1. INTRODUÇÃO

    

Historicamente, a extinção do contrato de trabalho pela aposentadoria espontânea apresentou ampla discussão, tanto doutrinária, como jurisprudencial. Desse modo, nos últimos anos, surgiram divergentes normas legais a respeito deste tema, que vem evoluindo e se tornando cada vez mais consolidado em todo o país.

 

Partindo de uma legislação trabalhista que previa a aposentadoria espontânea como causa de extinção automática do contrato de trabalho, o atual sistema trabalhista brasileiro desenvolveu proteções legais aos empregados, e propiciou entendimentos favoráveis à inconstitucionalidade dos dispositivos que extinguiam a relação empregatícia em virtude do recebimento de benefícios previdenciários. 

 

Nesse sentido, o presente artigo abordará a possibilidade de continuação do emprego, junto ao estabelecimento empregatício a que está vinculado, e como está sendo abordado o tema pela doutrina e tribunais brasileiros.

 

2. EXTINÇÃO DO VÍNCULO EMPREGATÍCIO PELA APOSENTADORIA

 

Segundo a jurista Carmen Camino (1999, Pág. 254), a extinção do contrato de trabalho poderia ser classificada em diferentes fenômenos jurídicos, tais como: a resilição, a resolução, a rescisão e a caducidade. Assim sendo, neste estudo, cabe tão-somente a análise da caducidade, pois esta, teoricamente, seria o evento cuja ocorrência determinaria a impossibilidade do prosseguimento da execução do contrato de trabalho, que, dentre outros motivos, acreditava-se poder advir, indiretamente, da vontade do empregado, nos casos de aposentadoria voluntária.

 

Neste sentido, a célebre jurista destacou que sempre existiram controvérsias a respeito deste tema, uma vez que, se por um lado acreditava-se na extinção do vinculo empregatício, com fundamento quase que exclusivo nas normas trabalhistas (art. 453 da CLT, art. 20, inciso III, da Lei 8.036/90 e art. 33, da Lei 8.213/91), por outro, havia a corrente em favor do prosseguimento da relação de emprego, caso o empregado continuasse a trabalhar na empresa, com embasamento no princípio da continuidade da relação de emprego e na legislação previdenciária vigente (Lei n° 8.213/91), que forneceu nova redação aos planos de benefícios da previdência social e deixou de exigir a extinção do contrato de trabalho como requisito para o recebimento da aposentadoria.

 

2.1 O reconhecimento de Inconstitucionalidade

 

Diante de relevante discussão a respeito do tema ora analisado, o Supremo Tribunal Federal manifestou-se, ao julgar as Ações Diretas de Inconstitucionalidade nºs 1.770-4 e 1.721-3, que teriam por objeto os §§ 1º e 2º do art. 453 da CLT, declarando a inconstitucionalidade dos referidos dispositivos (diplomas que regulavam a extinção do contrato de trabalho em virtude de aposentadoria), por entender que estavam sendo violados os preceitos constitucionais relativos à proteção do trabalho e à garantia à percepção dos benefícios previdenciários.

 

Neste sentido, pode-se destacar a fundamentação do voto do Ministro-Relator Carlos Ayres Brito, que focou nitidamente a situação do empregado particular, asseverando que, com a extinção do contrato de trabalho pela aposentadoria voluntária, haveria violação da autonomia da vontade das partes, o que seria inaceitável, posto que essa é considerada uma das características principais do contrato firmado entre empregado e empregador. Ressaltou, igualmente, que “não haveria impedimento que, uma vez concedida a aposentadoria voluntária, pudesse o empregado ser demitido. No entanto, em tal circunstância deveria o empregador arcar com todos os efeitos legais e patrimoniais que são próprios da extinção de um contrato de trabalho sem justa motivação”.

 

Logo, o empregador somente se eximiria do dever de alcançar as verbas rescisórias decorrentes da despedida sem justa causa se comprovasse que o vinculo de emprego se extinguiu por iniciativa do empregado, tendo em vista o princípio da continuidade da relação de emprego, consubstanciado na Súmula nº 212 do TST.

 Ainda, quando da apreciação da medida liminar na ADI nº 1.721-3/DF, o Ministro Ilmar Galvão afirmou, em seu voto vencedor, que:

Assente-se, primeiramente, que a relação mantida pelo empregado com a instituição previdenciária não se confunde com a que o vincula com o empregador, razão pela qual o benefício previdenciário da aposentadoria, em princípio, não deve produzir efeito sobre o contrato de trabalho”. (trecho do voto vencedor do Ministro Ilmar Galvão).

 

 

2.2 A manifestação dos Tribunais Trabalhistas

 

Posteriormente à decisão proferida pelo STF, o Tribunal Superior do Trabalho cancelou a Orientação Jurisprudencial nº 177 da SDI-I, que tratava da extinção do contrato de trabalho com a aposentadoria espontânea, considerando que, caso o trabalhador continuasse a trabalhar, novo contrato se formaria.

 

 Assim, o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, do mesmo modo, na sessão plenária realizada em 30.10.2006, revogou a Súmula nº 17, que mantinha o entendimento de que a aposentadoria extingue o contrato de trabalho. Restando, portanto, consolidado o entendimento no sentido de que a aposentadoria voluntária não constituiria em causa de extinção do contrato de trabalho, uma fez que não existiria óbice legal para a aposentadoria do empregado particular.

 

2.3 Atual entendimento

 

Com a revogação das disposições anteriores e ante a ausência de norma legal, tem-se entendido que a aposentadoria não coloca termo à relação empregatícia do empregado particular e, portanto, não há óbice à continuação da prestação de serviços ao empregador.

 

Neste sentido, julgou o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região:

 

Acórdão - Processo 01115-2007-871-04-00-7 (RO)
Redator: MARIA CRISTINA SCHAAN FERREIRA
Data: 23/07/2008   Origem: Vara do Trabalho de São Borja

EMENTA: APOSENTADORIA VOLUNTÁRIA. EXTINÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. INOCORRÊNCIA. MULTA DE 40% SOBRE O FGTS. Declarada a inconstitucionalidade do parágrafo 2º do artigo 453 da CLT, não há falar em extinção automática do contrato de trabalho por aposentadoria voluntária. Havendo continuidade da relação de emprego, a indenização compensatória de 40% é devida sobre o FGTS de todo o período contratual, inclusive sobre os valores levantados em decorrência do jubilamento. (...)

 

Desta forma, entende-se, que obtida a aposentadoria, o empregado apresenta duas iniciativas possíveis de serem tomadas: se afastar da atividade por sua livre vontade ou continuar trabalhando. No primeiro caso, o contrato seria extinto por iniciativa do trabalhador, com as conseqüências legais equiparadas ao pedido de demissão. Já no segundo caso, o contrato de trabalho permanece íntegro e, nesta hipótese, se o empregador não mais quiser o empregado laborando, deverá rescindir o contrato por sua iniciativa - pois não mais é condição legal que o aposentado deixe de prestar serviços, exigência da CLPS - arcando com as decorrências legais.

Nesse entendimento, transcreve-se a recente Orientação Jurisprudencial de nº 361 da SDI-1 do TST,  in verbis

 “A aposentadoria espontânea não é causa de extinção do contrato de trabalho se o empregado permanece prestando serviços ao empregador após a jubilação".

Apenas a título de curiosidade, importante salientar que há o entendimento de que a ADIN 1721-3 teve como parâmetro somente o empregado particular, sendo que, em nenhum momento, se faz referência ao empregado público, igualmente regido pela CLT. A aposentadoria, portanto, não extinguiria automaticamente o contrato de empregado para o particular, que poderia auferir a aposentadoria do INSS e o salário da ativa. Nesse sentido, a Orientação Jurisprudencial 177 do TST teria sido cancelada apenas em relação ao empregado particular e não para o empregado público. Evidentemente, a readmissão do empregado público deve ser precedida de concurso público, nos termos do artigo 37, II, da Constituição Federal. Assim, a permanência em cargo e emprego público, sem prévia aprovação em concurso público, configura nulidade absoluta. O ato nulo não pode produzir efeitos e não pode jamais ser convalidado pela Administração Pública.

Enfim, em se tratando da esfera privada, não há de se cogitar a extinção do vínculo empregatício, em razão de aposentadoria espontânea, uma vez que não existe óbice legal para a obtenção do benefício previdenciário. Na realidade, o empregado particular pode auferir a aposentadoria do INSS e o seu salário da ativa, sem problema algum, posto que, não há incompatibilidade entre a cumulação da aposentadoria e o seu salário.

 

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do estudo apresentado, e levando em consideração o atual posicionamento do Supremo Tribunal Federal e demais dispositivos legais, conclui-se que a aposentadoria espontânea do empregado particular não repercute no vínculo empregatício, isso porque os §§1º e 2º do artigo 453 da CLT foram revogados justamente por disporem que a aposentadoria espontânea importaria em extinção do vínculo de emprego, criando, desta forma, uma modalidade de despedida arbitrária ou sem justa causa, sem indenização, caracterizando claramente uma afronta ao disposto no artigo 7º, inciso I, da Constituição Federal/88.

                            

A extinção do vínculo de emprego pela aposentadoria, anteriormente autorizado por lei e atualmente revogado pelas Adins nºs 1.770-4 e 1.721-3, acabou por ser apenas uma forma de diminuição do índice de desemprego brasileiro, uma vez que ao se aposentarem os empregados eram demitidos, deixando suas funções vagas para que outras pessoas as ocupassem, havendo, desta forma, uma maior rotatividade nas relações empregatícias.

 

A partir do advento da Lei 8.213/91, o desligamento do emprego deixou de ser requisito necessário para a concessão da aposentadoria. Destarte, o empregado pode optar por continuar no emprego, ainda que aposentado, não havendo extinção automática do contrato de trabalho. Logo, a permanência do empregado no trabalho não mais se tornou óbice à aposentadoria, deixando claro que ele passa a ter o direito de permanecer trabalhando, uma vez que o benefício previdenciário não interfere na prestação laboral.

 

Assim, diante do exposto, entende-se que, caso o empregado seja despedido, por se aposentado espontaneamente, terá o direito à indenização compensatória e ao aviso prévio, dentre outros direitos, em virtude de ter sido demitido imotivadamente, uma vez que em respeito ao principio da continuidade do contrato de trabalho, não ocorre a extinção automática do vínculo empregatício com o advento da aposentadoria.

 

 

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

CAMINO, Carmen. Direito Individual do Trabalho. 2ª Edição. Porto Alegre. Editora Síntese Ltda. 1999. P. 249 a 258.

 

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 5ª Edição. São Paulo. Editora LTr, 2006. P. 1097 a 1100 e 1113 a 1122.

 

MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 20ª Edição. São Paulo. Editora Atlas S.A., 2004. P. 393 a 395.

 

MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada, 6º Edição. São Paulo. Editora Atlas S.A., 2006. P. 961 a 963.

 

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 27ª Edição. São Paulo. Editora Malheiros Editores Ltda, 006. P. 689 a 697.

TRT4, TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 4ª REGIÃO. <http://www.trt4.jus.br/portal/portal/trt4/consultas/jurisprudencia/acordaos> Acesso em: 20.10.2009, 20h.