ARGUMENTAÇÃO: ABORDAGEM HISTÓRICA



Rosilan Marques Pereira
(Licenciado Pleno em Letras pela UFPA-CUNCAST)





As mais diferentes civilizações, nos mais variados momentos históricos, procuraram, através dos seus discursos, implementar suas intencionalidades. Citamos como exemplo o discurso clássico, promovido na Grécia, visto que

"O exercício do poder, via palavra, era ao mesmo tempo uma ciência e uma arte, pois estavam implicados o conhecimento das técnicas persuasivas e o modo de melhor dizê-las; explorar a amplitude convincente do discurso significava a possibilidade de formação dos consensos de mando. É compreensível que surgissem, nessas circunstâncias, as primeiras sistematizações e reflexões acerca dos problemas envolvidos com a linguagem verbal." (CITELLI, 2007, p. 9).


Para melhor compreensão, e para fins de esclarecimento do assunto, remetemo-nos a Antiguidade Clássica, berço dos grandes oradores e precursores da Arte Retórica, como afirma CITELLI (2007, p.8)

"As escolas criaram, inclusive, disciplinas que melhor ensinassem as artes de domínio da palavra: a eloqüência, a gramática, a retórica, atestam algumas das evidências do conjunto de preocupações que marcaram a relação dos gregos com o discurso".


A origem dessa preocupação surgiu, porque, para algumas camadas sociais, era necessário o conhecimento das normas de boa argumentação. Este era um exercício de poder, sendo considerada para eles ciência e arte. Teve como um dos maiores expoentes, o estagirita, Aristóteles (384-322 a.C.) com o livro "Arte retórica" um dos manuais clássicos para a compreensão da estruturação de um texto persuasivo.

Sabe-se que não é recente o interesse ou o desejo do homem em, através dos seus discursos, causar, no seu interlocutor, atitudes de convencimento. Como exemplo, citaremos o período clássico: "Falar em persuasão implica, de alguma maneira, retomar certa tradição do discurso clássico ? sobretudo conforme exercitado na Grécia? em que podem ser lidas formulações posteriormente desenvolvidas pelos estudos de linguagem (CITELLI, 2007, p. 7).

Depreende-se, dessa informação, o quanto era importante, aos gregos, dotar seus discursos de forte carga persuasiva. Afinal, para provocar nos ouvintes certo ar de convencimento e tendo-os como o centro das intenções, nada mais conveniente do que dotar os discursos de intenções várias

"[...] E não poderia ser diferente, pois praticando um certo conceito de democracia, e tendo de expor publicamente suas idéias, ao tribuno grego cabia manejar com habilidade as estratégias argumentativas com a finalidade de lograr a persuasão dos auditórios. Daí a larga tradição dos sofistas , dos retores, dos tribunos, aqueles que iam às praças públicas, aos foros, intentando inflamar multidões, alterar pontos de vista, mudar conceitos pré- formados.(CITELLI, 2007, p.7).

O que se pode verificar é que na Grécia antiga, dominar o uso de uma linguagem capaz de causar "reações" nos receptores não se tratava apenas de um mero uso verbal, mas do domínio de técnicas linguísticas capazes de afetar a concepção das massas, ou seja, tratava-se de implementar ideologias. A grande questão (ou o grande desafio) baseava-se não só no modo de dizer, mas no modo de fazê-lo de modo convincente e elegante.

Com o passar dos séculos, o sentido da Retórica foi quase que totalmente modificado, passou de técnica para "enfeite", algo que prejudicou sobremaneira essa arte, que, para muitos, teve como época de declínio a fase parnasiana, na qual os escritores tornaram o estilo como mero adereço do texto. Eles apenas buscavam deixar o texto mais belo, porém com insuficiência de idéias. Contudo, devemos observar que a argumentação sempre esteve nos discursos, mesmo que renegada enquanto objeto de estudo, capaz de nos fazer entender como o direcionamento argumentativo de um texto ocorre.

Tendo-se como ponto de partida a linguagem como fator de interação entre os membros de uma determinada comunidade, vê-se que as relações sociais estabelecem vínculos entre os participantes da ação comunicativa. O locutor pode empregar efeitos de sentido que podem causar, no interlocutor, as mais variadas reações. O que fica claro é o repasse de intenções, a nível discursivo, que torna a comunicação interpessoal dotada de sentidos diversos. Portanto, o enunciador deixa transparecer sua vontade de causar, no receptor, um tom persuasivo capaz de afetar sua concepção e o seu modo de entender os significados textuais. Podemos nos sentir influenciados, se o interlocutor conseguir impor sua ideologia; em outras palavras: o discurso persuasivo dissemina uma variedade enorme de significações.

O discurso persuasivo está presente no cotidiano das pessoas; são apelos verbais e visuais das mais variadas formas. Sendo a linguagem uma forma de ação, é particularmente nos textos argumentativos que uma série de mecanismos são acionados e nos quais se exerce com maior vigor a persuasão com a finalidade de assumir pontos de vista, discutir idéias, refutar conceitos pré-estabelecidos e, em última instância, desenvolver a competência para se impor o discurso manipulador. Subentende-se conforme afirma KOCH (1999, p.17) que "a linguagem passa a ser encarada como forma de ação, ação sobre o mundo dotada de intencionalidade, veiculadora de ideologia, caracterizando-se, portanto, pela argumentatividade".

Um discurso pode obter a adesão de um público determinado, mas para isso torna-se necessário o estabelecimento de relações que garantam a veracidade do que se pretende transmitir. Em outras palavras:

"O objetivo de toda argumentação, como dissemos, é provocar ou aumentar a adesão dos espíritos às teses que se apresentam a seu assentimento: uma argumentação eficaz é a que consegue aumentar essa intensidade de adesão, de forma que se desencadeie nos ouvintes a ação pretendida (ação positiva ou abstenção) ou, pelo menos, crie neles uma disposição para a ação que se manifestará no momento oportuno." (PERELMAN, 2005, p.50).

O excerto acima leva-nos a concluir que o estabelecimento de relações discursivas, de caráter argumentativo, está vinculado ao modo como o discurso é transmitido ao interlocutor; assim sendo, a credibilidade do enunciador não só reside no seu discurso, mas no modo como o seu proferimento é aceito por um "auditório" (segundo a concepção perelmaniana), ou seja, entendido auditório como um público formado de pessoas entre as quais haja afinidades relacionadas aos conteúdos textuais apresentados e com as quais se possam determinar uma ligação de valores compreendidos no contexto apresentado.

Se pararmos para pensar um pouco nas relações existentes entre as informações que nos são transmitidas e o poder com que isso chega até nós, veremos que não depende apenas de um simples repasse de palavras, frases ou sentenças. A intenção com que um determinado anúncio é transmitido expressa a atitude de convencimento aliada à vontade de causar, no interlocutor, a "quebra" da sua opinião mais elementar

"O que caracteriza a adesão dos espíritos é sua intensidade ser variável: nada nos obriga a limitar nosso estudo a um grau particular de adesão, caracterizado pela evidência, nada nos permite considerar a priori que os graus de adesão a uma tese à sua probabilidade são proporcionais, nem identificar evidência e verdade". (PERELMAN, 2005, p. 4)


De fato, às vezes torna-se tão necessário investigar o que leva alguém a aderir a uma ou outra opinião, que chega-nos a parecer impossível aceitar tal grau de persuasão.

Quando nos deparamos com algum tipo de informação, a primeira idéia que temos é avaliá-la. Se o que ouvimos causar, em nosso senso crítico, um certo "ar de convencimento", certamente seremos convencidos por essa informação, porque o locutor conseguiu atingir seu mais alto grau de persuasão. É comum, em algumas situações, nos sentirmos "atraídos" por discursos enunciados em situações diversas. Mas, como avaliar o sentimento de convencimento causado por expressões, imagens, textos ou por qualquer forma de comunicação? "Enfim, é pelo discurso que persuadimos, sempre que demonstramos a verdade ou o que parece ser a verdade, de acordo com o que, sobre cada assunto, é suscetível de persuadir". (Aristóteles, p.33-34, grifo nosso).

Tem sido assim ao longo dos séculos, ou seja, em vários momentos históricos. Nesse sentido, vê-se que os discursos são dotados de intenções várias.

"Obtém- se a persuasão nos ouvintes, quando o discurso os leva a sentir uma paixão, porque os juízos que proferimos variam consoante experimentamos aflição ou alegria, amizade ou ódio". (ARISTÓTELES, p. 33)


Quando ouvimos uma determinada informação, o que de imediato se percebe é o repasse de uma opinião; mas, num momento posterior observamos que um determinado autor emprega, nos seus discursos, uma marca ideológica capaz de "persuadir" o ouvinte acerca de uma imposição.

Verificamos que sempre há nos discursos a afirmação de um determinado ponto de vista. No período clássico, por exemplo, via-se que os discursos eram carregados de forte tom persuasivo; no período medieval, temos a Igreja valendo- se do sermão e da liturgia para incutir nos seus fiéis o tom moralizante para, a longo prazo, garantir a credibilidade necessária para perpetuar suas doutrinas. Assim sendo, "Obtém-se a persuasão por efeito do caráter moral, quando o discurso procede de maneira que deixa a impressão de o orador ser digno de confiança". (ARISTÓTELES, p. 33).

Considerando-se o fato de que a linguagem é o instrumento que o homem usa para estabelecer relações, interagindo socialmente, como forma de ação entre os interlocutores, a sua função básica não é só comunicar determinadas intenções a outrem, mas também persuadir e convencer; isso significa dizer que a linguagem é, pois, dotada de intencionalidade, que visa influenciar o comportamento do interlocutor, modificando suas convicções, julgamentos e idéias preconcebidas.

As relações sociais por intermédio da língua apresentam-se de forma a desencadear os mais diferentes resultados. Neste sentido, vê-se o quanto é importante perceber de que modo o "ouvinte" sente-se influenciado por um determinado discurso. A partir de determinadas atitudes enunciativas, o enunciador apresenta-se como um ente capaz de atuar no íntimo de alguém, fazendo com que o seu discurso ganhe certa respeitabilidade. Visto que

O objeto da retórica antiga era, acima de tudo, a arte de falar em público de modo persuasivo; referia-se, pois, ao uso da linguagem falada, do discurso, perante uma multidão reunida na praça pública, com o intuito de obter a adesão a uma tese que se lhe apresentava. Vê-se, assim, que a meta da arte oratória ? a adesão dos espíritos ? é igual à de qualquer argumentação (PERELMAN, 2005, p. 6)


Com a retomada dos estudos da Retórica e retorno às concepções aristotélicas, renovou-se o sentido da "Arte retórica". Aos poucos, a Retórica ganhou seus ares clássicos e voltou ao status de ciência e arte, nos moldes gregos, com aperfeiçoamentos modernos.

Nas novas formulações consideram-se também as figuras de linguagem no texto, já que elas são importantes recursos para prender a atenção do receptor naqueles argumentos articulados pelo discurso. Para Citelli (2005, p.21)

"As figuras ou translações, como as definem certos autores, cumprem a função de redefinir um determinado campo de informação, criando efeitos novos capazes de atrair a atenção do receptor. São expressões figurativas que conseguem quebrar a significação inicial, própria e esperada daquele campo de palavras".

Com o desenvolvimento dos estudos lingüísticos e o advento dos estudos de cunho enunciativo, as considerações sobre a argumentação voltaram a interessar os estudiosos da linguagem. Aqui, cabe referência a figuras como E. Benveniste, O. Ducrot e J.C. Anscombre. Desenvolve-se, então, a Semântica Argumentativa, que propõe uma teoria da argumentação na língua, de base enunciativa. Essa concepção vai de encontro à concepção postulada por nomes como Reboul, Olbreschts-Tyteca e Perelman na Nova Retórica, que afirmam ser a argumentação um instrumento retórico. Para Ducrot a argumentação é inscrita na língua, portanto, tem caráter não-retórico.

Para os autores da Nova Retórica, a língua tem papel secundário na criação do discurso retórico. Aqui, importa mais o sujeito da interlocução e a relação deste com seu interlocutor. A língua passa a ser entendida, então, apenas como um recurso a serviço da técnica retórica.

A concepção Ducrotiana da argumentação, ao contrário, é entendida na base da relação argumento/conclusão. Oriunda de uma concepção estruturalista, a concepção de Ducrot põe a língua em posição de relevo, uma vez que esta é quem oferece os elementos e as formas do discurso argumentativo.

Enfim, ao longo dos séculos, a imposição de determinadas ideologias, via discurso, ainda torna-se evidente; é preciso perceber o aperfeiçoamento discursivo na modernidade: temos não só o texto em si, mas uma imposição ideológica marcada pela presença de traços lingüísticos aliados a manobras persuasivas orientadas por profissionais de diversas áreas. E, nesse universo, a Nova Retórica parece-nos exercer papel relevante, auxiliando a criação de "novas verdades", através do uso racional, lógico dos recursos retóricos.

Na modernidade, vários segmentos sociais dedicam-se a propagar suas ideologias. Para isso, fazem uso de estratégias várias; políticos, a publicidade e a propaganda, assim como a mídia em geral, dedicam-se a atuar no pensamento alheio com a finalidade de obter-lhe a adesão. Hoje, com o auxílio da imagem, tem-se um componente a mais a contribuir de forma decisiva, pois aliando imagem e texto (informação) consegue-se, de uma forma mais eficaz, atuar na concepção de um determinado público e fazer com que este adira ao objetivo pretendido.

É inegável o poder das palavras. Neste sentido, torna-se preciso entender de que forma nos sentimos "atraídos" por um determinado pronunciamento. Tem sido assim no decorrer dos tempos, ou seja, em vários momentos históricos podemos perceber que surge alguém intencionado a afetar o íntimo de um determinado público. Pois, como sabemos, na Antiguidade Clássica, assim como em todo o Ocidente (durante séculos), uma figura revela-se apta a declamar um discurso para, contando com a adesão dos interlocutores, "disseminar" sua doutrina a fim de incutir nos ouvintes o seu ponto de vista.

Os vários discursos proferidos pela mídia em geral, tornam-se norteadores de concepções, formadores de opiniões e direcionadores de uma lógica de consumo. A argumentação, neste sentido, é entendida como uma prática a favor da implantação de conceitos, idéias, valores. O que se observa é a utilização de modalidades discursivas a provocar atitudes de convencimento em larga escala. Pois, quando se pretende impor uma determinada concepção, faz-se uso de elementos variados capazes de impulsionar não só a aceitação, mas o estabelecimento de vínculos interligados entre a opinião e os pontos de vista dos receptores.

REFERÊNCIAS

CITELLI, Adílson. Linguagem e persuasão. 16 ed. São Paulo: Ática, 2007.

KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça. Argumentação e linguagem. 5. ed. São Paulo: Cortez, 1999.

PERELMAN, Chaim; OLBRECHTS-TYTECA, Lucie. Tratado da Argumentação: a nova retórica. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005. (Justiça e direito)