UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS – CCSA

CURSO DE DIREITO

DISCIPLINA: DIREITO TRIBUTÁRIO

DISCENTES: FELIPE RAFAEL RODRIGUES E SILVA

  PAULA CRISTINA RIBEIRO 

APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA: BREVE ANÁLISE

Montes Claros – MG

Junho /2010

FELIPE RAFAEL RODRIGUES E SILVA

PAULA CRISTINA RIBEIRO

APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA: BREVE ANÁLISE

Trabalho apresentado como requisito para a obtenção de nota parcial na disciplina de Direito Tributário.

Montes Claros – MG

Junho /2010 

1 . INTRODUÇÃO 

                  A aplicabilidade do princípio da capacidade contributiva é, sem dúvida, um relevante tema para discussão, já que a possibilidade de sua utilização como meio para se alcançar a justiça tem interferência na sociedade, sobre a qual surtirá os efeitos de sua aplicação.

                  A importância do debate sobre essa matéria é ainda mais destacada quando se faz uma análise desse princípio face ao que dispõe o caput do artigo 5° da Constituição Federal/1988, que fixa a necessária observância do princípio da isonomia em todos os ramos do Direito, incluindo aí o Direito Tributário.

                Frente aos problemas sociais, especialmente a desigualdade na distribuição de renda no Brasil, em que o país se apresenta com um dos piores índices de distribuição do mundo, o assunto ganha notoriedade em virtude dos efeitos desastrosos que pode ou não provocar, dependendo da adequação de sua aplicabilidade.

               Nesse sentido, se há uma tributação maior sobre quem possui mais renda e uma tributação menor sobre aqueles que não possuem capacidade econômica de suportar a exação tributária há a concretização plena do princípio da capacidade contributiva. No entanto, se essa circunstância não se verificar na realidade dos fatos haverá clara violação não apenas ao princípio supracitado, mas também ao que dispõe o princípio da isonomia.

               Desse modo, faz-se necessário analisar como tem sido a aplicação do princípio da capacidade contributiva, buscando definir se a sua aplicabilidade tem sido realmente favorável à concretização de uma verdadeira justiça social, ou se, ao revés, tem ela contribuído para aumentar as desigualdades sociais existentes no país.         

               Portanto, questiona-se: como tem sido aplicado o princípio da capacidade contributiva? Está sendo ele aplicado de forma absoluta, no intuito de efetivamente garantir justiça e isonomia na tributação?

              Em vista dessas indagações, o presente artigo busca discutir as correntes que apresentam as respostas a tais questões, visando verificar aquela que melhor se adéqua ao sistema tributário nacional e, principalmente, à realidade brasileira.

2. DESENVOLVIMENTO 

               Primeiramente, é salutar, mesmo que de modo bem objetivo e sucinto, estabelecer a definição do termo princípio. Trata-se de uma espécie do gênero norma, que apresenta uma abstração lógica, sendo redigido em textos vagos, de forma bastante genérica.

                Em função dessa circunstância, devem ser sopesados e analisados todos os fatores que envolvam uma situação fática determinada, ao se dar concretude a essa espécie normativa. Ademais, os princípios podem ser considerados também em seu sentido de normas programáticas ou diretrizes, que estabelecem as finalidades a serem buscadas, tendo para alguns, hierarquia elevada.

              Definido o conceito de princípio, interessa agora determinar o que se entende por princípio da capacidade contributiva, que está disposto no artigo 145, parágrafo 1° da Constituição Federal/1988, que assim dispõe:   

Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte. 

                   O que esse dispositivo legal determina, então, é que a tributação deve ser efetuada pelos contribuintes ao Estado em proporção de suas condições econômicas, ou seja, os que apresentam maior capacidade devem pagar mais do que aqueles que, por outro lado, apresentam capacidade menor. Deve-se levar em conta a real capacidade do contribuinte para o pagamento de determinado tributo.

                  Diante do exposto, pode-se chegar à conclusão de que o princípio da capacidade contributiva deve estar em consonância com o que está determinado pelo artigo 5° da Constituição Federal/88, em seu caput, devendo-se tratar igualmente os contribuintes que se encontram em situações idênticas em termos de capacidade econômica. O citado artigo dispõe, pois, que todos devem ser tratados igualmente perante a lei, não podendo haver diferenciações entre os cidadãos.

                O princípio em análise ao estabelecer que aqueles que têm uma condição econômica mais vantajosa contribua mais ao Fisco, coaduna-se ao que expressamente é versado pela disposição constitucional estabelecida no dispositivo supracitado. Há, pois, uma pactuação com o não estabelecimento de privilégios e discriminações.

Por outro lado, pode-se chegar à conclusão de que o princípio da capacidade contributiva é um instrumento para se atingir a justiça, devendo condicionar o legislador de modo a adequar a tributação, impedindo a instituição de tributos excessivos (princípio da razoabilidade), com a preservação do mínimo vital (princípio do não-confisco) (COÊLHO, 2003).

Não se pode, nesse sentido, instituir e cobrar tributo que comprometa os meios de subsistência do contribuinte, ou o livre exercício de sua profissão ou de sua atividade empresarial, ou mesmo o exercício de outros direitos fundamentais, já que tudo isso relativiza sua capacidade econômica (AMARO, 2007).

O princípio da capacidade contributiva, entendido como pressuposto e medida dos impostos em geral é de caráter fundamental ao sistema tributário. Encontra-se, de acordo com Diogo Leite de Campos e Mônica Horta Leite de Campos, intimamente ligados aos princípios da generalidade e da igualdade, ou seja, todos suportarão igualmente a carga tributária conforme a sua capacidade econômica.

Láudio Camargo Febretti, por sua vez, determina que o princípio busca atender a máxima da justiça tributária que é aquela que diz que quem pode mais, deve pagar mais e, por outro lado, quem pode manos, deve pagar menos. (2006, p. 60).

Segundo esse mesmo doutrinador, a capacidade contributiva deve ser aplicada no sentido de se buscar uma tributação cada vez mais justa. (FEBRETTI, 2006, p. 60).

Todos devem, pois, contribuir se tiverem capacidade contributiva, mais ainda, devem contribuir na medida de sua capacidade econômica. “O princípio da capacidade contributiva inspira-se na ordem natural das coisas: onde não houver riqueza é inútil instituir imposto, do mesmo modo que em terra seca não adianta abrir poço à busca de água.” (AMARO, 2007, p. 138). Haverá que se considerar todo o sistema fiscal para determinar se, em si mesmo e nos seus resultados, atinge-se uma justa distribuição da carga fiscal.

De acordo, ainda, com Luciano Amaro, a expressão “sempre que possível”, deve ser entendida como ressalva tanto para pessoalização quanto para própria capacidade contributiva. Dependendo, então, da necessidade de utilizar o imposto com finalidades extrafiscais, esses princípios devem ser observados. (AMARO, 2007, p. 133).

A pessoalização, para o doutrinador, deve ser buscada “sempre que possível”, e se traduz na adequação do imposto a ser cobrado às condições pessoais dos sujeitos passivos. “È óbvio que não se pretende definir na lei o imposto de cada pessoa, mas sim estruturar o modelo de incidência de tal sorte que, na sua aplicação concreta, tais e quais características dos indivíduos (número de dependente, volume de despesas médicas etc.) sejam levadas em consideração para efeito de quantificação do montante do imposto devido em cada situação concreta.” (AMARO, 2007, p. 140).

A adequação dos impostos à capacidade econômica do contribuinte encontra, ainda, reflexos no princípio da proporcionalidade, que dispõe que o gravame fiscal deve ser diretamente proporcional à riqueza evidenciada em cada situação de sua incidência.

O princípio da capacidade contributiva, conexo com o da igualdade, direciona os impostos para a proporcionalidade, nela não se esgotando.

Quanto à sua aplicação em outras espécies tributárias, Luciano Amaro (2007) entende que, apesar da Constituição Federal/88 só se referir aos impostos, pode-se sim estender a sua imputação às demais espécies tributárias. O autor exemplifica com o caso das taxas, em relação às quais o texto constitucional, em diversas situações, proíbe a sua cobrança nos casos em que não é possível antever a existência de capacidade econômica por parte do contribuinte (artigo 5°, LXXVII, por exemplo).

Já para Sacha Calmon Navarro Côelho (2003), a aplicação do referido princípio é mais clara e facilmente concretizada no caso dos impostos, o que não significa, necessariamente, que não deve ser observado no que tange às demais espécies tributárias. Quanto a essas últimas, sua aplicabilidade é feita de forma negativa, analisando-se a “incapacidade contributiva”, hipótese esta que faz surgir remissões e reduções do tributo a pagar, conforme a capacidade econômica do contribuinte.

A capacidade tributária, é claro, sofre limitações, quantitativamente, já que, protege-se o cidadão contra a tributação excessiva e o respeito às necessidades mínimas, dignas dos indivíduos e qualitativa, uma vez que resguardam o contribuinte contra as discriminações arbitrárias. 

3. DISCUSSÃO 

Diante de todas essas explanações, há a indagação sobre a aplicabilidade do princípio da capacidade contributiva no Brasil.

Para os Tribunais brasileiros referido princípio tem sido verdadeiramente considerado, tanto pela legislação ordinária, como pela Administração Fiscal. Esse entendimento pode ser extraído pela análise dos posicionamentos jurisprudenciais mais recentes, que dificilmente acatam as alegações feitas pelos contribuintes de violação do princípio da capacidade contributiva em relação a certas exações tributárias.

Os doutrinadores Diogo Leite de Campos e Mônica Horta Leite de Campos (2001) afirmam que uma tributação justa é imperativo ético de caráter Kantiano, dispondo que a carga tributária deve ser atribuída de maneira ética, justificando, assim, o ordenamento jurídico.

Ademais, Hugo de Brito Machado (2008) esclarece que nem sempre é possível a aplicação do princípio da capacidade contributiva, uma vez que nem sempre é possível definir de forma clara e precisa a capacidade econômica do contribuinte, o que, de certa forma, autorizaria a não aplicabilidade do princípio em questão. Nesse sentido, cita o caso dos impostos indiretos, como o IPI - Imposto sobre Produtos Industrializados, em relação ao qual se calcula o valor do tributo com base no produto industrializado e não tendo em vista quem o consome ou quem o industrializa.

A ocultação do valor real dos tributos cobrados, aliada à elevada carga tributária existente no Brasil conduz indubitavelmente a total falta de aplicação do princípio da capacidade contributiva.

Isso se justifica pelo fato de que, tanto na criação, quanto na aplicação da lei tributária, não há observância à verdadeira capacidade econômica do contribuinte, já que o que se busca com a tributação é prover os cofres públicos de recursos financeiros.

Além disso, apesar de os Tribunais brasileiros se coadunarem com a idéia de que o princípio tem sido verdadeiramente considerado, tanto pela legislação ordinária, como pela Administração Fiscal, o que se pode detectar é que o princípio da capacidade contributiva tem sido pouco aplicado na prática, já que são poucas as decisões que o envolvem.

“O que eu costumo dizer é que, até hoje, esse princípio foi muito pouco aplicado na prática. Eu pesquisei todas as decisões do Supremo Tribunal Federal que aplicaram o princípio da capacidade contributiva e publiquei o resultado no último número da Revista Direito GV. Lá, mostro como, desde 1988 até o ano passado (2009), esse princípio da capacidade contributiva apareceu em pouco mais de 70 acórdãos do Supremo. O primeiro resultado, portanto, indica que ele é muito pouco aplicado.” (PESSOA).     

            Leonel Cesarino Pessoa completa o seu pensamento dizendo que ao analisar as situações em que o princípio é aplicado, o resultado confirma a sua inaplicação no Brasil. 

“Vou dar um exemplo do tipo de aplicação do princípio que é feito pelo Supremo: há duas empresas, uma grande e outra pequena, e ambas têm de pagar uma determinada taxa. O Supremo decidiu que, ainda que a Constituição disponha literalmente que o princípio da capacidade contributiva deva ser aplicado apenas a impostos, ele deve ser aplicado também às taxas. Do ponto de vista da justiça distributiva, esse tipo de problema é, a meu ver, muito pouco relevante. Diria que é quase irrelevante. Não tenho conhecimento de ninguém que tenha levado, até o Supremo, questões como, por exemplo, da incidência dos impostos indiretos sobre o consumo de pessoas que se encontrem na zona de mínimo vital.” (PESSOA).       

4. CONCLUSÃO 

Tendo em mente tudo o que foi exposto, conclui-se que a aplicabilidade do princípio da capacidade contributiva não é executada plenamente, se for analisada de maneira precisa a realidade da sociedade e legislação brasileiras.

 Assim, quando se pensa por impulso, como é habitual, que a carga tributária é maior para aqueles que auferem maior renda e menor para aqueles que, pelo contrário, tem uma menor capacidade econômica, deixa-se de apurar detidamente se tal disposição é efetivamente aplicada num contexto social, como o do Brasil, em que prevalece uma clara desigualdade econômica entre os indivíduos.

É claro que, com a aplicação do princípio da capacidade contributiva, tem-se o intuito de alcançar a justiça e o princípio da isonomia já explicitado, mas se tal preceito não for, e não o é, imposto plenamente, esses ideais são atingidos em sua efetividade.    

 Nesse sentido, pode-se citar os impostos indiretos, nos quais quem arca com o ônus fiscal é o contribuinte de direito, havendo, contudo, o repasse desse ônus para o contribuinte de fato, que são os consumidores finais. No entanto, quem verdadeiramente sofre as conseqüências da imposição tributária, muitas vezes, são pessoas de parca capacidade econômico-financeira, cuja renda não ultrapassa a zona de mínimo vital. Nesse caso, não deveriam pagar imposto, entretanto, pagam.

Como foi visto, ainda, pode-se destacar que as decisões judiciais são poucas quando se trata do princípio da capacidade contributiva e mesmo as situações em que ele é aplicado, não se mostram relevantes.

Por fim, é de suma magnitude esclarecer que a falta da aplicabilidade do princípio da capacidade contributiva atinge, é claro, toda a sociedade, pois tal princípio diante dos problemas sociais, especialmente a desigualdade na distribuição de renda no Brasil, apresenta extremo valor, vez que reflete no princípio da isonomia e no conceito de justiça.

REFERÊNCIAS:

AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 13.ed. São Paulo: Saraiva, 2007. 

CAMPOS, Diogo Leite de; CAMPOS, Mônica Horta Neves Leite de. Direito Tributário. 2.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. 

COÊLHO, Sasha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 6.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. 

FABRETTI, Láudio Camargo. Direito Tributário Aplicado. São Paulo: Atlas, 2006.

HARADA, Kiyoshi. Exame crítico do Sistema Tributário Nacional no ano em que Constituição Federal alcança a sua maioridade. Porto Alegre: Magister, 2009. Disponível em: www.editoramagister.com.br. Acesso em: 26/06/2010, 15:30.

PESSOA, Leonel Cesarino. Programas de distribuição de renda corrigem o sistema tributário. Disponível em: www.unisinos.com.br. Acesso: 26/06/2019, 13:40.

SEGUNDO, Hugo de Brito Machado. Direito Tributário e Financeiro. v.24, 3.ed. São Paulo: Atlas, 2008.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 21.ed. São Paulo: Malheiros, 2002.

SOLBERG, Rafael, Gondim D’Halvor. A concepção aristotélica de justiça. Disponível em: www.webartigos.com.br. Acesso em: 26/06/2010, 10:30.