DUANNE VALENTE NEIVA GRANJA

ARBITRAGEM NO BRASIL: O LIMITE DA AUTONOMIA DA VONTADE

BELÉM-PARÁ
2010
SUMÁRIO




I-INTRODUÇÃO______________________________________________________03


II-A ARBITRAGEM NO DIREITO BRASILEIRO___________________________05


2.1-AUTONOMIA DA VONTADE_______________________________________07


2.2-OS LIMITES DA AUTONOMIA DA VONTADE________________________08


III-CONCLUSÃO_____________________________________________________10


IV-REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS___________________________________11


I-INTRODUÇÃO

O instituto jurídico da arbitragem é uma das formas de resolução de conflitos mais antigas na história do Direito. Foi uma das primeiras formas de dirimi-los sem o recurso da força e da violência. Especificamente acerca da Justiça Privada tem-se notícia de sua utilização na Babilônia de 3.000 anos a.C, na Grécia antiga e em Roma. No Direito Romano encontraremos as raízes mais profícuas do instituto da Arbitragem.
O Juízo Arbitral mereceu disposição expressa no Digesto (Liv.IV, Tít.8; Cód.Liv.II, Tít.55) sob epígrafe "De receptis" e no Direito Justinianeo em idade pós-clássica. (pacto de compromisso).
Já era utilizada na Antiguidade e na Idade Média entre cavaleiros, barões, proprietários feudais e entre soberanos distintos, pois representava um caminho mais adequado para evitar-se uma confrontação bélica, isso na esfera do Direito Internacional Público, sem contar nos demais ramos do Direito e do surgimento da arbitragem comercial, tendo em vista a citação de Platão sobre os juízes eleitos que segue que os primeiros juízes sejam aqueles que o demandante e o demandado tenham eleito, a que o nome de árbitros convém mais que o de juízes; que o mais sagrado dos Tribunais seja aquele em que as partes tenham criado e eleito de comum acordo.
A ausência de leis ou a sua rigidez, a falta de garantias jurisdicionais, a fraqueza dos Estados e os conflitos entre Estado e Igreja propiciavam um cenário extremamente favorável ao instituto de que aqui trataremos.
Desde a mais rude formação social, o homem criou maneiras de tutelar à justiça, que passou a ser interpretada a partir de princípios sociais e religiosos. A princípio, havia a auto-tutela, que é a defesa exercida pelo próprio ofendido ou por grupos.
Com a evolução social, o homem passou a transferir o poder de decisão das controvérsias a terceiros. O exercício de solução de controvérsias era cumprido pelo privado, e somente com a expansão do Império Romano passou-se a conhecer a jurisdição pública estatal.
A arbitragem como jurisdição privada antecedeu a jurisdição estatal, especialmente nos moldes em que a conhecemos hoje, que é a jurisdição exercida pelo Estado e que prevalece em nosso direito de forma quase absoluta como único meio de pacificação social.
A solução de controvérsias pela arbitragem conheceu muitos berços e sempre, de alguma forma, esteve presente na sociedade humana. Em Roma, desde 754 a.C., já havia arbitragem, que era utilizada de duas formas: o processo das legis actiones e o processo per formulas.
Os procedimentos contavam com a figura do pretor, que era encarregado de preparar a ação, enquadrando-a nos limites da lei, e que posteriormente encaminhava o processo para julgamento, que era realizado por um iudex ou arbiter. Estes não faziam parte do corpo funcional romano e eram pessoas idôneas, particulares que estavam incumbidos de promover o julgamento da controvérsia que lhes fosse apresentada.
Um dos mais famosos particulares que desempenharam a função de árbitro foi Quintiliano, gramático que muitas vezes foi chamado a desempenhar a função de árbitro, chegando inclusive a escrever obra a respeito dessa sua experiência.
É certo também que a arbitragem, em Roma, apresentava-se em sua modalidade obrigatória, antecedendo, assim, à própria solução estatal jurisdicionalizada. Na Grécia, a regra geral era que as funções do árbitro se dividissem em duas fases: a fase da tentativa de conciliação, em que o árbitro procurava resolver o litígio com a aproximação das partes e a composição do litígio, e a fase puramente arbitral, em que a sentença era proferida.
O árbitro visa à equidade, enquanto que o juiz tem por objetivo aplicar a lei. Portanto, ao se invocar o árbitro, tem-se por objetivo maior uma decisão por equidade.
A mitologia grega traz muitos exemplos que demonstram a utilização de laudo arbitral nas dissensões entre deuses, em que o instituto da mediação sempre esteve presente. Também nas questões de limites entre as cidades-Estados, a arbitragem era utilizada amplamente.
A arbitragem aperfeiçoou-se no período Justiniano. Na Idade Média, a sociedade feudal também utilizou a arbitragem e a mediação na solução de conflitos, inclusive internacionais, tendo-se em vista a intervenção da Igreja Católica em todos os principados, que era a divisão política da época. O Papa era considerado o árbitro supremo, enquanto que os bispos e senhores feudais se valiam mais da mediação.
O Brasil, desde o seu descobrimento, nas Ordenações Filipinas e Manuelinas, já tinha a arbitragem como via de pacificação adequada. A primeira Constituição brasileira,outorgada em 1824, trazia expressamente em seu artigo 160 a utilização da arbitragem.
O Código Comercial brasileiro de 1850 também tinha a previsão da arbitragem, sendo que esta era de utilização obrigatória. O Código Civil de 1916 também trazia em seu bojo a arbitragem e a convenção de arbitragem. O Código de Processo Civil de 1937 e o atual Código, de 1973, nunca afastaram o procedimento arbitral do Direito brasileiro.
Outras tantas leis também têm previsão de arbitragem como via de pacificação, dentre as quais podemos citar a Lei das Sociedades Anônimas (1976), a Lei de Greve (1989) e a Lei dos Portos (1993).
Nos dias atuais centros internacionais ou associações privadas dedicam-se a elaborar estudos e propostas para harmonização de certas normas aplicáveis a contratos internacionais e à arbitragem, visando, quanto possível, a contornar as dificuldades entre países de civil law e de common law, cujas posturas apresentam dicotomias de interpretação.


II-A ARBITRAGEM NO DIREITO BRASILEIRO
No Brasil, a arbitragem é citada desde a época do Brasil Colônia, aonde já havia uma previsão nas Ordenações Filipinas, que vigoraram até após a proclamação da República, a mesma disciplinava a arbitragem no Livro III, que tratava dos árbitros e dos arbitradores.
Na Constituição de 1824, o artigo 160 previa a possibilidade das partes optarem por um juiz-árbitro resolver o litígio, tanto nas ações cíveis e nas penais. Trazendo independência as sentenças arbitrais, pois as mesmas não necessitavam de homologação para surtirem seu efeito, contando que partes convencionassem anteriormente que o conflito seria resolvido pela arbitragem, desta forma encontramos a semelhança com a atual lei 9307/96, que segue os mesmos parâmetros.
Em 26 de julho de 1831, houve a previsão do uso da arbitragem nas litígios que envolviam seguro, e com a Lei 108, de 11 de outubro de 1837, nos dissídios referentes à locação de serviços.
Já no ano de 1850, o Código Comercial regulamentou a arbitragem para o direito societário, discriminando que todas as questões de contrato de locação mercantil poderiam ser resolvidas pela arbitragem.
Em 1894, a Lei 221 previu a arbitragem, no âmbito da Justiça Federal. Esse diploma foi regulamentado pelo Decreto 3084, de 1898. As partes, segundo o disposto neste diploma legislativo, seriam livres para recorrer, sem embargo da existência da cláusula sem recurso, no compromisso.
Desde o código Civil, de 1916, em seus artigos 1037 a 1048, a arbitragem estava prevista, determinando que de sua sentença não cabia recurso, e que se ocorresse um compromisso escrito entre as partes designando um árbitro para solucionar tal questão, o contrato seria válido, afastando o Poder Judiciário do litígio em questão, na fase de conhecimento.
Com a proclamação da República, os Estados-membros puderam legislar sobre matéria processual e, portanto, sobre a arbitragem. Os Códigos - paulista, mineiro e baiano continham disposições sobre a arbitragem.
Em 1939, o Código Buzaideano, permitiu a composição de pendências judiciais e extrajudiciais por um juízo arbitral, independente do valor da causa e contanto que fosse uma questão que tratasse de direitos patrimoniais disponíveis.
Muito embora o Brasil tenha aderido à Convenção do Panamá de 1975, com o intuito de legislar sobre a Arbitragem Comercial Internacional, o reconhecimento das sentenças arbitrais estrangeiras somente ocorreu com a adesão a Convenção de Nova Yorque.
E foi por meio da Convenção de New York que ela ganhou poderes internacionais. O Brasil assinou a convenção de New York apenas em 2002, com uma certa lentidão, pois ela foi criada em 1958. Mas após esta formalização o Brasil consolidou o instituto da Arbitragem em âmbito internacional, trazendo o reconhecimento das Sentenças Arbitrais Internacionais.
Hoje, a Sentença Arbitral Estrangeira necessita de uma homologação do Superior Tribunal de Justiça, visando assegurar seu reconhecimento e execução no Brasil. Porém, a nacionalidade do laudo será função da natureza da arbitragem e do local de sua realização. Dividindo-se portanto, em arbitragens nacionais ou domésticas e arbitragens internacionais, esta última realizada fora do território brasileiro.
Houve um enorme reconhecimento da Arbitragem também pela ONU (Organização das nações unidas), pois a Constituição vigente, manifesta sua adesão aos Tratados Internacionais de que o País seja parte (artigo 5o, § 2o.) e não colide com o juízo arbitral.
Ao ter-se filiado à ONU, o Brasil aderiu integralmente ao seu Estatuto, que impõe confiar a resolução de conflitos à Corte de Haia ou a outras Cortes já existentes ou que vierem a existir. A Corte Internacional de Justiça é o principal órgão da Justiça da ONU. Seus membros são escolhidos, de uma lista de pessoas apresentada pelos grupos nacionais da Corte Permanente de Arbitragem. com a intenção de proporcionar a segurança e a paz internacional, sendo que em caso de divergência, seus membros deverão chegar a uma solução pacífica, por meio de negociação, mediação ou arbitragem, entre outras formas previstas, nesse Documento.
Porém, o passo mais importante para a Arbitragem no Brasil, ocorreu com a edição da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996 a Lei Marco Maciel. No início, ocorreram muitas discussões sobre a constitucionalidade da Lei. Pois alguns interpretavam a lei de modo incorreto, afirmando que a lei feria o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional.
Foi com esta má interpretação que o Ministro Sepúlveda Pertence manifestou-se a respeito da inconstitucionalidade da Lei n. 9.307/96, argumentando a quebra do princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional. Pois na sua visão, a Constituição não permite vedar o acesso ao Judiciário de lide que uma das partes quisesse submeter-lhe (arts. 267, VII, e 301, IX, do Código de Processo Civil, alterados pela Lei de Arbitragem), tampouco forçar a outra parte a trilhar a via alternativa da arbitragem (art. 7.º da Lei n. 9.307/96).
Desta forma, os Ministros do STF declararam a constitucionalidade da lei, considerando o Tribunal, por maioria de votos, que a manifestação de vontade da parte na cláusula compromissória, quando da celebração do contrato, e a permissão legal dada ao juiz para que substitua a vontade da parte recalcitrante em firmar o compromisso arbitral, não ofendem o art. 5.º, XXXV da Constituição Federal.
Significando um grande um marco para a arbitragem em nosso País. Pois confirmar sua constitucionalidade autorizou e reconheceu plenamente que a Arbitragem é hoje uma opção legal e legítima na solução de litígios.

2.1-AUTONOMIA DA VONTADE

É um princípio do direito obrigacional, e que é um dos fundamentos da arbitragem. Os princípios se diferenciam das regras na medida em que aqueles podem ter maior ou menor aplicação de acrodo com o caso concreto. Pode ser apresentado como corolário do direito de liberdade, segundo o qual as partes são livres para pactuarem como quiserem, respeitando alguns limites mínimos, os quais veremos a seguir.
Na sociedade moderna de cunho liberal, a vontade é considerada a sede da liberdade e da igualdade, com isso, o princípio da subjetividade, isto é, a idéia de uma vontade livre e igual, passa a ser uma categoria operacional decisiva na arquitetura do direito. A teorização do direito encontra apoio nessa noção de liberdade subjetiva, motivo pelo qual a autonomia da vontade e a igualdade das partes aparecem como princípios organizadores da teoria dos contratos. Sob a influência desses princípios, o contrato passa a ser concebido como o resultado da convergência de vontades totalmente livres e iguais.
O princípio da subjetividade neutraliza e equaliza as partes contratantes ao estabelecer que todos são igualmente livres e iguais para contratar. Assim, pela transformação do empregado em pessoa jurídica, equaliza-se empregado e empregador. Por intermédio dessa equalização, neutralizam-se as diferenças e aparece a possibilidade de aplicar os princípios da autonomia da vontade e da igualdade das partes na relação de emprego pela transformação do contrato de trabalho em contrato de prestação de serviços. Essa equalização, denominada terceirização e largamente utilizada pelos profissionais do direito a serviço do empresário, recebe o nome pomposo de "reengenharia empresarial com vista à qualidade total num sistema de parceria".
A autonomia da vontade ou liberdade subjetiva reside justamente nessa possibilidade do indivíduo querer ou não querer qualquer coisa. Já a boa-fé significa manter palavras e acordos, porque o homem de bona fides é o que "faz (fiat) o que foi dito", ou seja, o princípio da boa-fé implica o cumprimento dos pactos e compromissos (pacta sunt servanda). Ao acoplar o princípio da autonomia da vontade ao princípio da boa-fé, a tecnologia jurídica estabelece que o contrato é lei entre as partes e imprime à pacta sunt servanda uma noção de inflexibilidade que os romanos jamais pensaram em imprimir. Dado, porém, que o homem é livre para querer qualquer coisa (autonomia da vontade), abre-se a possibilidade dele querer (no contrato) o seu próprio mal ou coisas que não dependam dele, não realizáveis.

2.2-OS LIMITES DA AUTONOMIA DA VONTADE

A manifestação de vontade do contratante há de ser livre, séria e com o propósito de contratar in concreto, pois A declaração de vontade há de ser emitida em correspondência ao conteúdo do contrato que o declarante tem em vista, atento ao fim que o move a contrata. Além disto, a vontade manifestada pelos contratantes possui a característica de ser autônoma, porém não ilimitada, conforme passaremos a expor asseguir.
Como observamos, a manifestação de vontade constitui elemento indispensável para a perfectibilização do contrato, pois, como ministra Miguel de Serpa LOPES (1996, p. 428), "A vontade é o elemento essencial do factum no negócio jurídico".
Assim, esta vontade apresenta-se de forma autônoma, autonomia esta que pode ser definida como a esfera de liberdade da pessoa que lhe é reservada para o exercício dos direitos e a formação das relações jurídicas do seu interesse ou conveniência.
Na lição de Sílvio VENOSA (2003, p. 375), a liberdade de contratar pode ser analisada em dois aspectos: escolha do conteúdo do contrato; e escolha da modalidade do contrato. Para nosso estudo, interessa-nos focar a autonomia da vontade na escolha do objeto, do conteúdo do contrato.
Todavia, como decorrência natural de uma vida em sociedade, esta autonomia sofre limitações. Assim, Não há, portanto, um caráter absoluto no poder de auto-regramento da vontade, mas apenas um permissivo que o sistema jurídico outorga as pessoas.
Destarte, torna-se inevitável o questionamento de quais seriam as limitações impostas à autonomia da vontade contratual. A doutrina civilista responde a pergunta indicando dois vetores: ordem pública e bons costumes. No entanto, a dificuldade de conceituação de tais limitações, estando às mesmas em constantes mutações devido à suscetibilidade de utilidade social destes conceitos.
Porém, a definição de ordem pública como aquela que fixa as bases jurídicas fundamentais sobre as quais repousa a ordem econômica ou moral de determinada sociedade e leciona que bons costumes são a projeção de regras morais no terreno jurídico, mas não se confunde com a moral.
Com efeito, os limites da autonomia da vontade contratual, ordem pública e bons costumes, são normas cogentes prescritas pelo direito positivo que integram a disciplina dos contratos, limitando a ação livre do declarante, com o escopo de evitar a perturbação do grupo social
Desta forma, as limitações da autonomia da vontade barram a liberdade de ação individual ordenando ou impedindo dados comportamentos sem deixar aos particulares a liberdade de derrogá-los por pactos privados





III-CONCLUSÃO

Constata-se que para a validade jurídica do contrato deve estar presente uma série de elementos indispensáveis, nos termos previstos pelo ordenamento jurídico. Ademais, ressalte-se que a liberdade contratual esbarra nos princípios de ordem pública e bons costumes, a fim de preservarem os indivíduos e a sociedade.
Assim, pode-se observar que o Estado deve negar validade jurídica aos contratos estabelecidos sem o devido respeito aos limites da liberdade contratual, fulminando o ato negocial, invariavelmente, com o efeito da nulidade.

IV-REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


LOPES, Miguel de Serpa. Curso de Direito Civil. V.1. 8. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1996.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003.

Livro AQ arbitragem no Brasil.Programa de fortalecimento da Arbitragem e Mediação Comercial no Brasil. CACAB e BID, 2001.