APLICAÇÃO DE ALÍQUOTAS DIFERENCIADAS EM RAZÃO DA ATIVIDADE ECONÔMICA DAS EMPRESAS. Mariana Bezerra Farias Sales (IC)*, Endrigo Suehiro Obara² *Universidade de Fortaleza – Curso de Direito. ([email protected]) ² Universidade Federal do Ceará – Curso de Direito Palavras-chave: Previdência. Alíquotas. Custeio. Igualdade. Resumo O legislador tem demonstrado frequente preocupação no que tange à adequação da cobrança previdenciária a atividades econômicas peculiares. Há estudiosos que pregam a inconstitucionalidade na alteração de bases de cálculo para certas atividades, opinião com qual não se coaduna esta pesquisa. Por conseguinte, o presente trabalho tem como objetivo analisar o teor do art. 195, §9º da Constituição Federal e apresentar um posicionamento sobre eventual violação ou não aos princípios da igualdade e da equidade no custeio da Seguridade Social por parte de aludida previsão. Nesse sentido, busca-se discutir o entendimento de que a atividade econômica da empresa pode ser fator suficiente para justificar um tratamento tributário diferenciado. Introdução A Emenda Constitucional nº 20/98 inseriu o §9º do Artigo 195 na CF/88, cuja previsão assegura um tratamento diferenciado às empresas no que tange às suas contribuições. A partir de então, surgiram discussões acerca desse dispositivo, haja vista que a atividade econômica ou a utilização intensiva de mão-de-obra em uma empresa passou a ser fator preponderante para a redução das alíquotas ou bases de cálculo. Diante desse cenário, é conveniente analisar certos conceitos inerentes ao tema a fim de alcançar um razoável entendimento. Ressalte-se, portanto, que “atividade econômica” é o meio através do qual há geração de riquezas, mediante a extração, a transformação e a distribuição de recursos naturais, de bens e de serviços, tendo como finalidade a satisfação das necessidades humanas. Outro ponto a ser explorado refere-se à noção de “princípios”, tendo em vista que muitos daqueles que regem o Direito, são aplicados, também, no estudo da Seguridade Social, como o da igualdade e o da legalidade. Soma-se, ainda, o da equidade na forma de participação no custeio, um dos princípios intimamente relacionados a esta pesquisa. No que tange à ideia de igualdade, dois conceitos têm que ser destacados, a saber: igualdade substancial e igualdade formal. Sabe-se que a igualdade substancial consiste no tratamento uniforme dos seres humanos. A igualdade formal, por seu turno, representa o direito de todos os indivíduos de não serem desigualados pela lei, salvo em caso de consonância com os critérios albergados constitucionalmente. Diante dessas premissas, este ensaio procurará demonstrar, de forma sucinta e objetiva, os principais argumentos daqueles que defendem a aplicação de alíquotas diferenciadas em razão da atividade econômica das empresas, assim como daqueles que criticam tal medida. Ressalte-se, também, que os princípios inerentes à Seguridade Social servirão como foco para o nosso posicionamento final. Metodologia O presente trabalho de pesquisa requer conhecimentos em direito constitucional e em direito previdenciário, apresentando como metodologia utilizada o levantamento bibliográfico de fontes nacionais, e legislações federais, tentando compreender as peculiaridades das contribuições previdenciárias previstas no art.195, §9º da Constituição Federal de 1988. Ademais, foi realizada coleta de dados específicos em páginas especializadas na rede mundial de computadores (internet), bem como em revistas jurídicas que abordam o tema em questão. Resultados e Discussão O Estado precisa de recursos para gerir e manter a estrutura da máquina do País, a fim de que possa cumprir com o seu papel de proporcionar aos cidadãos os serviços essenciais para o bem estar social. A cobrança de tributos é a principal fonte de arrecadação de receitas públicas, e é através de um sistema normatizado e coercitivo que o Estado retira parcela das riquezas dos particulares, como forma de custear as suas atividades. Nesse sentido, as contribuições sociais previstas no art. 195 da CF/88 constituem uma espécie de tributo vinculado, pois objetivam custear a previdência social. Diante desse cenário, o §9º do mencionado artigo prevê a possibilidade de tratamento distinto a empresas, tendo em vista, por exemplo, a sua atividade econômica, com o estabelecimento de alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas para tais contribuições, o que demonstra uma preocupação constante do legislador brasileiro com a adequação da cobrança previdenciária a certas atividades econômicas. Em razão disso, tem-se discutido acerca de uma possível violação desse dispositivo constitucional aos princípios da isonomia e da equidade na forma de participação no custeio. A priori, cumpre destacar que se entende por “princípios” aquelas normas dotadas de maior generalidade, abstração e que se vinculam a valores. São mandados de otimização, uma vez que se aplicam às possibilidades fáticas e jurídicas existentes. Ademais, referem-se a proposições básicas que fundamentam as ciências. Sob esse prisma, leciona Miguel Reale que “princípios são verdades fundantes de um sistema de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas também por motivos de ordem prática de caráter operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades da pesquisa e da práxis”. A doutrina e a jurisprudência posicionam-se no sentido de que o princípio da igualdade perante a lei exige que as normas jurídicas não contenham distinções que não sejam autorizadas pela própria Constituição Federal. O referido princípio consiste em tratar igualitariamente os desiguais na medida em que se desigualam. Portanto, o ordenamento jurídico do Brasil visa proteger igualdades e algumas desigualdades, desde que positivas com vistas ao bem comum. Algumas discriminações consistem em atos legitimados a fim de suprir uma desigualdade já existente. Celso Antônio Bandeira de Mello afirma que para as discriminações serem sustentadas perante a isonomia, são necessários quatro elementos, a saber: a desequiparação não pode atingir de modo absoluto a um só indivíduo; as situações têm que ser efetivamente distintas entre si; a correlação lógica entre os fatores diferenciais e o regime jurídico aplicado deve existir; e, ainda, o bem público deve sempre ser observado. Portanto, sendo a igualdade o alicerce de todo o sistema constitucional pátrio e princípio básico do regime democrático e do Estado de Direito, cumpre ressaltar que não são vedadas todas as diferenciações, mas sim aquelas que sejam arbitrárias e absurdas. Outro princípio inerente a esse estudo é o da equidade da participação no custeio, cujo norte baseia-se na própria ideia de igualdade e de justiça, estabelecendo que a contribuição deve se dar, principalmente, em razão da capacidade de cada sujeito. O legislador pretendeu, com isso, estabelecer padrões justos e razoáveis para todos os participantes do sistema, considerando, inclusive, o agente redistribuidor de renda. O §9º do art.195 da CF/88 foi inserido pela EC nº 20/98 e buscou adequar a cobrança previdenciária às diversas realidades existentes no meio econômico brasileiro. Assim, tal dispositivo visa materializar o princípio da equidade no custeio, este, por sua vez, derivado do princípio da isonomia. As críticas às alíquotas diferenciadas em razão da atividade econômica das empresas parecem, de certo modo, infundadas, haja vista que é razoável admitir que o legislador tenha abertura suficiente para, por exemplo, “premiar” com alíquotas reduzidas as atividades que empreguem grande mãode-obra, justamente como uma tentativa de incentivo à geração de empregos; tributando-se, ao revés, mais intensamente, os setores geradores de menos empregos, como no caso das instituições financeiras. Vale ressaltar, ainda, que o tratamento diferenciado, nesse caso, não ofende ao princípio da isonomia, pois os contribuintes encontram-se em diversidade de situações. No que tange à equidade no custeio, verifica-se também a conformidade do referido dispositivo, pois as alíquotas diferenciadas incidem somente sobre a remuneração paga aos segurados sujeitos a condições especiais. Além disso, a equidade exige que cada categoria de contribuinte seja chamada a participar do custeio conforme a sua capacidade contributiva e outras circunstâncias específicas, restando evidenciada, portanto, a observância a tal princípio. Ressalte-se, portanto, a ideia de que o art.195,§9º da CF/88, ao prever alíquotas diferenciadas para empresas em virtude da atividade econômica desempenhada, parece não infringir os princípios da igualdade e da equidade na participação do custeio. Esse entendimento torna-se razoável se, dentre outras circunstâncias, restar analisado o fator de geração de empregos, afinal aqueles que têm reduzida mão-de–obra, apesar de auferirem grandes lucros, como as instituições financeiras, em tese contribuiriam como menor valor. Diante disso, procurou-se um respaldo jurídico com intuito de equilibrar, ou seja, de corrigir o sistema. Todavia, é pertinente mencionar que tal questão teve reconhecida, recentemente, a sua repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal, porém o mérito ainda será discutido. Conclusão O permissivo constitucional presente no Art.195,§9º foi inserido de forma cuidadosa pelo legislador, haja vista a preocupação deste com os reflexos e com as conseqüências da determinação de alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas em razão da atividade econômica da empresa. Ressalte-se a existência de uma prévia análise do impacto atuarial, buscando a adequada aplicação dos princípios da igualdade e da equidade na participação no custeio, sem, contudo, criar simplesmente privilégios odiosos. Parece sensato atribuir contribuições mais significativas àqueles que lucram mais e que empregam menos mão-de-obra, justamente como forma de se buscar equilibrar o sistema e de promover um tratamento justo. Nesse cenário, há quem defensa que a igualdade de todos perante a lei é um princípio universal de justiça, o que remete à tese de que o isonômico é o justo. Além disso, as diferenciações vedadas são as que se referem a arbitrariedades, pois o tratamento desigual de casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência do próprio conceito de Justiça. Somente será lesado o princípio constitucional no caso de o elemento discriminador não estar a serviço de uma finalidade acolhida pelo direito. Diante disso, torna-se evidente a relevância do tratamento tributário diferenciado em razão da atividade econômica das empresas, não havendo qualquer ofensa aos princípios da igualdade e da equidade na forma de participação no custeio. Referências BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 42ed. São Paulo: Saraiva, 2009. BRASIL. EC 20/98, de 15 de dezembro de 1998. Brasília, DF: Presidência da República. CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. 7ª Ed. São Paulo: LTR, 2006. DIAS, Eduardo Rocha; MACÊDO, José Leandro Monteiro de. Curso de Direito Previdenciário. São Paulo : Método, 2008. GOES, Hugo Medeiros. Manual de Direito Previdenciário – Série Concursos. 5ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Ferreira, 2011. KRAVCHYCHYN, Gisele LemosEmenda Constitucional nº 20/98: aplicabilidade do novo limitador de pagamento previdenciário aos benefícios concedidos em data anterior a 16/12/1998. Jus Navigandi, Teresina. Disponível em: . Acesso em: 8 abr. 2012. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. São Paulo: Malheiros, 3ª ed, 1993 REALE, Miguel. Lições preliminares de Direito. São Paulo: Saraiva, 2002. TAVARES, Marcelo Leonardo. Direito Previdenciário. 12ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2010. Agradecimentos Este trabalho foi possível graças ao incentivo, ao apoio e à orientação da Dra. Tarin Cristino Frota Mont’Alverne.