Felipe Marto Soeiro Carneiro                 

INTRODUÇÃO

A ideia de provisão de segurança jurídica é um basilar para toda uma analise a cerca da proibição de retrocesso social. Como uma medida de garantia de um direito julgado, tal princípio assegura o dever estatal de garantir que determinada prestação social seja efetivada, proibindo (com exceções trabalhadas posteriormente) uma reversibilidade prejudicial aos titulares do direito.

Dessa forma, o trabalho será desenvolvido da seguinte maneira. O primeiro capítulo comentará sobre as particularidades, os desdobramentos e será levantada uma prévia conceitual com fundamentação em prelecionamentos de alguns autores. Logo após, será discutido o conflito que há entre o princípio da proibição de retrocesso e o princípio da reserva do possível.

No segundo capítulo, será abordado o direito à educação e a sua natureza prestacional fundamentada na Constituição Federal. Será explicado os seus objetivos, sua natureza de direito social, sua matriz social e a sua qualificação como direito à prestações materiais.

 A ARE 639.337, decisão do Supremo Tribunal Federal será o último tópico a ser abordado. Será explicitado a medida que a  reversibilidade desse direito (educação) atua como uma violação do princípio da proteção da confiança dos cidadãos.

Por último, será abordada a prerrogativa de que o alcance da prestação do direito à educação não permite uma atuação do poder público no sentido de deixar de oferecer algo ofertado anteriormente.

  1. BREVE ACEPÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DE RETROCESSO

O basilar para o entendimento do que seria o principio da proibição de retrocesso, suas particularidades e desdobramentos é a associação que se perfaz com a ideia da providência de uma segurança jurídica (em particular aos direitos fundamentais) em um Estado democrático de direito, interligada diretamente com a noção dos chamados direitos sociais. Deflui de tal afirmação a prerrogativa de um dever estatal que abrange a proteção contra determinadas violações aos supracitados direitos sociais e fundamentais (SARLET, Ingo, 2011, p. 433).  

Dos direitos fundamentais e sociais, temos como fundamento de sua proteção a ideia de um direito adquirido. Direito este que deve ser garantido e que sustenta um conceito prévio a cerca do princípio da proibição de retrocesso social. Seria uma garantia estatal da não reversibilidade de um direito outrora consagrado e embarcado dentro de contextos sociais de mudanças. Há um subsídio de garantia da qual “se faz valer decisões judiciais e há um impedimento do legislativo em extinguir um direito protegido, violando o seu núcleo essencial.” (CANOTILHO, 2006, p. 177).

Ressalta-se, quanto à determinação do princípio, que verificamos um direcionamento às esferas dos direitos, naquilo que Ingo Sarlet chama de proteção “negativa” (por se tratar de uma vedação da diminuição). A transposição de empecilhos quanto à um retrocesso é fundamento de garantia para atuação de medidas públicas que instauram condições necessárias para existência e resguardo dos direitos sociais. (SARLET, Ingo, 2009, p. 123).

Das atribuições dispostas acima depreende-se uma problemática que vale ser denotada. O principio da proibição de retrocesso fora trabalhado em um sentido amplo com uma abrangência quase irredutível. Porém, há um conflito quando é posto em pauta o chamado “princípio da reserva do possível”. Com uma sucinta conceituação, podemos defini-lo como uma medida de impossibilitar prestações de serviços que possam ter um caráter de prejudicialidade (financeira) ao poder público. Quanto a isso, preleciona Marmelstein a ideia de que “a procedência de tal argumento carece de fundamentação suficientemente plausível que demonstre que a decisão causará mais danos que vantagens à efetivação de direitos fundamentais”. (MARMELSTEISN, 2008).

Dessa forma, entendemos que as exceções a cerca do principio da proibição de retrocesso atuam de maneira limitada, visto que o Estado tem um dever de comprometimento pautado em sua prévia análise orçamentária. A devida efetivação do referido princípio atua como uma garantia de prestações sociais que geram um equilíbrio e se relacionam diretamente com a supracitada segurança jurídica.

  1. O DIREITO À EDUCAÇÃO E SUA NATUREZA PRESTACIONAL NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

O Direito Fundamental à educação está presente em diversos artigos da Constituição Federal. Aparece pela primeira vez no art. 6º, sendo definido de forma clara como um direito social, ao lado do direito à saúde, à alimentação, à moradia, ao lazer, etc. Apesar de sua classificação, não é determinado o seu conteúdo. Mesmo assim, André Ramos Tavares afirma que é possível extrair o seu conteúdo mínimo: é “o direito de (igual) acesso à educação, que deve ser concedido à todos, especialmente para os níveis mais basilares de ensino(...)de forma regular e básica” (TAVARES, 200[?], p.5).

No art. 205 a Constituição especificou o direito à educação, designando seus objetivos: “pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1988). Esses objetivos deixam claro o sentido que a Constituição conferiu para o direito à educação: o direito de acesso à educação. Porém, não é à qualquer educação, mas àquela que preenche as preocupações constitucionais (TAVARES, 200[?]).

Já no art. 210, é permitida a fixação de conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de acordo com o interesse geral. No art. 214 é estabelecida a necessidade de articular o ensino oferecido com realizações humanísticas, científicas e tecnológicas. Além da Constituição Federal, também há previsão normativa do direito à educação em Declarações de Direitos, Pactos Internacionais e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394 de 1996).

Como é possível perceber, o direito à educação é de matiz social. Justamente por ser um direito social, ele faz com que o Estado ofereça acesso a todos os interessados (especialmente aos impossibilitados pela falta de recursos financeiros). Essa obrigação gera um dever de atuar positivamente ao Estado, seja: “criando condições normativas adequadas ao exercício desse direito, ou na criação de condições reais, com estruturas, instituições e recursos humanos” (TAVARES, 200[?], p. 11). Um exemplo desse dever de atuação positiva do Estado pode ser encontrado no art. 30, VI, da Constituição Federal: “manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental (BRASIL, 1988).

Paulo Gustavo Gonet Branco classifica o direito à educação como um direito a prestações materiais. Compartilham da mesma classificação o direito à saúde, ao trabalho, ao lazer, á infância, etc. São resultados da concepção social do Estado e possuem a finalidade de diminuir as desigualdades sociais. São caracterizados por possuírem como objeto uma utilidade concreta (bem ou serviço). Por isso, são direito devidos pelo Estado para o cidadão (MENDES, COELHO, BRANCO, 2009).

  1. ARE 639.337 E A PROIBIÇÃO DE RETROCESSO EM MATÉRIA DE DIREITO À EDUCAÇÃO.

Em 2011 o Supremo Tribunal Federal publicou um acórdão negando o provimento ao recurso de agravo feito pela Prefeitura de São Paulo em votação unânime. Este obrigou a prefeitura a matricular as crianças menores de 5 anos em creches próximas de onde moram ou do local de trabalho de seus pais. Com isso, foi mantida a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, resultado de uma ação movida pelo Ministério Público de São Paulo.

[...]