(Lei nº 9.307, de 26 de setembro de 1996)

Claudete de Souza

RESUMO
A arbitragem como técnica viável para solução de conflitos envolvendo bens patrimoniais; questionamento sobre sua aplicação em conflitos trabalhistas e consumeristas; o Estado viabilizando órgãos arbitrais julgadores para litígios em relações de consumo.

PALAVRAS-CHAVE
Arbitragem; mecanismo viável; conflitos trabalhistas; litígios de consumo.

1. Introdução

Como delegar a um único lento e burocrático sistema judiciário brasileiro (esperando dele soluções justas, corretas e rápidas), um litígio instalado entre um consumidor que, eventualmente, tem a calça de seu terno queimada pela lavanderia, enquanto que, simultaneamente, e com a mesma premência, se exige dele resposta eficiente a um sem número de contravenções, crimes e ilícitos dos mais graves e de toda sorte?
Nossa conversa tem início com um questionamento que, desde logo, demonstra a necessidade em se encontrar um meio mais rápido e eficaz que não o sobrecarregado sistema estatal, para resolver pendências decorrentes do funcionamento acelerado e altamente diversificado, de uma imensa máquina que produz e comercia bens e serviços, movimentando e provendo todas as necessidades da sociedade moderna.
Os seres humanos agrupam-se com o intuito de promover maior segurança, produtividade e qualidade de sobrevivência. Porém, em contrapartida, passam a sofrer os efeitos colaterais dos benefícios de se viver em coletividade. O homem cedo aprendeu as vantagens do reunir-se, mas não encontrou, a partir de então e chegando aos tempos atuais, o modo ideal para viver pacificamente, sem ocorrência dos conflitos advindos desse conveniente e necessário inter-relacionamento social. Surge, aí, a necessidade de resolver os conflitos inerentes da vida em sociedade.
Partindo do pressuposto que atualmente o mundo é excessivamente dinâmico, mutável e competitivo, conclui-se que surge, na modernidade, a exigência de uma nova postura diante do vocábulo "conflito" que, inicialmente é sinônimo de oposição, colisão, embate, disputa, combate, luta.
Nas sociedades industriais avançadas, o conflito gerador de disputas judiciais apresenta-se como um movimento contínuo, regulado e, com frequencia, não violento. Como exemplo dessa assertiva, temos os conflitos surgidos naturalmente, quando há partes negociando tudo aquilo que envolve patrimônio, ou seja, direitos disponíveis. Consequentemente, há que se criar mecanismos que resolvam esse conflito com a mesma agilidade e facilidade com que são criados! A engrenagem capitalista pede isso.
Temos a correta idéia que a sentença judicial exige a extinção do conflito, pretendendo o retorno da harmonia e da paz social. Porém, o tempo excessivamente longo entre a instalação do litígio e a prolação da decisão judicial alimenta um desgaste e uma crescente animosidade do relacionamento entre as partes litigantes, levando muitas vezes, a uma ruptura definitiva das relações comerciais ou pessoais, o que sempre é prejudicial às partes. Não compõe, esse prejuízo, apenas o fator monetário, mas também, o equilíbrio emocional e o psíquico.
Donde se conclui que em algumas áreas do Direito não cabe apenas e tão somente esse tipo de decisão como solução ideal para realização de justiça. Justiça é resposta adequada e a tempo. Mas sabe-se que na maioria das vezes, o aparato judicial existente no país não propicia às partes do processo judicial essa possibilidade.
Portanto, nada mais justo que se fazer uso de uma técnica, também legal, que possa trazer aos conflitos da sociedade moderna a agilidade e simplicidade de ritos que permitem soluções de igual teor. Afinal, para isso foi editada a Lei de Arbitragem, em 1996, autorizando que se faça julgamentos fora do sistema judiciário, mas cuja sentença guarda a mesma eficácia da estatal.

2. Arbitragem:  instituto moderno

Não há mais condições de se continuar arrastando, em nome do conservadorismo,  o velho e rançoso preconceito contra os meios alternativos de solução de controvérsias. 

A arbitragem é apresentada pela Lei no. 9.307/96 como uma alternativa privada de solução de litígios, realizada por árbitro e não por juiz togado, feita de forma rápida, simples e eficaz. 

Porém, ao longo desses treze anos de vigência da lei, tem havido grande resistência para a aceitação plena desse instituto, principalmente em dois setores importantes, que levam, aos tribunais de nosso sistema judiciário, um volume imenso de causas, muitas delas de simples solução. 

Os países econômica e tecnologicamente avançados fazem uso rotineiro das técnicas privadas de solução de litígios (mediação, conciliação e arbitragem, tendo nesta última a principal delas), comprovando seus resultados altamente positivos.

A insuficiente prestação jurisdicional estatal descontenta a sociedade, deixando espaço para a realização do juízo arbitral em muitos setores, dentre os quais o consumerista e o trabalhista, ambos ainda muito resistentes a adotar o sistema paralelo ao estatal de realização de justiça.

A lei de arbitragem pretende colaborar no sentido de desafogar, ainda que minimamente, o imenso número de processos que aguardam decisão nos gabinetes dos magistrados. É inconcebível a caótica situação gerada pelo tempo absurdamente longo que se leva, no Brasil, para realizar o julgamento das causas que estão sob tutela do poder judiciário.  

A arbitragem é a forma legal e simples de dirimir controvérsias onde um ou mais árbitro(s) decide(m), ou seja, emite(m) sentença sobre o objeto da controvérsia,  à qual as partes, que livremente elegeram esta forma de justiça privada,  devem se submeter.

O mundo dos negócios é extremamente dinâmico e não comporta a perda de tempo, com a conseqüente solução de continuidade do ritmo imposto pelo mercado capitalista.  Há que se lembrar que tempo é dinheiro.  Perder tempo aguardando soluções é algo impraticável para as múltiplas negociações que caracterizam o mundo globalizado.  

Assim, ao escolher a arbitragem como técnica para solução de litígios, as partes abrem mão de sua auto-determinação, delegando a um terceiro, o árbitro ou comissão de árbitros, o poder de decidir aquela questão específica. 

As partes também assumem, ao assinar o compromisso arbitral,  seu desejo de afastar-se da jurisdição estatal.  No entanto, a proteção do Estado sempre permanecerá disponível às partes, caso o resultado arbitral não seja acolhido como satisfatório,  ou mesmo coloque-se em sentido contrário ao estabelecido pela lei especial (quando houver uma falha grave na sentença arbitral, por exemplo).  O acesso irrestrito à justiça é um direito constitucionalmente garantido a todos. 

Inúmeras são as vantagens propiciadas pela aplicação da Lei de Arbitragem.  Podem as partes, ao optar por essa modalidade de justiça privada,  estabelecer quais serão os procedimentos e estatutos a serem adotados pelo(s) árbitro(s), enquanto que no âmbito judicial não há a prerrogativa de qualquer intervenção, pois os meios utilizados no julgamento são rigidamente estabelecidos em lei. 

A segurança jurídica é outro ponto importante a ser destacado:  a arbitragem é um modo de solução de conflitos com as mesmas características da função jurisdicional, mas realizada por particulares, com sujeição aos princípios fundamentais do verdadeiro processo legal (due process of law): contraditório, igualdade das partes, imparcialidade do juiz-árbitro e livre convencimento do juiz-árbitro. 

Deve ser observado que no procedimento arbitral os árbitros, apesar de exercerem função jurisdicional privada, não podem praticar atos que impliquem na constrição de direitos das partes, com objetivos cautelares.  Também não executam as suas decisões.  Assim, a imposição de medida cautelar visando preservar a eficácia do processo arbitral, bem como a condução de testemunha recalcitrante será requerida, se necessário, a um juiz de direito. 

Da sentença arbitral, que tem prazo legalmente estabelecido para ser proferida, não cabe recurso, o que a torna mais atrativa no sentido da rapidez e eficiência alcançadas.  Por outro lado, o índice de não acatamento da sentença arbitral é muito inferior ao sistema judicial, já que as partes optam, de livre vontade, pelo procedimento arbitral. O árbitro limitar-se-á a proferir sentença típica de conhecimento, interpretando definitivamente o direito controvertido, fazendo-o com vantagem em relação ao juízo estatal, já que para essa função são escolhidos profissionais especialistas na matéria em que arbitram, ao passo que nem sempre o juiz togado conhece da matéria que julga.  Deste se exige apenas o conhecimento do Direito, enquanto que do árbitro é requerido conhecimento técnico e prático do assunto litigado. 

A decisão arbitral proferida tem o mesmo status daquela prolatada em tribunal jurisdicional e, se não cumprida, poderá ser executada em processo de execução forçada, o que raramente ocorre.  Afinal, há interesse das partes em manter um relacionamento amigável após o procedimento arbitral, já que ao contrato discutido seguir-se-ão outros, talvez até mais representativos, economicamente falando.   A fuga do sistema estatal de jurisdição se dá  exatamente por entenderem, as partes, que desejam solução rápida, eficaz e que mantenha o nível de cordialidade necessário ao prosseguimento das relações comerciais, interessante a ambas. 

A sentença arbitral só necessitará ser executada judicialmente caso não seja cumprida espontaneamente pela parte recalcitrante, o que raramente ocorre, como já dito,  por ser a arbitragem um método derivado e construído estritamente pela vontade dos pólos do contrato, contrário do que ocorre no processo judicial, em que a execução forçada é a tônica dominante.

Todas essas características positivas, intrínsecas do instituto da arbitragem, definem e esclarecem o quanto pode tornar-se mais interessante e útil sua utilização, ao invés de se optar pelo sistema judiciário.  

O Órgão estatal, em contrapartida, que detém jurisdição para todo tipo de desvios, discussões ou conflitos gerados na vida social, oferece uma tutela onde se destacam: demora excessiva pela resposta jurisdicional, rigidez de aplicação de normas, desconhecimento total pelas partes sobre quem julgará sua ação, audiências acontecendo em ambientes desagradáveis,  corredores escuros e repletos de pessoas discutindo toda sorte de problemas, juízes que se colocam acima e distantes das partes, funcionários públicos atendendo num ritmo e num ânimo muito aquém daquele exigido dos que trabalham na iniciativa privada, etc..

Pode-se dizer, então, que a visão propiciada àquele que necessita da resposta jurisdicional é, minimamente, de um "futuro negro", já que a imprevisão é tônica da tutela estatal.  Imprevisão gera, minimamente, insegurança jurídica.

3. Os Tribunais brasileiros endossam a arbitragem trabalhista

Vive-se hoje em pleno século XXI.  O virtual impõe seu ritmo e integra todos os setores da vida moderna. Não há mais espaço para colocações conservadoras e inflexíveis.  O Direito acompanha as mudanças sociais como nunca ocorreu antes.  Razoável que a sociedade encontre uma opção privada de justiça para ser aplicada nos conflitos desenvolvidos na área patrimonial de seus componentes.  

A arbitragem não pode e nem deve mais ser considerada "alternativa" com o sentido pejorativo que alguns doutrinadores e julgadores rançosamente lhe imputam, qual seja, ser um método desligado, distante de grupos ou de  tendências dominantes.

Considerando-se que nossa Constituição Federal, chamada "cidadã"  garante (e não obriga) o acesso ao Poder Judiciário, nada impede que, havendo conflito de interesses, os envolvidos resolvam dirimi-lo através de outras vias lícitas que não o ineficaz processo patrocinado pelo Estado. 

A conciliação, a mediação e a arbitragem são meios cada vez mais estimulados, mundialmente, para solucionar litígios, sendo clara a própria Constituição Federal ao encorajar sua utilização, em seu artigo 114, §§ 1º e 2º, quando contempla sua utilização nas negociações coletivas das relações de trabalho.  

Os últimos anos são considerados importantes para a arbitragem no Brasil, não apenas quanto ao visível acréscimo da utilização do método extrajudicial para solução de conflitos internos, mas também no sentido das decisões judiciais proferidas, tanto em primeiro quanto em segundo graus, o que demonstra um crescimento positivo na aceitação do instituto arbitral, por parte daqueles que mais resistiram a sua aplicação até agora.  

Assim como nos julgamentos de primeira instância, veio o Superior Tribunal de Justiça confirmar o efeito vinculante da cláusula arbitral, bem como o Supremo Tribunal Federal reconhecer a constitucionalidade da lei (STF-RTJ190/908:Julgamento: 12.12.2001) [1].  A partir daí, cada nova decisão contribui para consolidar a nascente jurisprudência na área.

Em síntese, ao prever o juízo arbitral e ao discipliná-lo, não está a Lei 9307/96 excluindo, da apreciação do Poder Judiciário, a lesão ao direito, individual ou pessoal.  Apenas oferece às pessoas um meio facultativo a mais de acertarem pendências em suas relações negociais, de forma rápida e descomplicada. 

Ratificada pois,  pelos Tribunais,  a posição de que nada há de inconstitucional na Lei de Arbitragem. A permissão dada ao juiz togado de substituir a manifestação de vontade do contratante inadimplente, que se recusa a instituir a arbitragem (como previamente prometido), mostra que o legislador preocupou-se em dar tutela efetiva ao direito do contratante que deseja ver cumprido integralmente o pactuado.  E mais, demonstra que os dois sistemas, judiciário e arbitral, devem trabalhar em conjunto, solidariamente, cooperativamente,  um com o outro, realizando justiça em tempo hábil. 

Nos últimos anos, após a declaração do Supremo Tribunal Federal sobre a constitucionalidade da Lei de Arbitragem, tem havido crescente mudança no sentido de se encarar a arbitragem como eficaz instrumento de resolução de conflitos.  Vários são os setores que usualmente a utilizam. 

Deixou-se, paulatinamente, de encará-la como um modismo sazonal, passando a ser entendida, em alguns ambientes, como uma solução paliativa bem-vinda ao caos instalado no sistema judiciário brasileiro.

Atualmente encontramos certa acolhida da Lei de Arbitragem inclusive na justiça trabalhista, única forma disponibilizada, até então, para firmar acordos entre patrão e empregado.

O discurso obstinado de que direitos trabalhistas eram inegociáveis traziam em si uma antinomia, já que os tribunais trabalhistas sempre prestigiaram acordos feitos em audiências de conciliação.  Ora, se é possível discutir acordos em audiência (onde, geralmente, o empregado cede parte da verba em detrimento de uma solução mais rápida), é viável que se faça isso também de forma privada.  Essa é a visão daquele que enxerga a verba relativa aos direitos trabalhistas como patrimônio do ex-empregado, entendendo-a como direito disponível a partir do momento da rescisão do contrato trabalhista.  Dessa forma, pode ser discutida e acertada rapidamente em âmbito arbitral, sem nenhum problema, gerando conforto para ambas as partes, pagador e recebedor, que agilmente se compõem.

As resistências conservadoras mostram um início de fragilidade, agarosa, mas paulatinamente.  Alguns Tribunais passaram a reconhecer a viabilidade da aplicação da arbitragem em certos e raros casos trabalhistas, mas segue-se o entendimento de vê-los ainda como exceção. 

Passou-se a admitir, por exemplo, que a arbitragem pode ser uma boa solução para empregados graduados, aplicando-se esse método apenas em cargos a partir do nível de Supervisão. Presume-se que essas pessoas têm um alcance maior de entendimento, raciocínio e informação, com reais condições de acertar seus haveres com os Empresários em igualdade de condições, o que não ocorre com empregados sem instrução.  Algumas Câmaras Arbitrais especializaram-se nesse setor, emitindo sentenças arbitrais corretas e bem formuladas, respeitando os direitos e obrigações das partes. 

Muito recentemente o instituto arbitral recebeu com euforia duas importantes decisões trabalhistas que vieram consolidar ainda mais o discurso daqueles que entendem que a arbitragem pode vir a ser, se bem e adequadamente empregada, uma excelente solução para resolver também pendências nesse meio. 

A primeira delas consta no acórdão do processo 20080190698, do TRT/SP :

"Compromisso Arbitral. Conciliação vantajosa para ambas as partes. Ausente prova de vício de consentimento obreiro. Tratando-se o reclamante de agente plenamente capaz, não se pode cogitar em qualquer vício de consentimento quando o acordo formulado, à época, é vantajoso para as ambas as partes: o reclamante, com o recebimento de quantia, além dos haveres rescisórios, e a reclamada, com a quitação quanto ao objeto do extinto contrato de trabalho". (TRT/SP, Acórdão: 20080190698).[2]  

A segunda brilhante decisão foi proferida no dia 08 de março de 2008, pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST, AIRR-2547/2002-077-02-40), com relatoria do Ministro Ives Gandra Martins Filho, reforçando que a autonomia da vontade das partes propicia plena liberdade na escolha do mecanismo solucionador de conflitos, podendo-se optar livremente pela alternativa não judicial, quando se visa a mesma rapidez e dinamicidade intrínseca do mundo moderno. 

 "A arbitragem (Lei 9.307/96) é passível de utilização para solução dos conflitos trabalhistas, constituindo, com as comissões de conciliação prévia (CLT, artigos. 625-A a 625-H), meios alternativos de composição de conflitos, que desafogam o Judiciário e podem proporcionar soluções mais satisfatórias do que as impostas pelo Estado-juiz." [3]

Pode-se perceber que, apesar do ritmo lento e cauteloso, a arbitragem trabalhista tem sido processada e aceita como uma solução factível em certos casos. 

4. Experiências internacionais bem sucedidas na arbitragem consumerista

Experiências internacionais nos motivam a vislumbrar a utilização do mecanismo arbitral como solucionador capaz de gerenciar discussões também no setor das relações de consumo, onde milhares de pendências são geradas a cada dia. 

Portugal e Espanha vêm dando exemplo de que a aplicação da arbitragem não só é viável nesse setor, mas é altamente produtiva e satisfatória. 

O governo espanhol, por exemplo, promove as Juntas Arbitrais (que possuem natureza jurídica pública), enquanto que  o empresário que oferece a arbitragem ao seu cliente, em caso de discussões sobre consumo, só tem a ganhar aderindo a esse sistema. 

Ao aderir a uma das Juntas Arbitrais disponibilizadas pelo governo, o empresário recebe um distintivo que pode ser exibido em seus estabelecimentos sendo visto, pelo consumidor, como uma propaganda de boa imagem e reputação ilibada.  O distintivo assinala que esse fornecedor confia incondicionalmente em seus produtos ou serviços.  O empresário ou comerciante que exibe em seu estabelecimento ou em sua publicidade o distintivo oficial, agrega alto grau de confiança na qualidade de seus produtos ou serviços. [4]

O modelo português apresenta eficácia similar ao espanhol.  Ambos comprovam que é perfeitamente possível a implantação, sem grandes custos para o Estado, de órgãos idôneos e competentes que gerenciem e supervisionem procedimentos arbitrais em âmbito do Código de Defesa do Consumidor.

Aliás, esse seria o caminho mais curto para se fixar confiança na arbitragem interna.  O forte vínculo com a administração pública leva, ao consumidor, maior segurança.  Talvez o segredo do sucesso da arbitragem nos países europeus seja a credibilidade e confiabilidade emprestada pelo endosso de órgãos governamentais. [5]

Esses dois países não só configuraram leis protetoras ao consumidor num modelo moderno e eficaz, mas o Estado desempenha, em ambos, papel preponderante na cristalização da tradição arbitral. 

Esse é o molde que se idealiza para o Brasil. Não há grandes empreendimentos a serem feitos internamente para que se possa adotar um sistema arbitral público ou híbrido semelhante aos vigentes em Espanha e Portugal.  O imprescindível é a vontade política em se trabalhar nesse sentido. 

Algumas iniciativas poderiam vingar e proliferar internamente, fazendo crescer a utilização da arbitragem, tornando-a,  efetivamente, uma alternativa viável.  Resta claro que essa iniciativa não irá solucionar de vez os problemas crônicos do sistema judiciário nacional, mas poderá ser um paliativo bastante eficiente principalmente no que diz respeito á solução de pendências nas relações que se estabelecem entre fornecedores de produtos e serviços e consumidores.

5. Vencendo o preconceito e formando uma cultura arbitral brasileira

Uma das atitudes reformadoras no sentido de se formar uma cultura arbitral no Brasil, seria mudar a visão que se tem sobre o instituto arbitral. 

Pode-se perceber que há uma velada discriminação a partir da idéia em nós enraizada sobre o conceito da palavra "árbitro", que traz uma conotação quase pejorativa, se comparada com  outra, carregada de força e respeito, qual seja "juiz". 

Ao ouvirmos o vocábulo "juiz" essa palavra nos leva, inconscientemente, a uma correlação com "autoridade, poder, força, coerção, intimação, obediência, compromisso, etc."  Por outro lado, ao ouvirmos o termo "árbitro" nos acorre mentalmente uma sugestão informal, mais ligada a "futebol, a mediador, a informalidade,  etc." 

Imprescindível se faz a fixação de uma cultura da arbitragem capaz de, ao mesmo tempo, respeitar a já arraigada cultura da jurisdição estatal e com ela conviver harmonicamente.  E várias são as sugestões  apontadas que poderão tornar isso possível.

Um primeiro ponto a ser atacado é a pseudo-concorrência entre o Judiciário e a arbitragem, que se pretendeu imputar quando da edição da Lei 9307/96, mas que a passos lentos se modifica, haja vista os julgamentos que atualmente são emitidos pelos Tribunais.

A jurisdição cogente delegada ao poder judiciário jamais será ameaçada pela pacificadora jurisdição arbitral. O árbitro permanece temporariamente como tal, exercendo sua função apenas durante o desenvolver do procedimento arbitral, enquanto que o juiz togado se mantém vitaliciamente como única autoridade detentora do poder de execução de sentenças, tanto arbitrais como judiciais. 

Deve existir, isso sim, colaboração entre juiz e árbitro.  Só assim a solução arbitral poderá servir como paliativo eficaz ao acúmulo de trabalho do judiciário.

A arbitragem é o caminho ideal para causas consideradas mais simples, que não têm razão em congestionar o sistema judiciário.  Porém, não há nenhuma restrição em ser utilizada em processos que envolvam grandes montas e prescindam de soluções rápidas, desde que decidam apenas sobre direitos patrimoniais disponíveis. 

Afinal, no comércio internacional, uma constante são as altas somas envolvidas nos contratos que contemplam convenção de arbitragem.  Inviável imaginar transações internacionais de grande vulto contratadas sem aderir à solução arbitral de controvérsias. 

Um segundo setor a ser acionado visando a instalação  da cultura arbitral é o meio acadêmico. Há de ser posta ênfase na inclusão do tema "arbitragem" nos currículos universitários das Faculdades de Direito, o que gradativamente vem ocorrendo. 

O aluno, ao ter contato e conhecimento mais amplo sobre o tema poderá, no exercício futuro da advocacia, propor a seus clientes o juízo arbitral como uma opção legal e mais conveniente em muitos casos.  O estudante de Direito é um dos difusores ideais ao instituto da arbitragem.  Não se pode deixá-lo a margem. 

A propagação interna seria facilitada, caso se inclua na grade curricular das Faculdades de Direito, Escolas de Advocacia do Ministério Público e da Magistratura, disciplina que informe sobre as técnicas e procedimentos da arbitragem,  objetivando a formação de especialistas no assunto.

Destaca-se que, vários passos já foram dados no sentido de familiarizar o futuro advogado com a arbitragem.

Como exemplo, temos a Faculdade de Direito da USP, que por seu Departamento de Direito Internacional inclui no currículo universitário o estudo das formas clássicas de soluções extrajudiciárias: a negociação diplomática, a mediação, os bons ofícios, a conciliação e a  arbitragem. 

Muitas outras Faculdades, preocupadas com uma formação mais abrangente e moderna do futuro operador do Direito já aderiram e incluíram a matéria em sua grade curricular.  É o caso da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo, autarquia municipal que há vários anos inseriu a matéria no currículo de Processo Civil, além de patrocinar cursos de férias específicos aos alunos e público externo. 

Essa Entidade ofereceu, em outubro/novembro de 2008, Seminário sobre o tema, cujos palestrantes foram aqueles que são entendidos, atualmente,  como os "Papas" da arbitragem brasileira, permitindo aos participantes conhecer o assunto ou aprofundar-se na matéria. 

Percebe-se, portanto, que a ratificação das vantagens da arbitragem, vem sendo operada nos bancos acadêmicos, iniciativa que deve ser amplamente aplaudida. 

Os meios de comunicação social também devem ser mobilizados, a exemplo de instituições como a Ordem dos Advogados do Brasil[6], o Instituto dos Advogados e a Associação dos Advogados, com a realização de seminários, publicação de artigos, entrevistas e notícias relacionadas com debates amplos e isentos de preconceito, sobre a Lei de Arbitragem, possibilitando aos profissionais do setor um maior conhecimento sobre o assunto e, acima de tudo, sobre essa lei especial.

Inadiável, sobremaneira, a divulgação popular dirigida aos consumidores, informando da possibilidade de arbitragem em âmbito do Código de Defesa do Consumidor, já que a interpretação do inciso V de seu parágrafo 4º incentiva a criação, pelos fornecedores,  dos mecanismos alternativos de solução de conflitos em âmbito do direito do consumidor, a exemplo do ocorre em Portugal e Espanha, como discorrido.  

Cabe aos órgãos públicos e aos fornecedores, principalmente, apresentar as benesses dessa alternativa extrajudicial disponível ao desinformado consumidor brasileiro, provando que sua utilização em nada peca contra a adequada proteção disponibilizada ao vulnerável,  pela Lei 8078/90. 

Esse esclarecimento pode ser iniciado mostrando ao consumidor que o comércio internacional tem sua rotina atrelada à utilização da arbitragem. A arbitragem internacional rege procedimentos que envolvem milhões de dólares e requer decisões seguras e rápidas.  Caso a arbitragem se revelasse ineficiente ou um método inseguro não seria tão utilizado, certamente, mesmo com as  vantagens da celeridade e do sigilo, que lhe são próprias. 

Propagandas institucionais veiculadas nos principais meios de comunicação dariam conta, em breve período, de tornar o instituto da arbitragem um aliado do consumidor brasileiro. 

O consumidor devidamente bem informado transformar-se-ia numa pessoa educada a respeito do método extrajudicial de solução de disputas.   A educação é e sempre será o melhor caminho para se chegar a resultados positivos em qualquer setor que se queira desenvolver.  Ignorância corresponde á desinformação e atraso, fatores que dificultam e impedem crescimento sustentado.  Essa é uma das mazelas principais que retardam o desenvolvimento neste país,  também no que diz respeito a arbitragem. 

Uma cultura favorável à arbitragem está lentamente surgindo.  Já se vislumbra uma mudança bastante positiva, partindo das reiteradas decisões judiciais, como aqui se demonstrou,  ratificando as sentenças arbitrais e transferindo a elas a credibilidade necessária, fato que não ocorria há  poucos anos atrás. 

No Brasil, como a arbitragem ainda não conta com total apoio governamental, ainda olha-se com desconfiança para quem a sugere como solução viável na solução de conflitos.  Essa situação poderia ser revertida caso fossem empreendidas ações governamentais, disponibilizando arbitragem nos Órgãos Públicos já instalados e funcionando regularmente há anos, como é o caso do PROCON, iniciativa pioneira paulista que se estendeu por todo o país, dado o sucesso do empreendimento.

A defesa do consumidor brasileiro teve início como uma ação administrativa governamental.  O Decreto nº 7890, de 06 de maio de 1976 criou, em São Paulo,  o Sistema Estadual de Proteção ao Consumidor, que previa em sua estrutura, como órgãos centrais, o Conselho Estadual de Proteção ao Consumidor e o Grupo Executivo de Proteção ao Consumidor, subordinado à Secretaria de Economia e Planejamento, que passou a ser denominado PROCON.

Distanciando-se um pouco da esfera pública, várias são as entidades privadas que poderiam engrossar as fileiras daqueles que apóiam e incentivam a utilização da arbitragem, principalmente no setor consumerista, já que são reconhecidas pelo consumidor brasileiro, o  que lhes atribui credibilidade. Algumas delas mostram simpatizar com a arbitragem e poderiam intensificar sua atuação, transformando-se em agentes que disponibilizassem a arbitragem á seus associados e parceiros. 

É o caso do SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas[7], entidade privada sem fins lucrativos,  instituição criada em 1972 e que já conta com uma boa imagem junto ao consumidor brasileiro.   Estimula o empreendedorismo no país, apoiando os três principais segmentos que embasam a economia brasileira: comércio e serviços, indústria e agronegócio. 

O desenvolvimento sustentável de diversas comunidades, a construção de um país melhor e uma sociedade mais justa e equilibrada, objetivos do SEBRAE, são também os escopos perseguidos pelo instituto da arbitragem.  Essa entidade afirma crer na criatividade do desenvolvimento de novas soluções e na quebra de paradigmas como fundamento para sustentação e viabilidade de sua missão. Inova como uma entidade de vanguarda, quando incentiva e forma parcerias, instalando Câmaras Arbitrais que são disponibilizadas ao público em geral.  Isso já ocorre em algumas unidades do SEBRAE, mas seria de bom alvitre que atingisse todas as suas unidades. 

Outras tantas entidades privadas ligadas a defesa do consumidor poderiam juntar-se aos que idealizam o crescimento na aplicação da arbitragem como acréscimo real e imediato na qualidade do atendimento e proteção do consumidor brasileiro. 

6. Conclusão

Poder-se-ia afirmar,  sem qualquer receio, que não há fundamento legal que sustente a inaplicabilidade da arbitragem tanto nos conflitos trabalhistas, quanto nos conflitos de consumo, já que a arbitragem é método que só contempla a discussão de direitos patrimoniais.

Exemplos representativos de adesão ao método arbitral de solução de controvérsias são apresentados por entidades públicas e privadas que aplaudem sua intenção e inauguram suas próprias Câmaras Arbitrais, realizando com sucesso os procedimentos arbitrais : OAB, Bolsa de Valores, Sindicatos do Comércio e Indústria, FIESP... São testemunhas que atestam a viabilidade da aplicação da arbitragem em vários setores.

O Código de Defesa do Consumidor, lei no. 8078/90 dispõe a proteção dos interesses econômicos do consumidor, impedindo que sofra perdas materiais.  O Estado previne e o protege de abusos por parte dos fornecedores de bens e serviços.  Completar-se-ia essa proteção, disponibilizando Câmaras Arbitrais que regessem procedimentos imparciais e sem qualquer custo ao consumidor, resolvendo a tempo os conflitos instalados em âmbito de consumo.

O cuidado a ser tomado, deve ser no sentido de proteger o consumidor, parte considerada hipossuficiente, contra Câmaras que possam executar procedimentos arbitrais tendenciosos, prejudicando aquele que guarda vulnerabilidade perante o fornecedor, entendido como o mais forte econômica ou tecnicamente falando.  Esse problema seria solucionado, caso o Estado disponibilizasse órgãos julgadores de personalidade jurídica pública, garantindo a isonomia nos julgamentos entre aquele que está num patamar econômico superior e o consumidor brasileiro. 

Se houve interesse jurídico em se editar uma lei que simplifica ritos e diminui prazos, realizando procedimentos legalmente aferidos como legítimos (lei de arbitragem), oportuno que se efetive essa possibilidade, oferecendo ao público consumidor uma extensão real da proteção prometida e nem sempre cumprida.

A vinculação do acesso à justiça exclusivamente à instituição estatal tem limitado sobremaneira o exercício desse direito do cidadão.  Tem-se como certo que o atravancamento do sistema judiciário não é assunto que vislumbre solução a curto prazo, já que é um vício que se agrava e se arrasta há anos!  Então, por que não criar uma real possibilidade  de abrandamento desse congestionamento, colocando a Lei de Arbitragem em prática, sob supervisão estatal, mas fora de sua ineficaz burocracia? 

É obrigação governamental fazer funcionar a máquina administrativa no sentido de ampliar a oferta de soluções eficazes aos cidadãos brasileiros.  A harmonia das relações de consumo é um dos nichos dos direitos difusos a serem protegidos e a eficácia na solução de seus problemas deve ser entendida como objetivo a ser alcançado na realidade e não apenas permanecer indefinidamente no discurso retórico ou filosófico. 

BIBLIOGRAFIA

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CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo: um comentário à Lei 9.307/98. São Paulo: Malheiros  Editores, 1998.

GARCEZ, José Maria Rossani. Negociação. ADRS. Mediação. Conciliação e   Arbitragem. 2ª ed. rev. ampl.  Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003.

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[1] CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo: um comentário à Lei  9.307/98. São Paulo: Malheiros  Editores, 1998, p. 137/138.

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[2] Revista Consultor Jurídico de 12/06/2008, disponível em: <www.mediar.com.br>, pg 74.

[3] Revista Consultor Jurídico de 12/06/2008, disponível em: <www.mediar.com.br>, pg 74.

[4] Disponível em: <http://www.consumo-inc.es/Arbitraje/docs/memarb07.pdf>.

[5] Disponível em: <www.anacom.pt>.

[6] Disponível em: <http://www.oabdf.org.br>.

[7] Disponível em: <www.sebrae.com.br>.