Aquisição da linguagem: uma breve perspectiva

Ariana de Oliveira Terceiro*

 

Resumo: O presente estudo propõe uma apreciação sobre a análise de aquisição da linguagem nas crianças, mostrando sua sequência, desde o balbucio até a formação de seu léxico. É neste sentido que foram analisadas crianças na faixa etária de 3 a 36 meses de idade e feita uma amostragem dessa pesquisa, a qual revelará que, na medida em que existem semelhanças na aquisição da linguagem entre as crianças, estas apresentam sua maneira individual de adquiri-la e a seu próprio curso.

Palavras-chave: Aquisição. Linguagem. Crianças. Léxico.

Introdução

A proposta de estudo deste artigo é o desenvolvimento da aquisição da falas pelas crianças que, muitas vezes não é percebida pelas pessoas que convivem com as mesmas, abordaremos este assunto de uma forma que ajude pais e quem mais conviva com as crianças nessa fase a identificarem todo o processo e poderem perceber se ele está ocorrendo de maneira correta.

Desenvolvimento

O Surgimento da linguagem é analisado sob vários estudos e em determinadas áreas; a psicologia, a pedagogia e a lingüística são algumas delas. Neste artigo, nos voltaremos para a fundamentação linguística a fim de mostrarmos como acontece essa aquisição e analisarmos os primeiros sinais apresentados nas crianças nessa fase.

Dizermos que este ou aquele é onde se situa o início da linguagem passa a ser uma tarefa difícil, bem como estabelecer critérios e formas para uma possível conclusão. É certo que ela acontece com uma mesma trajetória na maioria das crianças e apresenta fatores motores e linguageiros, mas de maneira individual, com suas especificidades.

Há, desde o nascimento, uma necessidade de comunicação, o choro é o primeiro indício desta, a partir dele a criança aprende a comunicar-se e usa-o como forma de chamamento. Após o choro, aparecem também os gestos, sorrisos, olhares, postura, com os quais a criança demonstra seus sentimentos, todos estes fatores influenciarão na sua futura aprendizagem linguística, tudo isso percebe-se na interação adulto-criança. Conforme Aimard (1998, p. 55):

Interação adulto-criança são cenas de comunicação muito comuns. Todos podem viver momentos semelhantes a qualquer momento com seus próprios filho. Neles podemos captar o essencial do início da linguagem.

Como já dito, a linguagem apresenta certa trajetória universal e contínua e um de seus primeiros estágios é o balbucio selvagem, no qual existe a produção dos sons sem valor fonológico (como certos gritos) e, até esta fase da aquisição, os sons produzidos pelos seres humanos são próximos aos dos animais. Em seguida há o balbucio inarticulado, nele as crianças começam a produzir os chamados vocóides, que são os sons fonêmicos, mas que ainda não transmitem para a criança a consciência fonológica, iniciando com as vogais não-arredondadas. Posteriormente surge o balbucio articulado que, continua sendo a produção de vocóides, porém com a inclusão de alguns sons consonantais.

O balbucio, nos bebês de diferentes línguas, incluindo os bebês surdos, apresenta grandes semelhanças, evoluindo e adaptando-se ao sistema fonético de sua língua materna. Essa evolução é facilmente percebida quando, a partir dos cinco ou seis meses ela passa a repetir os sons que acabou de produzir e a fazer a relação entre suas formas acústica e motora, repetindo o mesmo som várias vezes. Em seguida, a partir do ambiente em que ela vive, dos sons que escuta dos adultos ao seu redor, passa novamente a repeti-los, ocorrendo outra imitação, e esta será de extrema importância para o conjunto fonético da criança.

Geralmente suas as primeiras palavras são "papai" e "mamãe", visto que o [a] é a primeira vogal a ser pronunciada e o [p] e o [m], por serem consoantes oclusivas bilabiais, são as que demonstram mais facilidade na pronúncia. Existe uma indecisão das crianças ao fazerem uso dessas palavras, ocorrendo trocas, ao chamarem papai de mamãe ou ao contrário, estudos indicam que este fato pode ser apenas uma "brincadeirinha" e que elas, na verdade, sabem a diferenciação.

Com o tempo a compreensão das crianças aumenta e elas produzem outras palavras iniciais, que só serão possíveis de compreender se formos testemunhas presentes da rotina das crianças, uma vez que elas utilizam-se de diversas formas expressivas, até mesmo sons produzidos por determinado objeto ou animal, para assim designá-los e essas, geralmente são palavras que fazem parte do ambiente das crianças e são importantes em sua vida.

O adulto desempenha várias funções, ele é provedor de modelos1 e, ao falar, as crianças repetem o fim de suas frases, produzindo a ecocalia2, maneira que as ajudam na memorização e no costume de utilizar as palavras. Têm-se então a importância da presença adulta frente aos bebês, abastecendo-os de modelos, corrigindo-os e estruturando seu léxico.

Após as primeiras palavras, a criança passa a dizer as chamadas palavras-frase, que são as construções de sentenças com uma palavra, que querem transmitir muito além do seu sentido e produzir uma verificação importante para elas. Assim, ela possui poucas palavras em seu léxico, mas compreende muito mais, o que acaba gerando essas halófrases3. Também irá acorrer nas crianças erros de superextensão, ao quererem atribuir uma determinada palavra para tudo o que, para ela, indicar semelhança e que não exista palavra em seu vocabulário próprio, como por exemplo chamar de “papai” todos os homens adultos.

Com o passar do tempo torna-se praticamente impossível contar quantas palavras existem no léxico das crianças, pois a aquisição ocorre de maneira muito rápida. De uma forma geral as primeiras palavras vão estar relacionadas às vozes de animais; nomes de pessoas, animais, alimentos e bebidas, roupas, objetos familiares e brinquedos; verbos; palavras da vida social e adjetivos, além de inúmeras outras que façam parte de seu cotidiano, onde também ocorrerão muitos enganos, mas ela progredirá a seu próprio tempo.

A partir de um número maior de palavras e de uma melhor compreensão do mundo ao seu redor, as crianças passarão a proferir frases, essas que não mais serão compostas de uma única palavra, mas que continuará sendo complexa e exigindo certa atenção por parte dos adultos, uma vez que elas se deterão a algumas partes, faltando nas frases, palavras, havendo adaptação de outras e mudança na ordem, isso acontecerá em virtude da dificuldade de pronúncia ou substituição de um termo por outro mais conhecido para ela, o que tornará difícil uma compreensão.

Há um questionamento sobre como se dá o processo de aquisição da linguagem nas crianças. Primeiramente, teremos que definir linguagem, segundo Aimard (1998, p.57), “Linguagem é a capacidade de expressão verbal”. Assim, esse sistema, por ser de alta complexidade, é inexistente em outros animais, presente apenas nos seres humanos.

Alguns estudos mostram que a aquisição da fala é inata, pois mesmo que não houvesse a interação adulto-criança, mesmo que o adulto não ensinasse nada a criança, ela aprenderia apenas por sua própria formação biológica e sensibilidade em relação ao ambiente. Existem também afirmativas de que o processo que nos referimos ocorre de modo adquirido, que não é só o fator biológico que determina que uma criança irá falar ou não, pois o que irá fazer isso acontecer realmente é a convivência em sociedade, entre pessoas que “falam”, e que, caso não existisse esse fator convívio, isso não acorreria.

O que realmente podemos verificar é que esse processo de aquisição se dá de modo inato e adquirido, pois o fator biológico unido ao meio em que a criança vive é o que faz ela adquirir sua linguagem. Pais que conversaram mais com seus filhos ajudam que a criança fale com uma maior rapidez e desenvolva-se mais rápido, eles têm grande importância no processo de aprendizagem da criança.

Com o passar dos anos a criança vai amadurecendo seu conhecimento, e de tanto escutar e repetir ela acaba por aperfeiçoar seu vocabulário e dar inicio ao que chamamos de fala, passando a questionar junto aos pais, fazendo pedidos, participando ativamente das conversas com seus pais.

O desenvolvimento é diferente dependendo da criança, se o ambiente ajuda para que a criança aprenda e evolua para uma forma melhor, já outras terão o desenvolvimento tardio, pois não foram acompanhadas ou talvez sejam portadoras de algum distúrbio, como a dislexia.

Analisaremos agora a aquisição da linguagem de uma maneira mais prática. As mães de Joana4, Pedro5 e Artur6, encontrando-se respectivamente com 12, 27 e 36 meses de idade, relatam que as primeiras palavras ditas pelas crianças foram “papa” e “mama”, o que ressalta o dito anteriormente sobre a maior facilidade que as crianças possuem para pronunciarem primeiro as vogais e depois as consoantes contidas nestas palavras.

As crianças, primeiramente, pronunciaram pequenas frases ou as chamadas halófrases, como “agá”, ao pedir água; “ati”, quando aponta para algo; “bó” para sair de casa, quando a mãe pegava a chave de sua motocicleta e “á” para que abrissem algo. Isso indica que, já compreendiam o significado de algumas palavras, mas ainda não conseguiam pronunciar uma frase completa. Posteriormente a mãe de Artur relata que o filho agora, com 36 meses, passa a fazer-lhe perguntas, utilizando-se das seguintes frases: “Por quê?”, “Cadê?” e “Onde?”, o que demonstra curiosidade inata das pessoas ao deparar-se com o novo.

As palavras que geraram mais dificuldade nos bebês, segundo as entrevistadas foram “pampa”, referindo-se a tampa; “óu”, referindo-se a relógio; “ete”, referindo-se a sorvete e “iee”, referindo-se ao nome Mazé. Os obstáculos apresentados nas crianças são parecidos, uma vez que, no primeiro caso ocorre a troca da consoante “t” pela “p”, visto que as consoantes linguodentais são pronunciadas após um certo tempo, vindo, primeiramente, as bilabiais. Nos exemplos posteriores vê-se que as palavras pronunciadas preservam sua tonicidade mesmo com a dificuldade encontrada para se articularem as palavras.

As entrevistadas foram bem enfáticas ao dizerem que se utilizam de muita conversa com os filhos, desde a presença destes em seus úteros e que lêem histórias quando eles vão dormir e expõem que, quando seus filhos pronunciam uma palavra errada, os corrigem, dizendo-lhes a maneira correta de pronunciar.

As mães com as quais realizamos esta pesquisa tiveram um pouco de dificuldade para responder ao questionário apresentado (anexo), informando que não lembravam com exatidão como se deu o processo de aquisição da linguagem em seus filhos, mostrando como esse curso acontece de maneira rápida e, muitas vezes, não desperta a atenção dos adultos que convivem com as crianças.

Conclusão

Diante do que foi apresentado é notório que as crianças aprendem a falar de forma semelhante, contudo nem todas seguem o mesmo curso nessa aquisição. Os pais, mesmo dizendo-se presente, deveriam ficar mais atentos a essa fase de seus filhos, pois é nela que podem existir indícios de algum problema futuro de aprendizagem e assim procurarem algum tipo de tratamento.

NOTAS

1 Segundo Paule Aimard, refere-se aos adultos, pois eles desempenham diversos papeis na aquisição, ou seja, o bebê tende a imitar as ações dos adultos. (1998, p.64)

2 Segundo Paule Aimard, refere-se a repetição dos sons finais das palavras. (1998, p.64)

3 Segundo Robert J. Sternberg, são expressões de uma palavra usadas pelos bebês para transmitir intenções, desejos e demandas. (2008, p. 314)

4 Nome fictício de uma criança de 12 meses acompanhada para a realização deste artigo.

5 Nome fictício de uma criança de 27 meses acompanhada para a realização deste artigo.

6 Nome fictício de uma criança de 36 meses acompanhada para a realização deste artigo.

REFERÊNCIAS

AIMARD, Paule. O surgimento da criança na criança. Tradução de Claúdia Schiling. Porto Alegre: Artemd, 1998. [Capítulos 2 e 3, p. 55 a 103 e p.105 a 143]

BALIEIRO JR, Ari Pedro. Psicolingüística. In MUSSALIM, Fernanda; BENTES, Anna Christina. (orgs). Introdução à Lingüística: domínios e fronteiras, v.2. São Paulo: Cortez, 2001. [p.171-201]

SCARPA, Ester Mirian. Aquisição da Linguagem. In MUSSALIM, Fernanda; BENTES, Anna Cristina.(orgs.).Introdução à Línguística: domínios e fronteiras, v.2. São Paulo: Cortez, 2001. [p.203-232]

SHAYWITZ, Sally. Entendendo a dislexia: um novo e completo programa para todos os níveis de leitura. Tradução de Vinicius Figueira. Porto Alegre: Artmed, 2006. [p.101-133].

STERNBERG, Robert J. Psicologia Cognitiva. 4 ed. Porto Alegre: Artemed, 2008. [p.294-325]