Leyla Viga Yurtsever*

RESUMO

O objetivo deste artigo é descrever os crimes eleitorais, seus tipos e penas aplicadas. O Código Eleitoral aplicado conjuntamente com o Código de Processo Penal fez com que os crimes eleitorais sejampunidos com maior severidade. As penas previstas são de ordem econômica ou restritiva de liberdade. Em ambos os casos o Código Eleitoral específica as regras, prazos e cálculo de valores a serem aplicados. Este agravamento dá-se pelo fato de que tais crimes afrontam o Estado em seu processo constitutivo, bem como toda sociedade que poderá ter seus direitos políticos cerceados ou diminuídos.

Palavras-chave: Crimes Eleitorais, Código Eleitoral, Direito Eleitoral.

INTRODUÇÃO

O tema crimes eleitorais vem se destacado na atualidade e recebendo dos operadores do direito importantes reflexões dado os últimos acontecimentos no cenário político nacional. É possível afirmar ainda que este posicionamento tem vinculação direta com o aperfeiçoamento da legislação eleitoral e a liberdade política exercidas e consagradas no Estado Democrático de Direito.

Crimeseleitoraisinscrevem-se atualmente como uma das formas mais aviltantes ao Estado e a sociedade, sendo puníveis tanto pelo código eleitoral quanto pelo Código de Processo Penal. Tal agravamento mostra-se pelo obstaculização do eleitor e do candidato de participar dos negócios políticos do Estado, os quais são assegurados pela Constituição Federal como direitos políticos natos exercidos ativa e passivamente através do sufrágio.

A cada pleito eleitoral se verifica uma crescente de violações ao processo eleitoral fazendo com que o Estado também evolui-se em seu aspecto punitivo, pois ao fracassarem as regras e princípios eleitorais, desponta o Jus Puniendi Estatal capaz de garantir a coação e coerção contra tais comportamentos, necessárias à tutela dos interesses do povo. A complexidade e gravidade dos ilícitos penais eleitorais, portanto, requerem uma drástica e pronta resposta do Estado aos que perturbam e ofendem, por seus comportamentos a democracia, a representação e o Estado de Direito.

É ponto pacífico no arcabouço jurídico que qualquer atitude que possa violar o exercício pleno da cidadania precisa ser coibido, preservando-se a liberdade de escolha como uma dimensão dos direitos fundamentais do homem, proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, tendendo a realizar a igualização de situações sociais desiguais. São, portanto, direitos que se ligam ao direito de igualdade. Valem como pressupostos do gozo dos direitos individuais na medida em que criam condições materiais mais propiciais ao auferimento da igualdade real, o que, por sua vez, proporciona condição mais compatível como o exercício efetivo da liberdade.

TIPIFICAÇÃO E APURAÇÃO DE CRIMES ELEITORAIS

Como todo delito, crimes eleitorais podem ser classificados como ações divergentes à regra jurídica eleitoral estabelecida, perpassando todas as fases envolvidas no processo eleitoral. Unânime é o entendimento de que são considerados crimes eleitorais os que buscam atingir as eleições em  qualquer das suas fases, desde a inscrição do eleitor até a diplomação do postulante ao cargo público.

Embora o conceito seja ponto pacífico sua natureza jurídica não é. Conforme Ribeiro (2000) crimes eleitorais podem ser classificados como crimes políticos, sendo uma subdivisão destes ao lado dos crimes militares, o que justifica existirem duas justiças especializadas competentes para julgar e processar, a Eleitoral e a Militar.

Não obstante, tais delitos se mostram como obstruções ao exercício democrático da sociedade na construção e administração da nação, em sua manifestação prática na escolha de seus representantes àquelas instituições democráticas amparadas no sistema jurídico nacional. O crime eleitoral é, portanto, um delito político porque, além de violar ou atentar contra o direito político do cidadão, é uma ameaça ou lesão ao próprio Estado Democrático de Direito.

O descritivo dos crimes e as respectivas penas, bem como o processo de apuração e demais fases estão disciplinados nas leis eleitorais, dentre as quais o Código Eleitoral (artigos 289 a 354), a Lei de Inegelibilidades, Lei Geral das Eleições (Lei Complementar n. 64/90) e a  Lei dos Partidos Políticos. Decorrente desta ampla legislação é forte a corrente doutrinária que classifica os crimes eleitorais como crimes especiais, por não estarem contemplados nos Código Penal ou Código de Processo Penal.

Tal posição não é compartilhada pelo Superior Tribunal Federal que "considera os crimes eleitorais como crimes comuns" (RTJ 33/509; 63/5-6) esta é a orientação jurisprudencial firme. Não se situam entre os demais crimes políticos, como os relacionados com a segurança nacional e, portanto, não têm nem o rito processual nem as penalidades a estes relativas.

Considerando a natureza dos crimes eleitorais e sua vinculação com a estabilidade política nacional mostra-se correta a outorga de competência dada a Polícia Federal, que é a polícia judiciária da União, para apurar quaisquer considerados como lesivos ao processo eletivo nacional. Sua atuação poderá ser complementada com a atuação da Polícia Militar e Polícia Civil, conforme solicitação da Justiça Eleitoral.

De acordo com o caput do artigo 6º do Código Penal a denúncia de crime eleitoral é facultada a qualquer cidadão que poderá apresentá-la ao juiz eleitoral do lugar crime. Havendo prerrogativas funcionais decorrentes de exercício de cargo público tal denúncia deverá ser remetida aos tribunais superiores, observando rito processual disposto na Lei 8.038/90 por força da Lei 8.658/93.

Neste diapasão, Deputados Federais e Senadores tem foro privilegiado sendo invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos. No entanto, tal regra foi derrocada por meio do § 3º, artigo 53 da Constituição Federal, que estabelece uma regra de moratória processual. Na prática este dispositivo possibilitou ao Supremo Tribunal Federal ou Tribunal de Justiça apenas comunicar as casas legislativas quando acatar denúncia contra o parlamentar.

PENA E PROCESSO PENAL NOS CRIMES ELEITORAIS

Aplicam-se aos crimes eleitorais penas restritivas de liberdade ou pecuniárias, sendo que o Código Eleitoral estabelece limites máximos e mínimos, para ambas as sanções, de forma divergente do Código Penal. Na ausência tácita destes limites em que "este Código não indicar o grau mínimo, entende-se que será ele de 15 dias para a pena de detenção e de 01 ano para a de reclusão" (CÓDIGO ELEITORAL, ARTIGO 284).

Em havendo sentença condenatória em tempo inferior ao estipulado no referido artigo, torna-se necessário uma adequação a norma jurídica, sob pena de erro material e inexistência da pena. Neste caso é preciso que a pena se harmonize ao disposto no referido artigo. Em sentido contrário, o Código Eleitoral também dispõe sobre o quantum que agrava ou atenua a pena, em seu artigo 285, especificando que "quando a lei determina a agravação ou atenuação da pena sem mencionar o quantum, deve o juiz fixá-lo entre 1/5 (um quinto) e 1/3 (um terço), guardados os limites da pena cominada ao crime."

Em seu artigo 286 o Código Eleitoral estipula as regras básicas para o cálculo da sanção pecuniária dos crimes eleitorais, em que "a pena de multa consiste no pagamento ao Tesouro Nacional, de uma soma de dinheiro que é fixada em dias-multa. Seu montante é, no mínimo de 1 (um) dia-multa e, no máximo, 300 (trezentos) dias-multa".

Considerando que o Estado é o sujeito passivo imediato da violação de direito o instrumento jurídico cabível nesta circunstância é a ação penal pública. Firme-se neste entendimento que o Estado será a instituição de direito público a sofrer o dano imediato, pois, de si emanam todas as prerrogativas constitucionais que possibilitam a formação do ambiente eleitoral. Desta feita, torna-se imputável criminalmente aquele que ferir sua autoridade com condutas antijurídicas, delituosas e estranhas aos direitos políticos da sociedade.

Tal reprovação pelo Código Eleitoral torna-se ainda mais severa ao estipular em seu artigo 364 a aplicação subsidiária ou suplementar do Código de Processo Penal aos crimes eleitorais. Ratifica desta maneira o espírito a ser perseguido no pleito eleitoral, que é de preservar o exercício da cidadania, a liberdade de escolha e as instituições do Estado Democrático de Direito.

Este exercício se inicia pelo oferecimento de denúncia pelo Ministério Público Eleitoral das ações consideradas lesivas ao processo eleitoral, ou por qualquer cidadão (artigo 356, CE) que poderá comunicar ao Juiz da Zona o ilícito eleitoral de forma verbal ou escrita, sendo encaminhada ao Ministério Público, que determinará as diligencias necessárias à formação da sua opinio delicti.

Oferecida e recebida a denúncia, o acusado será citado para, querendo, contestar em 10 dias, facultado requerer diligências, juntar documentos e rol de testemunhas. Passada a exordial, ou extinguido o prazo in albis, o juiz marcará audiência de instrução para oitiva das testemunhas, determinará, de ofício, ou a requerimento, as diligências importantes. Não há interrogatório. Após, abre vistas à acusação e à defesa, cada qual em 05 dias, para oferecimento das alegações finais. Ao final, serão os autos conclusos ao Magistrado, para proferir sentença em 10 dias.

Em geral, as decisões do Tribunal Superior Eleitoral são irrecorríveis, conforme exposto na Constituição Federal. A exceção apenas aquelas que se mostrarem frontalmente contrárias a Constituição e os denegatórios de Habeas Corpus e Mandado de Segurança (§3º, art. 121, CF).

Com a adição da Lei 9.099/95 os crimes eleitorais passaram a ser julgados com maior celeridade, oralidade, informalidade e economia processual, conforme disposto no artigo 61 que disciplinou como sendo de competência dos Juizados Especiais Criminais a conciliação, o julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo, assim compreendidas as contravenções penais e os crimes a que a lei cominasse pena máxima não superior a um ano, excetuados os casos em que fosse previsto procedimento especial.

Posteriormente a Lei 10.259/01 faz surgir os Juizados Especiais na Justiça Federal, em seu parágrafo único, art. 2º traz um novo conceito para as infrações penais de menor potencial ofensivo, onde "consideram-se infrações de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, ou multa." Este novo conceito de infração de menor potencial ofensivo juntamente com a ausência de legislação mais específica quanto a sua extensão no âmbito estadual, tem suscitado diversos debates.

Tal indefinição tem feito com que os crimes eleitorais, que somam mais de 60, sejam inscritos como infrações de menor potencial ofensivo, conforme artigo 89 da lei 9.099/95, garantindo a suspensão do processo e culminando quando muito no pagamento de multa e suspensão dos direitos passivos do infrator. Neste caso, há que se observarque os condenados criminalmente, com sentença transitada em julgado, pelaprática de crimes contra a economia popular, a fé pública, a administraçãopública, o patrimônio público, o mercado financeiro, por crimes eleitorais e portráfico de entorpecentes, permanecerão inelegíveis por três anos após ocumprimento da pena (artigo 1º, inciso I, alínea "e", da Lei Complementar n. 64/90).

Dentre os crimes eleitorais observados com maior freqüência está o descrito no artigo 299 do Código Eleitoral que trata da corrupção ativa e passiva. Diferentemente do Código Penal, a corrupção eleitoral é vista sob um único prisma no tocante as partes envolvidas. Assim, oferta de qualquer benefício em troca de voto ou sua solicitação em troca de vantagem é configurada como crime de corrupção eleitoral e passível de reclusão de liberdade e multa pecuniária em igual peso para as partes.

Tal rigorosidade é vista com certa injustiça ao se considerar as condições sociais e econômicas da grande maioria da população que em épocas eleitorais vê-se acossada com as mais diversas promessas de vantagens por aqueles que eleitos não se sentem compelidos a cumprir tais promessas. Maior indignação ainda é o fato de que a grande maioria dos infratores eleitorais sequer chegam a sofrer qualquer pena de reclusão de liberdade, tendo suas multas convertidas em cestas básicas.

CONCLUSÃO

O fortalecimento das instituições políticas nacionais mostram-se totalmente incompatíveis com crimes eleitorais que visem macular o exercício e liberdade de escolha da sociedade quanto aos seus representantes. Burlar as normas eleitorais mostra-se não apenas antidemocráticas, mas principalmente reprováveis penal e judicialmente.

O Estado, no exercício de seu direito de punir ações consideradas desviantes ou lesivas a norma constitucional, tem aperfeiçoado os instrumentos judiciais anexado ao Código Eleitoral o Código de Processo Penal. Essa rigorosidade mostra-se compatível com o prejuízo causado pela conduta criminosa, haja vista que na maioria dos tipos penais eleitorais o dano estende-se a toda a sociedade e a organização do Estado Democrático de Direito.

O Brasil insere-se não apenas num Estado de Direito, mas Democrático o que exige tratamento igual a todos, não podendo subsistir privilégios aqueles que comentem crimes eleitorais, ainda mais considerando a posição de servidores públicos da grande maioria dos infratores.

Uma legislação mais rígida para coibir a prática de novos delitos juntamente com a conscientização da população sobre da necessidade de denunciar os criminosos eleitorais e exercer sua cidadania com responsabilidade certamente que poderão consolidar a democracia nacional.

REFERÊNCIAS

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* Coordenadora do Curso de Especialização em Direito Eleitoral e Professora de Direito Penal do Curso de Segurança Pública da Universidade do Estado do Amazonas, Mestre em Gestão e Auditoria Ambiental pela Universidade de Leon, com especialização em Direito Penal e Processo Penal.