ÁREA DE PROTEÇÃO PERMANENTE COMO REFLEXO DA TUTELA JURÍDICA DO MEIO AMBIENTE



Tiago José Mendes Fernandes
Rayana Pereira Sotão Arraes


SUMÁRIO: Introdução; 1 O meio ambiente enquanto objeto da tutela jurídica; 2 Da competência legislativa e administrativa referente ao meio ambiente e as Área de Preservação Permanente; Considerações Finais; Referências.



Resumo

O legislador buscou tutelar o meio ambiente de forma ampla por entender que este é um bem indispensável ao exercício da dignidade humana tanto em sua perspectiva individual como coletiva. Assim, o presente trabalho inicia a analise do meio ambiente enquanto objeto de tutela jurídica e aponta as áreas de preservação permanente como um exemplo desta tutela.


Palavras- Chave:

Meio ambiente; tutela jurisdicional; área de preservação permanente.


Introdução


Busca-se com o presente artigo discorrer sobre o meio ambiente a que se dedica a tutela jurídica, em razão de entende-lo como meio de exercício das potencialidades humanas bem como garantidor da dignidade humana
Após analise da atenção conferida ao meio ambiente pelo legislador, o presente artigo expõe algumas considerações sobre a competência para legislar e administrar questões atinentes ao meio ambiente, apresentando os elementos envolvidos nas mesmas.
Sem a pretensão de esgotar o tema, ao final,, apresenta-se o conceito de Área de preservação permanente ? APP ? como um exemplo de tutela jurídica do meio ambiente, traçando considerações acerca da importância das mesmas para a efetiva salvaguarda dos recursos naturais esgotáveis.


1 O meio ambiente enquanto objeto da tutela jurídica

Alguns doutrinadores acreditam que o termo meio ambiente, em verdade, se apresenta como uma repetição. Entendem assim por compreender as palavras meio e ambiente como vocábulos equivalentes, estando, portanto, uma dentro da outra (MACHADO, 1998, p. 69).
De toda forma, a expressão meio ambiente veio a ser alvo de preocupações há pouco tempo, culminando na sua tutela a nível constitucional (art. 225, Constituição Federal) e ocasionando, no campo das ciências, o surgimento de estudos ecológicos, ramo recente da biologia.
A ecologia ? que, conforme dito acima, consiste em ramo recente da Biologia ? inicialmente compreendia o meio ambiente através de uma abordagem autoecológica, a qual não incluía o homem na rede de interações daquele. Hoje, contudo, entende-se o meio ambiente por uma perspectiva mais ampla, que alcança a interação de vários fatores ambientais, dentre eles o homem e as suas relações com a natureza. Esta corrente da biologia é conhecida por sinecologia (LEITE; AYALA, 2010, p. 72).
Neste sentido Vieira (1995, p. 49) afirma que o meio ambiente não admite a interpretação de um objeto específico, mas tão somente, uma relação de interdependência.
Nas palavras de Leite e Ayala (2010, p. 72), "o meio ambiente é conceito que deriva do homem, e a ele está relacionado; entretanto, interdependente da natureza, como duas partes de uma mesma fruta ou dois elos do mesmo feixe".
No mesmo sentido Branco (1995, p. 231 apud LEITE; AYALA, 2010, p. 73) entende que:
O homem pertence à natureza tanto quanto ? numa imagem que me parece apropriada ? o embrião pertence ao ventre materno: originou-se dela e canaliza todos os seus recursos para as próprias funções e desenvolvimento, não lhe dando nada em troca. É seu dependente, mas não participa (pelo contrário, interfere) de sua estrutura e função normais. Será um simples embrião se conseguir sugar a natureza, permanentemente, de forma compatível, isto é, sem produzir desgastes significativos e irreversíveis; caso contrário, será um câncer, o qual se extinguirá com a extinção do hospedeiro.

Percebe-se com as sobreditas análises que, independentemente da conceituação, o meio ambiente objeto da tutela jurisdicional é aquele que engloba tanto a natureza quanto o homem e as relações destes, pois aquele é um bem de titularidade difusa, de interesse anônimo, e, portanto, qualquer dano por ele sofrido se estende á coletividade humana, atual e vindoura.
Destarte, inicialmente compreendido o conceito de meio ambiente, bem como a vertente antropocêntrica inerente ao mesmo, se faz possível afirmar como dever fundamental do homem a preservação do meio ambiente, através da convivência harmônica da natureza com o progresso ambicionado por esta geração.
É importante delimitar os objetivos da tutela jurisdicional direcionada à proteção do meio ambiente jurídico ora analisado, uma vez que, como diz Leite e Ayala (2010, p.75), "não se postula um biocentrismo, apenas uma superação do modelo derrogado do homem como senhor e destruidor dos recursos naturais".
Através desta compreensão é possível evoluir a preservação do meio ambiente antropocêntrico para a tutela do valor intrínseco deste, protegendo-o não somente pela utilidade que este apresenta ao homem, mas sim, pelo bem em si mesmo que o meio ambiente representa (COSTA NETO, 2003, p.17-26).
Nesta ordem de idéias Leite e Ayala (2010, p. 75) afirma que:
A tendência atual é evoluir-se em um panorama muito menos antropocêntrico, em que a proteção da natureza, pelos valores que representa em si mesma, mereça um substancial incremento. A natureza necessita proteção de per si e por seu próprio fundamento.

Assim, antes a preservação do meio ambiente fundamentava-se exclusivamente nos interesses do homem ao qual a natureza servia em grande maneira; depois, passou-se a tutelar o meio ambiente em virtude do seu caráter de macrobem e por isso, gerador de direitos objetivamente. Hoje, além desta visão, a proteção do meio ambiente encontra-se relacionada à garantia de um interesse intergeracional.
No que tange à proteção do meio ambiente em razão do interesse intergeracional, cabe destacar a posição do homem quando da função de guardar a biosfera motivado pela solidariedade.
Esta função decorre de uma perspectiva antropocêntrica alargada a qual reflete, inclusive, na legislação e constata a responsabilidade social do cidadão e do Estado perante o meio ambiente.
Através desta perspectiva, o art. 3º, I, da Lei 6.938/81 (lei que estabelece a Política Nacional do Meio Ambiente) inseriu o homem como integrante do meio ambiente, ressaltando o caráter dinâmico deste e erradicando a visão limitada da autoecologia .
Ademais, o próprio Código Civil ao vincular o direito de propriedade ao exercício da função social desta (art. 1228, §1, CC), preconiza pela preservação do meio ambiente em sua dimensão coletiva/difusa para a garantia dos direitos intergeracionais. Esta atividade do legislador retrata a solidariedade a qual se referem às linhas acima.
Com efeito, afirma-se que:
A perspectiva antropocêntrica alargada propõe não uma restritiva visão de que o homem tutela o meio ambiente única e exclusivamente para proteger a capacidade de aproveitamento deste, considerando precipuamente satisfazer as necessidades individuais dos consumidores, em uma definição economicocêntrica. Com efeito, esta proposta visa, de maneira adversa, a abranger também a tutela do meio ambiente, independentemente de sua utilidade direta, e busca a preservação da capacidade funcional do patrimônio natural, com ideais éticos de colaboração e interação. (LEITE; AYALA, 2010, p. 77).

Assim, uma vez que o ordenamento jurídico brasileiro protege o meio ambiente como bem de interesse da coletividade e essencial à qualidade de vida (presente e futura) e dignidade humana, visando tutelar os interesses intergeracionais, além dos imediatos, pode-se afirmar que, de acordo com o disposto no texto constitucional (art. 225 CF/88) há a adoção da perspectiva antropocêntrica alargada do meio ambiente.
Esta perspectiva busca, com o auxílio da normatividade legal, proteger a capacidade de aproveitamento do meio ambiente pelo homem e a capacidade funcional daquele, independentemente dos benefícios diretos que possam ser obtidos.
Do conceito de meio ambiente trazido pela Lei nº 6.938/81 consta que:


Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:
I ? meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas. (VADE MECUM, 2010, p. 1346).

Verifica-se, por conseguinte, que o conceito jurídico de meio ambiente, plasmado legalmente pelo legislador brasileiro exalta a interação e interdependência dos fatores humanos e naturais que se apresentam na biosfera. O meio ambiente juridicamente protegido não se confunde com os recursos ambientais, mas, em verdade, é um bem unitário (LEITE; AYALA, 2010, p. 79).
Nas palavras de Silva J. (2007, p. 20):
O ambiente integra-se, realmente, de um conjunto de elementos naturais e culturais, cuja interação constitui e condiciona o meio em que se vive. Daí porque a expressão ?meio ambiente? se manifesta mais rica de sentido (como conexão de valores) do que a simples palavra ambiente.

Por tudo que fora acima exposto, encontra-se o terreno propício para delinear os três aspectos do meio ambiente observados pela proteção jurídica. São estes o meio ambiente artificial (corresponde ao espaço construído pelo homem e os equipamentos públicos), o meio ambiente cultural e o meio ambiente natural.
O meio ambiente é, portanto, um macrobem, incorpóreo e unitário, ao qual o legislador buscou proteger de forma ampla, haja vista ser um bem de uso comum do povo (macrobem de todos).
Assim sendo, é indiscutível a indisponibilidade da qualidade do meio ambiente ecologicamente equilibrado pelo proprietário de qualquer fração daquele, uma vez que esta é uma garantia constitucional (LEITE; AYALA, 2010, p. 83).


2 Da competência legislativa e administrativa referente ao meio ambiente e as Áreas de Preservação Permanente (APP)

Em continuidade ao acima exposto cabe confirmar que a Constituição de 1988 foi extremamente provedora da proteção ambiental, principalmente em atenção às gerações futuras.
Neste sentido, atribuindo obrigações, a Carta Magna prevê em seu art. 24, VI, que:
"Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
(...)
VI - florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição;
§1.° No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-à a estabelecer normas gerais.
§2. ° A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.
§3° Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência plena, para atender a suas peculiaridades.
§4° A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário." (grifou-se)

Neste sentido, muito embora o texto constitucional não tenha feito menção aos Municípios como competentes para legislar sobre as questões ambientais, em razão do disposto no art 30 do mesmo diploma, sob o fundamento dos interesses locais, estes entes federativos encontram respaldo para legislar em tais questões, suplementando a legislação estadual e federal no que couber.
Quando o Código Florestal, em seu art. 7º, trata do Poder Público como competente para legislar sobre a matéria ambiental, este não especifica ou restringe tal poder aos estados ou municípios, mas somente registra a impossibilidade do indivíduo, isoladamente, determinar normas sobre o meio ambiente.
Assim, sendo o interesse local o legitimador da competência municipal para legislar e administrar as questões referentes ao meio ambiente, Paulo Afonso Leme Machado (1994, p.) enuncia que
O interesse local não precisa incidir ou compreender necessariamente todo o território do município, mas uma localidade ou várias localidades de que se compõe um município. Foi feliz a expressão usada pela Constituição Federal de 1988. Portanto, podem ser objeto de legislação municipal aquilo que seja da conveniência de um quarteirão, de um bairro, de um subdistrito ou de um distrito.

O que não se faz admissível é o Município ultrapassar os seus limites territoriais em sua atividade legislativa, exatamente porque se assim o fizer não estará atento aos interesses locais os quais fundamentam a atividade legislativa municipal.
Manoel Gonçalves (1990) entende que
nesse campo de competências concorrentes, a Constituição estabelece a repartição vertical, dando à União o poder de fixar normas gerais, cabendo aos Estados a legislação complementar, sem excluir, todavia a legislação supletiva. Esclarece o texto que inexistência de lei federal confere competência plena aos Estados, e, quando de sua superveniência, a lei estadual perderá eficácia naquilo que lhe contrário (§§ 1 °, 2 °, 3° e 4° do art. 24)

A competência administrativa, ao contrário da legislativa, não gera tantas controvérsias uma vez que o texto constitucional traz expressamente em seu art 23, VII, que esta é da competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Especificamente no que tange às áreas de preservação permanente cabe registrar que estas são faixas territoriais que gozam de proteção jurídica especial, criadas pelos art. 2º e 3º do Código Florestal.
Segundo o entendimento de Édis Milaré (2000), as áreas de preservação permanente "consistem em uma faixa de preservação de vegetação estabelecida em razão da topografia ou do relevo, geralmente ao longo dos cursos d´água, nascentes, reservatórios e em topos e encostas de morros, destinadas à manutenção da qualidade do solo, das águas e também para funcionar como ?corredores de fauna?".
Um exemplo de áreas de preservação permanente, de acordo com a Lei 7754/90 são as formas de vegetação existentes nas nascentes dos rios.
Reitera-se que as áreas de preservação permanente, assim como as demais modalidades de tutela jurídica ambiental, devem ser determinadas pelo poder público.
O Poder Público também possui a legitimidade para declarar a nulidade de toda e qualquer interferência humana nas áreas de preservação permanente, haja vista a ampla tutela protetiva destas. O instrumento jurídico pra pleitear tal nulidade é a Ação Popular.
Especificamente no que tange as áreas de preservação permanente é importante frisar que nem mesmo o princípio da autonomia municipal autoriza o Município a permitir a interferência ou realização de obras públicas ou privadas nas áreas de preservação permanente, pois se assim o fizesse estaria invadindo a competência da União bem como a hierarquia federativa.
Considerações Finais

Isto posto, em razão do meio ambiente ser um bem juridicamente tutelado de forma ampla pelo legislador e a sua proteção representar a garantia dos interesses intergeracionais, verifica-se que o Poder público é ativamente responsável pelo estabelecimento de medidas que visem concretizar a proteção preconizada pelo texto legal.
Neste sentido, verificou-se que a União, os estados e também os municípios possuem a legítima competência para legislar e administrar as questões referentes ao meio ambiente, principalmente em atenção ao interesse local, respeitando, contudo, os limites territoriais.
As Áreas de preservação permanente assumem, então, no atual contexto jurídico protetor do meio ambiente, a manifestação da tutela jurídica ao meio ambiente e consistem em faixas territoriais, cujas características encontram-se expostas no texto da lei, e não admitem a interferência humana, após a determinação protetiva do poder público.


Referências

COSTA NETO, Nicolao Dino de Castro e. Proteção jurídica do meio ambiente ? I Florestas ? Belo Horizonte: Del Rey, 2003.

GONÇALVES, Manoel. Curso de Direito Constitucional. 18ª ed. São Paulo: Saraiva, 1990.

LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Dano Ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. 3. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 1998.
_________________. Estudos de Direito Ambiental. 1ª ed.. São Paulo: Malheiros Editores, 1994.
MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário. 1ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2007
VIEIRA, Paulo Freire. Meio ambiente, desenvolvimento e cidadania. In: VIOLA, Eduardo et al. (Org.) Meio ambiente, desenvolvimento e cidadania: desafios para as ciências sociais. São Paulo: Cortez, 1995.