Título do Artigo:           Apontamentos Sobre a Sociedade em Conta de Participação no Código Civil

 

Título em Inglês:           Notes About the Participation Company in the Civil Code

 

Autor:                          Fabiano Esteves de Barros Pavezi[1]

 

Resumo: Este trabalho tem por objetivo analisar a Sociedade em Conta de Participação. Primeiramente, trata-se da evolução normativa no direito pátrio. Após esta introdução, analisa-se o cerne da questão, à luz da doutrina e jurisprudência, aprofundando-se nos aspectos jurídicos, contábeis e fiscais, passando por uma breve comparação com o consórcio. Ao final, conclui-se ser a Sociedade em Conta de Participação um instrumento célere e pouco burocrático de prospecção de rendimentos. Seu caráter oculto reveste o sócio participante de independência quanto à forma e uso do patrimônio investido na sociedade, sem exposição perante terceiros.

 

Palavras-Chave: Sociedade em Conta de Participação; Características; Investimentos.

 

Abstract: This study aims to analyze the Participation Company. First, the normative evolution in the Brazilian legal system is analyzed. After this introduction, we analyze the core of the matter in the light of doctrine and jurisprudence, deepening the legal, accounting and tax, through a brief comparison with the consortium. At the end, it appears to be the Participation company a less bureaucratic and fast tool for prospecting investments. Its hidden character lines the participant partner of independence in the form and use of assets invested in society, without being exposed to third parties.

 

Key Words:     Participation Company; Characteristics; Investments.

 

 

 

Sumário

 

1.      Introdução...................................................................................................................... 3

 

2.      A disciplina da sociedade em conta de participação no ordenamento pátrio..................... 4

 

3.      A disciplina da sociedade em conta de participação: aspectos contábes e fiscais e breve comparação com consórcio                                                                                                                                      15

 

4.     Conclusão .............................................................................................................. 17

 

5.     Referências Bibliográficas...................................................................................19

 

 

 

 

 

1.         Introdução

Mauro Brandão Lopes afirma que a Sociedade em Conta de Participação nasceu na Itália ligada ao chamado contrato de commenda. O autor relata que principalmente em Veneza, Gênova e Florença, desde o século X, tem-se notícia de contas de participação, relatando, ainda, que a teoria jurídica do instituto é encontrada a partir do século XV.

Assim, tanto a Sociedade em Conta de Participação quanto a sociedade em comandita simples são próximas e derivam dos chamados contratos de commenda (era um contrato de comércio marítimo, principalmente, pelo qual o capitalista – commendator, entregava ao negociante – tractor, uma quantia em dinheiro ou mercadorias. Esses valores eram usados em operações de compra e venda e os lucros repartidos entre as partes). Porém, entendia-se que a comandita era pública e a conta de participação era oculta.

Pelo fato de possuírem origens de uma mesma fonte, alguns doutrinadores asseveravam que a em Conta de Participação era uma derivação da em Comandita.

Um fato histórico da utilização da Sociedade em Conta de Participação destacava-se na necessidade da nobreza romana se ocultar na atividade comercial, já que a mercancia era considerada pelos romanos como uma profissão desmoralizante e imoral. Assim, utilizando-se deste contrato, era possível empregar recursos a alguém de confiança para que esta exercesse a mercancia por sua própria conta e risco.

     Na lição de FILKENSTEIN (2009;133):

A falta de registro que caracterizou as sociedades em conta de participação era justificada pelo fato de que, para uma classe social, o comércio era extremamente mal visto, pois que este não se coadunava com as funções soberbas da nobreza. Assim sendo, para os nobres que quisessem investir em viagens marítimas, eram preparados contratos secretos, que não chegavam a ser do conhecimento dos pares dos nobres investidores.

Desse histórico deriva o segredo das chamadas sociedades em conta de participação, diferencial este que existe e impera até os dias de hoje, sendo que essas sociedades são reservadas para aqueles casos em que um dos investidores – por qualquer motivo – deseje ser desconhecido, muito embora participe dos lucros sociais.

Ela esta prevista no Código Comercial, em seus artigos 325 a 328.

Sobre o que iremos analisar neste trabalho bem sintetiza REQUIÃO (2007;440):

É curiosa a sociedade em conta de participação. Não tem razão social ou firma; não se revela publicamente, em face de terceiros; não terá patrimônio, pois os fundos do sócio oculto são entregues, fiduciariamente, ao sócio ostensivo que os aplica como seus, pois passam a integrar o seu patrimônio. O Código Civil considera a contribuição do sócio participante, bem como a do sócio ostensivo, um patrimônio especial, sendo que essa especialização patrimonial somente produz efeitos em relação aos sócios (art. 994). A sociedade não é irregular, mas regular, por força de lei, embora não possua personalidade jurídica. Não será clandestina ou secreta, podendo os sócios divulgar sua existência se não forem impedidos pelo contrato.

 

2.         A disciplina da sociedade em conta de participação no ordenamento pátrio

O Código Civil de 2002 disciplina em seu Livro II o chamado Direito de Empresa. No Título 1 deste livro trata do Empresário. No Título II trata da Sociedade. A sociedade em conta de participação encontra guarida no capítulo II do subtítulo 1, que dispõe sobre sociedades não personificadas.

Nota-se, assim, que o legislador colocou a Sociedade em Conta de Participação ao lado da sociedade em comum, como sociedade não personificada.

Verificaremos ao longo deste sucinto texto sobre o tema que a Sociedade em Conta de Participação é espécie que se caracteriza pela desburocratização, vez que não é necessário seu registro, e tal ausência de registro lhe atribui outra característica, qual seja, a sigilosidade ou caráter secreto.

            Embora se insira no mesmo subtítulo da sociedade em comum, pois esta também não é personificada, com esta não se confunde. A sociedade em comum, antes também chamada de irregular, pois não atendeu os requisitos legais para sua constituição, distingue-se desde já da Sociedade em Conta de Participação porque esta é sociedade regular, porém de fato, pois não há requisito legal expresso para sua regular constituição acerca da necessidade de registro de seus atos. 

            É tida a sociedade em conta de participação por sociedade não personificada porque não possui personalidade jurídica. E a ausência de personalidade jurídica estabelece-se na lei, ao dispor na parte final do art. 993 do Código Civil que “a eventual inscrição de seu instrumento em qualquer registro não confere personalidade jurídica à sociedade”.

            Sobre a possibilidade e consequências de registro da Sociedade em Conta de Participação, vislumbramos três correntes doutrinárias: (i) há quem defenda que caso haja a inscrição dos atos constitutivos de uma Sociedade em Conta de Participação perante qualquer órgão esta deverá deixará de ser este tipo jurídico, o registro conferirá à sociedade diversa caracterização, de acordo com seu objeto, não podendo mais esta ser tida como Sociedade em Conta de Participação; (ii) outra linha dita que é possível registrar os atos constitutivos desse tipo societário, não surtindo o registro quaisquer efeitos, ou seja, nem a sociedade adquire personalidade jurídica nem assume outra feição; e (iii) uma terceira corrente defende que não é possível registrar e, caso haja o arquivamento dos atos, não há qualquer efeito ou consequência decorrente deste ato.

            Como doutrina da primeira linha acima posta citamos FILKENSTEIN (2009;127):

                                      Assim, a sociedade em conta de participação é um ente despersonalizado. Desta feita, é de destacar que a sociedade em conta de participação não precisa ser registrada em qualquer órgão. Ou melhor dizendo, seus atos constitutivos não devem ser registrados perante o Registro de Comércio, sob pena de ser constituída uma sociedade outra que não uma sociedade em conta de participação.

O segundo posicionamento é defendido por ANDRADE Júnior (2002:46):

Embora uma das grandes vantagens do instituto da sociedade em conta de participação estar representada na desnecessidade do registro, nada impede se os sócios o desejarem, poderem registrá-la, no órgão competente; se as características forem as de uma sociedade comercial (“sociedade empresária”) o registro será feito na junta comercial competente (“Registro das Empresas”) e se forem de uma sociedade civil (“sociedade simples”) o registro será feito no Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas.

O terceiro posicionamento surge na lição de SILVA (2008: 990)

O contrato social da sociedade em conta de participação não pode ser levado a registro, seja na Junta Comercial, seja no cartório do Registro Civil das Pessoas Jurídicas. Seu arquivamento, ainda que indevido, não produzirá nenhum efeito para fins de aquisição de personalidade jurídica pela sociedade.

            Quer nos parecer que o segundo posicionamento é o que corresponde ao desejo do legislador. Há a possibilidade de registro, sem contudo tal registro alterar a natureza jurídica deste tipo sociedade ou atribuir-lhe personalidade jurídica. A Sociedade em Conta de Participação trata-se de exceção expressa ao art. 985 do Código Civil, que dispõe que “a sociedade adquire personalidade jurídica com a inscrição, no registro próprio e na forma da lei, dos seus atos constitutivos”, vez que ainda que ocorra o registro, não adquirirá personalidade jurídica.

            Sobre as possibilidades de registro, valemo-nos das lições de ATTIE (2008):

A par de não poder ser levado a registro enquanto ato constitutivo de uma sociedade empresária na Junta Comercial, para confortar as partes quanto à existência da SCP e suas cláusulas e condições, o seu contrato pode ser registrado sob quaisquer das seguintes alternativas:

(a) se a contribuição do sócio oculto se der por meio de escritura pública, para a conferência de um bem ou direito ao patrimônio social, a própria escritura poderá conter as cláusulas contratuais pactuadas, e sendo o caso, a averbação no Ofício de Registro de Imóveis (Lei nº 6.015/73, art. 167) irá assentar esse efeito;

(b) se o sócio ostensivo ou o oculto ostentar a qualidade de sociedade simples poderá requerer o a juntada do contrato da SCP em seu prontuário perante o Registro Civil das Pessoas Jurídicas em que estiver inscrito (Lei nº 6.015/73, art. 114, II);

(c) se um dos sócios, quer ostensivo, quer oculto, for empresário ou sociedade empresária, poderá requerer ao Registro Público de Empresas Mercantis de sua sede o arquivamento do contrato da SCP em seus atos constitutivos por seu manifesto interesse (Lei nº 8.934, art. 32, II, e); e,

(d) por fim, o contrato da SCP poderá ser levado ao Registro Público de Títulos e Documentos (Lei nº 6.015/73, art. 127), sem prejuízo de qualquer um dos registros anteriores.

            Por ser ente despersonalizado, por determinação legal, deve-se dizer que a Sociedade em Conta de Participação não tem legitimidade ad causam/ad processum para ser parte, para que postule em juízo.

            Neste sentido, segue posição do Superior Tribunal de Justiça:

Sociedade em conta de participação. Embargos de declaração. Dissolução. Nomeação de liquidante. Citação da sociedade constituída. Indenização.

1. Não há violação aos artigos 458, II, e 535 do Código de Processo Civil quando o Acórdão recorrido está amplamente fundamentado, alcançando a demanda tal e qual posta pelo autor, então apelante.

2. Não há falar em citação da sociedade em conta de participação, que não tem personalidade jurídica, nem existência perante terceiros.

3. Afastando as instâncias ordinárias a indenização por falta de prova, não tem consistência o pedido de extinção do processo ao argumento de que teria a sentença considerado o pedido inepto.

4. Justifica-se a nomeação, desde logo, do liquidante, diante da realidade dos autos, que demonstram a animosidade existente, embora no caso de sociedade em conta de participação, seja discutível tanto a dissolução judicial quanto a existência de liquidação e partilha, aspectos que não podem ser examinados, porque ausente recurso da parte interessada.

5. Recurso especial não conhecido.

(RESp 47.404, j. em 17.12.2002 – grifo nosso)

            Tem-se, assim, que o sócio ostensivo é citado e demandado nas ações que envolvem este tipo societário, não sendo possível o ingresso da sociedade ou dos sócios participantes. Juridicamente, a Sociedade em Conta de Participação não existe nas relações com terceiros e para fins processuais.

Para alguns autores, em virtude da ausência de personalidade jurídica, a Sociedade em Conta de Participação não se trataria nem de sociedade. Na obra doutrinária mais completa sobre o tema, Mauro Brandão Lopes discorre sobre esta questão enfrentando o posicionamento de João Eunápio Borges, para quem é essencial a atribuição de personalidade jurídica para a caracterização de sociedade.

            Na visão de COELHO (2003;478) também não é a Sociedade em Conta de Participação tipicamente uma sociedade, assim:

Definidas as sociedades empresárias como pessoas jurídicas seria incorreto considerar a conta de participação uma espécie destas. Embora a maioria da doutrina conclua em sentido oposto (...), a conta de participação, a rigor, não passa de um contrato de investimento comum, que o legislador, impropriamente, denominou sociedade. Suas marcas características, que a afastam da sociedade empresária típica, são a despersonalização (ela não é pessoa jurídica) e a natureza secreta (seu ato constitutivo não precisa ser levado a registro na Junta Comercial).

            Para LOPES (1964;60,61) são essenciais à que constituição de uma sociedade (i) a affectio societatis, que corresponde à intenção da união de esforços, e que simplesmente, sem qualquer elaboração, que na Sociedade em Conta de Participação como em qualquer outra, apresenta-se e caracteriza o nexo social; (ii) a obrigação de combinar esforços ou recursos, que geralmente, na sociedade comercial, resulta na formação de fundos destinados a operações sociais, também se faz presente; (iii) a participação nos lucros e prejuízos também surge neste tipo societário. E conclui “A conta de participação, no direito brasileiro, é assim indubitavelmente uma sociedade”.

            Dispondo ainda sobre questões macro que envolvem a Sociedade em Conta de Participação e o próprio enquadramento da relação jurídica que se desenvolve entre os sócios, como adiante se verá, tal negócio jurídico não configuraria espécie de sociedade. Não se baseiam tais autores na ausência de personalidade jurídica como João Eunápio Borges, mas nas características da relação originada entre os sócios.

            Há quem defenda que a Sociedade em Conta de Participação não é sociedade, e sim contrato de troca. Para outros, contrato de crédito. Ainda, contrato de parceria. Para muitos, um contrato de investimento.

            Quer nos parecer, em verdade, que a Sociedade em Conta de Participação é utilizada para diversas operações, dentre as quais as de investimento, mas não se desnatura pela sua utilização, sendo sim sociedade, pois inerente está a relação jurídica que se depreende da leitura do art. 981 do Código Civil, que dispõe que “celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de uma atividade econômica e partilha, entre si, dos resultados”.

            Sobre a possibilidade de utilização das sociedades em conta de participação para investimentos, valemo-nos das lições de MAMEDE apud RIZZARDO (2009;86,87)

É o que se passa, por exemplo, nos fundos de participação em valores, também chamados de consórcios de investimento ou investments trusts, nos quais várias pessoas formam um fundo comum, portando o dinheiro correspondendo a unidades de capital (quotas) para investimento em bolsas ou algures, podendo liquidar suas quotas pelo valor líquido do momento de sua saída. O fato de saber que o sócio que ocupa posição ostensiva, via de regra uma instituição financeira, atua como administrador do fundo não descaracteriza a sociedade em conta de participação, não permitindo aos terceiros que contrataram com ele pretender vincular os titulares de quotas, já que tal relação jurídica não lhes diz respeito.

            A Sociedade em Conta de Participação não pode ter firma ou denominação social, conforme disposição legal constante do art. 1.162 do Código Civil, constante do capítulo nome empresarial no título IV do Direito de Empresa deste diploma, que trata dos institutos complementares.

            Ainda, não possui a Sociedade em Conta de Participação domicílio ou sede. Considera-se o endereço da sociedade o local no qual o sócio ostensivo desenvolve as atividades da Sociedade em Conta de Participação.

A Sociedade em Conta de Participação é formada por no mínimo dois sócios, cada qual de um tipo. Fala-se em sócio ostensivo, que é aquele que se obriga perante terceiros e exerce com exclusividade a atividade constitutiva do objeto social, em seu nome individual e sob sua própria e exclusiva responsabilidade, nos termos do art. 991 do Código Civil, e sócio participante, que via de regra aporta recursos no projeto e que participa dos resultados correspondentes, obrigando-se esse perante o sócio ostensivo exclusivamente, e não para com terceiros.

            Nos termos do art. 995 do Código Civil, “salvo estipulação em contrário, o sócio ostensivo não pode admitir novo sócio sem o consentimento expresso dos demais”. Desta forma, para que se tenha a inclusão de outros sócios que não aqueles que participaram da constituição da sociedade, ou bem se regula no contrato social tal possibilidade sem a necessidade de anuência dos demais sócios ou estes, independentemente de sua qualidade (ostensivo ou participante) deverão anuir.

            A necessidade de aprovação, em regra, para a admissão de novo sócio se dá porque este tipo societário tem a fidúcia, a confiança como característica marcante. Como adiante se verá, há a entrega de bens de um sócio a outro. Por este motivo, é necessário que de certa forma se concorde com o compartilhamento dos resultados advindos de investimentos feitos por um sócio na sociedade.

            Assim ensina PELUSO (2010; 995):

Há de ser obtido, para a inclusão de novo sócio, e todas as consequentes alterações no capital social e na participação dos antigos sócios, um consentimento unânime para a efetivação da admissão, respondendo o aporte feito pelo novo sócio pelas dívidas pretéritas e futuras, incorporando-se ao patrimônio especial previsto no caput do art. 994. Ressalta-se, por fim, que, como as regras incertas no presente artigo não são cogentes, podem os sócios construir uma normatização própria para a efetivação de tal operação. As cláusulas do contrato social permitem, concretamente, exigir o consentimento de uma maioria simples ou qualificada e, mesmo, da unanimidade dos sócios, mas podem, desde logo, ao contrário, outorgar poderes amplos ao sócio ostensivo, possibilitando-lhe a admissão de quem bem entender como sócio participante ou oculto.

            Para RIZZARDO (2008;88), na hipótese de inclusão de novas pessoas sem autorização dos demais sócios, “é possível a mera oposição dos demais para invalidar a alteração, não influindo o montante da participação social”.

Questão que se coloca na doutrina seria a possibilidade de se ter mais de um sócio ostensivo na Sociedade em Conta de Participação. Enquanto a letra da lei nos parece clara, com a dicção do art. 996 do Código Civil, que ao tratar da prestação de contas informa que na hipótese de existir “mais de um sócio ostensivo, as respectivas contas serão julgadas e processadas no mesmo processo”, há quem defenda a possibilidade de existência de apenas um sócio ostensivo, assim:

A figura do sócio ostensivo é única, ou seja, não poderá haver mais de um sócio ostensivo, sob pena de ser desnaturando o próprio significado da conta de participação. Quando ocorrer situação em que apareçam dois ou mais sócios ostensivos, o sócio oculto que assumir ou contratar obrigações responderá solidariamente com o sócio ostensivo em todos os atos de que participar perante terceiros. (SILVA: 2008; 990).

            Na mesma linha segue VERÇOSA (2006, 321) “A sociedade em conta de participação apresentará um único sócio ostensivo e um ou mais sócios participantes”.

Em que pese o respeito à tal posição, não vislumbramos motivo pela inadmissão da pluralidade de sócios ostensivos ou a consequência da responsabilização solidária dos sócios participantes caso se vislumbre tal pluralidade. Desta feita, entendemos pela possibilidade, com a guarida da lei, de que é possível a pluralidade de sócios ostensivos sem quaisquer consequências aos sócios participantes, devendo ser observadas as regras para admissão de novos sócios caso no momento de constituição exista apenas um sócio ostensivo.

            Discussões também são encontradas sobre a possibilidade de a Sociedade em Conta de Participação possuir em seu quadro de sócios apenas pessoas físicas, pessoas físicas e jurídicas e ainda não residentes no Brasil. Como não há qualquer vedação expressa, quer nos parecer que podem ser sócios deste tipo societário tanto pessoas físicas como jurídicas, residentes no Brasil ou no exterior. Valemo-nos da lição de ANDRADE Júnior (2002; 50,51):

                                      Com efeito, na medida em que inexiste qualquer proibição sobre a natureza ou procedência do capital estabelecida por lei nessa espécie societária, e na medida em que os sócios participantes, detentores de capital nacional possam dela participar, concluímos que pessoas físicas ou jurídicas residentes ou domiciliadas no exterior também poderão ser sócias participantes em sociedades em participação constituídas no Brasil. O que a lei brasileira requer (art. 1º da Lei no. 4.131/62) é que os investimentos estrangeiros se façam sob uma forma de participação quotista ou acionária e que tais investimentos sejam objeto de um registro no Banco Central do Brasil (BACEN). Nada obsta, portanto, que uma pessoa física ou jurídica, residente ou domiciliada no exterior, possa realizar um contrato em virtude do qual detenha quotas de capital numa sociedade em conta de participação com um sócio ostensivo no Brasil. Neste caso, a participação quotista a se registrar é o número e o valor das quotas indicadas no respectivo contrato social o que pressupõe que este é o documento hábil  para se efetuar o registro de investimento de capital estrangeiro no BACEN, juntamente com os outros (v.g. formulários de registro preenchidos, lançamentos contábeis do investimento). Neste caso, o BACEN registraria o valor da divisa estrangeira efetivamente ingressada no País e o seu contravalor em moeda nacional necessário à integralização das quotas de capital da sociedade.

            Sobre a possibilidade de uma Sociedade em Conta de Participação possuir como sócio ostensivo pessoa jurídica, valemo-nos do RESP 23.502, assim ementado:

SOCIEDADE EM CONTA DE PARTICIPAÇÃO - PEDIDO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS FORMULADO PELO SOCIO OCULTO.
AS CONTAS DEVERÃO SER PEDIDAS AO SOCIO OSTENSIVO QUE ADMINISTRA OS FUNDOS COMUNS. SENDO AQUELE UMA PESSOA JURIDICA, ESTA ACHA-SE OBRIGADA A PRESTAÇÃO DE CONTAS.(grifo nosso).

            Ainda, sendo possível à pessoa jurídica ser sócio ostensivo de Sociedade em Conta de Participação, quer-nos parecer que deve haver plausibilidade entre o objeto social de ambas, para que não venha a pessoa jurídica sócia ostensiva da Sociedade em Conta de Participação violar a teoria ultra vires e, no que tange à atividade exercida pela Sociedade em Conta de Participação, ser considerada irregular, sofrendo as consequências resultantes.

            Deve-se destacar que a Sociedade em Conta de Participação pode ser simples ou empresária, isto é, não há no Código Civil distinção acerca das atividades realizadas por tal tipo societário. Desta feita, pode ou não ser empresarial. Isto conforme se depreende da análise do parágrafo único do art. 983 do Código Civil.

            A realização de atividades em conformidade com o objeto social da Sociedade em Conta de Participação cabe ao sócio ostensivo, seja pessoa física ou jurídica como acima se viu. Como reza o art. 991 do Código Civil, a ele cabe exclusivamente o desenvolvimento de tais atividades, devendo exercê-las em seu nome individual e sob sua responsabilidade.        

Desta forma vem se posicionando o Superior Tribunal de Justiça:

COMERCIAL. SOCIEDADE EM CONTA DE PARTICIPAÇÃO. RESPONSABILIDADE PARA COM TERCEIROS. SÓCIO OSTENSIVO.
Na sociedade em conta de participação o sócio ostensivo é quem se obriga para com terceiros pelos resultados das transações e das obrigações sociais, realizadas ou empreendidas em decorrência da sociedade, nunca o sócio participante ou oculto que nem é conhecido dos terceiros nem com estes nada trata.
Hipótese de exploração de flat em condomínio.
Recurso conhecido e provido.
(RESp 168.028, j. em 07.08.2001)

            O sócio ostensivo e somente ele, de forma ilimitada, mas de acordo com a limitação ou ausência de limitação do tipo societário sob o qual se constitui, no caso de pessoa jurídica, ou de forma ilimitada, se pessoa física, responde pela Sociedade em Conta de Participação. O parágrafo único do art. 991 assim dita, estabelecendo que se obriga perante terceiro somente o sócio ostensivo.

            Ao sócio participante, aquele que permanece oculto na relação com terceiros, é facultada a fiscalização das atividades do sócio ostensivo, conforme parte inicial do parágrafo único do art. 993 do Código Civil. Nesta linha, segue jurisprudência do STJ:

COMERCIAL. SOCIEDADE EM CONTA DE PARTICIPAÇÃO. RELAÇÕES INTERNAS. Os participantes da sociedade em conta de participação podem, individualmente e em nome próprio, propor ações em Juízo para dirimir controvérsias sobre as respectivas relações internas.
Recurso especial conhecido e provido.
(RESp 85.240, j. 19.11.1990)

            O sócio participante, a princípio, obriga-se tão somente com relação ao sócio ostensivo, nos termos do contrato social. Entretanto, caso venha a participar dos negócios sociais, tomando parte nas relações mantidas pelo sócio ostensivo junto a terceiros, passará também a responder perante esses de maneira solidária pelas obrigações em que intervier. Tudo em conformidade com o Código Civil.

            Assim já se decidiu em acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, cujo excerto de ementa se transcreve:

Agravo. (...). Sócio oculto que gerencia a sociedade em conta de partipação responde solidária e ilimitadamente pelas obrigações derivadas dos negócios que interveio. (...). (AI 990.10.287623-3).

            Deste acórdão se destaca o seguinte trecho:

Impende ressaltar que o agravante confessa ser ele o administrador (gerente) da sociedade em conta de participação, situação que o enquadra no parágrafo único do art. 993 do Código Civil, mercê do que, tanto ele, como a sociedade falida, são solidariamente responsáveis pelas obrigações contraídas em razão da atividade empresarial exercida com o patrimônio especial.

O sócio participante ou oculto divide com o sócio ostensivo os resultados correspondentes à persecução do objeto social da Sociedade em Conta de Participação. Assim, lucros e prejuízos são por ambos suportados, conforme contribuição ao patrimônio social, conforme adiante se verá.

Deve-se destacar que não sendo obrigatório o registro das sociedades em conta de participação como acima se viu em registro próprio, havendo aqueles que sustentam a impossibilidade de registro deste tipo societário (pois o registro levaria à alteração de sua natureza jurídica), permitiu o legislador que quaisquer meios de prova sejam utilizados para demonstrar a existência da sociedade, conforme art. 992 do Código Civil.

Desta feita, pode-se dizer que a Sociedade em Conta de Participação pode ser provada mediante confissão, documentos, testemunha e por meio de perícia, sendo possível até mesmo a presunção de sua existência, tudo conforme o art. 212 do Código Civil. Ainda, em caráter subsidiário, é possível se valer das disposições constantes do Capítulo VI, Das Provas, do Título VIII, Do Procedimento Ordinário, constante em nosso Código de Processo Civil. Deve-se notar que o legislador não limitou ou indicou taxativamente os meios pelos quais pode se provar a existência da Sociedade em Conta de Participação, utilizando-se assim os meios e procedimentos previstos no próprio Código Civil e legislação processual apenas em caráter exemplificativo.

            A existência de um contrato regulando a relação entre os sócios, o objeto social, a possibilidade/necessidade de autorização para ingresso de terceiros e quaisquer outras condições que se queira contratar é de grande valia em termos de prova, pois apresenta a manifestação da real intenção das partes para a contratação deste tipo de societário.

O tratamento em termos de prova da Sociedade em Conta de Participação difere-se sobremaneira com relação à sociedade em comum. Enquanto para provar aquela é permitida a utilização de quaisquer meios de prova, essa admite apenas a prova por meio de documento escrito.

Sobre a relevância dos documentos para provar a existência da Sociedade em Conta de Participação, transcrevemos ementa de acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

Agravo de instrumento. Direito empresarial. Ação de prestação de contas. Concessão de tutela antecipada destinada ao bloqueio de ativos financeiros da ré. Cabimento. Alegação de existência de sociedade em conta de participação entre as partes. Alto grau de verossimilhança, evidenciado pelo teor dos documentos que instruem a inicial. Periculum in mora configurado. Decisão mantida. Agravo a que se nega provimento (AI 024577-44.2011.8.26.0000) (grifo nosso).

            A Sociedade em Conta de Participação não possui um patrimônio conforme os conceitos clássicos de patrimônio que ditam que este é uno e indivisível. O patrimônio a que se refere o art. 994 do Código Civil muito mais se assemelha aos conceitos modernos de patrimônio, que explicam patrimônio sem personalidade jurídica diversa.

            Assim, tem a Sociedade em Conta de Participação, na relação existente entre os sócios, patrimônio especial. A contribuição do sócio participante e do sócio ostensivo constitui tal patrimônio relativo aos negócios sociais. Tal especialização patrimonial apenas produz efeitos perante os sócios, não podendo ser utilizada na relação junto a terceiros. Nas relações com terceiros, o sócio ostensivo, em caráter subsidiário, é solidariamente responsável pela Sociedade em Conta de Participação.

            Sobre a natureza jurídica do patrimônio da Sociedade em Conta de Participação, valemo-nos das lições de ANDRADE Júnior (2002; 47):

A questão é amplamente examinada pela doutrina francesa capitaneada por Georges Ripert que sugere possa existir quatro espécies de relações a respeito:

a)       Os sócios conservariam a propriedade dos bens, cedendo, apenas, o usufruto dos bens a serviço da sociedade;

b)       O sócio contratante (v.g. “sócio oculto”) transferiria a propriedade dos bens ao sócio ostensivo. O sócio ostensivo torna-se proprietário dos bens, todavia, fica obrigado, nos termos do contrato da sociedade, a utilizá-los na consecução dos objetivos sociais;

c)       O sócio oculto e o sócio ostensivo estabelecem entre si relativamente aos bens que serão destinados à sociedade, um regime de co-propriedade ou condomínio;

d)       Finalmente, um dos sócios pode restringir a sua contribuição à prestação de serviços ou trabalho.

Quer-nos parecer que no Código Civil optou-se pela transferência dos bens ao sócio ostensivo. (AI 990.10.287623-3).

Tal distinção tem relevância para a hipótese de falência. Os bens são considerados indivisos enquanto existe a sociedade. Na falência do sócio ostensivo, todos os seus bens são alcançados. Assim, se há a transferência de titularidade dos bens do sócio participante ao sócio ostensivo como forma de contribuição ao patrimônio da sociedade, tal bem passa a ser, perante terceiros, de titularidade do sócio ostensivo, e tais bens são assim de titularidade da massa, cabendo ao sócio participante apenas a possibilidade de habilitar-se como credor quirografário, devendo ser observado o procedimento de dissolução e liquidação da Sociedade em Conta de Participação na forma de ação de prestação de contas, tudo em conformidade com o parágrafo 2º do art. 994 e art. 996, parte final, do Código Civil. 

A relação de propriedade de bens que perfazem o patrimônio especial da Sociedade em Conta de Participação e a relação entre os bens e os sócios é analisada no acórdão cuja ementa segue:

Agravo. Falência de sociedade limitada, sócia ostensiva em contrato de sociedade em conta de participação. Decisão judicial que determina a arrecadação de todas as máquinas que integram o patrimônio social da sociedade falida. Pretensão do agravante, intitulando-se sócio participante (oculto) de liberar 50% das máquinas, sob o argumento de que são de sua propriedade. Sociedade em conta de participação que não tem patrimônio social autônomo, mas sim, patrimônio especial, ou seja, patrimônio de afetação. A falência da sociedade ostensiva acarreta a dissolução da sociedade em conta de participação e sua liquidação sob o rito da ação de prestação de contas. (...) Manutenção da decisão que ordenou a arrecadação dos bens e o depósito judicial do faturamento decorrente da atividade da sociedade em conta de participação. Agravo improvido. (AI 990.10.287623-3).

            Com clareza nos ensina tal julgado:

Além do mais, sociedade em conta de participação não tem capital social, havendo previsão apenas de patrimônio especial, conforme se depreende do art. 994, destacando o parágrafo 1º que “a especialização patrimonial somente produz efeitos em relação aos sócios”. É importante registrar que a sociedade em conta de participação não tem patrimônio social, instituto que não se confunde com o patrimônio especial, que, como é cediço, tem natureza de patrimônio de afetação (não autônomo).

            Sobre a (não) possibilidade de falência da Sociedade em Conta de Participação e consequência da falência do sócio ostensivo, assim traz HOOG (2007;101):

                                      É bom lembrar que esta espécie de sociedade não caracteriza pessoa jurídica, portanto não pode ser considerada falida. Mas os seus sócios, se forem pessoas físicas, poderão incorrer na insolvência civil e, se forem jurídicas, na falência. Se o sócio falido for o ostensivo, a sociedade se dissolverá; se for o sócio participante, a sociedade não se dissolverá.

Caso ocorra a falência do sócio participante, nos termos do parágrafo 3º do art. 994 do Código Civil, o contrato social fica sujeito às normas que regulam os efeitos da falência nos contratos bilaterais do falido. PELUSO (2010; 994) explica:

A manutenção de sua vinculação se subordina às regras comuns de regência dos contratos do falido, de maneira que o administrador judicial deverá optar, colhida a autorização do Comitê de Credores e conforme a conveniência da massa, pela completa e exata execução do contrato de sociedade ou pela imediata retida (art. 117, caput, da Lei n. 11.101/2005 – art. 43 do revogado Decreto-lei n. 7.661/45).

            Geralmente a Sociedade em Conta de Participação possui como objeto social a realização de determinado empreendimento, a realização de certo investimento, e, a com a consecução de seu objeto social, sua continuação não tem mais razão de ser, podendo assim ser extinta, seja com a conclusão de seu objeto social, seja pelo término no período pactuado para sua existência.

            Outrossim, caso se vislumbre a realização de atividade como objeto social que perdure no tempo ou o prazo seja indeterminado, o procedimento para seu encerramento se dará por meio da ação de prestação de contas previstas no Código de Processo Civil (arts. 914 a 919), conforme disposto no art. 996 do Código Civil.

            Assim, deve-se destacar que a liquidação da Sociedade em Conta de Participação deve observar as regras relativas à ação de prestação de contas do Código de Processo Civil. Este é o procedimento pelo qual se dará a apuração de eventuais haveres existentes para os sócios.

Cumpre salientar que na ação de prestação de contas apenas podem ser partes os sócios da sociedade, sendo vedada a utilização deste procedimento por terceiros que desejam cobrar valores do sócio ostensivo, se intentada a medida com a finalidade de liquidação desse. Assim traz a jurisprudência:

Legitimidade ad causam – Polo passivo – Ação de dissolução de sociedade em conta de participação – Impossibilidade de terceiros que contrataram com sócio ostensivo figurarem no polo passivo da demanda que vista a extinção da relação jurídica entre os dois únicos sócios da sociedade empresária, o ostensivo e o participante.

            Sobre o procedimento de encerramento das atividades da Sociedade em Conta de Participação e a hipótese em que se faz necessária a propositura da ação de prestação de contas, BARBOSA Filho, em PELUSO (2010;995), assim ensina:

... a liquidação da conta é assemelhada a uma prestação de contas, sempre efetivada pelo sócio ostensivo diante dos ocultos ou participantes, que lhe forneceram capital, disponibilizando bens para o empreendimento convencionado. Deve persistir, portanto, uma demonstração contábil relativa a tudo quanto visou à realização do objeto social contratado, somando, com a devida exatidão, as despesas suportadas e as receitas auferidas pelo sócio ostensivo no curso da gestão dos negócios sociais. Só é necessária a propositura da ação de prestação de contas quando presente uma pretensão resistida, ou seja, quando concretizado um litígio entre os sócios, utilizando-se, então, o procedimento especial previsto nos arts. 914 a 919 do vigente Código de Processo Civil.

            Por fim, nesta análise artigo a artigo feita do Código Civil, cumpre informar que a parte inicial do art. 996 disciplina que aplica-se à Sociedade em Conta de Participação, subsidiariamente e no que com ela for compatível, as normas utilizadas para regrar as sociedades simples.

            E exemplifica ROVAI (2011;8) hipótese para utilização de regras subsidiárias da sociedade simples à Sociedade em Conta de Participação:

Considerando a singularidade da Sociedade em Conta de Participação, é perceptível que o seu contrato social pode autorizar determinados procedimentos por deliberações majoritárias, quer dizer, sem que os demais sócios se manifestem, tendo em vista a utilização subsidiária da sociedade simples (arts. 997 a 1.023).

            Assim, sendo poucos os artigos aplicáveis a este tipo societário, para sua complementação deve o operador do direito se valer, em caráter subsidiário, das regras aplicáveis à sociedade simples.

 

3.         A Sociedade em Conta de Participação: aspectos contábeis e fiscais e breve comparação com consórcios

3.1       Aspectos contábeis e fiscais

A escrituração das operações da Sociedade em Conta de Participação poderá, de acordo com a decisão do sócio ostensivo, ser efetuada nos livros deste ou em livros próprios da Sociedade em Conta de Participação, sendo que ao serem utilizados livros do sócio ostensivo, os registros contábeis deverão ser feitos de forma a evidenciar os lançamentos referentes à Sociedade em Conta de Participação.

Independentemente da opção adotada, os resultados obtidos pela Sociedade em Conta de Participação deverão ser apurados e demonstrados separadamente dos resultados do sócio ostensivo, ainda que a escrituração seja feita nos mesmos livros.

Optando o sócio ostensivo pela escrituração das operações em seus livros, deverá este, discriminar em seu plano de contas todas as contas representativas da Sociedade em Conta de Participação, distinguindo-as das suas contas, inclusive no que se refere a movimentação financeira como caixa e bancos, apuração dos resultados, etc.

Os valores investidos pelos sócios, pessoas jurídicas, deverão ser por eles registrados em conta do ativo permanente, em conformidade com o disposto no artigo 179, item III, da Lei nº 6.404/76.

No tocante aos aspectos fiscais, a Sociedade em Conta de Participação é equiparada às pessoas jurídicas pela legislação do Imposto de Renda, e, como tais, são contribuintes do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ), da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), da Contribuição para o PIS PASEP  e COFINS e das Contribuições Previdenciárias.

O imposto de renda e a CSLL devidos pela Sociedade em Conta de Participação poderão ser apurados pela sistemática do lucro real ou presumido, desde que obedecidos os demais critérios definidos pela legislação tributária, sendo facultada à Sociedade em Conta de Participação a adoção de sistemática de apuração diversa daquela adotada pelo sócio ostensivo.

Deverá o sócio ostensivo recolher os tributos devidos pela Sociedade em Conta de Participação juntamente com os seus, utilizando-se dos mesmos códigos de recolhimento, recomendando-se, entretanto que tal recolhimento seja efetuado em documento de arrecadação separado daquele recolhido pelo sócio ostensivo, facilitando o controle dos recolhimentos dos tributos devidos pela SCP.

Os lucros apurados pela Sociedade em Conta de Participação, pagos ou creditados a pessoas jurídicas não estão sujeitos à incidência do Imposto de Renda na fonte  nem na declaração de rendimentos.

Sintetiza o tratamento fiscal e contábil FILKESTEIN (2009;135):

Sua contabilidade e seus lançamentos contábeis não apresentam mais uma forma simplificada. Assim, a contabilidade da sociedade em conta de participação é individualizada, ainda que apareça como um parasita na contabilidade do sócio ostensivo. A tributação de seus resultados deve ser feita em nome do sócio ostensivo, a quem também compete a responsabilidade pela apuração e declaração dos resultados da sociedade, bem como o recolhimento de todos os tributos devidos pela sociedade em conta de participação.

Todos os documentos fiscais emitidos pelo sócio ostensivo e que tenham por fim a atividade perpetrada pela sociedade em conta de participação deverão ser vinculados a essa atividade, de forma a ser facilmente identificada a sua vinculação à conta de participação.

3.2       Breve comparação com o Consócio

A Sociedade em Conta de Participação e o Consórcio não se confundem, embora ambos sejam não personificados.

O Consórcio é um contrato associativo pelo qual duas ou mais sociedades com atividades afins e/ou complementares, sob o mesmo controle ou não, se comprometem a executar em conjunto determinado empreendimento.

No Consórcio, todos os sócios são conhecidos, diferentemente da Sociedade em Conta de Participação.

No Consórcio, a responsabilidade dos sócios é definida no contrato, sendo que na Sociedade em Conta de Participação, apenas o sócio ostensivo responde.

Quanto aos bens, no consórcio propriedade é condominial (regime de bens), sendo que na Sociedade em Conta de Participação o patrimônio possui natureza especial (participantes detém a titularidade dos bens).

O Superior Tribunal de Justiça assim se manifestou quando da apreciação de confusão acerca de Sociedades em Conta de Participação e Consórcios:

PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. SOCIEDADE EM CONTA DE PARTICIPAÇÃO. ATIVIDADE MATERIAL DE ADMINISTRAÇÃO DE GRUPOS DE CONSÓRCIO. FALTA DE AUTORIZAÇÃO LEGAL. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA POR EQUIPARAÇÃO. RECENTE JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA SEÇÃO DESTA CORTE. GARANTIA DA SOLVÊNCIA DA INSTITUIÇÃO E CREDIBILIDADE DOS AGENTES DO SISTEMA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.
1. A formação e o funcionamento de grupos para aquisição de bens por meio de sociedade em conta de participação não têm respaldo legal.
2. A Lei 7.492/86 equipara ao conceito de instituição financeira a pessoa jurídica que capta ou administra seguros, câmbio, consórcio, capitalização ou qualquer tipo de poupança, ou recursos de terceiros.
3. Encontrando-se a conduta tipificada, ainda que em tese, em dispositivo da Lei 7.492/86, a ação penal deve ser julgada na Justiça Federal.
4. Havendo interesse da União na higidez, confiabilidade e equilíbrio do sistema financeiro, tem-se que a prática ilícita configura matéria de competência da Justiça Federal.
5. Compete à Justiça Federal o processo e julgamento unificado de eventuais crimes conexos de competência federal e estadual (Súmula 122 do STJ).
6. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo Federal da 3ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Estado de São Paulo/SP, suscitante.
(CC 41915, j. 13.12.2004)

 

4          Conclusão

Podemos concluir, então, ser a Sociedade em Conta de Participação instituto célere e pouco burocrático de prospecção de rendimentos. Seu caráter oculto reveste o  sócio participante de independência quanto à forma e uso do patrimônio investido na sociedade, sem exposição perante terceiros.

Trata-se de uma maneira de se empregar capital, de forma segura perante terceiros, limitando-se o risco ao sucesso do sócio ostensivo, permite o retorno do montante empregado através dos dividendos e sua posterior aplicação, até quando houver interesse dos sócios.


 

Referências Bibliográficas

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[1] Graduado pela Faculdade de Direito da Universidade do Oeste Paulista  em 1998. Mestrando em Direito Comercial pela Pontifícia Universidade Católica/SP. Advogado em São Paulo. E-mail: [email protected]