APLICAÇÃO INTERTEMPORAL DA LEI PROCESSUAL – DIREITO ADQUIRIDO AO EXERCÍCIO DE FACULDADES E ÔNUS, NO PROCESSO, DECORRENTES DE SITUAÇÕES PROCESSUAIS CONSOLIDADAS.”

INTRODUÇÃO

 Carlos Maximiliano em seu livro “Direito Intertemporal ou Teoria da Retroatividade das Leis”, alega que o direito intertemporal compreende a aplicação sucessiva das normas atinentes às diferentes ordens jurídicas, tanto às civis, como as penais, processuais, constitucionais ou administrativas. 

Traçando preceitos gerais, bem orientados e de cunho político, o direito intertemporal, tende a resolver questões de aplicação, no tempo, de quaisquer leis, sejam nacionais ou estrangeiras. Indicando ao juiz qual o sistema jurídico sobre o qual ele deve basear sua decisão.

Determinando os limites do domínio de cada norma que se seguem reciprocamente dentre duas disposições jurídicas consecutivas sobre o mesmo assunto. Em suma: o direito intertemporal regula a aplicação da lei no tempo, o que, em todas as épocas, se considerou como um dos problemas sérios, árduos e dos mais complexos da ciência do Direito.

 

O QUE É O DIREITO?

 

Antes de entendermos o direito intertemporal, precisamos saber o que é o direito e discorreu sobre este tema grandes doutrinadores, entre eles Miguel Reale, que em seu livro “Lições Preliminares do Direito”, nos esclarece que aos olhos do homem comum o Direito é lei e ordem, isto é, um conjunto de regras obrigatórias que garante a convivência social graça ao estabelecimento de limitações à ação de cada um de seus membros. Agindo em conformidade com essas regras comporta-se direito; quem não o faz, age torto.

A palavra lei, segundo a sua etimologia mais provável, refere-se a ligação, liame, laço, relação, o que se completa com o sentido nuclear de jus, que invoca a ideia de jungir, unir, ordenar, coordenar. Sem maiores indagações, o Direito corresponde à exigência essencial e indeclinável de uma convivência ordenada, pois nenhuma sociedade poderia subsistir sem um mínimo de ordem, direção e solidariedade. O jurista contemporâneo Santi Romano, concebe o direito como “realização de convivência ordenada”.

O direito não existe senão na sociedade e não pode ser concebido fora dela, tem como qualidade de ser social, um fato ou um fenômeno social. Observa-se que durante milênios o homem viveu ou cumpriu o Direito, sem se propor o problema de seu significado lógico ou moral. Apenas num estágio bem maduro da civilização que as regras jurídicas adquirem estrutura e valor próprios, independentes de normas religiosas ou costumeiras e, por via de consequência, é só então que a humanidade passa a considerar o Direito como algo merecedor de estudos autônomos.

Não é necessário enfatizar a alta significação dessa conversão de um fato em um fato teórico, isto é, elevado ao plano da consciência dos respectivos problemas. Salientando essa correlação essencial entre o Direito como fato social e o Direito como ciência, a tal ponto que, ainda hoje a mesma palavra serve para designar a realidade jurídica e a respectiva ordem de conhecimentos. Ensina Giambattista Vico, pensador italiano do início do século XVIII que verum ac factum convertuntur, o verdadeiro e o fato se convertem. Difícil separar a experiência jurídica das estruturas lógicas, isto é, das normativas nas quais e mediante as quais ela se processa.

O DIREITO COMO NORMA POSTA

No livro Introdução ao Estudo do Direito - Técnica, Decisão, Dominação, Tercio Sampaio Ferraz Jr., explica que o fato de o direito tornar-se escrito contribuiu para importantes transformações na concepção de direito e de seu conhecimento. A fixação do direito na forma escrita, ao mesmo tempo em que aumenta a segurança e a precisão de seu entendimento, aguça também a consciência dos limites.

A possibilidade do confronto dos diversos conjuntos normativos cresce e, com isso, aumenta a disponibilidade das fontes, na qual está a essência do aparecimento das hierarquias. Estas, no início, ainda afirmam a relevância do costume, do direito não escrito sobre o escrito. Pouco a pouco, no entanto, a situação inverte-se. Para tanto contribuiu o aparecimento do Estado absolutista e o desenvolvimento progressivo da concentração do poder de legislar.

Nesse período, a percepção da necessidade de regras interpretativas cresce, o que pode ser observado por sua multiplicação com vistas na organização e articulação de diversas fontes existentes. Essas transformações iriam culminar em duas novas condicionantes, uma de natureza política, outra de natureza técnico-jurídica. Às primeiras, assinala-se a noção de soberania nacional e o princípio da separação dos poderes; às segundas, o caráter privilegiado que a lei assume como fonte do direito e a concepção do direito como sistema de normas postas.

A neutralização política do Judiciário significará a canalização da produção do direito para o endereço legislativo, donde o lugar privilegiado ocupado pela lei como fonte do direito. A concepção da lei como principal fonte do direito chamará a atenção para a possibilidade de o direito mudar toda vez que mudar a legislação.

Em comparação com o passado, o direito deixa de ser um ponto de vista em nome do qual mudanças e transformações são rechaçadas. Em todos os tempos, o direito sempre fora percebido como algo estável face às mudanças do mundo, esta estabilidade fundada na tradição.

A mutabilidade do direito passa a ser a usual: a ideia de que, em princípio, todo o direito muda tornar-se a regra, e que algum direito que não muda, a exceção. Essa verdadeira institucionalização da mutabilidade do direito na cultura de então corresponderá ao chamado fenômeno da positivação do direito (Luhmann, 1972).

Há dois sentidos de positivação: um filosófico e um sociológico. No primeiro, positivação designa o ato de positivar, ou seja, de estabelecer um direito por força e um ato de vontade. Segue daí a tese segundo o qual todo e qualquer direito é fruto de atos dessa natureza, isto é, o direito é um conjunto de normas que valem por força de serem postas pela autoridade constituída e só por força de outra posição podem ser revogadas. À medida que tais atos de vontade são atos decisórios, a positivação passa a ser termo correlato de decisão. Em consequência, implicando toda decisão a existência de motivos decisórios, positivação passa a ser um fenômeno em que todas as valorações, regras e expectativas de comportamento na sociedade têm de ser filtradas de um processos decisórios antes de adquirir validade jurídica (cf. Luhmann, 1972:141). Em outras palavras, direito positivo é não só aquele que é posto por decisão, mas, além disso, aquele cujas premissa da decisão que o põem também são postas por decisão. A tese de que só existe um direito, o positivo nos termos expostos, é o fundamento do chamado positivismo jurídico, corrente dominante, em vários matizes, no século XIX.

No sentido sociológico, positivação é um fenômeno que naquele século será representado pela crescente importância da lei votada pelos parlamentos como fonte do direito. O antigo regime caracteriza-se pelo enfraquecimento da Justiça, cuja dependência política projeta-se no arbítrio das decisões. A crítica dos pensadores iluministas e a necessidade de segurança da sociedade burguesa passou, então, a exigir a valorização dos preceitos legais no julgamento dos fatos. Daí se originou um respeito quase mítico pela lei, base, então, para o desenvolvimento da poderosa Escola da Exegese, de grande influência nos países em que dominou o espírito napoleônico.

Com a Revolução Industrial, a velocidade das transformações tecnológicas aumenta, reclamando respostas mais prontas do direito, que o direito costumeiro não podia fornecer. Ao contrário, o direito reduzido ao legal fazia crescer a disponibilidade temporal sobre o direito, cuja validade foi sendo percebida como algo maleável e, ao fim, manipulável, podendo ser tecnicamente limitada e controlada no tempo, adaptada a prováveis necessidades futuras de revisão, possibilitando, assim, em alto grau, um detalhamento dos comportamentos como juridicizáveis, não dependendo mais o caráter jurídico das condutas de algo que tivesse sempre sido direito.

   

A LEI COMO FONTE DO DIREITO

 

Filosoficamente, a lei ora é considerada e examinada, internamente, no próprio ser a que se refere, ora, externamente, como conclusão lógica e científica: sob o primeiro aspecto é uma determinante intrínseca, por força da qual o ser realiza o efeito que lhe é próprio; sob o segundo aspecto, é a enunciação da maneira constante e invariável de existir ou de agir, de uma coisa, ou fenômeno. (Vicente Ráo – O Direito e a Vida dos Direitos)

Em direito, com duplo sentido a palavra lei se apresenta: um, amplo, compreensivo de toda norma geral de conduta que define e disciplina as relações de fato incidentes no direito e cuja observância o poder do Estado impõe coercitivamente, como são as normas legislativas, as costumeiras e as demais, ditadas por outras fontes do direito, quando admitidas pelo legislador; outro, restrito, que se refere à lei em sentido próprio e formal. (Vicente Ráo)

Neste último sentido, mais precioso, é a lei a norma geral de direito formulada e promulgada, por modo autêntico, pelo órgão competente da autoridade soberana e feita valer pela proteção-coerção, exercida pelo Estado.

No termo legislação, François Geny compreende “todos os atos da autoridade cuja missão consiste em editar regras gerais, sob forma de injunções obrigatórias, como são as leis propriamente ditas, os decretos, os regulamentos”.

De muitos atributos, ou virtudes, deve revestir-se a lei, para alcançar o fim que se propõe, ou seja, a disciplina social.

Deve ser:

- Justa, mantendo igualdade entre os que nela incidem e atribuindo a cada qual o que é seu;

- Honesta, não contendo nota alguma de torpeza ou contrária à moral;

- Possível, preferindo o medíocre possível ao o ótimo impossível;

- Útil, favorecendo, efetivamente, o interesse geral;

- Manifesta, revelando ser a clareza qualidade própria da lei;

- Breve, dispondo e não disputando;

- Devem ser poucas, porque ubi plures sunt leges, major est litium foetura.  

No Estado de direito, isto é, democraticamente organizado, baseado na lei da separação dos poderes e na das garantias dos direitos fundamentais do homem, a função de editar normas gerais de direito compete às câmaras de representações popular constituídas em poder legislativo (que estas normas elaboram e aprovam), com concurso do poder executivo (que as sanciona, promulga e publica) cabendo ao poder judiciário aplicá-las na solução dos conflitos submetidos ao seu julgamento.

A EFICÁCIA DAS LEIS NO TEMPO E O DIREITO ADQUIRIDO

 

Toda lei tem seu período de vida: nasce, vigora e morre. A extinção da norma jurídica ocorre através da revogação, que implica em sua substituição por outra norma, que passará a regulamentar as situações e relações jurídicas. Assim, torna-se fácil depreender que, até o advento da lei nova, as relações jurídicas submetiam-se ao crivo da lei anterior, já revogada. A partir da vigência do novel diploma legal, as relações jurídicas, então passam a estar reguladas por ela.

Observa-se que a solução não é tão simples quanto parece, pois existem naturalmente, situações ou relações jurídicas que foram estabelecidas sob a égide da lei anterior, mas que continuam projetando efeitos com o advento da lei nova. Nesses casos estabelecemos o chamado direito intertemporal ou direito transitório, para regulamentar os efeitos e consequências dos fatos praticados anteriormente à lei nova e que se protraem no tempo.

Prima face, convém fazer alusão ao princípio constitucional da proibição de retrocesso no que tange aos direitos e às garantias fundamentais e sociais, previsto no Texto Magno. Por conta de sua extensão, não é possível uma nova norma jurídica retroagir a proteção dos direitos e garantias fundamentais e sociais, como expressão da própria dignidade humana, ali privilegiada.

Na verdade, a vida social não se organiza, em suas incontáveis e inimagináveis atividades, pelo calendário legislativo. Quando uma lei é revogada, resta o problema de saber qual será o tratamento jurídico a ser dispensado aos fenômenos fáticos (relações e situações diversas) que se formaram no tempo de sua vigência e que continuarão se desenvolvendo mesmo depois do advento da nova lei. Como expõe José Acir Lessa Giordani, invocando Paulino Soares de Souza Neto, “se as relações de direito formadas e legitimamente reconhecidas ao tempo da antiga lei, conservam o potencial bastante para produzir, além dos já produzidos sob o regime da lei nova, poderá este modificá-los? E até que ponto modificá-los? Ou será que a antiga lei, revogada, continua a regê-los? Neste caso, até quando, em que medida sobreviverá em relação a eles?”

Passando em revista os referenciais históricos, é relevante lembrar que, em Roma, Cícero já defendia a irretroatividade das leis, destacando que, no âmbito do Direito Civil, a nova lei não poderia atingir matéria anteriormente regulada. No mesmo sentido, o Imperador Teodósio II editou uma Constituição materializando a regra da irretroatividade: “é certo que as leis e as Constituições regulam os negócios futuros e não retrocedem até os fatos passados; a não ser que explicitamente se ocupem tanto do tempo anterior como dos negócios pendentes”. Também no direito grego há referências à irretroatividade, como se pode colher da própria Mitologia, como na passagem de Édipo Rei, de Sófocles, na qual se exigiu a confirmação do conhecimento da lei vigente para que fosse possível condenar Antígona à morte. A preocupação com a retroação das leis novas também tocou à Revolução Francesa, visivelmente preocupada em resguardar as garantias obtidas, em especial pela classe burguesa.

No direito contemporâneo, com o propósito de resolver o conflito de leis no tempo, concorrem dois critérios fundamentais: a irretroatividade, não se aplicando a lei às situações jurídicas constituídas antes de sua vigência; o efeito imediato, incidindo a nova lei a todas as situações concretizadas sob sua égide.

Com Francisco Amaral, o efeito imediato da lei afirma que “a lei nova se aplica a todos os fatos que ocorrerem durante a sua vigência”, enquanto a irretroatividade resulta na afirmação de que “os fatos verificados sob o império da lei antiga continuam regidos por ela, respeitando o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada, tudo isso em favor da segurança jurídica”.

O art. 6º da Lei de Introdução às normas do direito brasileiro apresenta a regra a ser utilizada na solução de conflitos intertemporais de leis, adotando a teoria de Gabba – solução que veio, inclusive a ser elevada à altitude constitucional com a carta de 1988 (art. 5º, XXXVI). Giza o texto legal:

Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.

§ 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou.

§ 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem.

§ 3º Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso.

A partir da intelecção do preceito legal – agasalhado constitucionalmente no art. 5º, XXXVI – é possível afirmar, seguramente, que as leis não têm retroatividade. Assim sendo, a lei nova é aplicável aos casos pendentes e futuros. Excepcionalmente, quando: houver expressa previsão na lei, determinando sua aplicação a casos pretéritos (ou seja, no silêncio da lei, prevalece a irretroatividade) e desde que essa retroatividade não ofenda o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.

Essas regras de aplicação da lei no tempo são dirigidas tanto ao aplicador do Direito, quanto ao legislador, abrigando a ambos.

Mesmo em se tratando de norma de ordem pública, ainda assim impõe-se aplicar os princípios constitucionais da irretroatividade da lei nova e de respeito ao direito adquirido. Ora, se o princípio da irretroatividade é dirigido, por igual, ao legislador, demarcando as latitudes e longitudes da atividade legislativa, violará frontalmente a Carta Magna toda e qualquer ato normativo que ferir eventualmente direito adquirido, ainda que sob inspiração do interesse ou da ordem pública. Vale invocar aresto do nosso Pretório Excelso, tratando da matéria e esclarecendo o tema abordado em cadentes palavras:

No sistema constitucional brasileiro, a eficácia retroativa das leis – (a) que é sempre excepcional, (b) que jamais se presume e (c) que deve necessariamente emanar de disposição legal expressa – não pode gerar lesão ao ato jurídico perfeito, ao direito adquirido e à coisa julgada. A lei nova não pode reger os efeitos futuros gerados por contratos a ela anteriormente celebrados, sob pena de afetar a própria causa – ato ou fato ocorrido no passado – que lhes deu origem. Essa projeção retroativa da lei nova, mesmo tratando-se de retroatividade mínima, incide na vedação constitucional que protege a incoluminidade do ato jurídico perfeito. A cláusula de salvaguarda do ato jurídico perfeito, inscrita na CF 5º XXXVI, aplica-se a qualquer lei editada pelo Poder Público, ainda que se trate de ordem pública. Precedentes do STF” (STF, Ag. 251533-6/SP, rel. Min. Celso de Mello, v.u., j. 25.10.99, DJU 23.11.99, p. 32-33).

Ademais, também é conveniente sublinhar que a Suprema Corte também vem entendendo que nem mesmo os efeitos futuros dos fatos ocorridos ainda sob vigência da lei antiga poderão ser atingidos pela lei nova, sob pena de violação à garantia constitucional da irretroatividade normativa. Veja-se a respeito, ilustrativamente:

Se a lei alcançar os efeitos futuros de contratos celebrados anteriormente a ela, será essa lei retroativa (retroatividade mínima) porque vai interferir na causa, que e um ato ou fato ocorrido no passado. O disposto no art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal se aplica a toda e qualquer lei infraconstitucional, sem qualquer distinção entre lei de direito público e lei de direito privado, ou entre lei de ordem pública e lei dispositiva. Precedente do STF – ocorrência, no caso, de violação de direito adquirido...” (STF, ADIn493/DF, rel. Min. Moreira Alves, j. 25.6.92, DJU 4.9.92, p. 14.089)

Forçoso é reconhecer, outrossim, na linha do raciocínio exposto, a aplicação imediata da lei nova às relações jurídicas continuativas – isto é, as relações jurídicas iniciadas na vigência da lei anterior e que se protraem no tempo, mantendo-se após o advento da lei nova. No que concerne às relações continuativas (também chamadas de relações de trato sucessivo), a sua existência e a sua validade ficam submetidas à norma vigente ao tempo de seu início. No entanto, a sua eficácia estará, inarredavelmente, submetida à nova norma jurídica. De qualquer sorte, é certo que essa incidência da lei nova aos efeitos das relações continuativas exige o respeito ao ato jurídico perfeito (aquele já consumado no tempo da lei anterior), ao direito adquirido (aquele que já se incorporou definitivamente ao patrimônio do titular) e à coisa julgada (qualidade de que reveste os efeitos decorrentes da decisão judicial contra a qual não cabe qualquer recurso). Um bom exemplo pode ser lembrado com a incidência do novo limite de multa (cláusula penal) às taxas condominiais, não podendo exceder a 2% ao mês, imposto pelo Código Civil de 2002. Na legislação antecedente, a multa poderia ser fixada no limite de 20% ao mês. Assim sendo, indaga-se: um condomínio constituído antes da vigência da Codificação Reale poderia continuar cobrando a multa de até 20% pelo atraso no pagamento da taxa mensal? A resposta é não. Estando todo e qualquer condomínio submetido ao limite de 2% ao mês, mesmo aqueles constituídos antes da vigência do atual Codex, uma vez que em se tratando de uma relação jurídica continuativa a sua eficácia estará, seguramente, submetida à legislação vigente. Vale pontuar ser esta posição da jurisprudência, veja:

Condomínio. Multa. Aplicação do art. 1.336 , § 1º , do Código Civil de 2002. Precedentes da Corte. Já assentou esta Terceira Turma que a "natureza estatutária da convenção de condomínio autoriza a imediata aplicação do regime jurídico previsto no novo Código Civil , regendo-se a multa pelo disposto no respectivo art. 1.336, § 1º”. (STJ, Ac. Unân. 3ª T., REsp.66.436/SP, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j.16.3.06, DJU 1.8.06, p.432).

Aliás, tendo por isso o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula Vinculante 1, vazada em termos claros: “ofende a garantia constitucional do ato jurídico perfeito a decisão que, sem ponderar as circunstâncias do caso concreto, desconsidera a validez e a eficácia de acordo constante de termo de adesão instituído pela lei complementar nº 110/2001”.

Vale pontuar que o direito adquirido é aquele que se incorporou ao patrimônio do titular, de natureza extrapatrimonial. Enfim, é, tão só, o direito enraizado na perspectiva econômica do seu titular. Bem por isso, o Superior Tribunal de Justiça vem negando a existência de direito adquirido a revalidação do diploma expedido por universidade cubana mesmo quando o universitário ingressou no curso de Medicina daquele próprio país sob a égide do Decreto nº80.419/77 – que autorizava a revalidação automática do diploma expedido por instituições de Medicina de Cuba – mas concluiu o curso na vigência do Decreto nº 3.007/99, que, por sua vez, revogou o ato normativo anterior, impossibilitando a revalidação automática, exigindo o atendimento de um procedimento legal, com vistas à compatibilização  com o sistema educacional brasileiro.

Não se olvide que, a toda evidência, não há (e não poderia ser diferente) direito adquirido em face do Texto Constitucional. Em outras palavra, não existe direito adquirido em face do poder constituinte originário – o que é absolutamente justificável, uma vez que se institui uma nova ordem jurídica. É que o advento de uma nova ordem constitucional faz desaparecer, integralmente, o ordenamento que, até então, existia. Cessa, assim, a ratio que sustentava a legislação vigente e, consequentemente, os direitos que foram outorgados. Nesse passo, vale recordar o art. 17 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias:

Os vencimentos, a remuneração, as vantagens e os adicionais, bem como os proventos de aposentadoria que estejam sendo percebidos em desacordo com a Constituição serão imediatamente reduzidos aos limites dela decorrentes, não se admitindo, neste caso, invocação de direito adquirido ou percepção de excesso a qualquer título.”

Igualmente vale o art. 41, §§1º e 3º, dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias que também tempera a regra da proteção do direito adquirido:

Art. 41 - Os Poderes Executivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios reavaliarão todos os incentivos fiscais de natureza setorial ora em vigor, propondo aos Poderes Legislativos respectivos as medidas cabíveis.

§1º - Considerar-se-ão revogados após dois anos, a partir da data da promulgação da Constituição, os incentivos que não forem confirmados por lei.

§3º - Os incentivos concedidos por convênio entre Estados, celebrados nos termos do Art. 23, § 6º, da Constituição de 1967, com a redação da Emenda nº 1, de 17 de outubro de 1969, também deverão ser reavaliados e reconfirmados nos prazos deste artigo.”

Todavia, no que tange ao Poder Constituinte derivado (as emendas constitucionais) não se pode chegar à mesma solução. Efetivamente, embora as emendas constitucionais sejam normas constitucionais, são bem elaboradas pelo poder constituinte derivado ou de segundo grau, não inaugurando um novo sistema. Por isso, a elas é possível objetivar a necessidade de respeito ao direito adquirido. Endossando essa conclusão, Zeno Veloso é contundente ao asseverar que “as emendas constitucionais têm de respeitar, sem dúvida, o princípio do direito adquirido”. E dispara: “é inconstitucional emenda à Constituição que desrespeita esta garantia”.

Apesar da clareza meridiana desse raciocínio, em entendimento questionável tecnicamente, vem afirmando o Supremo Tribunal Federal que não há direito adquirido, nem mesmo, em face do poder constituinte derivado e não só em relação ao poder originário. Serve como consistente exemplo desse posicionamento a reforma da Previdência Social, oportunidade em que foram relativizados direitos adquiridos de servidores públicos em razão de uma emenda constitucional (PEC 33):

Emenda constitucional: limitações materiais (cláusulas pétreas); controle jurisdicional preventivo (excepcionalidade); a proposta de reforma previdenciária (PEC 33-I), a forma federativa de Estado (CF, art. 60, § 1º) e os direitos adquiridos (CF, art. 60, § 4º, IV, c/c art. 5º, XXXVI): alcance das cláusulas invocadas: razões do indeferimento da liminar.” (MS 23.047/DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 11-2-1998, Plenário, DJ de 14-11-2003.).

De outra banda, convém o registro de que a jurisprudência superior vem admitindo uma relativização da garantia da coisa julgada nos casos em que há conflito com direitos fundamentais. Ou seja, admite-se o afastamento da coisa julgada para prestigiar determinados valores de envergadura, também constitucional. Um bom exemplo é a possiblidade de mitigação da coisa julgada para permitir uma nova propositura de ação de investigação de parentalidade, permitindo que o filho busque determinação de sua paternidade ou maternidade:

PROCESSO CIVIL. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. REPETIÇÃO DE AÇÃO ANTERIORMENTE AJUIZADA, QUE TEVE SEU PEDIDO JULGADO IMPROCEDENTE POR FALTA DE PROVAS. COISA JULGADA. MITIGAÇÃO. DOUTRINA. PRECEDENTES. DIREITO DE FAMÍLIA. EVOLUÇÃO. RECURSO ACOLHIDO.

I - Não excluída expressamente a paternidade do investigado na primitiva ação de investigação de paternidade, diante da precariedade da prova e da ausência de indícios suficientes a caracterizar tanto a paternidade como a sua negativa, e considerando que, quando do ajuizamento da primeira ação, o exame pelo DNA ainda não era disponível e nem havia notoriedade a seu respeito, admite-se o ajuizamento de ação investigatória, ainda que tenha sido aforada uma anterior com sentença julgando improcedente o pedido.

II -Nos termos da orientação da Turma, "sempre recomendável a realização de perícia para investigação genética (HLA e DNA), porque permite ao julgador um juízo de fortíssima probabilidade, senão de certeza" na composição do conflito. Ademais, o progresso da ciência jurídica, em matéria de prova, está na substituição da verdade ficta pela verdade real.

III -A coisa julgada, em se tratando de ações de estado, como no caso de investigação de paternidade, deve ser interpretada modus in rebus. Nas palavras de respeitável e avançada doutrina, quando estudiosos hoje se aprofundam no reestudo do instituto, na busca sobretudo da realização do processo justo, "a coisa julgada existe como criação necessária à segurança prática das relações jurídicas e as dificuldades que se opõem à sua ruptura se explicam pela mesmíssima razão. Não se pode olvidar, todavia, que numa sociedade de homens livres, a Justiça tem de estar acima da segurança, porque sem Justiça não há liberdade".

IV -Este Tribunal tem buscado, em sua jurisprudência, firmar posições que atendam aos fins sociais do processo e às exigências do bem comum.” (STJ, Ac. 4ª T., REsp.226.436/PR, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j.28.6.01, DJU 4.2.02, p.370).

Outrossim, o art. 741 do Código de Processo Civil considerou: “inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal”, também explicitando uma certa mitigação da garantia da coisa julgada.

Por igual, também vem se sustentando a relativização do direito adquirido, em face de outros valores constitucionais, de maior envergadura , em cada caso concreto. É que a segurança jurídica, almejada através da afirmação do direito adquirido, não é o mais importante valor protegido em sede constitucional, podendo ser superada, em casos concretos, por outros valores, que mereçam proteção mais efetiva.

Por derradeiro, impede destacar a possibilidade de aplicação das leis penal e tributária novas aos fatos pretéritos, desde que mais benéficas ao réu ou ao contribuinte, consoante autorização do inciso XL do art. 5º da Lei Maior. É chamada retroatividade benigna ou, como preferem os franceses, la loi plus douce. De qualquer forma, tal possibilidade de aplicação da lei nova mais benéfica ao réu, alcançando fatos passados, não altera a regra geral da irretroatividade, apenas caracterizando exceção, com sede constitucional. Adverte-se, no entanto, não ter cabimento a referida exceção no âmbito civil, não se admitindo a aplicação da lei nova aos fatos pretéritos, ainda que mais benéfica ao titular de relações jurídicas. Exemplificando: se a lei nova apresentar regra mais favorável ao devedor em determinada relação contratual, ainda assim não se aplicará às relações jurídicas estabelecidas anteriormente , impondo-se o cumprimento da obrigação pelas regras do tempo da sua assunção.

Em arremate, sintetizando a matéria abordada, vale a pena sistematizar algumas regras de aplicação das leis civis no tempo:

a)     A lei aplicável aos contratos será a do tempo de sua constituição no que diz respeito à sua existência e validade. Todavia, quanto à sua eficácia aplicam-se as normas vigentes na data de sua execução. Bem por isso, o art. 2.035 da Lei Civil é alvejante ao afirmar que a validade dos negócios obedecerá às regras vigentes na data de sua celebração:

“Art. 2.035, Código Civil - A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da entrada em vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no art. 2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de execução.”;

b)    Os direitos sucessórios serão regidos pela lei em vigor no tempo da abertura da sucessão, que corresponde ao momento do óbito do autor da herança, CC, art. 1.784:

Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários.”;

c)     O testamento submete-se às leis do tempo em que foi elaborado, inclusive no que tange à capacidade para testar, CC, art.1.861:

A incapacidade superveniente do testador não invalida o testamento, nem o testamento do incapaz se valida com a superveniência da capacidade.”;

d)    Não se perde a capacidade já adquirida pelo advento de uma lei revogadora, alterando as regras sobre a capacidade civil (exemplificando, se uma nova lei aumentar a capacidade plena, novamente, para os vinte e um anos, aquele que, contando com dezenove anos, era maior e capaz não retorna à incapacidade);

e)     O casamento tem a sua validade regida pelas normas vigentes quando de sua celebração, enquanto o regime de bens entre os cônjuges será disciplinado pela lei em vigor na celebração do pacto antenupcial, no que tange à sua eficácia e validade, estando a eficácia submetida à lei atual;

f)      A existência e a validade do pacto antenupcial estão submetidas à norma vigente no momento de sua celebração, mas a sua eficácia está subordinada à norma atual. Por isso, mesmo as pessoas casadas sob a égide do Código Civil de 1916 podem alterar o seu regime de bens, valendo-se do permissivo do § 2º do art. 1.639 da Codificação, por se dizer respeito aos seus efeitos:

“Art. 1.639, Código Civil - É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver.

§ 2º É admissível alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros.”

g)     A qualificação dos direitos reais submete-se à lei nova.

O PROCESSO CIVIL

 

O autor Eduardo Juan Couture, consagrado e reconhecido jurista, não só no Uruguai; seu país natal; como em todo mundo, em sua obra “Fundamentos del derecho procesal civil”, define o processo como “... el vocablo ‘proceso’, significa progreso, transcurso del tiempo, acción de ir hacia adelante, desenvolvimiento. En sí mismo, todo processo es secuencia.

Desde este punto de vista, el proceso jurídico es um cumulo de actos, su orden temporal, su dinámica, la forma de desenvolverse. De la misma manera que un proceso físico, químico, biológico, intelectual, todo proceso jurídico se desenvuelve, avanza hacia su fin y concluye.” 

Humberto Theodoro Filho Júnior também define o processo em seu livro “Curso de Direito Processual Civil – Volume I” informando que na verdade, ou na essência o direito processual é um só, porquanto a função jurisdicional é única, qualquer que seja o direito material debatido, sendo, por isso mesmo, comuns a todos os seus ramos os princípios fundamentais da jurisdição e do processo.

Conveniências de ordem prática , no entanto, levam o legislador a agrupar as normas processuais em códigos ou leis especializadas, conforme a natureza das regras aplicáveis à solução dos conflitos, e daí surgem as divisões que individuam o direito processual civil, o direito processual penal, o direito processual do trabalho etc.

Diante desse quadro, o Direito Processual Civil pode ser definido como o ramo da ciência jurídica que trata do complexo das normas reguladoras do exercício da jurisdição civil.

Vê-se, logo, que não pode o direito processual civil confundir-se com uma simples parcela do direito material, devendo ser afastada a antiga denominação de direito adjetivo, por designadora de uma dependência que a ciência jurídica moderna repele peremptoriamente.

A autonomia do direito processual civil, frente ao direto substancial, é inegável e se caracteriza por total diversidade de natureza e de objetivos. Enquanto o direito material cuida de estabelecer as normas que regulam as relações jurídicas entre as pessoas, o processual visa a regulamentar uma função pública estatal. Seus princípios, todos ligados ao direito público a que pertence, são totalmente diferentes, portanto, daqueles outros que inspiram o direito material, quase sempre de ordem privada.

Não apenas as questões de direito civil são solucionadas através do processo civil, mas também as de direito comercial e até as de direito público não penal que não caibam a outros ramos especializados do direito processual.

Funciona o direito processual civil, então, como principal instrumento do Estado para o exercício do Poder Jurisdicional. Nele se encontram as normas e os princípios básicos que subsidiam os diversos ramos do direito processual, como um todo, e sua aplicação faz-se, por exclusão, a todo e qualquer conflito não abrangido pelos demais processos, que podem ser considerados especiais, enquanto o civil será geral.

O direito processual civil pertence ao grupo das disciplinas que formam o Direito Público, pois regula o exercício de parte de uma das funções soberanas do Estado, que é a jurisdição.

Não se pode deixar de consignar que, mesmo quando o conflito de interesses é eminentemente privado, há no processo sempre um interesse público, que é o da pacificação social e o da manutenção do império da ordem jurídica, mediante realização da vontade concreta da lei.

O direito, sem embargo de sua divisão em ramos autônomos, caracterizados por métodos, objetivos e princípios próprios, forma um conjunto maior, que tem em comum o destino de regular a convivência social. Por esse razão, por mais que sejam considerados autônomos os seus ramos, haverá sempre entre eles alguma intercomunicação, algum traço comum e até mesmo alguma dependência em certos ângulos ou assuntos.

O advento do Código de processo civil Modelo para a América Latina constituiu poderoso fator de integração latino-americana que, com os descontos das tradições regionais e da necessidade de harmonia da lei processual no contexto do modelo jurídico de cada país, abre caminho para a adoção de soluções comuns na medida do possível e para a homogeneização dos sistemas.

Essa integração é uma tendência tanto mais forte quanto mais se integrem os países em organização supranacionais de inspiração econômica mas de crescentes reflexos políticos (Mercosul). Tal caminhada lado a lado tende a receber influxos do direito da common law, especialmente pela via dos institutos voltados à coletização da tutela jurisdicional, estranha ao pensamento romano-germânico mas inerente ao direito de uma sociedade de massa. Onde avultam as relações supra-individuais é indispensável buscar soluções em escala supra-individual para os conflitos inerentes às relações humanas.

Essa evolução toda, guiada pela visão supranacional de que é capaz a doutrina  e por adequados estudos de direito comparado, aponta de modo mais ou menos uniforme para a para adoção de medidas e posturas de caráter político, sistemático e técnico-processual, com a crescente consciência da necessidade de uma tutela jurisdicional mais rápida e com melhores condições para ser justa e efetiva. Não há prognósticos precisos a fazer, mas uma visão de conjunto mostra as linhas fundamentais de um processo civil desejável e factível em um futuro relativamente próximo. A pior das tendências reveladas nos últimos tempos, que faz temer por desdobramentos ainda mais pervorosos, é a de privilegiar cada vez mais o Estado no processo civil do país, sem que o Poder Judiciário se anime a coibir abusos e, assim, restabelecer o primado da garantia constitucional da isonomia.

CONCLUSÃO

A lei assegura e respeita as situações jurídicas estabelecidas normalmente. Prefere-se a expressão acima, por ser mais ampla do que direito adquirido e relação de direito; esta pressupõe uma relação entre duas ou mais pessoas; ao passo que situação jurídica abrange também o caso unilateral e pode ser oposta coletivamente. Comporta uma fase dinâmica, a do momento da sua constituição ou da respectiva extinção, e outra estática, a do tempo em que ela produz os seus efeitos.

A constituição de uma situação jurídica efetua-se em um momento único, ou por momentos, atos ou fatos sucessivos. Essas situações jurídicas existentes quando se opera mudança no Direito Positivo, ficam sob o domínio da lei antiga; a norma recente não atinge a situação já constituída nem extinta.

Aos fatos que, segundo o Direito do tempo em que ocorreram, não determinavam constituição nem extinção de situação jurídica, a lei nova não pode atribuir alguns desses efeitos. Se o preceito recente cria modo inédito de constituição ou extinção, diminui o número de condições para esta ou aquela possibilidade, ou apenas as modifica; não se aplica às situações anteriores.

Quando a situação jurídica esta em curso de formação é atingida pela lei nova; esta modifica, facilita ou extingue as condições de constituições, salvo quando aos elementos que tenham um valor jurídico particular no tocante à formação em curso.

Ainda a propósito das formações em curso, deve-se por em relevo o seguinte: atos ou fatos que, segundo a norma antecedente, não serviam para constituir, impedir ou extinguir uma situação jurídica, não servem na parte da formação concernente ao domínio da lei antiga, embora a recente lhes atribua tal valor.

Entretanto fatos que, segundo as regras dominantes no passado, não constituíam nem extinguiam uma situação jurídica; se não duráveis, se estendem por longo período, começam, a partir do advento da nova norma, a constituir ou extinguir segundo a mesma faculta; em sendo instantâneas, constituem ou extinguem, desde que sobrevem a lei que lhes atribuiu semelhante eficácia.

As regras expostas a respeito das situações em curso se opõe uma exceção relativa aos contratos: a eles não se aplica a lei nova nem retroativa nem imediatamente, quer no tocante às partes anteriores à vigência dos últimos preceitos quer mesmo quanto às subsequentes e aos efeitos futuros; verificando-se e prevalece a sobrevivência da norma antecedente.

O domínio da lei nova abrange imediatamente as situações jurídicas permanentes, isto é, todas aquelas às quais se não pode atribuir duração definida. As situações correntes, seguem-se as regras estabelecidas, cada uma delas fica sob o império da norma positiva que corresponde ao momento da sua constituição, extinção ou efeitos, segundo os casos sobrevindos ao estudo do aplicador Direito.

Cumpre formular a diretriz a respeito das situações jurídicas dependentes. Na verdade, às vezes uma situação arrasta outra, como consequência. O acessório acompanha o principal – Accessorium sequitur principale: toma-se a segunda como efeito imediato e direito da primeira; a lei nova abrange os efeitos desta; aplica-se, portanto, imediatamente; impera sobre a situação dependente, enquanto a antiga conserva o seu poder consoante à constituição da situação principal.

Há situações jurídicas retroativas; tais são as que produzem efeitos relativos ao passado. As leis que disciplinam a constituição ou a extinção de uma situação jurídica, se não aplicam às situações anteriores, nem aos fatos passados, salvo quando tenham estes caráter durável, caso em que são abrangidos pela norma recente, a partir da sua entrada em vigor.

As leis podem ter por objeto os efeitos de situação jurídica retroativa, hipóteses em que obedecem às regras estabelecidas para as situações ordinárias; porém, em se tratando de efeitos retroativos também, pode a norma recente estender ou diminuir o alcance dos mesmos.

 

JURISPRUDÊNCIA SUMULADA

 

STF 112: “O imposto de transmissão "causa mortis" é devido pela alíquota vigente ao tempo da abertura da sucessão.”

STF 304: “Decisão denegatória de mandado de segurança, não fazendo coisa julgada contra o impetrante, não impede o uso da ação própria.”

STF 381: “Não se homologa sentença de divórcio obtida por procuração, em país de que os cônjuges não eram nacionais.

STF 420: “Não se homologa sentença proferida no estrangeiro sem prova do trânsito em julgado.”

STJ 13: “A divergência entre julgados do mesmo Tribunal não enseja recurso especial.”

STJ 344: “A liquidação por forma diversa da estabelecida na sentença não ofende a coisa julgada.”

STJ 388: “A simples devolução indevida de cheque caracteriza dano moral.”

 

BIBLIOGRAFIA

 

Referências Nacionais 

SANTOS, Carlos Maximiliano Perei; Direito Intertemporal ou Teoria da Retroatividade das Leis. 2ª edição, Livraria Freitas Bastos S.A., 1955.

 
REALE, Miguel; Lições preliminares de direito. 27ª edição ajustada ao novo Código Civil, 6ª tiragem, São Paulo, Saraiva, 2006.

FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do Direito – Técnica, Decisão, Dominação. 6ª edição revista e ampliada, São Paulo, Atlas S.A., 2008.

RÁO, Vicente. O Direito e a Vida dos Direitos. 6ª edição, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2005.

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson; Direito Civil – Teoria Geral. 9ª edição, Rio de Janeiro, Editora Lumen Juris, 2011.

DINAMARCO, Cândido Rangel; Fundamentos do Processo Civil Moderno. 6ª edição, São Paulo, Malheiros Editores, 2010.

THEODORO JÚNIOR, Humberto; Curso de Direito Processual Civil, Volume I. 52ª edição, Rio de Janeiro, Editora Forense, 2011.

 

 

 

 

Referência Estrangeira

 

COUTURE, Eduardo Juan; Fundamentos del derecho procesual civil. 3ª edição, Buenos Aires - Argentina, Ediciones Delpalma Bueno Aires, 1997.