes denominou de estado de selvageria. Uma situação de guerra de todos contra todos. Uma situação insustentável. Por isso, para superar essa situação e para criar condições políticas da vida social ? em vista da "maior vantagem possível", ? as pessoas se associam, formando grupos específicos, ou formando aglomerados urbanos, as cidades: o espaço da ação política. Outra inferência a que podemos chegar diz respeito à consequência da satisfação das necessidades: Satisfazer necessidades é criar necessidades. Vejamos: necessidades que não conseguimos suprir individualmente, são supridas pela associação. O grupo, portanto nasce para satisfazer nossas necessidades. Mas ao nos agruparmos, constatamos que precisamos nos organizar, para não nos matarmos uns aos outros, devido ao conflito de interesses. Por isso, criamos todas as normas sociais e de convivência. Surge, então, a necessidade de estabelecer guardiões para a preservação dessas normas; criamos o Estado, que é uma instituição suprasocial e que estabelece normas independentemente de nossa vontade e de nossas necessidades pessoais; nasce, também, a necessidade de ensinarmos as normas e os comportamentos desejáveis às novas gerações. Para isso criamos as instituições de ensino... e assim sucessivamente vamos tornando a vida social, cada vez mais complexa. Ou seja, para cada necessidade satisfeita, criamos outras necessidades que ajudam a satisfazer a anterior... Voltemos, portanto a Aristóteles, para nos perguntar o porquê do mestre de Alexandre Magno ter afirmado que "o homem é um animal político em um grau muito mais elevado que as abelhas e os outros animais que vivem reunidos". A resposta de Aristóteles: porque essa é uma característica natural. Nossa resposta: porque o grupo satisfaz necessidades. Somos, portanto, levados a dizer que vida urbana não é "natural", mas pautada pelos interesses pessoais. Neri de Paula Carneiro ? Mestre em Educação, Filósofo, Teólogo, Historiador. Leia mais: ; ; ; ;