APLICABILIDADE DO INCISO IV DO ENUNCIADO 331 DO TST AOS CONTRATOS DE TERCEIRIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Foi primeiramente na esfera das relações públicas que a terceirização foi introduzida e se desenvolveu no Brasil. Como mentor da terceirização brasileira, o Poder Público estabeleceu como alvo o aprimoramento das estratégias de administração, descentralizando ao máximo as atividades sob sua direção.

Atualmente, o Estado vem se servindo de diversos mecanismos para tentar reduzir seu papel como prestador de serviços, em busca de uma maior eficiência, e também a fim de enquadrar-se como estimulador e controlador dessas atividades. Dentre eles, estão a privatização, a flexibilização, a desregulamentação, a concessão, a permissão e a terceirização. Esta última constitui hoje, um dos meios de modernização da estrutura estatal e, ao contrário do que se pensa, sua regulamentação ocorre de forma dispersa em alguns dispositivos legais relativos à Administração Pública.

O Tribunal Superior do Trabalho, buscando normatizar a matéria, editou Súmula trabalhista em confronto direto com a Legislação de Direito Público, no tocante à responsabilidade na Terceirização Pública. O Enunciado 331 do TST, instituído pela Resolução n° 96/2000, que representa uma revisão do Enunciado 256 editado em 1986.

É preciso refletir, portanto, de que forma o inciso IV do Enunciado 331 do TST insurge-se contra princípios constitucionais e administrativos no tocante à responsabilidade subsidiária do Estado pelos encargos trabalhistas decorrentes do contrato de terceirização.

OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS ADMINISTRATIVOS E O INCISO IV DO ENUNCIADO 331 DO TST

Em se tratando de terceirização no setor público, não há que se falar em relação de trabalho, uma vez que a relação jurídica será estabelecida entre o Estado e uma pessoa jurídica de direito privado. Trata-se, portanto, de um contrato administrativo, devendo ser, por esse motivo, regido conforme institutos, princípios e normas próprias do Direito Administrativo. A lei que regula os contratos firmados perante a Administração Pública é a Lei 8.666/93, que traz no seu artigo 71 disposição expressa a respeito da responsabilidade administrativa por encargos trabalhistas decorrente de contratos de terceirização, in verbis:  a inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento. Destarte, em respeito ao Princípio da Legalidade, consagrado no art. 37, caput, segundo o qual à Administração Pública só é dado fazer aquilo que a lei expressamente autoriza ou permite, diferentemente dos particulares que, pelo princípio da autonomia da vontade, podem fazer tudo o que a lei não proíbe, em consonância com o art. 5°, II, da CF, não seria possível a aplicação do inciso IV do Enunciado 331 do TST aos contratos de terceirização firmados perante a Administração Pública.

Juntamente com o Princípio da Legalidade, o Princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o Particular constitui a base do Direito Administrativo, na medida em que assinalam a bipolaridade existente nesse ramo do direito, qual seja a liberdade do indivíduo e a autoridade da Administração, e também porque é a partir deles que serão construídos todos os demais princípios. A aplicação do inciso IV do enunciado 331 do TST representa um afronto ao Princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o Particular, visto que, pode representar um incentivo a fraude, em detrimento do interesse público, uma vez que o patrimônio público não pode ser considerado remédio para todos os males, não devendo, dessa forma, o Estado ser responsabilizado individualmente por obrigações devidas por terceiros. A Consolidação das Leis Trabalhistas, em seu artigo 8° destaca a importância do Princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o Particular, enfatizando que na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão o caso concreto pela jurisprudência, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.

Ao terceirizar um serviço que não compõe a atividade-fim de determinado setor da Administração Pública, o Estado não faz nada mais do que por em prática o Princípio Administrativo constitucionalmente consagrado da Eficiência, segundo o qual o Poder Público deve otimizar suas atividades observando o trinômio: qualidade, celeridade e menor custo. O fenômeno da terceirização visa exatamente possibilitar que o ente público concentre seus esforços gerenciais em sua atividade principal, especializando por outro lado, a atividade meio, que será, então, gerida por uma empresa que tem como sua atividade-fim propiciar a redução dos gastos públicos. Ora, se além da qualidade, um dos objetivos da terceirização do serviço público é a contenção de despesas, não há que se falar em responsabilidade subsidiária, uma vez que se responsabilizando por verbas trabalhistas, a Administração Pública desvia-se de sua finalidade que é justamente a minoração de despesas. Deste modo, ao dar prevalência ao Enunciado 331 do TST em detrimento da Lei 8.666/93 estar-se-ia inviabilizando a utilização da terceirização por parte do Estado, pois ele assumiria as funções de um segurador universal dos débitos trabalhistas devidos pelas empresas com as quais celebra contrato de prestação de serviços.

A utilização de finanças públicas para qualquer outro fim, que não seja o disposto no contrato, caracterizará desvio de finalidade, um confronto bilateral com a lei e com o Princípio da Indisponibilidade do Interesse Público, em razão do qual os poderes conferidos à Administração não são dotados de facultatividade, mas ao contrário, constituem verdadeiros poderes-dever, isto é, poderes que não podem deixar de ser exercidos sob pena de responder por omissão. Dessa forma, aplicar o inciso IV do Enunciado 331 do TST aos contratos de terceirização firmados com a Administração Pública representaria justamente o citado confronto bilateral entre a norma e o Princípio.

Ressalte-se que além de afrontar princípios Administrativos, tais como os princípios da Legalidade, da Supremacia do Interesse Público sobre o Particular, o princípio constitucionalmente consagrado da Eficiência, e o princípio da Indisponibilidade do Interesse Público a orientação jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho também se insurge contra princípios constitucionais como o Princípio da Tripartição dos Poderes, base do sistema Democrático de Direito, pois na medida em que os magistrados trabalhistas aplicam aos contratos administrativos de terceirização o Enunciado 331 do TST, como fonte subsidiária de solução de conflitos, estão ultrapassando a esfera da relação entre particulares para adentrar na esfera do Direito Público, criando obrigações, que ao ente estatal somente podem ser impostas por lei.

É evidente, portanto, que o Tribunal Superior do Trabalho editou Enunciado ferindo flagrantemente princípios do Direito Administrativo, além de princípios consagrados na nossa Carta Magna, a Constituição da República, no tocante a responsabilidade subsidiária estatal pelos débitos trabalhistas nos contratos de terceirização feitos pela Administração Pública.

CONCLUSÃO:

A falta de legislação específica sobre a terceirização dá margem, para que certas empresas, envolvidas pela sede do lucro incessante, abusem desse tipo de contrato, transformando a Administração Pública em um mecanismo de isenção de encargos trabalhistas.

Apesar do Enunciado 331 do TST incluir em seu texto a Administração Pública, a doutrina e a jurisprudência ainda são bastante conflitantes. Há os que defendem a responsabilização subsidiária estatal e outros a isenção da responsabilidade estatal.

É clara a intenção do judiciário trabalhista de proteger o obreiro, hipossuficiente na relação de emprego, da inadimplência de seu empregador. Entretanto, com a edição da súmula, constata-se que da sua aplicação pode resultar a defesa de um princípio trabalhista Princípio Protetor em detrimento de princípios que constituem alicerce do Direito Constitucional e Administrativo.

No nosso ordenamento jurídico, de estrutura piramidal, as normas jurídicas devem se harmonizar, sob pena de padecerem do vício da legalidade. As normas constitucionais ocupam posição de prevalência, sendo o fundamento de validade de todas as demais. Dessa forma, devem os magistrados, ao fazerem a subsunção do fato à norma buscar sua harmonia entre elas para que se alcance a justiça e a segurança jurídica das decisões judiciais.

Os enunciados do Tribunal Superior do Trabalho, de orientação jurisprudencial, são instrumentos eficazes para traçar nortes aos operadores do direito por demonstrarem a estes a forma com que determinados tribunais interpretam dispositivos legais. Contudo, jamais se pode admitir a utilização destes com o intuito de negar a aplicabilidade de dispositivo legal que se encontra plenamente em vigor.

A questão é polêmica, daí o interesse pelo tema, tanto que há diversas correntes jurisprudenciais conflitantes nos Tribunais Trabalhistas de todo o Brasil, e inclusive dentro do próprio Tribunal Superior do Trabalho. O presente artigo pretende contribuir para o debate e a reflexão permanente sobre o tema, sem pretender esgotá-lo, cuja tendência é ganhar contornos de grande magnitude, pois a terceirização vem tomando corpo na moderna administração, seja ela pública ou privada.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS :

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