Aplicação cristã do Salmo 92 (Cântico do justo)

Joacir Soares d’Abadia*

 

Salmo 92

1 Salmo. Cântico. Para o dia de sábado.

2 É bom celebrar a Iahweh                           

e tocar ao teu nome, ó Altíssimo;                             

3 anunciar pela manhã teu amor                   

e tua fidelidade pelas noites;                                    

4 com a lira de dez cordas e a citara,                                   

e as vibrações da harpa.

5 Pois tu me alegras com teus atos, Iahweh,                                   

eu exulto com as obras de tuas mãos:                                  

6 "Quão grandes são tuas obras, ó Iahweh,                         

e teus projetos, quão profundos!"                            

7 O imbecil nada compreende,                                 

disso nada entende o idiota.

8 Ainda que os ímpios brotem como erva,                           

e todos os malfeitores floresçam,                             

eles serão para sempre destruídos,                           

9 e tu, Iahweh, tu és elevado para sempre!

10 Eis que teus inimigos perecem,                           

e os malfeitores todos se dispersam;                        

11 tu me dás o vigor de um touro     

e espalhas óleo novo sobre mim;                              

12 meu olho vê aqueles que me espreitam,                          

meus ouvidos escutam os malfeitores.

13 O justo brota como a palmeira,                           

cresce como um cedro no Líbano.

14 Plantados na casa de Iahweh,                             

brotam nos átrios do nosso Deus.

15 Eles dão fruto mesmo na velhice,                                   

são cheios de seiva e verdejantes,                            

16 para anunciar que Iahweh é reto:

meu Rochedo, nele não ha injustiça.

 

 

Vocabulário

 

ryvi absoluto singular masculino comum do substantivo.

1. Canção lírica, + lv'm; feliz; triumphal; canção de amor; ruidoso.

ryVih; tAnB. songstresses (prob. pássaros).

 2. Canção religiosa, na adoração; en y- títulos; twl [ryv del Mh canções do peregrino (V. II. hl'[] m;); c. rAmz> milla (V. 'zmi).

3. especifique. canção dos coros de Levítico, com o acompanhante musical; ryv (h) ylk instrumento para acompanhar a canção (V. yliK. 2 b).

 

hr'yvi Terra nova. canção- canção, oda.

tB'v; campo comum de substantivo absoluto singular

 

tB'v; Terra nova. m. (bajo infl. de ~Ay en freq. 'vh; ~Ay) Sabbath (= t + tbv)

1. sabbath:

a. primitivo hwhyl 'v; no sétimo dia tB'V ~Ay; h;; época da troca do relógio do no templo; orig. observado simplesmente cerca abstinência do  trabalho.

b. Deut. a razão do dia é marco de délivrance. Egito, por tanto, sua consagração.

c. intensificado por el antith.

d. reclinação dos dias da base; 'h; ~AyB. Hh; ~AyB. em cada sabbath, abbr. tB'v; tB; v;; trabalho castigado empenhando; proibição comercial.

 

2. dia  do  atonement é a ¡! AtB'v; tB; v;.

3. ano do  sabbath, ¡! AtB'v; tB; v;.

4. = semana (?).

5. #r, tB del a'h; v; = produto no ano do sabbath (crescimento de si mesmo).

 

 

Autoria e composição

O salmo 92 que, de acordo com seu cabeçalho era usado no judaísmo tardio no culto público do sábado, originou-se ele próprio na literatura da comunidade, onde era recitado com música como hino e cântico de ação de graça como no v. 4: “com a lira de dez cordas e a citara, e as vibrações da harpa”.

Em sua composição o primeiro que se pode observar é uma inclusão formal dos versículos 2 e 16, formada pelo tema e pela repetição de lhgyd.

O que podia ser simples introdução do hino cresce até formar uma parte, um hino minúsculo: canto e motivação. O nome Yhwh pronuncia-se três vezes, a primeira em paralelo com ‘lywm. No v. 7, com seu demonstrativo serve de transição: é o desígnio, é sua descrição.

No centro do salmo, portanto, encontramos uma disposição paralela:

8-10 O Senhor eleva-se glorioso sobre seus inimigos aniquilados.

11-12 O orante eleva-se triunfante sobre seus inimigos vencidos. A vitória do orante é triunfo de Deus: o orante não canta suas proezas pessoais, mas as de seu Deus. A vitória do orante articula-se em dois momentos: ver e ouvir, de modo que o ouvir sirva de introdução aos versículos restantes (Análise filológica).

 

 

Gênero literário

 

O tom jubiloso, o acompanhamento musical e a motivação que são as obras divinas dizem-nos que neste salmo temos um hino. Abre-se com um canto, encerra-se com uma proclamação dyGIh;l. (lhgycl). Alguns aspectos pouco comuns conferem-lhe seu perfil individual:

— O primeiro é que tematiza o gozo e o ato de louvar.

— Outra peculiaridade é a veia sapiencial. Explicita o versículo 7, a partir do qual se precisa o anterior e se descobre o estilo sapiencial da comparação vegetal, o uso de “honrado” (çdyq) como categoria, a retribuição constrastada de maus e bons.

 

Exegese[1]

 

A forma do começo é muito cuidada. Além da aliteração, já apontada, convém escutar o ritmo. Tomando nossa acentuação usual do hebraico e representando com o sílaba átona e com ó sílaba tônica, a fórmula é a seguinte: ó ooó ooó ooó.

v. 2 Esse é o único salmo que começa com o adjetivo bAj “bom”, numa declaração de valor que se aproxima da bem-aventurança ou macarismo. O mais próximo é o SI 147: “Louvai ao Senhor (halelûYâh) , pois é bom tocar para o nosso Deus”. O nome divino Yhwh soará no salmo sete vezes.

v. 3. As virtudes de Deus escolhidas são lealdade e fidelidade, uma parelha corrente. Não tiraríamos sentido especial dela se não dispuséssemos do antecedente do Sl 89, onde têm função importante. O ritmo poético do paralelismo ajusta-se ao ritmo sideral de noite e dia.

v. 4. Dos instrumentos citados não sabemos muito. O primeiro tem o nome de dez, talvez o número de cordas; os outros são lira e harpa (só corda). O termo !AyG"hi ((((((hgywn) sugere um rumor ou murmúrio como de sussurro.

v. 5-6. Ações e projetos. É importante observar a distribuição das peças no quaternário: ação/ obras / obras / desígnios. Formalmente, a última tem que equilibrar três peças de ação. O homem é capaz de sentir gozo e admiração ao perceber ou descobrir a ação de Deus na vida, mas chega um momento em que da ação sobe ao projeto ou desígnio.

v. 7. Sirvam de comentário alguns versículos: Dt 32: “Se fossem sensatos, o entenderiam, compreenderiam seu destino” e com respeito aos agressores, insiste Mq 4,12: “Não entendem os planos do Senhor, não compreendem seus desígnios”.

v. 8-10. Isso é o que o néscio não entende, e ele o entendeu e o pode explicar e cantar. No meio o Senhor, sublime e eterno (l’wlm: definitivo e indefinido).

v. 11-12. A vitória humana prolonga e manifesta a divina. A sega da sentença hebraica significa “estou misturado / untado com óleo fresco ou seja, não rançoso. Untar com óleo era costume litúrgico (38 vezes): o pão sai mais mole e saboroso, conserva-se melhor. O orante sente, junto ao vigor da cornamenta que se eleva, a flexibilidade dos músculos “untados com óleo”; também poderíamos traduzir por “massagem” (que vem de massa, como amassar). Nunca bll significa ungir.

v. 12. Ainda que olhos estejam em paralelo com ouvidos e ver com ouvir, as peças não são de todo paralelas. Existem verbos de ver com significam gozar de, desfrutar de; não existem verbos de ouvir com b- o significado equivalente.

13-16. çdyk vai sem artigo, como é costume em Provérbio. Aí desfrutam de vitalidade e louçania que não cede à velhice. Como na nova criação de Is 65:

20 será jovem quem mqrrer aos cem anos

22 os anos de meu povo serão os de uma árvore.

 

 

Aplicação cristã

 

Um texto tardio diz: “Realizastes maravilhas, desígnios antigos, firmes e seguros”. Apliquemos o tema ao destino de Cristo. Humanamente falando, sua morte é “um escândalo e uma estultícia” (lCor 1,23). Na realidade, corresponde a um desígnio admirável de Deus.

É “misterioso”, o néscio não o compreende e o declara nescidade. Deus revela seu desígnio completo na ressurreição, e o Espírito faz compreender o mistério, e quem

o compreende “enche-se de gozo”. Porque “o profundo de Deus” só é conhecido pelo Espírito de Deus (iCor 2,11) que o ensina a “homens de espírito”. Jesus Cristo venceu seus inimigos e “está exaltado para sempre”.

O último inimigo que tem que debelar é a morte (1Cor 15,26). Quem são “inimigos de Deus e de Cristo? São Tiago dirá que “quem decide ser amigo do mundo faz-se inimigo de Deus (Tg 4,4): mundo representa neste texto o sistema de valores opostos aos que Cristo propõe.

Em suma, à imitação de Cristo, também o cristão sofre a perseguição de inimigos perversos, em particular dos inimigos interiores “que batalham contra o Espírito” (lPd 2,11). Ainda que o mistério do desígnio divino sobre a paixão de Cristo já tenha sido revelado, ao vivê-lo em sua carne, torna-se enigmático ao homem fraco. Precisa escutar uma voz que lhe assegure: o que está plantado na casa de Deus, que é a Igreja, crescerá vigoroso e viçoso até ser transportado para a casa definitiva do Pai, “conforme o projeto daquele que atua segundo seu plano e desígnio” (Ef 1,11).

 

*Fez Filosofia no SMAB; escreve mensalmente na coluna “Filosofando” do jornal “Alô Vicentinos” e têm várias obras publicadas em sites e jornais.

 

Bibliografia

 

SCHOKEL e CARNITI. Salmos II (Sl 73-150): grande comentário bíblico. Tradução de: João Rezende Costa. São Paulo: Paulus, 1998, p. 1169-1177.

 

WEISER, A. Os salmos. Tradução de: Edwino A. Royer e João Rezende Costa. São Paulo: Paulus, 1994, p. 469-471.

 



[1] A. H. Golbey, The Uni com in the OT, AJSLL 56 (1939) 156-296. J. Klotz, Notes on fite Unicorn, ConTM 32 (1961) 286-287. N. M. Sarna, The Psalm for the Sabbath Day, JBL 81(1962) 155-168. H. Donner, Ugaritismen in der Psalnzenforschung, 2.4W 29 (1967) 34 346. M. Dahood, Ps 32,5; 77,14; 92,10; 118,24, Bib 52 (1971) 117-123. S. E. Loewenstamm, Bafloti beshümãn ra’anan, UF 10(1978) 111-113. J. Magonet, Some concentric structure iii Psalms, HeyJ 23(1982) 369-372. Th. Booij, The Hebrew text of Ps 92,11, VT 38 (1988) 210-214.