Introdução

Ao longo do meu trabalho, cá em Portugal, com crianças na fase de iniciação do processo da aprendizagem da leitura e da escrita, percebi que muitas apresentavam alguma dificuldade em se adaptar a esta fase e muitas apresentaram problemas durante o desenvolvimento deste processo não conseguindo, até mesmo, construir o seu próprio nome no final do primeiro ano. Fiz um estudo profundo nestes sete anos, com estas crianças com quem desenvolvo uma prática clínica e com os professores das mesmas para perceber como acontece este trabalho de alfabetização em sala de aula nas escolas portuguesas. Cheguei a conclusão que na maioria dos casos, o problema não estava na aprendizagem e sim na “ensinagem”.

A prática da alfabetização é arcaica e ultrapassada, não se respeita e não se contemplam as experiências internas que cada criança traz para dentro da sala de aula e sim, anula-se.

Para que dar livros à criança no primeiro ano se ela não sabe ler? Livros com tantas folhas e com tantas palavras que ela nem se quer conhece. Quantas coisas que ela vai ter que aprender? Será que ela vai conseguir? Para que um “quadro de giz” numa sala de primeiro ano? Seria muito melhor um espelho “grande” em que o aluno pudesse observar a ele próprio produzindo os movimentos da construção da escrita conjugado com das articulações dos fonemas que ele está a usar para construir a palavra, pois a criança quando escreve repete silabando para ela, em voz baixa, a palavra que está a escrever. Para que ir buscar palavras tão longe se ela tem uma guardada dentro dela? O seu próprio nome. Adoptam-se livros para as crianças aprenderem “letras e sons” que formarão palavras fora do contexto da sua realidade.

A ideia de criar um método de alfabetização originou-se da conjugação da minha experiência de sala de aula em alfabetizar crianças entre os cinco e sete anos de idade e a minha experiência clínica como fonoaudióloga. Esta prática clínica vem sendo desenvolvida, individualmente, e com sucesso, em crianças entre os cinco e sete anos de idade que apresentam dificuldades no processo da aprendizagem da leitura e da escrita. Ensinar a construir e organizar a leitura e a escrita através do nome contextualiza o pensamento sistémico-construtivista, pois não aborda o processo ensino-aprendizagem de uma forma linear como se fosse um processo meramente de causa e efeito, e sim de uma forma circular que pode ser operacional em contexto escolar. A proposta do método trabalha as crianças, em sala de aula, através da exploração das suas experiências internas resultantes da percepção do movimento do seu corpo em relação aos objectos no seu “espaço relacional”. Isto quer dizer que as crianças construirão palavras e depois frases contextualizadas e com significados para elas, facilitando o que é fundamental no acto de ler: a percepção, a interpretação e a compreensão.

 O grande desafio neste trabalho é transformar esta prática clínica em prática pedagógica para ser aplicada nas turmas do primeiro ano do ensino básico, pois contempla a relação do “eu corporal” com o “espaço relacional” permitindo a comunicação por transferência de informação, criando interações aos contextos dos conteúdos da língua portuguesa, da matemática e do estudo do meio. 

Na realidade, dentre as maiores dificuldades que percebemos entre os professores a mais comum está na sala de aula. O sistema educacional preconiza a política de educação para todos e a inclusão social, entretanto, a falta de uma proposta psico - pedagógica que leve o professor a conhecer as diferentes realidades existentes nas turmas e os oriente na sua prática pedagógica, na árdua tarefa, de conduzir o processo da aprendizagem da leitura e da escrita, que favoreça o desenvolvimento de todos os alunos, que minimize os problemas que surjam nesta fase, em função do ritmo, do nível e da qualidade da aprendizagem, que veem pré determinados pela estrutura familiar podendo até, por vezes, deixar sequelas que poderão estender-se ao longo do seu percurso escolar conduzindo-os ao insucesso, não existe. O professor fica perdido em meio a tantas realidades diferentes sem saber o que fazer com este ou aquele aluno que não corresponde o nível de aprendizagem criado pela sua expectativa de “ensinante.” Como seria bom para o professor, que não tem qualquer recurso para trabalhar com níveis, ritmos e qualidades de aprendizagem diferentes, que criassem turmas com o nível de aprendizagem homogéneo e de preferência elevado.      

O registo nominal é o único objecto comum a realidade interna e externa dos alunos que o professor deve lançar mão e utilizar como ponto de partida para integrar a todos num mesmo grupo de trabalho com um único objectivo a alcançar, portanto isto quer dizer que, todos os alunos tem um nome e é identificado por ele independentemente da cor, raça, credo e posição social que a família ocupa. Este nome tem significado para ele e para todos na sociedade, pois o identifica, diferencia e ao mesmo tempo permite a sua integração.

Através do nome que, a criança reconhece como o seu, ela percebe o “OUTRO” como um ser que se pode estabelecer outro modelo de relação e comunicação sem estar inserido no seu contexto familiar, portanto, inicia-se a construção de novas relações, novos grupos e novos conceitos gerados pelas sucessivas oportunidades de comunicação que o professor deve criar, em sala de aula, para favorecer as trocas de experiências.

O nome do aluno passa a constituir um referencial para o professor que, ao mesmo tempo que integra, por ser comum a todos leva, de uma certa forma, a percepção dos aspectos diferentes em cada criança em termos de realidades e experiências internas que podem determinar o ritmo do desenvolvimento do processo da aprendizagem da leitura e da escrita. Sendo assim, o professor deve ter muito cuidado com a classe que está a iniciar este processo, tendo em conta, a prática de uma metodologia que o oriente a trabalhar com as diferenças sem prejuízo para o desenvolvimento do aluno.

É importante perceber que a “palavra” para as crianças, nesta fase, deve ter significado, conceito e contexto. O nome da criança é um conjunto de “Palavras” que se formam com um conjunto de “Letras e Sons” que já tem para elas significado, conceito e contexto.

Por exemplo: ANA CRISTINA são duas palavras, que para a criança já tem um significado; é o seu nome que permite a sua identificação no grupo. Um conceito: para ela, outras pessoas possuem outros nomes e até podem ter nomes iguais mas não são as mesmas pessoas e finalmente o contexto: o nome permite a percepção dos espaços relacionais; isto significa, que ela, a ANA CRISTINA, tem uma família que vive numa casa e agora está a fazer parte de um novo grupo, que é a escola, onde a mesma ANA CRISTINA vai exercer um papel diferente do contexto familiar. A ANA CRISTINA, deixa de ser por algumas horas Filha e Irmã, passando a exercer o papel de Aluna e Colega.

Partindo deste pressuposto, o NOME, que como palavra tem significado, conceito e contexto interiorizados, pois as crianças já reconhecem os seus, através da audição, desde os primeiros anos de vida; entretanto aprendem a pronunciar, e quando ingressam na pré-escola adquirem a capacidade visual de identificá-lo numa lista com os nomes de todos os alunos da turma, e a seguir adquirem a habilidade de reconhecer e identificar os nomes dos colegas. Após esta aquisição, passam ao desenvolvimento da capacidade visual motora, em que adquirem a habilidade de copiar, pois aqui ela percebe que no seu nome tem um conjunto de símbolos que chamam-se letras, que cada letra tem um som e que organizados em sequências formam uma palavra, passando assim para etapa seguinte que é a de escrever sem copiar. Estas capacidades desenvolvidas fazem parte do processo da construção da leitura e escrita em que todos os alunos conseguem desenvolver no Jardim da Infância, até mesmo os que são oriundos de um meio social pouco favorecido. O professor da escola primária desvaloriza e ignora esta aquisição. A proposta do método “Aprender a organizar e a construir a leitura e a escrita através do seu nome,”orienta o professor a como dar continuidade a esta aprendizagem, usando o nome da criança como referência de palavra a ser explorada para desenvolver a capacidade de construir e organizar, através da descodificação do seu nome e dos colegas da turma, outras palavras com significados, conceitos e contextos representativos a estas experiências comuns à nova realidade do grupo.

 É de ressaltar a importância do professor criar oportunidades para o aluno conceituar e contextualizar o significado das suas construções dentro do grupo, com a finalidade de tornar esta linguagem, com características específicas, comum a toda turma. Esta dinâmica de comunicação circular, para além de criar na turma um sentimento de pertença, de respeito às diferenças e solidariedade, estimulará nos alunos, o aumento do vocabulário e a capacidade de organizar a linguagem oral como forma de expressão da construção de um pensamento organizado, que são aspectos fundamentais para o desenvolvimento da construção da escrita e compreensão da leitura.

A medida que exploramos o NOME como uma palavra, estamos a trabalhar em sala de aula com a família de cada aluno, pois o nome é a sua identidade, que o identifica como membro desta ou daquela família.

 “Aprender a organizar e a construir a leitura e a escrita através do seu nome,”induz o professor a inserir as famílias no processo ensino - aprendizagem da leitura e da escrita, através da exposição da figura interna da família de cada aluno, a medida que ele tem que se localizar dentro dela para identificar os seus elementos e especificar os papéis no seu “espaço relacional.”

O professor deverá estar atento ao discurso de cada aluno, pois este permitirá a leitura de todos os processos relacionais que irão emergir no grupo, favorecendo a construção de uma dinâmica de trabalho em sala de aula que estimule a relação professor e alunos no processo ensino-aprendizagem.  

O método “Aprender a organizar e a construir a leitura e a escrita através do nome” foi contextualizado no modelo Sistémico – Construtivista, pois segundo Paccola (1995) “A concepção sistémica é vista como uma nova visão da realidade que se baseia no estado de inter – relações e interdependência de todos os fenómenos físicos, biológicos, psicológicos, sociais e culturais, transcendendo as actuais fronteiras das disciplinas e conceitos, configurando uma estrutura inter – relacionada de múltiplos níveis de realidade, gerando uma mudança de filosofia e transformação de cultura” (pag. 15).

Sendo assim, as diferentes realidades existentes numa turma de alunos entre os seis e sete anos de idade, do 1ºano do ensino básico, com o objectivo de serem alfabetizados, só vão contribuir para o desenvolvimento do grupo no sentido de somar as várias experiências para a construção do saber pois este não se faz isoladamente, mas em conjunto com outros tantos saberes. O olhar sistémico nos auxilia a ordenação de uma realidade complexa, possibilitando definições operacionais, lógicas e pragmáticas. Este modelo nos permite perceber como as questões do aprender e do saber (processo ensino-aprendizagem) operam de uma forma circular e relacional, pois tanto o professor, como o aluno e a família, estão todos envolvidos e são co-responsáveis pelo/nos resultados.(Psicopedagogia on-line – “Pensando as dificuldades de aprendizagem a luz das Relações Familiares.” Artigo de Elizabeth Polity, 2001). Por outro lado o método aqui exposto, propõe sistematizar o desenvolvimento do processo da construção e organização da leitura e da escrita de forma sistêmica-construtivista e enquadrar neste mesmo modelo a construção da relação professor-alunos no processo desenvolvimento do processo da aprendizagem da construção da leitura e da escrita, tendo como base para compreensão a Teoria dos Sistemas e a Teoria Construtivista e finalmente a última parte que é a elaboração do Manual do Professor, que concretiza a sistematização do método “Aprender a construir e a organizar a leitura e a escrita através do nome” para orientar a sua operacionalização.                                                                                                                                                   Ensino-aprendizagem.

 Proponho a leitura desta relação a luz da visão sistémica familiar, por entender que as experiências relacionais internalizadas no aluno vão definir o tipo de relação que será estabelecida com a aprendizagem, com os pares e também o seu comportamento frente ao saber que
são construídas através do modelo relacional da família que ao mesmo tempo que influencia é influenciado pelo “mundo das relações.” Esta visão sistémica vai possibilitar o professor a compreensão destas inter-relações permitindo que a criança desenvolva e utilize melhor o seu potencial.