INTRODUÇÃO

Um fato recente tem chamado à atenção de muitos empresários, agentes exportadores, representantes estatais e juristas no Brasil e em outros países: De repente, não mais que de repente, a Argentina passou a prover enormes dificuldades para a entrada de produtos estrangeiros em seu território nacional. Sobretudo produtos de origem brasileira.

É nítida a ação estatal, leia-se do Estado Argentino, ligada ao Direito Internacional Público e, principalmente, ligada ao Direito Econômico. Por que tal ação tem como principal motivação, a preservação da Indústria Nacional e dos postos de trabalho por lá.

Sem adentrar ao mérito desta questão, que claro, teria por função de discorrer sobre a legalidade de tal ação em face dos tratados assinados com as nações que integram o bloco econômico comum do Sul, ou simplesmente MERCOSUL, é importante que conheçamos melhor como funciona esse instrumento de participação plurinacional de relações econômicas, sociais, políticas e culturais.

 

O MERCOSUL

 

O processo de integração entre os Países fundadores do MERCOSUL, Mercado Comum do Sul, iniciou-se em 26 de Março de 1991, com a assinatura do Tratado de Assunção, pelos governos de Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai.

Inicialmente o acordo se deu apenas nos campos da livre circulação dos cidadãos dos Países membros dentro de seus espaços territoriais, exceto quando esta circulação se dê para fins de emprego, quando é necessário um visto de trabalho, e da livre circulação de produtos e serviços originários e/ou produzidos nos Países do bloco.

Tal iniciativa é claro, não estava deslocada da realidade internacional. Antes e durante o período de criação do Mercado Comum do Sul vários foram os blocos regionais formados entre Estados que se inspiravam pelos ideais liberais e neoliberais que difundiam a ideia da necessidade de organização dos Países em blocos econômicos que permitissem uma maior integração econômica entre eles e que os tornaria menos suscetíveis as intempéries das crises econômicas que tanto assolaram o mundo no final da Década de 1970 e por toda a década dos anos de 1980. Tal visão é corroborada por:

Nos últimos dez anos do século XX, sonhar ou discutir sobre a intervenção do Estado no domínio econômico tem sido praticamente uma heresia no mundo Ocidental. O modelo de economia de mercado saiu vencedor, e o importante foi e ainda é a globalização e a formação dos blocos econômicos para possibilitar a integração econômica das nações, a fim de viabilizar a livre circulação de bens, serviços, pessoas e capitais. (Clark, 2001, p.15)

É igualmente claro também que unir Países tão assimétricos num mesmo bloco econômico poderia trazer consequências desastrosas para os Estados mais frágeis ou menos robustos economicamente falando. Neste sentido o Artigo 6º do Tratado de Assunção que foi ratificado pelos Estados Membros e que deu origem ao Mercosul diz: os Estados partes reconhecem diferenças pontuais de ritmo para a República do Paraguai e para a República Oriental do Uruguai... (sic)

Esse processo de integração econômica teve também outras nuances da Política e do Direito Internacional, como, por exemplo, a criação do ParlaSul, o Parlamento do Mercosul, que tem sede na cidade de Montevidéu, capital do Uruguai.

Com relação a questão de migração interna, ficou acertado, após a assinatura do Acordo Sobre Residência para Nacionais dos Estados Partes do Mercosul Bolívia e Chile, datado de 06 de Dezembro de 2002, que a partir de então, todos os cidadãos de quaisquer Países do Mercosul natos ou naturalizados há pelo menos cinco anos, teriam um processo simplificado na obtenção de residência temporária por até dois anos em um membro do bloco. Após o término dos dois anos obtidos a partir desse processo, ainda sem a necessidade de vistos, poderia ser requerida a residência permanente, desde que o interessado comprove meios de vida lícitos para o sustento próprio e familiar.

Foi criado também, através do Protocolo de Olivos, que diga-se passagem começou a vigorar a partir de 2004, o Tribunal Arbitral Permanente de Revisão do Mercosul, que tem sede na cidade de Assunção no Paraguai. Este órgão tem por finalidade sanar uma grande insegurança jurídica do bloco, que era a falta de um tribunal permanente para dirimir lides entre Estados Membros.

 

DECISÕES DE DIREITO ECONOMICO COMUM ENTRE OS ESTADOS MEMBROS

 

Os Estados membros do Mercosul já apresentaram ao conjunto dos seus cidadãos, e ao mundo de maneira em geral, duas decisões de Direito Econômico das mais relevantes e que merecem especial citação aqui: A primeira chamada de TEC – Tarifa Externa Comum – é aquela que determina que as tarifas de importação para o Países do Bloco sejam idênticas de modo que se equalize as condições de concorrência, garantindo aos produtores dos Estados membros a uniformização do pagamento do montante à ser pago para a importação de insumos e máquinas, fazendo com que os mesmos compitam entre si em pé de igualdade.

A TEC também tem por finalidade a proteção do Mercado do bloco porque estimula e promove a integração econômica e produtiva do bloco entre as nações.

Outra decisão que merece destaque foi tomada em meados de 2009, diante da crise econômica de 2008, causada pelos problemas hipotecários, fiscais e bancários nos Estados Unidos. Tal decisão estabelecia como meta para o ano de 2010 a adoção do uso das moedas dos Países membros do Mercosul em suas transações comerciais, acabando com a utilização do Dólar como divisa necessária ao comércio entre os Países.

Essa decisão seria importante porque diminui os custos para a realização e efetuação destas transações, pois fariam com que as empresas ficassem menos expostas a depreciação cambial imposta de forma artificial pelos Estados Unidos, como forma de ajudar na recuperação de sua economia, e assim, não sendo necessária a aquisição de dólares para posterior concretização destas transações. O principal problema para a efetiva aplicação desta medida ainda é, em grande parte, a falta de liquidez no mercado internacional das moedas dos Países membros e, sobretudo, a falta de interesse do empresariado do bloco em adotar o mecanismo de pagamento com moedas locais.

 

NEO COLONIALISMO: IMPERIALISMO ECONOMICO

 

Numa União Aduaneira como é o Mercosul, certamente haverá países que apresentam resultados econômicos mais robusto que outros. Assim como se dá em outras organizações deste tipo, como na União Europeia, como é no NAFTA e outros.

Por esta razão é de suma importância que o (s) País (es) mais desenvolvidos, e maiores economicamente, presente nestes blocos tenham uma postura colaborativa face aos seus parceiros. Se não for assim não faria o menor sentido unir nações tão assimétricas. Como exemplo disso, podemos afirmar: Qual nação do mundo nos dias de hoje, seria insana de participar de uma União Aduaneira onde estivesse presente a China? Isso certamente representaria a bancarrota de toda a sua indústria, e consequentemente, levaria ao desemprego, ao caos político e social, bem como poderia ter grande impacto negativo nas contas públicas.

Segundo o prof. Geovani Clark:

A dita globalização é uma via de mão única, onde os benefícios e as riquezas são acumulados apenas para as nações desenvolvidas a custa da exploração da miséria e das mortes das nações em desenvolvimento. Em síntese, a globalização e a versão moderna do pacto colonial. (Clark, 2001, p.16)

Neste sentido o Brasil tem que jogar importante papel para a manutenção do Mercosul, assumindo com altivez a responsabilidade de impulsionar o crescimento econômico  dos demais Países bem como o seu próprio crescimento, sem que isso represente a espoliação dos seus vizinhos.

Nos últimos anos o Brasil se viu envolto em inúmeras tentativas de seus vizinhos de renegociar contratos referentes à investimentos brasileiros em seus territórios. O caso da Bolívia é emblemático porque as instalações da Petrobrás naquele País chegaram a ser invadidas pelas Forças Armadas Bolivianas. A mídia e a opinião pública brasileira reagiram com enorme sentimento de vingança neste caso. Mas vejam só: A maior riqueza mineral já encontrada na Bolívia foi a Prata. Durante a colonização espanhola, tudo se esvaiu sem a menor contrapartida por parte dos conquistadores. Ficaram então as ruínas das edificações da grande civilização indígena pré-colombiana, os Incas, e um enorme passivo social. Deixaram para Simon Bolívar, José de Sucre e seus seguidores uma terra arrasada. Nas últimas décadas do Século XX foram encontradas na região de Santa Cruz de la Sierra enormes quantidades de Gás Natural. Foi quando assinaram com o Brasil o acordo que permitiu a exploração destas jazidas pela Petrobrás para atender o mercado brasileiro. O problema é que mediante contrato o Brasil chegava a pagar pelo metro cúbico de gás um valor tão ínfimo que, sequer atingia metade do valor real do produto no mercado internacional. Essa era ou não uma forma de espoliar nossos vizinhos?

Outro caso não menos importante se refere à Usina de Itaipu. Brasil e Paraguai começaram a construção da usina binacional em 1975, com recursos financiados pelo atual BNDES. No tratado de construção da usina foi previsto que, a energia produzida pela hidroelétrica seria igualmente dividida entre os dois Países. E que a energia não utilizada por um dos Países só poderia ser vendida por um valor definido no contrato e exclusivamente ao outro Partícipe da empreitada. Resultado: O Paraguai utiliza apenas 5% (Cinco porcento) ao que tem direito e vendia até meados de 2009 os seus outros 45% (quarenta e cinco porcento) restantes ao Brasil, por um valor bem abaixo do valor de mercado. Além disso, o Paraguai ainda tem que pagar até o ano de 2023 pelo empréstimo contraído junto ao BNDES referente à sua parcela no financiamento para a construção da usina. Em Junho de 2009 então, o Brasil aceitou renegociar o tratado de Itaipu binacional aumentando o valor pago pelo Mwh (Mega Watt hora) de energia e permitiu ainda que caso desejasse o Paraguai poderia negociar o seu excedente energético diretamente com as empresas brasileiras.

Casos como este, representam de forma inconteste e veemente a forma espoliatória e imperialista com a qual o Brasil lida com seus parceiros no Cone Sul.

 

O Caso em questão: Argentina

 

Recentemente, o Governo Argentino passou a impor restrições para a entrada de inúmeros artigos da sua pauta de importações. Essas restrições passaram à incomodar inúmeros países do Mercosul e da União Europeia, sobretudo o Brasil, que hoje é o maior parceiro econômico da Argentina.

            Do ponto de vista meramente jurídico, está claro o descumprimento de tratados e acordos comerciais por parte da Argentina. E a alegação disso está, segundo a sua presidente, Cristina Kirchner, na necessidade de se preservar os postos de trabalho dos Argentinos, protegendo sua economia da invasão de produtos oriundos de outras partes do mundo.

            Ocorre ainda que, em alguns casos, as restrições são meramente na lentidão intencional do Governo, na liberação dos agentes sanitários e alfandegários que atuam nos portos secos ao longo da fronteira.

            Os ministros Brasileiros do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel; da Agricultura, Mendes Ribeiro; e das Relações Exteriores, Antônio Patriota, vem participando de discussões bilaterais para a solução deste impasse, uma vez que os produtos Argentinos não vêm encontrando as mesmas dificuldades para ingressar em solo Brasileiro.

            É inegável a disparidade de competitividade entre a 6ª maior economia do mundo, leia-se Brasil, e a 27ª, que é a Argentina. Também é preciso compreender que, por se tratar de um País de dimensões continentais e com enorme capacidade de recursos naturais e minerais, a economia brasileira desenvolve ampla gama de segmentos econômicos, diferentemente da Argentina.

            Desta forma, nada mais natural que, diante de uma União Aduaneira como é o Mercosul, o Brasil acabasse por inundar os mercados vizinhos com seus produtos e que isso refletisse no próprio desempenho econômico das nações vizinhas e parceiras.

 

CONCLUSÃO

 

            Deveria o Brasil, diante do exposto, assumir um estratégico compromisso de incentivar o desenvolvimento econômico dos Países vizinhos, permitindo que os mesmos cresçam e avancem diante das adversidades e das assimetrias deste bloco econômico, seja através da concessão de linhas de crédito vantajosas e competitivas, seja também através da transferência de tecnologia, ou ainda na preferência na aquisição de produtos que sejam produzidos por seus parceiros em detrimento de outras partes do mundo.

            Deveríamos incentivar também a instalação de indústrias brasileiras nos demais países do bloco para permitir a geração de emprego, capacitação da mão-de-obra e distribuição de renda em outros locais do bloco econômico.

            Poderia ainda, assumir responsabilidades no sentido de auxiliar os países do bloco na tarefa de ampliar seus parceiros comerciais, ajudando-os a aumentar o número e a quantidade de produtos a serem exportados para outras partes do mundo.

Assim, e somente assim, poderíamos incentivar o desenvolvimento econômico dos parceiros do bloco e ainda, construir relações mais sólidas e duradouras, não somente sob a ótica do Direito Econômico e da economia de maneira em geral, mas também sob o prisma das relações diplomáticas e do Direito Internacional Público e Privado.

BIBLIOGRAFIA

Clark, Giovani. O Município em Face do Direito Econômico. Belo Horizonte: Ed. Del Rey, 2001.

Clark, Giovani. Política Econômica e Estado. Revista de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo, Edição 22, 2008.