Autores (as): Wandro Longuinho Amaral – Acadêmico de Direito na Faculdade de Ilhéus - CESUPI

Marcos Antônio Nascimento Almeida – Acadêmico de Direito na Faculdade de Ilhéus - CESUPI

Rafael Costa Oliveira Coelho – Acadêmico de Direito na Faculdade de Ilhéus – CESUPI

Orientador (a): Taiana Levinne Carneiro Cordeiro

Área do Direito: Direito Penal

 

Aplicabilidade dos princípios penais humanitários na ótica do filme A vida de David Gale

Resumo

O presente artigo tem como objetivo explorar os princípios do Direito Penal Brasileiro que se enquadram na temática do filme “A vida de David Gale”, que se trata de uma obra dramática dirigido por Allan Parker, tendo como protagonistas Kevin Spacey, Kate Winslet e Laura Linney. A temática que é posta em questão se tratar de um assunto muito debatido por ser uma sanção de natureza desumana que atinge veementemente o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, o enredo do filme trata necessariamente da forma falha que o Estado condena um indivíduo a pena de morte sendo que este após ser cumprida a sanção teria o seu direito a vida acabado.        

Palavras-chave: Princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Pena de morte. Execução pelo crime de estupro e homicídio.

Abstract: This article aims to explore the principles of the Brazilian Penal Law that fit the theme of the film "The Life of David Gale," that this is a play directed by Allan Parker and having as Kevin Spacey protagonists, Kate Winslet and Laura Linney. The theme that is called into question it is a subject hotly debated for being a sanction of inhuman nature that strongly affects the constitutional principle of human dignity, the film's plot necessarily the fault so that the State condemns an individual's worth death and this after being fulfilled the sanction would have finished their right to life. 

 Keywords: Constitutional principle of human dignity. Death penalty. Execution by the rape and murder crime.

Sumário: 1. Histórico da aplicação da pena de morte 2. Crimes supostamente cometidos por David Gale 3. Princípios penais brasileiros infringidos

 

Introdução

A pena capital é tão antiga quanto o próprio ser humano, tendo sido utilizada de forma socialmente legitimada e legalmente apoiada ou mesmo de forma criminosa, como é o caso das execuções realizadas pro grupos criminosos. Do Império Romano, com as mortes pro crucificação, afogamento, linchamento e empalação, até os corredores da morte dos anos modernos, que executam por injeções letais, enforcamento ou por cadeira elétrica, as penas capitais já foram usadas por um gigantesco número de nações. Hoje, entretanto, ela é adotada em poucos países.

Os crimes passíveis de serem julgados como dignos de pena de morte são variados e mudam de acordo com o período histórico, o contexto sociocultural da nação e sua Constituição legal. O argumento que comumente fundamenta a pena de morte está associado às idéias de punição por parte daqueles que acreditam que um crime deve ser punido na mesma proporção de sua gravidade. Logo, o assassinato deve ser punido com a morte. Além disso, há também idéia oriunda de grupos mais radicais de “higienização social”, ou seja, a limpeza social por intermédio do extermínio dos considerados ineptos a viver em sociedade como solução para a miséria e a pobreza. Alguns também acreditam que a pena de morte possa estabelecer um exemplo para os criminosos, inibindo e desencorajando crimes entendidos como hediondos. [1]  

1.    Histórico da aplicação da pena de morte

No passado, a pena de morte foi amplamente aplicada. Os egípcios a admitiam para todos os crimes. Os hebreus e babilônios também faziam uso dessa medida em larga escala, Beccaria foi um dos defensores do fim da pena de morte, sendo a favor da privativa de liberdade, dando como fundamento da pena se tratar de uma forma de punir o crime cometido na medida de sua culpabilidade tendo em vista a defesa da dignidade do ser humano.        

Este sistema político teve origem na Grécia Antiga em 1750 a.c., onde o código Draconiano e Hamurabi decretavam, que a punição aos indivíduos que cometiam crimes era a Pena de morte. Deste modo, esta sentença foi considerada pelo poder político uma solução aos problemas políticos decorrentes na época. Nesta ideologia, a pena de morte ainda é aplicada em muitos países. [2]

Assim, no contexto histórico a Idade Média foi uma continuação deste sistema político. Esta época foi pródiga de execução desde os delinqüentes até aos criminosos políticos. A instituição que nesta época teve um papel fundamental na aplicação da pena de morte foi a inquisição, do qual eliminava e condenava os hereges, porque eles não aceitavam o funcionamento civil e eclesiástica, ou seja, os hereges incitavam a renúncia á medicina e á completa abstinência sexual, inclusive no casamento e também promoviam o aborto. Durante a atuação da Santa Inquisição em toda a Idade Média, a tortura era um recurso utilizado para extrair confissões dos acusados de pequenos delitos, até crimes mais graves. Diversos métodos de tortura foram desenvolvidos ao longo dos anos, os métodos de tortura mais agressivos eram reservados àqueles que provavelmente seriam condenados à morte. [3]

A Constituição Federal de 1988 proíbe a pena de morte, exceto se o crime for cometido em tempos de guerra. O art. 5º, inc. XLVII dispõe:

Art. 5º - (...):

XLVII - não haverá penas:

a) de morte, salvo em caso de guerra declarada.

Na atualidade a pena de morte é aceita em alguns países tendo como principais justificativas a nítida eficácia na finalização do crime cometido por aqueles indivíduos que não tiveram a capacidade de agir em respeito às normas que regem a sociedade, dentre as principais justificativas para a aplicação da pena capital se destaca; A certeza que o criminoso não cometerá mais crime; a pena de morte se torna mais barata do que a manutenção do indivíduo no sistema carcerário; ajudaria reduzir o problema da lotação nos presídios.

 

2.    Crimes supostamente cometidos por David Gale

Gale foi condenado à execução pelos crimes de estupro e homicídio contra a sua colega de trabalho Constance. Sobre os crimes citados no direito americano no qual ele foi condenado as chances de se arrepender e de ser ressocializado seria nula, como traz a discussão principal do filme ele foi condenado a pena capital segundo as normas regidas pelo Estado em que ele cometeu o crime. A problemática em sua essência questiona a teor altamente desumano e degradante desse sistema que se divide em crimes com penalidade mais severa e menos severa como explica o professor universitário e pós-doutor pena Universidade de Boston Arnaldo Godoy “O sistema americano trata-se de um modelo normativo híbrido, com fontes na common law e no direito legislativo. Os crimes dividem-se quanto à pena, e não quanto à intencionalidade. Por isso a summa divisio em felonies (crimes com penalidade mais severa, inclusive pena de morte), crimes com penalidade menos severa, os elementos identificadores dos fatos reprováveis dividem em atos e omissões criminosas em voluntariedade e em causalidade. Vários crimes há em espécie. Murder-é o homicídio voluntário. Manslaughter-é o homicídio involuntário, mas não necessariamente o culposo da sistemática continental”. Destaca-se a origem do modelo jurídico common law, bem como traçar breves diferenciações com relação a tradição do civil law, para posteriormente adentrar na temático do direito em si, a fim de propiciar uma melhor compreensão acerca do Direito Penal em solo norte-americano. [4]

Tanto o Brasil como os Estados Unidos têm sua justiça baseada em preceitos constitucionais, porém no Brasil vislumbra-se maior vinculação com a Constituição de 1988, em razão de sua estrutura rígida. A nação norte-americana foi fundada a partir de três documentos básicos que compõem o sistema constitucional, conforme destaca Castro Júnior: “A Declaração da Independência, a Constituição Federal de 1787 e o Bill os Rights, sendo que para Castro Júnior o sucesso da Constituição norte-americana repousa na sua flexibilidade”. O Poder Judiciário americado, adepto do common law, possui uma Constituição enxuta, uma carta de princípios, e seu direito baseado em casos, onde cada decisão se torna jurisprudência por ser a expressão da moral da sociedade naquele momento. Segundo a ótica presente no direito norte-americano expressa nos trechos acima diferentemente do sistema penal brasileiro o juiz obtém uma liberdade maior para aplicar a sanção que ele bem achar devida. Com relação aos crimes citados, estão previstos na legislação penal brasileira nos artigos 213 e 121 do código penal, trazendo uma punição para os mesmos, diferente dos previstos na legislação Americana. [5]

O crime de estupro, em seu texto legal, trás os requisitos de violação ou grave ameaça, como mostra o tal em sequência:

Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)

Pena – reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)

§1º Se a conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos:

Pena – reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos.

§2º Se a conduta resulta morte:

Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos

O crime de homicídio no Brasil está normatizado pelo artigo a seguir:

Homicídio simples

Art. 121. Matar alguém:

Pena – reclusão de seis a vinte anos.

Caso de diminuição de pena

§ 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, ou o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.

Homicídio qualificado

§2º Se é cometido:

I – mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe;

II – por motivo fútil;

III – com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel que possa resultar perigo comum;

IV – à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido;

V – para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime;

Pena – reclusão, de doze a trinta anos.

Homicídio culposo

§3º Se o homicídio é culposo:

Pena – detenção, de uma três anos.

Aumento de pena

§4º No homicídio culposo, a pena é aumentada de 1/3 (um terço), se o crime resulta da inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as consequências do seu ato ou foge para evitar prisão em flagrante. Sendo doloso o homicídio, a pena é aumentada de 1/ 3 (um terço) se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (quatorze) ou maior de 60 (sessenta) anos.

§5º - Na hipótese de homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária.

§6º A pena é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado por milícia privada, sob o pretexto de prestação de serviço de segurança, ou por grupo de extermínio.    

Os artigos acima citados estão em concordância com o princípio da proporcionalidade respeitando a condição natural do ser humano errar e pagar pelo seu erro de forma coerente ao seu ato, o emérito professor Michel Foucault já defendia a humanização: “No fim do século XVIII e começo do XIX, a despeito de algumas grandes fogueiras, a melancólica festa de punição vai se extinguindo. Nessa transformação, misturam-se dois processos. Não tiveram nem a mesma cronologia nem as mesmas razões de ser. De um lado, a supressão do espetáculo punitivo. O cerimonial da pena vai sendo obliterado e passa a ser apenas um novo ato de procedimento ou de administração. A confissão pública dos crimes tinha sido abolida na França pela primeira vez em 1791, depois novamente em 1830 após ter sido restabelecida por breve tempo; o pelourinho foi supresso em 1789; a Inglaterra aboliu-o em 1837. As obras públicas que a Áustria, a Suíça e algumas províncias americanas como a Pensilvânia obrigavam a fazer em plena rua ou nas estradas – condenados com coleiras de ferro, em vestes multicores, grilhetas nos pés, trocando com o povo desafios, injurias, zombarias, pancadas, sinais de rancor ou de cumplicidade – são eliminadas mais ou menos em toda parte no fim do século XVIII, ou na primeira metade do século XIX. O suplício da exposição do condenado foi mantido na França até 1831, apesar das críticas violentas ela é finalmente abolida em abril de 1848” [6]   

3.    Princípios constitucionais brasileiros infringidos            

O termo “pena” se origina do grego pione, pelo latim poena que significa castigo ou punição, o renomado professor de direito penal Fernando Capez define a pena como sendo “Sanção penal de caráter aflitivo, imposta pelo Estado em execução de uma sentença, ao culpado pela prática de uma infração penal, consistente na restrição ou privação de um bem jurídico, cuja finalidade é aplicar a retribuição punitiva ao delinquente, promovendo a sua readaptação social e prevenir novas transgressões pela intimidação dirigida à coletividade”. [7]

A dignidade da pessoa humana possui uma órbita muito grande no seu patamar de atuação, tendo assim uma conotação reguladora dos demais princípios do Direito. Assim, tem-se a dignidade de um caráter universal, comportando-se como valor indispensável e irrenunciável do ser humano, possuindo assim um teor de princípio matriz do Direito, ou seja, no direito penal este princípio é considerado genérico, pois a partir dele parte outros princípios mais específicos tendo como exemplo os seguintes: Princípio da legalidade; Princípio da reserva legal; Princípio da intervenção mínima; Princípio da fragmentariedade; Princípio da humanidade das penas; Princípio da irretroatividade da lei penal; Princípio da adequação social. [8]

Com especificação e tendo esse princípio como base surgiu o princípio da humanidade da pena, este visa a vedação de penas degradantes, e o que constitui o grande entrave á adoção de penas perpétuas e capitais; Segundo o mestre Cesar Roberto Bittencourt “Esse princípio sustenta que o poder punitivo estatal não pode aplicar sanção que atinja a dignidade da pessoa humana ou que lesione a constituição físico-psíquica dos condenados”

Outro fator a ser questionado é a questão da falibilidade do sistema processual, que por esse fator as penas cominadas aos agentes acabam infringindo outros princípios, tais como: Proporcionalidade da pena, Princípio do estado de inocência, entre outros princípios.

Retratando o filme, a punição dada a Gale foi iria de contra todos os princípios penais brasileiros tanto os primários quanto os genéricos, pois nesse caso o “criminoso” não teve sequer o direito de se arrepender do provável ato. Para elucidar tão quanto é degradante a pena de morte em Dezembro de 2007 membros representantes dos Estados presente na Assembleia-Geral aprovou uma resolução na qual se pedia formalmente a abolição da pena de morte no mundo. [9]

Conclusão

O artigo exposto buscou mostrar de forma expositiva a relação do filme “A Vida de David Gale” com os princípios da dignidade da pessoa humana e seus respectivos princípios genéricos.

Pelo que foi destrinchado é possível perceber tão quanto se torna necessário buscar a extinção da pena de morte no mundo os argumentos descritos acima explicam de forma concisa a devida afirmação, tendo como exemplo a legislação penal brasileira que não permite a aplicação desta pena degradante exceto em caso de guerra declarada.

O Estado Democrático de Direito tem como obrigação se preocupar com o indivíduo em sua totalidade respeitando o limite desses de seguir as leis regentes.

 

 

Referências

 

[1] http://www.brasilescola.com/sociologia/pena-de-morte.htm

[2] http://edivaldopereirasantos.blogspot.com.br/2013/08/pena-de-morte.html

[3] https://justicanahoradofim.wordpress.com/2011/05/15/pena-de-morte-contexto-historico/

[4] http://www.arnaldogodoy.adv.br/publica/direito_penal_nos_eua.html

[5] http://emporiododireito.com.br/a-legislacao-do-modelo-common-law-sobre-a-pena-de-morte-por-danielle-mariel-heil/

[6] http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,humanizacao-das-penas,44134.html 

[7] http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=2305

[8] http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/2982/A-primazia-ao-principio-da-humanidade-no-Direito-Penal-contemporaneo-em-respeito-a-tendencia-constitucionalizante-do-Direito

[9] https://contrapenademorte.wordpress.com/sobre-a-pena-de-morte/